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Os Marotos: O Livro da Escuridão (Livro 2)

Summary:

Após um início de ano letivo conturbado, os Marotos precisam enfrentar novos desafios, colocando à prova a força do seu amor e da amizade.

Enquanto Sirius e Remus desenvolvem o seu relacionamento, escondidos dos Blacks, James precisa lidar com o afastamento de seus dois melhores amigos e ser sincero consigo mesmo sobre os seus verdadeiros sentimentos. Conseguirá ele superar o seu envolvimento com Sirius e Remus ou a sua atração falará mais alto, a despeito da seu aparente interesse por Lily?

Entrementes, Voldemort se fortalece no Reino Unido e Hogwarts sente o impacto da nova ordem de segregação racial. Mas a Escola de Magia e Feitiçaria não sucumbirá fácil diante do início da Primeira Grande Guerra, contando com o poder de seus notáveis professores, corajosos alunos, magia e forças ocultas que circundam os muros e os gramados da Escola.

** Sequência de "Os Marotos: o Livro das Sombras" publicado nesta mesma plataforma.

Notes:

"O mundo não se divide em pessoas boas e más. Todos temos luz e trevas dentro de nós. O que importa é o lado o qual decidimos agir."

(Sirius Black)

Chapter 1: Príncipe Negro

Chapter Text

 

https://www.youtube.com/watch?v=jsxWZAkQR30

 

Foram dias arrastados e constrangedores aqueles no quinto ano em que Sirius e James se evitavam.

Os dois rapazes, outrora amigos, não mais se falavam. Durante as aulas, os dois, deliberadamente, se sentavam afastados.

Na Sala Comunal, no dormitório, nos pátios, se um se encontrava no recinto, o outro se retirava. Um abismo invisível se desenhava entre os dois amigos e tanto Sirius quanto James não pareciam dispostos a encurtarem a distância criada. Ao redor deles, mesmo alguns professores percebiam a atmosfera que se respirava em agoniada asfixia. E como se o tempo espelhasse os humores dos dois grifinórios, após uma semana de tempo extremamente seco, os céus se tornavam cinzentos novamente naqueles dias em Hogwarts. Ao fim da tarde, era comum uma chuva ruidosa despencar sobre os telhados enquanto veias de raios violetas rabiscavam os céus.

Remus também sentia sobre os seus ombros o peso daquelas semanas, visto que o silêncio de James se estendia a si mesmo por causa do seu relacionamento escandaloso, insistente e traidor com Sirius Black.

Então, dias depois de retornar do seu ciclo lunar, o rapaz de cabelos castanhos apertou as mãos frias imbuindo-se de coragem, e procurou por Potter, que, sozinho, brincava distraidamente no pátio da Escola com um pomo de ouro enquanto sustentava o olhar distante.

"Acho que devo a você um pedido de perdão. Me desculpa, James..." - declarou Lupin, ajustando os óculos sobre a vista em uma das suas maiores empreitadas - "De verdade, me desculpa!"

James olhou o rapaz de cabelos castanhos com um lampejo de ironia antes de expressar um olhar mais sério diante do rosto preocupado de Remus.

"Por quê?"

"Como por quê?! Você sabe! Eu estive com o Sirius enquanto vocês dois estavam juntos! Acho que nada do que eu disser pode apagar isso. Sei que você deve estar com raiva e triste, mas fala comigo, por favor! Grita, fica bravo, diz o que você tá sentindo. Eu mão me importo, mas vamos conversar, ainda que não possa me perdoar!"

James guardou finalmente o pomo de ouro no interior do bolso das suas vestes e mexeu nos óculos sobre o nariz após respirar fundo.

"Você tá arrependido de ter ficado esse tempo todo com o Sirius?"

Remus fechou os olhos durante um momento e refletiu por um segundo antes de responder.

"Não, mas..."

"Se eu dissesse que tô puto, muito puto, você o deixaria? Deixaria de ter vontade de estar com ele?"

Remus fechou novamente os olhos.

"Não, mas James..."

James sorriu o seu sorriso enviesado.

"Então, por que você tá me pedindo desculpa afinal...?"

"Porque eu me sinto muito culpado!"

"E o que que eu faço com a sua culpa? Ela não me serve de nada!"

Remus engoliu em seco e arriscou de novo:

"Você me odeia?"

James olhou para o lado como se a pergunta o deixasse desconfortável. Depois, respirou fundo, virando o rosto e evitando o olhar do amigo.

Remus arriscou um pouco mais e se sentou ao lado de James no banco de pedra. O rapaz de cabelos rebeldes indagou, após ver os olhos do amigo se avermelharem:

"Você gosta tanto do Black assim?"

Remus baixou o olhar, assentindo com a cabeça.

"...O Black disse na nossa briga que gosta muito de você..."

"E de você também, James..."

O rapaz de cabelos rebeldes crispou os lábios, estalou a língua e retrucou com mau-humor, após um trovão ser ouvido ressoando entre nuvens pesadas cor de chumbo sobre os vilarejos de Hogsmeade:

"Cachorro louco! Que ele não me ouça dizer isso, mas Sirius tem realmente o sangue dos Blacks. Detesto ele!"

"Não, não detesta!" - falou Remus com uma expressão séria - "Você só tá com raiva! Muita raiva!"

James respirou fundo e com uma expressão carrancuda, enfiou as mãos nos bolsos, olhando para baixo. Após alguns segundos, Remus estendeu a mão pálida e tocou no ombro do amigo, acariciando-o de leve.

"... Ei, se abre comigo!"

James fitou a mão de Remus o tocando e ruborizou um pouco. Depois, desvencilhando-se com alguma delicadeza, ele desviou o olhar, estalando os dedos e criando uma fagulha de fogo entre os dedos com a qual se pôs a brincar.

"Não tem nada pra me abrir sobre. De certa forma, foi um bom timing você e o Black ficarem juntos porque tô gostando de outra pessoa."

Remus viu o olhar de James passear pela multidão que se concentrava no pátio, detendo-se num grupo de alunos quintanistas que atravessava o espaço e, no qual, encontrava-se alguns rostos conhecidos.

Sirius já havia mencionado essa parte da briga para Remus. E, com um desconforto estranho, o rapaz de cabelos castanhos havia absorvido essa informação. No entanto, perante James, ele preferiu usar a sua máscara sonsa, fingindo desconhecimento e obtendo mais dados que o humor explosivo de Sirius poderia captar.

"Uma outra pessoa?"

"É, uma menina. Não foi planejado, mas também quando percebi o que tava sentindo, não me esforcei pra parar de sentir."

Remus estava agora com os lábios entreabertos e mergulhava em uma reflexão profunda. Quantas vezes ele já havia visto James Potter enroscado com garotas, apesar de que desde o fim do quarto ano, ele só o via com Sirius. Por que aquilo o incomodava agora?

"Quem é ela...? Ela é da Grifinória?"- indagou Remus, empalidecendo um pouco ao constatar em si mesmo uma ponta de ciúme pelo reinício da temporada de caça potteriana.

"Prefiro não falar. O Sirius já odeia ela, sem nem saber quem ela é."

Remus viu sob aquele cobertor cinzento do fim de tarde James enrubescer suavemente ao fitar o grupo distante de alunos. O rapaz de cabelos castanhos endireitou os óculos, achando-se egoísta por se sentir tão incomodado.

Remus estava com Sirius e era um milagre James estar falando ainda com ele. Ele deveria desejar que o amigo encontrasse outra pessoa e fosse feliz em vez de sentir um estranho formigamento no rosto e um entorpecimento no canto dos lábios onde deveria se desenhar um sorriso. O que ele esperava afinal? Que os três amigos pudessem viver como um fim de tarde eterno de verão? Que pudesse ser sempre eles três como já havia sido uma vez?

Qual menina havia entrado na cabeça de Potter daquele modo, questionou-se Remus. Era ela quem o levaria embora?

"O que vai fazer então? Vai chamar ela pra sair?"

"Eu já chamei uma vez, mas ela disse não. Agora, não sei ainda..." - respondeu James, com o feitiço de fogo apagando entre os seus dedos e deixando só uma fuligem com pontos alaranjados se dissolvendo no ar.

Remus assentiu e, depois de um silêncio longo, ele arriscou:

"Posso continuar sendo seu amigo, James Potter?"

James não pode deixar de perceber o canino do amigo que parecia mais saliente e torto do que o habitual no seu sorriso hesitante. Os seus olhos piscavam e as suas retinas eram muito amarelas, mesmo sob o tempo cinzento.

Que droga! Por que James não podia mandá-lo para o quinto dos infernos igual havia feito com Black? Honestamente, pelo tamanho do que Remus havia aprontado, isso era o mínimo. Às vezes, James achava que Remus tinha um poder secreto de entorpecer os amigos enquanto eles eram fodidos por ele por todos os lados. Por que James não conseguia se emputecer com Remus quando ele merecia um troféu de canalha de quinto ano? Até parece que Sirius havia fornicado na Floresta Proibida sozinho...

Remus sorriu um pouco mais, ostentando o canino que o deixava com uma aparência um tanto infantil. James revirou os olhos nas órbitas, engolindo a vontade de mandar o amigo para um lugar inóspito.

"Cacete, pode! De estúpido, basta o Sirius e não tô a fim de ficar sem você também."

"Você tá bastante chateado com ele ainda, não é mesmo?"

"E com você também, Remus John Lupin. Você e o fodido do Black são o caldeirão e a tampa." - remoía James, pensando qual era o truque de Remus para colocá-lo no bolso e engabelá-lo, antes de empurrar o sentimento para o lado, assim como diariamente empurrava para o lado a lembrança de que ele já vira mais de Remus do que aquele sorriso.

"Tô. Ele contou pra você todas as baixarias que dissemos um pro outro na Torre de Astronomia?"

Remus sacudiu a cabeça.

"Ele se fechou sobre esse assunto. Não me contou muito e tava transtornado quando voltei da Casa dos Gritos. Sirius ficou no dormitório andando de um lado pro outro e quebrou algumas coisas. Parecia com muita raiva. Na verdade, foi bem perturbador." - lembrou-se o monitor grifinório, ajustando os óculos - "No entanto, quando eu achei que ele estivesse bem para conversar, não quis falar sobre o assunto e toda vez que tento mencionar a briga de vocês dois, ele se fecha. Parece que tá fugindo do que aconteceu... Em outras palavras, Sirius deve estar sofrendo muito."

Remus se deteve um momento, fazendo finalmente a outra pergunta que o levara até o amigo.

"...Como você tá, James? A sua forma de sofrer nunca foi muito clara pra mim..."

James ponderou um tempo e respondeu da forma que lhe era possível.

"Nunca estive melhor."

Remus soltou um ruído de incredulidade e abraçou James, encostando a sua cabeça na do outro rapaz.

"Eu amo vocês dois, James Potter. Sempre amarei vocês dois! Me desculpa por ter te magoado. Por ter nos magoado. Eu sei que fui terrível."

James olhou o amigo de soslaio e fechou os olhos, arriscando acariciar as madeixas de Remus depois de relutar um pouco. O perfume trouxa do xampu se elevou no ar e James respirou fundo.

Era por isso que ele não conseguia detestar Remus. O grifinório era aquela parte conciliadora do caos que estabilizava humores e desmantelava tempestades, mesmo quando ele era parte do problema. 'Eu amo vocês dois' não era o esperado de se ouvir quando o mundo estava desmoronando. Francamente, o senso bélico de Remus era uma droga.

Os dois rapazes permaneceram um tempo em silêncio, remoendo os seus pensamentos. Dessa vez, James não afastou o amigo e aceitou o seu abraço, indiferente aos olhares curiosos dos outros estudantes que passavam por eles no pátio.

James levantou após alguns minutos, instintivamente, o olhar para a janela do dormitório quando um vulto se moveu no interior do quarto que era seu. Ele suspirou antes de falar.

"Quero voltar para o dormitório, mas preciso esperar Sirius sair. Droga! Preciso treinar a transfiguração de Animagus, mas dependo daquele imbecil para praticar. E o treino de Quadribol hoje foi um fiasco porque Sirius substituiu o Wood que tá com o braço quebrado e deixou todos os balaços voarem na minha direção de propósito! Me lembre de jogar um bom feitiço naquele idiota se algum dia voltar a falar com ele."

James ouviu Remus rir próximo a sua orelha, arrepiando um pouco a sua pele e permaneceu sob o seu abraço, sem afastar o rapaz de cabelos castanhos e sentindo uma parte contrariada do seu coração se aquecer.

 

 

Remus, ao entrar no dormitório grifinório, deparou-se com Sirius deitado em sua cama, segurando uma revista de Quadribol diante do rosto.

"Por que tá aqui sozinho?"

"Porque você tava lá embaixo com o Potter. Pelo visto, tinham muito o que conversar... Vi vocês dois da janela."

Remus respirou fundo antes de responder de maneira calma.

"Qual é, Sirius!? Ele é meu amigo. E seu também! Sei que sente falta dele. Por que não deixam as desavenças de lado e...?"

"Não é tão simples."

"Nós erramos! Por que você não tenta conversar com ele como eu fiz e...?"

"Chega, Remus!"

O modo ríspido com que Sirius falou cortava qualquer possibilidade do assunto se estender. Remus sabia que, naqueles momentos de chateação, era melhor não contrariar o outro rapaz a fim de não inflamar ainda mais os ânimos.

Remus, diante das sobrancelhas contraídas de Black, permaneceu em silêncio por um instante. Depois, ele suspirou e foi remexer alguns livros de feitiço que se encontravam no fundo de seu malão. Quando Remus ergueu os olhos, foi atraído instintivamente para uma caixa de doces finos com o selo dourado de uma confeitaria famosa de Hogsmeade. O pacote se encontrava abandonado sobre a escrivaninha de Black.

"De onde saiu isso?"

Sirius respondeu, voltando a sua atenção para a revista que lia.

"Se está se referindo aos doces, ganhei de presente de uma garota que conheço só de vista e da qual nem lembro o nome. Não são meus favoritos e os deixei aí."

Remus franziu o cenho e comentou com azedume:

"Deve ter aí poção do amor suficiente pra você formar com ela uma família e ter vários herdeiros Blacks catarrentos morando na casa de seus pais. Sabe que eu e a Parker, como monitores, estamos cortando um dobrado tentando evitar que poções do amor circulem pela Grifinória. Não devia ter trazido isso para o dormitório!"

Sirius tirou novamente a revista da frente do seu rosto. Ele estava ainda com as suas roupas do treino de Quadribol e tinha na boca um cigarro apagado. Seus cabelos compridos caíam pelas costas presos em um rabo de cavalo.

"Sei nem o nome dela, Remus. Só aceitei porque ela praticamente jogou o presente em cima de mim e saiu correndo. Pode jogar fora se quiser."

Sem hesitar, Remus jogou a caixa de doces na lixeira do banheiro. Sirius acompanhava o outro rapaz com o olhar enquanto este voltava a sua atenção novamente para os livros. Silenciosamente, Sirius tirou a varinha de dentro das suas vestes, lançando um feitiço leve que puxou Remus para perto de si. Com um ranger suave da cama, o rapaz de cabelos castanhos foi forçado a se sentar perto do namorado. Sirius o puxou para um abraço.

"Aposto que você já deve ter tomado poção do amor de alguma dessas garotas de Hogwarts sem nem ao menos saber." - murmurou Remus um tanto carrancudo.

Sirius ficou pensativo durante um segundo e ia guardar a lembrança só para si se Remus não percebesse aquele olhar vago e o obrigasse a falar.

Um tanto sem graça, o rapaz de cabelos compridos se pôs a contar.

"Teve duas garotas veteranas da Sonserina que, certa vez, cismaram comigo e com o Potter. Elas compraram cerveja amanteigada e ofereceram para nós dois em Hogsmeade. Quando dei por mim, estava em uma cabine do banheiro beijando e tocando os peitos de uma desconhecida. Quando saí da cabine, vi o Potter com cara de tonto e a braguilha aberta saindo do box ao lado... Slughorn disse que possivelmente era uma poção fraca, cujo efeito durou somente alguns minutos. Fomos atacados.... Essas garotas são terríveis!"

Remus olhava Sirius com desagrado.

"Dois idiotas, você e o James."

"Mas as denunciamos para os monitores e elas foram penalizadas severamente. Ninguém toca em Sirius Black sem a permissão dele!"

Sirius, percebendo que o azedume de Remus não se dissipava, acalmou-o, levando a sua mão aos lábios para lhe dar um beijo suave.

"Poções do amor não criam amor real. Eu prefiro ir para o banheiro com você, lobinho."

E, com delicadeza ainda, o jovem de cabelos compridos começou a percorrer com as pontas dos dedos as costas do outro rapaz até a sua cintura. Remus soltou uma risada.

"Está fazendo cócegas!"

Sirius retribuiu ao sorriso.

"Ótimo! Até que enfim uma risada. Prefiro você assim."

Sirius continuou seu caminho com os dedos nas costas de Remus, acariciando-o agora por baixo da blusa até que as carícias começassem a arrepiar a pele do outro rapaz. Sirius o olhou com um meio sorriso.

"Gosta disso?"

"..."

"E disso?" - indagou Sirius, tornando a sua carícia mais íntima.

Os olhos de Remus se deitaram, então, sobre o corpo de Sirius deliberadamente, achando-o atraente com aquele uniforme com as cores da Grifinória. Sirius sabia que Remus tinha uma queda especial por ele com aquela roupa e desde que descobrira isso, parecia que o jovem enrolava ao máximo para trocar as vestes quando voltava dos treinos.

Remus se curvou para beijar Sirius. Foi um beijo longo em que o rapaz de cabelos compridos puxava o outro para si, invadindo aqueles lábios rosados, massageando a ponta da língua de Remus com a sua. A mão de Black escorregava para a calça do garoto de cabelos castanhos conforme a sua respiração se tornava mais pesada e alguns gemidos escapavam da boca do outro.

O prazer percorria Remus com uma intensidade pungente e Sirius contemplava aquelas retinas cor de âmbar, que sob a luz do quarto pareciam adquirir um tom de amarelo pouco habitual.

Sirius teria avançado em suas investidas, mas foi impedido por Remus, que argumentava que Pettigrew ou James podiam chegar a qualquer momento. O garoto de cabelos compridos, então, enterrava o rosto no pescoço do outro, subia a língua até aqueles ouvidos, murmurando obscenidades que deixavam Remus com uma febre voraz. Sirius descobrira aquele prazer no outro há pouco tempo e, desde então, murmurava-lhe coisas que deixariam qualquer um subindo pelas paredes.

Foi quando Sirius se dava quase por vencido diante da prudência do outro jovem que Remus, sentindo-se subitamente não mais tão preocupado com a porta do dormitório que podia ser escancarada a qualquer segundo, deparava-se com um desejo súbito, urgente, que subia por seu corpo, suas faces e que chegava a deixá-lo tonto.

Repentinamente, tudo o que importava era ele deixar Sirius fazer todas aquelas depravações que ele lhe murmurava que tinha vontade de fazer. Que Remus também queria fazer... Seus pensamentos não pareciam mais tão racionais e alguma coisa dentro de si o empurrava para a sua vontade, para sua ânsia, trazendo à tona uma estranha certeza de que elas eram tudo o que importavam. Talvez Sirius tivesse realmente o acendido com as suas carícias ou ainda, talvez Remus estivesse mais sensível ao toque naquela semana.

Então, deixando-se controlar por aquele ímpeto que se renovava e confundia todos os seus sentidos, Remus se sentou sobre o outro rapaz movendo o corpo e reacendendo a chama do sexo que pulsava sob a calça de Sirius e em sua própria virilha.

"Remus, assim não vou conseguir me segurar...! Nossa..." - murmurou Sirius, tentando impedir os movimentos do outro rapaz ao mesmo tempo que se deixava levar, fechando os olhos, jogando a cabeça para trás e mexendo os quadris.

O garoto de cabelos castanhos sorriu e tirou a mão de Sirius da sua cintura, segurando o pulso do jovem de cabelos compridos próximo à cabeceira da cama. Ele fez a mesma coisa com a outra mão enquanto retomava seus movimentos, sustentando o olhar do outro. Remus puxou por último, a sua própria gravata, cujo nó estava defeito, para amarrar as mãos de Sirius na estrutura de madeira. Um sorriso meio nervoso passou pelo rosto do rapaz de cabelos compridos.

Havia algo muito pontual e humano que Remus havia aprendido no seu breve namoro com Carlson e nas suas primeiras experiências fazendo amor. Ser desejado era o maior desejo das pessoas. Ser para o outro antes de tudo fonte de prazer cego, infinito, urgente era uma satisfação primária.

Quando se atirava rapazes como Carlson ou Sirius naquela posição de serem quase um objeto de satisfação, eles iam querer se demorar nela; sentindo como se seus sexos fossem vitais, como se eles existissem só para proporcionar prazer, para preencher, para meter e estimularem o gozo.

Namorar Carlson, talvez, tenha sido um erro para Remus se pesasse só o seu coração e a dor que causara ao gentil rapaz da Corvinal. Mas, considerando-se aquela arte de tocar e se deixar ser tocado, como ele havia aprendido em tão pouco tempo!

Remus não era mais o rapaz que havia estimulado Sirius em um escritório vazio com a mão e sentira o seu rosto queimar de vergonha no dia seguinte. Também não era mais o rapaz inexperiente que, diante de Potter e Black, fora instruído por eles em como lhes proporcionar prazer. De forma que, quando Remus fizera amor com Sirius na Floresta Proibida pela primeira vez há poucas semanas, o rapaz de cabelos castanhos já se sentia um homem e não um menino assustado. Deixara Sirius conduzir o sexo na ocasião, mas era ele que, ao acolher o corpo do outro dentro do seu, sabia prolongar o prazer de Black com seus movimentos e carícias.

No dormitório, Sirius mirava o outro rapaz com um interesse renovado como se o visse sob uma outra luz. Desde que ficaram juntos na Floresta Proibida, os dois haviam dormido juntos de novo uma única vez. O mal-estar gerado pela briga com James somado à quantidade de provas e deveres escolares não estavam os favorecendo.

Sirius mergulhou o rosto no pescoço pálido de Remus, sentindo o seu corpo ansiar por aquela intimidade conforme o rapaz de cabelos castanhos o beijava com voracidade e começava a tocá-lo também.

Foram as batidas na porta que forçaram Sirius e Remus a se desvencilharem a contragosto. Na verdade, Remus já havia escutado os passos de Pettigrew na escadaria enquanto ele se dirigia ao dormitório. O colega trazia um chaveiro preso à mochila que também o denunciava. Rapidamente, Remus se deteve tentando desfazer o nó da sua gravata no pulso de Black, mas se atrapalhou com Sirius que, nervoso, tentava puxar também a própria mão.

Por fim, desistindo de libertá-lo, Remus cobriu Sirius com o cobertor de sua cama ao mesmo tempo que ocultava o seu baixo ventre com a revista de Quadribol que Sirius lia. Pettigrew havia adquirido o hábito de bater na porta de seu próprio dormitório após ter surpreendido Sirius com James ou com Remus em ocasiões anteriores.

O rapaz de cabelos muito claros e rosto redondo parou na porta com a boca aberta, vendo obviamente que havia interrompido um momento íntimo dos dois amigos. Ao se deparar com Sirius amarrado na cabeceira da cama e Remus sentado ao seu lado, Pettigrew levou a mão à cabeça com uma expressão de ruína.

"Porra, no dormitório não... Tanta gente nessa maldita Escola e eu tive que acabar tendo que dividir o meu quarto com um bando de pervertidos. Eu preciso trocar de quarto urgentemente... Às vezes, acho que eu devo ter feito algo de muito ruim pra conviver com um bando de homem que se pega em vez de alguns bons amigos que falem de Quadribol, tomem uma cerveja amanteigada ou joguem xadrez. No dormitório, não, caralho! Eu já falei!"

Após uma breve reclamação, Pettigrew disse que trazia um recado para Remus de que ele estava sendo solicitado como monitor por McGonagall para supervisionar uma atividade com os alunos do primeiro ano.

Sirius e Remus deixaram de ter uma expressão pesarosa somente quando se recompuseram. Os dois, incomodados por serem interrompidos por Pettigrew e, ao mesmo tempo, cientes de que ele tinha alguma razão no que pontuou, esperaram seus corpos dispersarem o desejo que há pouco os assaltara.

"Suas crianças catarrentas no fim das contas, Lupin." - provocou Sirius sarcasticamente o namorado quando Remus se preparava para atender à solicitação da Professora McGonagall de ajudar na atividade junto ao primeiro ano. Contudo, Black acabou aceitando o pedido do outro rapaz para que o acompanhasse na tarefa.

O que eles queriam fazer e ficou inacabado seria feito depois. Os dois só precisavam encontrar uma forma de ficarem a sós novamente em uma Escola interna de magia com a privacidade de um cortiço.

Bastou os dois garotos saírem do quarto e passassem pela Sala Comunal para que James rumasse para o dormitório com um rosto cansado e um pesado livro em seus braços.

No corredor, Sirius apontou para Remus a garota que havia lhe presenteado com doces de Hogsmeade, sem parecer dar muita importância ao fato. Remus, contudo, mirou a jovem de cima a baixo quando esta se voltou para as amigas com risinhos e cochichos dentre os quais se entreouviu o nome de Black.

"Lennon!" - chamou Remus.

Com alguma surpresa, a garota girou a sua cabeça de fios loiros e cacheados para o monitor da Grifinória que a chamava. Os dois foram para um canto do corredor durante um minuto em que Sirius, intrigado, tentava entreouvir o que Remus dizia enquanto o grupo de meninas, por sua vez, o fitava apaixonadamente.

Quando voltaram, Lennon estava com o rosto vermelho e bem menos efusivo. Remus, com um sorriso atípico, saiu andando na frente, sendo alcançado por Black.

"Lobinho, o que você falou pra ela? Ela parecia que queria abrir um buraco no chão pra se esconder."

"Nada demais. Mas ela não vai te enviar mais presentes com poção do amor. Aliás, ela confirmou que tinha poção do amor suficiente naqueles doces para derrubar um trasgo. Por Merlin, essas garotas ficam excitadas só de você estar perto delas! Dá pra sentir o cheiro daqui!"

"Quero morrer sendo seu amigo, Remus. Você quando não gosta de alguém, dá medo."

Sirius olhava de soslaio o outro rapaz, pensando que Remus havia usado a sua posição de monitor para intimidar a quartanista sem nenhum peso na consciência, da mesma forma que foi ríspido com um grupo de alunos que brigava lançando feitiços no corredor a ponto de os garotos baixarem os olhos ao correrem de volta para a sua Casa.

Sirius já vira Remus indócil no ano anterior e ele, durante uma briga, inclusive, atirou nele um livro. No entanto, era raro ver Remus sendo agressivo deliberadamente, mas Sirius compreendia que vivenciar uma proximidade tão íntima e real com o outro descortinava sombras de sua personalidade que talvez nunca tivesse observado atentamente. O que mais havia para ver?

Quando os dois grifinórios chegaram à Oficina de Feitiços de Defesa I em que o professor precisava da ajuda dos monitores com os alunos do primeiro ano para orientá-los e fiscalizar que ninguém se machucasse, Remus retornou então ao seu espírito habitual. Ele reclamou só do cheiro forte de incenso de canela na sala, o qual Sirius julgava bem suave e até mesmo agradável.

A atividade se tratava de uma Oficina experimental oferecida pelo Professor de Defesa contra as Artes das Trevas, visando estudar a sugestão do Ministério de implementação daquela disciplina no Plano Curricular da Escola no ano seguinte.

Cabia a Remus, como monitor, cuidar só dos feitiços lançados pelo professor na sala para que não ricocheteassem em ninguém enquanto outros monitores ajudavam também no bloqueio e orientavam os alunos. Remus tinha jeito com crianças e, se antes estava mal-humorado, naquela hora cumprimentava alguns alunos com um largo sorriso como se os conhecesse. O Professor de Defesa contra a Arte das Trevas se dirigiu a Sirius.

"Que bom que veio acompanhando o senhor Lupin, Black. Você é um ótimo aluno e toda ajuda é bem-vinda. Você pode cuidar dos alunos da Sonserina, ajudando-os com os Feitiços de Defesa? Veja, seu irmão está ali!"

Regulus fez um tímido gesto do outro lado da sala ao qual Sirius respondeu.

"Professor, perdoe a minha intromissão, mas por que o Ministério quer implementar no primeiro ano Feitiços de Defesa para Feitiços de Ataque tão fortes? No meu primeiro ano, eu defendia Feitiços de Ataque de Cócegas e Furunculus e não Feitiços de cortar as pernas do adversário, por exemplo. Quer dizer... esses pirralhos mal sabem segurar a varinha direito. Que louco ia lançar feitiços assim nos alunos do primeiro ano?"

O professor contraiu os lábios com algum pesar e disse, levando a mão à barriga um tanto protuberante.

"Pelo visto, não tem lido as notícias ultimamente, senhor Black. O mundo fora dos muros de Hogwarts anda uma loucura esses dias. Dumbledore e o Ministro da Magia pensam que todos os alunos da Escola devem dominar bons feitiços de Defesa. Acho que talvez a grade curricular de alunos avançados como você também mude. Sei que não continuarei com a disciplina de Defesa Contra as Artes das Trevas no ano que vem, visto que estou só cobrindo a vaga, mas espero ser de alguma valia. Espero que o próximo professor seja tão competente quanto Violet Wilson. Mas chega de conversa e vamos começar. Oriente aquele grupo, filho, e vamos todos nos ajudar hoje, sim?"

Sirius permaneceu ao lado de seu irmão e outros quatro alunos. Ajudou-os a posicionarem melhor a varinha, ajoelhando-se ao lado deles e endireitando algum pulso menos firme. Ele fez também alguma brincadeira ou careta, arrancando risadas dos pequenos quando fingia que, sendo acertado, caía no chão desmaiado. De dentro do bolso, o rapaz retirou feijõezinhos de todos os sabores e espalhou sobre a mesa para que os garotos se servissem. Uma garotinha de cabelos curtos e rosto muito sardento parecia especialmente partidária de Sirius, puxando-o pela manga de suas vestes de bruxo vez ou outra quando queria chamar a sua atenção. Talvez, Sirius também não fosse tão ruim com crianças.

"Sirius, você tem escrito pra casa?" - indagou Regulus ao irmão no intervalo da atividade.

"Claro que não, pirralho! Que ideia!"

"Os Doyles estão hospedados em casa. Kreacher me contou porque tem medo de Dedecus Doyle e fica a maior parte do tempo escondido na adega."

Sirius franziu o cenho. Ele se lembrava dessa família de bruxos irlandeses que viveram um tempo na França. Até onde ele sabia, o filho mais velho e o pai já respondiam processo por ataques contra bruxos nascidos trouxas e, segundo as notícias, tornaram-se suspeitos de envolvimento no atentado contra trouxas no metrô de Londres no fim do verão. Os filhos mais novos dessa família, gêmeos, deviam ter aproximadamente a idade de Sirius e estudavam em Hogwarts. Quando criança, Sirius lembrava que seus pais frequentavam os Doyles e ele não gostava do rumo que as conversas tomavam na mesa do jantar quando as famílias falavam de assuntos como "famílias tradicionais" e "um mundo novo".

Um grupinho de garotos da Sonserina passou desapercebido por Sirius e o irmão enquanto estes conversavam. Eles se dirigiam à menina com sardas partidária de Sirius e, enquanto os garotos riam, apontaram as suas varinhas em direção a aluna do primeiro ano, falando algo dentre o qual Sirius distinguiu as palavras "cara de ferrugem" e "dedo duro". A garota, por sua vez, permanecia grudada junto à carteira parecendo nervosa e sem saber se sacava a sua varinha também ou se corria.

"Ei, seus moleques! Nada de tirar sarro da coleguinha. Caiam fora daqui!" - adiantou-se Sirius, se posicionando entre a menina e os garotos quando os notou.

Os alunos, intimidados, saíram correndo para o outro lado da sala em que estavam sendo orientados pela monitora quintanista da Sonserina.

"Você está bem?" - perguntou Sirius, tocando o ombro da menina que após dizer um tímido "sim", voltou-se também para um canto da sala com os braços cruzados e o rosto triste.

"Olivia Stone. Ela tá ferrada!" - comentou Regulus, praticando no ar os movimentos de varinha que o irmão havia lhe ensinado.

"Olha essa boca, pirralho! Por que aqueles garotos tavam chamando aquela menina de dedo-duro?"

"Porque tem muita gente na Sonserina que não gosta dela. Parece que a mãe dela denunciou um figurão do Ministério que tava envolvido com Magia Negra e o pai, que é repórter, publicou algo no Profeta Diário. Só que esse figurão que foi delatado é o pai de uma das nossas monitoras e ela tá descontando toda a raiva na Olivia e atiçando os outros alunos contra ela."

Sirius mirou a monitora Emily Davies da Sonserina que, com cabelos muito negros e um rabo de cavalo comprido, parecia se fazer de cega diante do que os meninos haviam aprontado. Ela fitou Sirius com uma expressão afrontosa, antes de se virar de costas para o rapaz e orientar Narcissa que demandava a sua atenção. Emily seria uma garota bonita até se algo na aura dela não remetesse Sirius à Bellatrix.

"Escuta aqui, moleque, não quero saber de você fazendo bullying com os coleguinhas ou ignorando essa menina. Se eu souber que você tá agindo como um idiota, vou pensar em um castigo pra te dar."

Regulus deu de ombros.

"Você não é o papai. E você também maltrata o Severus Snape da minha Casa e tá ignorando o James Potter. A Escola toda comenta."

Sirius gaguejou antes de responder.

"É completamente diferente! Coisa de adulto, pirralho! Agora, segura direito essa varinha que senão daqui a pouco eu que vou acertar um feitiço em você!"

Do outro lado da sala, Remus tapava o nariz com a manga de suas vestes.

"Alguém por acaso tá comendo feijõezinhos de todos os sabores com gosto de vômito? Nossa, que cheiro horrível!"

Na mesa do jantar, Sirius se servia de sopa fumegante de castanhas que enchia o salão com um cheiro delicioso. Com uma voz abafada, ele cochichou para Remus:

"Talvez seu olfato esteja muito sensível, lobinho. Você conseguiu sentir o cheiro de chá de mirtilo que McGonagall tomou hoje de tarde antes da aula. Não me parece algo natural. Não será o efeito da lua cheia...? Lobisomens têm um olfato apurado."

"Eu só me lembro de ter sentido isso no último verão quando farejei aquele cheiro no batente da porta do porão da minha casa."

Sirius estendeu a mão, instintivamente, do outro lado da mesa para tocar a testa de Remus.

"Está sem febre, mas devíamos ir conversar com Madame Pomfrey sobre seu olfato. Seus olhos parecem mais claros do que o habitual também. Você tem tido algum pesadelo?"

Remus deu de ombros, lembrando-se dos últimos sonhos em que se vira em um vilarejo trouxa sob uma forte chuva. Ele procurava por algo ansiosamente, antes que a lua cheia despontasse no céu. Seus pés estavam encharcados e ele sentia o cheiro de carne queimada.

"Nada muito diferente dos outros sonhos. Eles sempre são confusos..." - comentou Remus.

"E a tal de Hallow?" - indagou Sirius, estando inteirado dos últimos acontecimentos.

"Ela não apareceu mais em nenhum sonho meu, mas até onde sabemos St. Claire não foi recuperada pelo Ministério. O que será que o clã de Fenrir e dela andam aprontando?" - disse Remus com uma preocupação sombria.

Sirius se debruçou um pouco mais sobre a mesa e, num sussurro, antes de olhar para os dois lados, indagou:

"E quanto ao Lobo?"

Remus ajustou os óculos sobre o nariz com a junta do dedo indicador. Desde o verão, aquela sua parte sombria que causou em outrora grandes problemas havia se retirado para um período de hibernação com direito a um discurso de despedida. Aquele desgraçado do Lobo havia sido durante muito tempo a pedra no sapato de Remus, mas agora que ele não estava lá, tudo parecia muito quieto e vazio. Merlin, como aquele maldito fazia falta...

"Não tenho sentido a presença dele. Nem mesmo tenho sonhado com o Lobo. Achei que, de alguma forma, no fim dos ciclos lunares poderíamos nos encontrar, mas isso não aconteceu. Eu acho que ouvi a voz dele uma vez, mas pode ter sido impressão minha..."

Diante da expressão triste de Remus, Sirius bagunçou a sua franja alinhada, dizendo:

"Ele vai voltar."

"Como pode ter certeza disso?" - indagou Remus, erguendo o seu olhar pesaroso.

Sirius sorriu.

"Porque ninguém consegue ficar longe de você por muito tempo, garoto."

Remus ponderou, considerando as palavras do outro rapaz e se recordando das vezes em que o Lobo pontuava a impossibilidade de cisão entre ele e o licantropo. Saber que ainda estava conectado ao Lobo, de algum modo, apaziguava Remus, ainda que o seu silêncio o ferisse.

O rapaz de cabelos castanhos interrompeu as suas elucubrações quando viu James no Grande Salão indo se sentar em um lugar distante. Sem se importar com a briga entre os seus dois melhores amigos, Remus chamou o nome de Potter para que ele se sentasse ao seu lado durante o jantar e depois, acenou.

James pareceu hesitar por um segundo, mas no fim, cedeu e foi se sentar ao lado de Lupin. Diante do olhar incisivo de Sirius, Remus foi categórico.

"Nós já nos resolvemos. Agora só falta vocês dois..."

"Não começa, Remus!"

James cumprimentou Sirius só com um aceno de cabeça discreto, não obtendo resposta. Remus fez um carinho na mão do amigo e começou a conversar com ele de modo bem natural. Sirius olhou para a cena de soslaio.

Ele não estava ainda disposto a falar com James, mas também a sua raiva já não era tão intensa quanto aquela que havia sentido no confronto que tiveram. Potter parecia ter uma expressão melhor do que a que tinha de manhã durante as aulas onde seu rosto chegava a estar um pouco abatido. Com certeza, a proximidade de Remus lhe deixava se sentindo melhor. Sirius não se retirou da mesa, mas também não interagiu com o outro rapaz.

Remus contava a James sobre a atividade que ele e Sirius haviam executado com a turma do primeiro ano e o professor de Defesa contra as Artes das Trevas enquanto Potter demonstrava interesse pela possibilidade de mudança da grade curricular das matérias. Sua constatação sobre o assunto parecia ser muito semelhante à de Black.

"Que estranho! Por que estão ensinando Feitiços avançados para o primeiro ano? Dayal comentou ontem comigo que o tempo de Defesa contra as Artes das Trevas pode ser aumentado e que os alunos mais avançados deverão encerrar as aulas mais tarde por ordem do Ministério. Por que essas mudanças curriculares súbitas com o ano letivo já começado?"

Remus permaneceu pensativo um tempo até finalmente falar de forma sombria.

"Meus pais mandaram uma coruja ontem dizendo que o Ministério está pegando fogo esses dias. No tal Congresso da Ásia, cobraram do Ministério do Reino Unido que dedicasse esforços maiores para combater indícios de Magia Negra aqui e seguidores de Você-Sabe-Quem.... Hogwarts é independente do Ministério, mas Dumbledore e o Ministro pensam de forma muito parecida. Me pergunto se não estão querendo nos preparar melhor para algo... Minha mãe sempre me diz para absorver tudo o que os professores puderem ensinar, mas ela enfatizou muito isso na última carta."

Sirius ouvia tudo e, nesse momento, seu olhar cruzou com o de James. Os dois rapazes se encararam por um breve minuto e James chegou a abrir a boca como se fosse falar com Black, como se quisesse o inserir na conversa... Mas Sirius voltou a sua atenção para a comida e como que para não parecer que estava entreouvindo a conversa novamente, o jovem passeou o olhar pelo Grande Salão.

Na mesa do corpo docente, alguns professores conversavam numa acalorada discussão em que a professora de Trato de Criaturas Mágicas vez ou outra batia na mesa, tentando se fazer valer do seu ponto, chegando mesmo a derrubar uma taça de vinho. Mais adiante, na mesa da Grifinória, Sirius avistou Michael Carlson (que era corvino e não deveria estar lá), Winona Rivers, Raven Fraser e Julian Parker comendo juntos enquanto liam o Profeta Diário absortos. Sirius percebeu com algum desagrado que Carlson vez ou outra ainda lançava rápidos olhares para Remus que, por sua vez, parecia não notar.

A mesa da Sonserina se mantinha um pouco mais silenciosa e Sirius pode ver em um canto Emily Davies com seu ar entojado ao lado de Bellatrix e alguns garotos do sétimo ano que ele conhecia só de vista e dentre os quais, pode identificar Damon e Davos Doyle, os gêmeos da família que, segundo Regulus, hospedava-se na casa dos Blacks. Todos pareciam muito à vontade juntos e Sirius, em particular, identificou uma aura extremamente desagradável nos Doyles.

Damon era um rapaz de seus dezesseis, dezessete anos com cabelo cor de palha, corpo forte e algumas espinhas no rosto. Sirius não gostava dele. Não registrava muitas lembranças da visita à casa dos Doyles na França, mas se lembrava que Damon, quando pequeno, já era um garoto forte que gostava de atormentar a todos e as crianças bruxas vizinhas tinham medo dele. Na Escola, mal se cumprimentavam nos corredores, sem nunca se deterem para conversar. A antipatia entre os dois parecia mútua.

Já Davos, apesar de ser gêmeo de Damon, era diferente fisicamente. Mais magro, pálido e com cabelos um pouco desgrenhados caindo pelo seu rosto. Algumas espinhas o torturavam também e seu jeito parecia mais quieto e introspectivo. Sirius sabia pela alta sociedade bruxa, da qual participava a contragosto por causa de seus pais, que Davos estivera no St. Mungus quando criança por meses.

Sirius só percebeu que se prolongava fitando aquele grupo quando Emily Davies fez um movimento de cabeça em sua direção para os colegas sonserinos e Damon se virou na sua cadeira para olhar para o grifinório. Black tratou de desviar o olhar, sentindo que a última coisa que queria era ter que lidar com algo que viesse daquela direção.

Ainda na mesa da Sonserina, Sirius registrou durante um minuto o lugar em que se encontrava Severus Snape conversando com Lucius Malfoy. Ele estranhou aquela súbita amizade. Até onde sabia, o Ranhoso não era acolhido nem mesmo na sua Casa. Quando aquela simpatia entre os dois jovens havia se firmado? Sirius sempre havia julgado e julgaria Snape estranho, mas ultimamente o Ranhoso parecia ainda mais esquisito. Na aula de Poções em que ele sempre fora tão bom, parecia aéreo e Slughorn chegou a chamar a sua atenção para a quantidade de sangue de trasgo que ele ia misturar no caldeirão, podendo criar uma explosão no laboratório.

"Ora, Snape, anda dormindo pouco?! Seus olhos estão vermelhos e está com a cabeça nas nuvens. Tenha mais atenção, meu jovem!" - censurou-o Slughorn.

O rapaz se desculpou meio sem jeito, mas no fim da aula estava quase cochilando em sua carteira diante dos olhos do Professor.

Sirius também não gostava do jeito que Snape, vez ou outra, lançava um olhar na direção de Remus muito parecido com o de Carlson. Como se não quisesse ser percebido, mas com uma insistência irritante. Sirius sabia que Lupin era bonito e começava a chamar a atenção ainda mais depois que fora escolhido monitor. Ele não poderia impedir que outros garotos se atraíssem pelo rapaz, mas se eles se aproximassem dele, não hesitaria em repeli-los da mesma forma que se rebate um balaço nos campos de Quadribol.

Sirius teve seu passeio visual pelo salão interrompido por uma voz fina muito próxima.

"Oi, James!" - cumprimentou o grifinório uma menina muito bonita com as vestes da Corvinal acompanhada de uma amiga da mesma Casa. Sirius reconheceu a jovem que se dirigia a Potter como uma colega do mesmo ano.

"Oi, Farah!" - retribuiu ao cumprimento o garoto de cabelos rebeldes como se esperasse pela moça. Rapidamente, ele abriu a sua mochila e retirou um pedaço de pergaminho de dentro de um grosso livro de Feitiços que deveria ser da biblioteca a julgar pelo carimbo na lombada - "Aqui está a minha parte escrita do trabalho de Feitiços e o livro que usei. Pode acrescentar a sua parte e me mostrar amanhã antes de entregar ao professor?"

"Claro! Nossa, você escreveu bastante!"

Sirius se lembrou do trabalho que esperava por ele no dormitório para ser feito com Remus e que precisava ser entregue no dia seguinte. As duplas haviam sido sorteadas pelo professor, mas como Lupin e o rapaz de cabelos compridos chegaram atrasados por estarem se pegando em um corredor deserto antes da aula, Flitwick jogou as mãos para o alto quando viu os dois rapazes adentrando a sala esbaforidos. Ele acabou deixando que formassem então uma dupla já que eram os únicos remanescentes.

"Cuidado, senhor Lupin! Você agora é monitor e precisa dar o exemplo chegando cedo na aula. Black, coloque a blusa pra dentro da calça! Onde esteve para entrar tão desarrumado na classe? Estava tendo aula de Trato de Criaturas Mágicas?" -advertira-os o professor enquanto os dois alunos se sentavam em seus lugares.

Farah estendia a conversa com James e Sirius percebeu que a outra menina da Corvinal segurava um embrulho enquanto olhava fixamente em sua direção.

"Então, James... Estive pensando... Você gostaria de na próxima visita a Hogsmeade ir comigo? Podemos tomar alguma coisa juntos... O que acha?"

Remus se mantinha com a cabeça baixa cortando o bife malpassado em seu prato, fingindo não ouvir a conversa.

"Desculpa, eu não posso. Ando muito ocupado com os treinos de Quadribol..." - respondeu James à Farah, levando a mão ao pescoço.

Sirius acompanhava a conversa e a tentativa de James de sair daquela situação. O garoto de cabelos compridos não estava acostumado a ver o outro rejeitando garotas tão bonitas e, intimamente, com um farfalhar de sua raiva, indagava-se se a garota de quem James gostava tinha a ver com aquela esquiva. Sirius verteria por seus pensamentos se esses não fossem cortados pela amiga de Farah que, finalmente, reunindo coragem, estendeu o embrulho que segurava em sua direção, falando alto:

"Sirius Black, esses chocolates são pra você! São artesanais e eu mesma fiz. Por favor, aceite."

O garoto de cabelos compridos se deteve por um confuso momento em que olhava a cena de Farah tentando convencer James a aceitar o seu convite enquanto quase se jogava sobre ele; os olhos de Remus, amarelos como hidromel, levantando-se do seu prato para fitar Sirius e aquela semidesconhecida que, com uma expressão abobada, parecia não apenas ter preparado alguma poção do amor, mas que também inalara fumaça demais do elixir.

Sirius começou.

"Desculpa, eu não posso aceitar..."

A garota pestanejou.

"Você não gosta de chocolates?"

"Gosto, mas estou namorando uma pessoa."

A garota pareceu ter sido atingida por um Feitiço Imperdoável. Petrificada, abria a boca para depois, fechá-la. Depois, visivelmente contrariada, ela tentou novamente.

"Não quer pelo menos aceitar o presente por gentileza?"

"Não. Se eu aceitar, quem vai ouvir depois sou eu e também não seria certo. Não estou na pista. Desculpa."

Remus ajustou os óculos e olhou na direção de Sirius com um meio sorriso de apoio, após engolir a carne malpassada quase crua.

A menina se afastou meio tonta com o embrulho ainda esticado na mão. James, por sua vez, conseguia se desvencilhar também de Farah que parecia se dar por vencida.

"Não me sinto bem para sair com alguém. Desculpa..."

"Ok. Se mudar de ideia, James, me avisa..."

Potter, naquele ano, parecia ter adquirido um distanciamento cordial com o assédio das garotas. Remus se questionou se a menina secreta de quem James gostava não tinha alguma influência naquilo ou, então, o afastamento de Sirius.

Os três garotos permaneceram um tempo em silêncio em que somente o ruído dos talheres raspando louça e a balbúrdia do Salão podiam ser ouvidos. Remus quebrou o silêncio com um riso compassivo após sua constatação de que não poderia brigar com o mundo.

"Acho que nunca vou poder fazer uma refeição com vocês dois, Sirius e James, sem ver cenas assim. Vocês podem estar brigados, mas as fãs de vocês continuam vindo em pares..."

Sirius fitou James brevemente e sacudiu a cabeça, vendo o outro rapaz sorrir.

Quando já se servia do pudim de chocolate na sobremesa, Sirius viu, dessa vez, Olivia Stone, a menina do primeiro ano sardenta da Sonserina vir em sua direção com uma flor branca boiando em um copo d'água.

"É pra você, Sirius Black."

Sirius levou a mão ao peito com surpresa exagerada e bateu no topo da cabeça da menina com gentileza.

"Pra mim?! Muito obrigado! O que eu fiz pra merecer um presente tão bonito?"

"Você foi muito legal hoje na Oficina! Obrigada."

A menina deu as costas e saiu correndo de volta para a sua mesa. Remus e James acompanhavam a cena, percebendo que as cabeças dos sonserinos se voltavam para a garotinha do primeiro ano.

James aproximou a cabeça de Remus e murmurou baixo o suficiente para que Sirius não o ouvisse.

"'Paixão pelo desgraçado do Sirius Black' parece que também entrou na grade curricular do primeiro ano."

Remus sorriu e se pôs a se servir de mais um pedaço generoso de pudim com chocolate granulado quando ouviu um estrondo vítreo na mesa da Sonserina. Ele ergueu a vista e se deparou com a menina do primeiro ano sardenta encharcada de suco de abóbora desde os cabelos ruivos até os pés. Aparentemente, a jarra sobre a mesa havia estourado em cima dela em decorrência de algum feitiço.

Olivia Stone olhou para os lados, parecendo constrangida entre os colegas e se levantou da mesa, correndo para a saída do Grande Salão. Emily Davies ria e bateu a palma da mão discretamente na de Damon Doyle, que gargalhava ao lado de Davos.

Sirius franziu o cenho, estudando a cena que, para muitos, parecia somente o efeito de um feitiço espontâneo que havia escapado de Olivia. Depois, o olhar de Sirius cruzou com o do irmão Regulus que, pouco antes, observava a coleguinha do primeiro ano desaparecer sob os arcos de pedra. Então, após remanchar por um segundo ou dois, Regulus largou o guardanapo sobre a mesa e pareceu ir atrás da menina.

 

Sirius e Remus trabalharam em uma das mesas de carvalho na Sala Comunal da Grifinória após o jantar. Os dois rapazes combinaram de se ocupar do dever de casa sobre Feitiços que ainda não haviam nem mesmo começado.

Remus possuía a sua organização de estudo. Rapidamente, ele consultou os fichamentos dos livros de que dispunha, dentre os quais se encontrava o que James utilizara. Entrementes, Sirius, quando se concentrava, também produzia textos muito bons. Ao contrário de Remus, no entanto, o rapaz fazia o levantamento de feitiços de defesa primeiro de cabeça pelo que se lembrava das aulas e pelo que conhecia. Depois, ele complementava as suas informações com os livros ou então, corrigia algum dado escrito.

Em duas horas, os dois já esboçavam as considerações finais da pesquisa. A Sala Comunal que, anteriormente, estava cheia de alunos, agora se esvaziava. O fogo da lareira trepidava aceso consumindo a madeira recém-cortada, apesar de Remus achar o ambiente quente a ponto de tirar a capa do uniforme.

Sirius, vez ou outra, esbarrava na perna de Remus de propósito ou lhe fazia um carinho discreto, puxando a sua mão para beijá-la.

"Acho que inverti a ordem do Feitiço do Escudo. Risca essa parte e escreve por cima da minha letra." - orientou Remus ao outro garoto nos ajustes finais.

"Ok."

Os dois garotos assinaram o trabalho ao seu término.

"Não aceito menos do que dez!" - comentou Sirius, se espreguiçando em sua cadeira.

"Nem eu, depois de escrever trezentas linhas de feitiços de defesa. Parece até que tão nos preparando pra uma guerra."

Remus, de pé, abraçou Sirius por trás do espaldar da cadeira quando percebeu que a Sala Comunal já se encontrava completamente vazia.

"Se aparecer alguém aqui que nem Pettigrew apareceu no fim da tarde no dormitório, conhece algum bom feitiço?"

Sirius sorriu e puxou Remus para que ele encostasse o rosto no seu. Os dois garotos começaram a se beijar e, como acontecia muito naqueles dias, os beijos rapidamente se tornavam quentes e ofegantes.

Após isso, Sirius trouxe o assunto que havia lhe intrigado mais cedo quando os dois finalmente afastaram os seus rostos. Os dois rapazes estavam naquela fase do namoro em que sentiam prazer em descobrir do que o outro gostava de fazer e de receber.

"Gostei daquilo que você fez no dormitório hoje de tarde. Parecia tão confiante, tão ... fora de si... Não estou ainda acostumado a ver esse Remus Lupin mais atirado..."

Sirius se lembrou do rapaz de cabelos castanhos girando três vezes a sua gravata antes de amarrá-lo na cabeceira da cama. Remus não parecia um adolescente que se divertia tentando no sexo coisas das quais ouvira falar. Seu rosto se mantinha impassível como se abrisse um livro ou girasse uma chave na fechadura. Parecia que amarrar o namorado era algo natural e corriqueiro.

Remus sorriu sem responder ao outro rapaz. Em vez disso, ele moveu a cabeça para os dois lados se certificando novamente de que não havia aparecido ninguém na Sala Comunal. Aqueles olhos mais amarelos davam a Remus definitivamente um semblante diferente. A camisa que ele vestia expunha parte de seus braços muito brancos, com alguns poucos arranhões e que se arrepiavam ao toque do outro garoto. O sorriso em que seus caninos despontavam ligeiramente tortos e mais pontiagudos o faziam se tornar extremamente atraente perante os olhos de Sirius como se ele estivesse pronto para fazer alguma travessura.

Remus, sentando-se ao lado de Sirius, então, após demoradas carícias, deslizou a mão, tocando o baixo ventre do outro rapaz a princípio de forma discreta. Sirius fitou o movimento, soltando um gemido abafado quando o garoto de cabelos castanhos abriu a fivela do seu cinto, a sua calça, começando a estimulá-lo por trás da mesa enquanto mantinha o seu olhar fixo no entorno.

Sirius institivamente percorreu o olhar também pelo recinto antes de tocar no pulso do outro rapaz, animando-o a continuar enquanto gemia baixo. As coisas se tornaram um pouco mais fora de controle quando Remus se inclinou sobre Sirius.

"Cacete, Remus..."

O rapaz de cabelos castanhos começou a beijar Sirius embaixo com movimentos semelhantes aos que fizera minutos antes beijando a sua boca.

Sirius, por sua vez, tocava a cabeça de Remus, ora guiando-o ora acompanhando os seus movimentos que lhe deixavam tonto.

Ao mesmo tempo, o garoto de cabelos compridos controlava os seus gemidos e vez ou outra fitava a entrada do quadro da Mulher Gorda e as escadarias do dormitório para verificar se ninguém adentrava a Sala Comunal.

Merlin, como era gostoso ter Remus fazendo aquilo nele! Ali, daquela forma... Black se inclinou um pouco sobre o outro rapaz, estimulando-o com seus dedos. Por sobre o tecido da calça, Sirius inseria os dedos em Remus, sabendo que ele gostava muito daquilo. Como esperado, diante daquela carícia, o grifinório moveu um pouco o seu corpo enquanto fazia felação no outro com mais intensidade.

Sirius não ia aguentar muito ter todo aquele prazer represado e tentou afastar o outro rapaz quando sentiu que seu gozo vinha com força. Remus, no entanto, continuou curvado sobre ele chupando-o até o fim. Sirius sentiu como se algo arrebentasse e ardesse dentro dele e, enquanto, sem perceber, movia suavemente ainda os quadris, aquela languidez o abraçou. Remus ergueu a cabeça ao seu lado e, como se não houvesse feito nada demais, tomou um gole do copo de água de gilly que estava sobre a mesa logo após enxugar os lábios com as costas das mãos.

Sirius fechou os olhos um minuto enquanto mantinha o braço ao redor do outro rapaz, tendo o seu coração palpitando, a pele úmida e a respiração alterada. Ele beijou em seguida a cabeça que se inclinava sobre o seu ombro. Mais uma coisa para acrescentar nas coisas novas que aprendia sobre Remus Lupin. Ele era o monitor da Grifinória que vigiava todos os alunos para seguirem as regras, mas ele mesmo quebrava umas mil delas fazendo sexo oral na Sala Comunal.

Sirius acariciou aquele corpo perto de si que exigia também ser tocado. Suas mãos percorriam as coxas de Remus, alojando-se na curva da calça em que sentia o seu sexo ansiando pelo outro. Foi a vez de Sirius quebrar outras mil regras ao usar as suas mãos para proporcionar prazer a Remus. Enquanto o masturbava por sobre a calça, os dedos de Sirius eram introduzidos novamente em Remus. O rapaz de cabelos castanhos não se conteve.

Remus começou a beijar Sirius novamente enquanto se esfregava contra o seu corpo. Sua pele estava muito quente e ele parecia arfar um pouco. O rapaz de cabelos compridos mal se recompunha ainda quando Remus subia novamente sobre ele da mesma forma que fizera de tarde, com mãos rudes que chegavam a machucar o outro. Seus caninos, durante um dos beijos, feriram os lábios de Sirius, que, instintivamente, levou os dedos à boca.

"Calma, Remus! Eu sei o que você quer... Me deixa fazer em você também..."

"Não, eu preciso ir pra outro lugar com você!"

Sirius via uma febre, um desejo pungente arder no olhar de Remus que, por sua vez, parecia sofrer para conseguir manter alguma lucidez quando vez ou outra pestanejava os olhos tentando puxar o ar para os seus pulmões. Sirius começava a achar também uma boa ideia saírem dali antes que alguém aparecesse porque Remus não conseguia fazer silêncio.

"Tá, vamos para a sala vazia do quarto andar?"

Remus ponderou um segundo.

"Conheço um lugar melhor."

Pelos corredores desertos, os dois garotos saíram de mãos dadas e Sirius se permitia ser conduzido por Remus, que, por sua vez, iluminava o caminho à frente com a varinha em punho. Durante duas vezes, o poltergeist Pirraça e o professor de Astronomia quase os viram. Contudo, não era a primeira vez que Sirius e Remus se esgueiravam por uma Hogwarts escura e adormecida e sabiam bem como não serem pegos, utilizando atalhos. No terceiro andar, eles usaram a passagem secreta que conheciam da gárgula com a asa partida para chegarem mais rápido ao seu destino.

Os dois grifinórios só pararam de caminhar quando alcançaram a entrada de uma sala em que Sirius nunca havia estado. Sua porta ostentava a cabeça do leão da Grifinória, a serpente da Sonserina, o corvo de Corvinal e o texugo da Lufa-lufa entalhados no denso metal de onde saíam anéis com pequenas pedras preciosas cravejadas no aro. Não havia maçaneta.

Sirius olhou para o outro rapaz, indagando-se o que ele faria.

Remus retirou de dentro das suas vestes o distintivo de monitor, esticando-o diante da cabeça de leão. Com um estalo e o ruído de um pesado ferrolho sendo aberto, a porta se escancarou para que os dois rapazes entrassem.

Remus acompanhou, então, com os olhos Sirius adentrando o luxuoso e extenso banheiro com surpresa. O chão se estendia diante de seus pés todo pavimentado de mármore e as torneiras brilhavam sob a luz do teto de vidro em que podiam enxergar o céu da noite sobre suas cabeças. Vitrais de belas criaturas marinhas ornamentavam as paredes e de todos os cantos, cercado por pilastras, parecia exalar perfumes delicados de sabonetes e sais. Havia uma extensa banheira no chão branco e algumas cabines de banho mais afastadas. Toalhas muito limpas permaneciam dobradas sobre um aparador como se aguardassem a chegada dos dois garotos para serem utilizadas. Sirius estava de boca aberta.

"Por Merlin, que lugar é esse, Remus?!"

O rapaz de cabelos castanhos riu, dando de ombros.

"Surpreso? É o banheiro dos monitores."

Sirius ergueu uma sobrancelha.

"Agora eu entendo o porquê de alguns alunos quase se matarem pelo distintivo de monitor. Que outros privilégios vocês têm?"

"Você vai descobrir com o tempo. Até agora, tenho tido muito trabalho, mas não tenho do que me queixar..."

"Espera, e se tivesse alguém usando o banheiro e nós entrássemos?"

"Pelo que sei, a porta não abre se alguém já estiver tomando banho."

"Você já veio aqui antes quando?"

Remus respondeu ao outro de maneira esquiva e vaga ao que Sirius imediatamente compreendeu.

"Ah, não! Você veio aqui com aquele idiota do Carlson?! Droga, foi ele quem te trouxe aqui? Aquele monitorzinho de quinta!"

"Ei, Sirius, você esteve com James na sala do quarto andar mais de uma vez... E com as meninas com quem saía antes dele também. Não só lá, mas pelo Castelo inteiro. Se eu considerasse o passado, não estaria com você em lugar algum."

"Mas como eu vou ficar aqui com você sabendo que aquele corvino tava fazendo com você sei lá o quê nessa banheira ou naquelas cabines?! Droga! Ainda não engulo você ter namorado o Carlson! O que você viu nele?"

Remus não respondeu às palavras raivosas de Sirius. Em vez disso, ele circundava a banheira de mármore, abrindo as torneiras com ajuda de magia. Rapidamente, a água começou a correr sonora e abundante, preenchendo o reservatório.

"...Fico possesso quando penso que ele encostou aquelas mãos de trasgo em você!"

Até mesmo a água quente parecia perfumada, levantando uma fina fumaça de vapor no ambiente. Remus desatou o nó da própria gravata e desabotoou a sua camisa enquanto o outro rapaz ainda falava.

Quando Sirius deu por si, sentindo as últimas palavras de contrariedade deixarem os seus lábios, deparou-se com Remus se livrando dos sapatos e do resto de suas roupas. Lá estava ele então diante de si, despido, com a pele lesionada por alguns cortes mais recentes e outros já quase completamente cicatrizados. A sua tez extremamente pálida era banhada pela luz prateada da noite e quando o rapaz de cabelos castanhos ergueu um pouco a cabeça, Sirius pode contemplar o brilho da lua crescente refletindo naqueles olhos mais amarelos do que nunca.

Remus sorriu e abriu os braços sem nenhum traço de timidez por se expor daquele jeito diante do amante que até o ano passado era considerado inacessível para ele.

"Então, você prefere ir embora e me deixar só com as lembranças do Carlson ou prefere fazer por merecer também tudo o que temos aqui?"

Anos depois, Sirius se lembraria ainda daquele momento em que via a parte mais selvagem do outro rapaz, a sua parte lobo incorporada despontar com força no ápice de seus quinze anos de idade. Amando-o, era destinado a Sirius vê-lo sob uma perspectiva tão íntima quanto o sangue, sem se apavorar com tal imagem ou, então, correr aterrorizado como o adolescente que ainda era, tropeçando por corredores escuros.

Era como se as sombras de um Remus que ele não conhecesse se apresentassem deliberadamente diante de si, tão nuas quanto ele estava. Sem timidez, vergonha ou hipocrisia. Sem medo. Beirando o deboche por tudo ao redor que esboçasse o menor sinal de timidez, vergonha ou hipocrisia.

Lupin sustentava o seu sorriso com aqueles caninos levemente maiores. A sua parte sombra, a parte lobo adormecida, se orgulhava de si mesma por não ser boa. Orgulhava-se de estar excitada e convidar o outro rapaz ao toque.

Sirius recuperou o seu olhar controlado de rapaz que não aceita ser mais visto como um menino, mas sim como um homem. De rapaz que não deixa barato nenhuma provocação e que nunca foge daquilo que não entende. Com mãos delicadas, porém firmes, ele tocou o corpo de Remus, beijando-o naqueles arranhões e em qualquer lugar onde pudesse ter havido dor. Beijou a sua boca, sentindo aquela paixão desmedida voltar para o semblante do rapaz de cabelos castanhos, tragando-o. Foi a vez de Sirius desatar o nó da sua gravata e se despir. Foi a vez dele estimular o outro rapaz com a boca, beijando a área de seu sexo, descendo cada vez mais a sua língua até aquela zona erógena que sabia que levava o outro até as nuvens. Remus não se preocupava mais em gemer baixo. Abria-se totalmente para o outro se perder com a boca entre as suas coxas pálidas. Para o outro invadi-lo com dedos hábeis.

O rapaz, cujos olhos adquiriam um alto contraste entre o preto da pupila e o tom amarelado da íris a ponto de quase não parecerem mais vistas humanas, emaranhava suas mãos nos fios de cabelo de Sirius, exigindo mais dele e os sons que escapavam da sua boca reagiam como química no desejo de Black. Este, por trás de sua franja mal cortada, erguia vez ou outra o olhar para Remus. Excitava-o vê-lo sendo devorado por seus dedos, por sua boca enquanto mexia os quadris pedindo por mais. A própria ereção de Sirius já despontava exigente por aquele corpo como se nada mais existisse além dele.

Lupin cessou os movimentos do outro e, assumindo o controle, subiu sobre Sirius, forçando-o a se sentar no chão aquecido de mármore. Ele parecia determinado a terminar agora o que não puderam fazer no dormitório e na Sala Comunal. Havia fascínio nos olhos de Black quando o outro rapaz guiou o seu sexo, enrijecido, até a sua entrada.

Remus fechava os olhos, respirando fundo, aguardando o momento em que a dor fosse atravessada, que o prazer, aquela outra força impetuosa, o alcançasse. Sirius abraçava Remus e não se importou em ser arranhado pelas unhas que eram cravadas em seu peito, em seus ombros, como se compartilhasse com ele a dor. Sirius continuou abraçando Remus mesmo quando este cravou os caninos em seu pescoço demoradamente, mordendo vez ou outra a sua pele fina, chupando-a e traçando uma trilha de marcas vermelhas por aquela extensão que se entregava voluntariamente.

Sirius sentia seu sexo duro preencher Remus e experimentou o momento em que o prazer envolveu não somente a sua dor de ser arranhado, mordido, embotando-a, como também a dor de Remus ser penetrado. O garoto se movia, inicialmente devagar, em seguida aumentando o ritmo. Sirius percebia que agora gemidos altos deixavam a sua própria boca e se permitiu ser empurrado por Remus para que se deitasse sobre o chão.

Nessa altura, o garoto de cabelos castanhos já cavalgava sobre o outro e Sirius estimulava o seu sexo, sentindo que quase perdia a consciência com aquele Remus sobre si que não era certinho, não estava sendo romântico ou delicado; que não demandava naquele momento carícias suaves ou palavras tranquilizadoras. Mas que usava o corpo de Sirius para se satisfazer, o seu sexo para devorá-lo e lhe proporcionar um prazer que era impiedoso, violento e primitivo.

Remus, tomado pelo prazer, arranhou o peito de Sirius e, em seguida, apertou um pouco o seu pescoço. Sirius não o impediu, mas manteve uma mão firme no pulso do outro por segurança. Era assim que se fazia amor com uma criatura das trevas?

Concomitantemente, o rapaz de cabelos compridos sentia a própria loucura despertar em si também. Aquela natureza sua não tão adormecida e podre que o Chapéu Seletor pressentira um pouco quando o queria mandar para a Sonserina para incluí-lo no mesmo rol familiar de bruxos racistas, assassinos e loucos. Sirius dissera, na ocasião: "Não, meu velho. Como eles não..." e o Chapéu Seletor o liberara para a Grifinória, mas dentro de si, persistia aquelas coisas sem cuidado, sangue de bruxos sádicos, um flerte com as trevas.

Sirius movia agora também seus quadris com força sem se preocupar em ser delicado. Gritava, apertava Remus, arranhava-o também com aquele prazer que destruía as coisas em volta. Mordeu-o com a mesma violência com a qual fora mordido. Sentiu o outro rapaz entregar as suas forças, atingindo aquele ápice natural que exigia menos intensidade e libertação. Remus gozou sobre Sirius, jogando a cabeça para trás e com a mão do outro rapaz agora também em sua garganta.

Então, Sirius abraçou Remus, fora de si, chamando por seu nome e, finalmente, pode deixar que aquela represa que segurava preenchesse o corpo do outro garoto, profanando-o um pouco mais, sujando-o com aquele líquido perolado que escorria por suas coxas, irrigando-o com aquele prazer louco que podia dançar com o seu. O rapaz de cabelos compridos arfava com os olhos fechados e sentia a languidez do sono tentando acalmá-lo. Seus pensamentos também perdiam a intensidade, desemaranhavam-se até jazerem no chão sem forças. No entanto, em Sirius permanecia aquela certeza de que estava perdido. Estava com a cabeça virada por Remus e feliz em sua vulnerabilidade de menino que descobre o peso e a leveza do amor fazendo amor.

Aquela sombra de Remus se tornaria muitas vezes no tempo em que permanecessem juntos a obsessão de Black, da mesma forma que o rapaz de cabelos castanhos seria o recebedor do seu afeto. Sirius poderia estar apaixonado por Remus e ser sempre o seu amigo. Poderia admirar a sua inteligência concentrada e nutrida em bibliotecas cheias de livros herméticos. Podia sentir a ternura e o romantismo em seu coração pelo grifinório.

Mas haveria também aqueles momentos em que ele queria foder com Remus e não fazer amor. Que queria comê-lo da forma que bem entendesse porque o seu desejo também fazia parte daquele enlace vivo entre os dois. E queria que Remus fizesse o mesmo com ele. Tratasse-o não apenas como o amigo e namorado que amava, mas sim como o homem que permitia que a sua sombra existisse, que a adorava. O homem que o fodia do modo que ele queria ser fodido.

Afinal, Sirius ansiava que suas trevas também fossem acolhidas. Queria que Remus o aceitasse não como o príncipe de Hogwarts, mas como uma alteza qualquer das causas humanas. Obscuro e brilhante; repleto de amor e também quebrado.

Remus entrelaçou os seus dedos na mão do outro rapaz, permanecendo com a cabeça apoiada sobre aquele peito no qual momentos antes cravara as unhas, desenhara linhas vermelhas. Ele ouvia o coração de Sirius bater, acalmar-se enquanto ele entrava um pouco mais fundo lá.

Os dois jovens não voltaram para o dormitório cedo. Fizeram amor mais uma vez na banheira cuja água transbordava e após isso, novamente. Sirius sentiu que pouco a pouco drenava aquela febre virulenta de Remus de forma que, quando os dois tomaram banho juntos numa das cabines com chuveiro, escoando espuma e secreções por aquela epiderme escoriada, Remus, encabulado, beijou em Sirius os locais em que seus dentes e unhas haviam perfurado. Sirius retribuiu ao gesto de afeto, esfregando com a esponja as costas do outro, acarinhando o pescoço em que também deixara marcas, cuidando dele como se quisesse dizer que estava tudo bem. Que não havia nada de feio no que haviam feito. Que não havia nada para perdoar, ser desculpado ou subtraído.

Sirius retribuiu com carinho os beijos do Remus que conhecia, que voltava para si ou então, que nunca havia partido. Aquele momento também teria a sua imagem carimbada na memória de Sirius para sempre. A vulnerabilidade de Remus se permitindo ser tocado com uma doçura entregue, amorosa, delicada. As mãos dos dois garotos que outrora feriram acariciando agora mutuamente rostos; cabelos; corpos como se eles fossem coisas muito valiosas, algo que temessem quebrar ou perder. Tudo ficaria registrado nas lembranças de Sirius. As palavras de amor do jovem que abraçava assim como as palavras que escapavam de sua própria boca sem resistência, revestidas de magia.

Mais tarde, no dormitório, à luz do lampião, Remus passou uma mistura de prata em pó e ditamno nas feridas de Sirius, espalhando-a com seus próprios dedos sobre as marcas de dentes e unhas, a fim de selar os efeitos permanentes daqueles danos. Sirius parecia não se preocupar com a questão ao pestanejar após um longo bocejo. O rapaz de cabelos castanhos, no entanto, parecia muito concentrado. Usando os óculos de armação pesada que, vez ou outra, trocava pelas lentes de contato trouxa, ele cuidava para que nenhum machucado fugisse aos seus cuidados. James e Pettigrew dormiam em suas respectivas camas.

"Foi fatal. Não há o que fazer. Vou virar um lobisomem sedento por carne e sexo como você?"

"Não fala bobagem, Sirius! Se eu tivesse completamente transformado, sim, mas eu estando na forma humana, só precisamos cuidar para que essas marcas não se tornem permanentes. Onde eu tava com a cabeça? Deveria ter me impedido de fazer isso." - cochichou Remus, espalhando a mistura nas costas de Black sob a blusa de seu pijama.

"Como se eu pudesse. Além do mais, não me importei com isso na hora..."

Remus finalizou o trato das feridas e guardou o frasco da mistura em seu malão.

"Os machucados vão cicatrizar naturalmente agora e você vai ficar sem marcas. Talvez você fique com vontade de comer carne malpassada por uns três dias, mas depois será o mesmo de sempre."

"Eu não deveria passar em você também? Seu pescoço está bem ruim..."

Sob a luz do lampião, Sirius via o estrago que seus dentes e chupões causaram na pele muito branca do outro rapaz. Parecia que uma corda em tons vermelhos e roxos circundavam a sua garganta.

"A mistura não serve para mordidas e arranhões humanos. Apesar de que não sei o que pode acontecer comigo depois de ser mordido por Sirius Black."

"Não quero que você vire outra coisa, lobinho. Gosto de você assim."

Remus beijou a cabeça de Sirius com carinho, alinhando seus cabelos molhados e foi para a cama dormir. Sirius havia proferido as últimas palavras com sinceridade.

Quando começou a ficar com Remus, Sirius achava que estaria namorando o garoto mais certinho de Hogwarts; o monitor obcecado com as regras e notas, talvez até um pouco dissimulado com as suas próprias paixões, revestindo-se de uma moldura de timidez e frieza. Black cogitara andar um pouco mais na linha para acompanhar o outro até deixá-lo à vontade. Contudo, Remus o havia levado para aquela aventura durante a madrugada e o garoto de cabelos compridos sentia o seu corpo dolorido ainda devido a paixão com que Remus fizera sexo, incitando-o a ser não menos selvagem. Os dois fizeram amor de um modo que Sirius nunca fizera antes e saber que aquela energia vinha do mesmo rapaz de óculos de lentes grossas que cuidava de suas feridas e era afetuoso, proporcionava em Sirius a sensação de ter guardado consigo um grande segredo.

Os dois rapazes dormiram somente duas horas antes do sol despontar, trazendo em seu encalço a manhã povoada pelo canto dos pássaros e o ruído das portas dos dormitórios no corredor se abrindo e fechando. Sirius queria faltar a aula, tão exausto estava pela noite anterior. Todavia, Remus, apesar do visível cansaço também, insistiu para que o outro fosse para a aula e lhe trouxe uma bandeja com torradas, leite, geleia e chá preto do café da manhã.

James, no lado oposto do quarto, diante do espelho, dava o nó na sua gravata, olhando de soslaio os dois amigos. Seu olhar cruzou com o de Remus com os cabelos ainda úmidos e imerso em um perfume de sabonete que preenchia todo o quarto.

Sirius permaneceu aquele dia inteiro sonolento e, assim como o garoto de cabelos castanhos, usou um pesado cachecol até o queixo para esconder os hematomas que despontavam em tons roxos e amarelos no seu pescoço. Durante a aula de Herbologia em que as estufas estavam quentes, a Professora Sprout se dirigiu a ele:

"Por favor, senhor Black, tire esse cachecol para cuidar das mandrágoras senão vai acabar se sujando de terra! Nem está tão frio assim..."

Ao que Sirius ensaiou tirar o cachecol e a professora viu aquele pescoço destroçado, ela arregalou os olhos, cobrindo o rapaz novamente ao falar um pouco baixo.

"Que isso, menino?! Esconde isso! Vocês, adolescentes de hoje, não sabem mais namorar, não?"

Ao fim da aula, ela foi gentil e, de dentro da sua gaveta com várias poções, unguentos e florais, ela tirou um frasco que entregou a Sirius.

"É pomada de argila verde com essência de calêndula. Use durante a manhã e durante a noite. Em dois dias, já poderá andar sem cachecol. Passe também em outras partes que precisarem(!). E, juízo, senhor Black! A Escola não é um parque de fadas mordentes."

Sirius ouviu o sermão sem retorquir. Seus olhos pesados alcançaram Remus que, parecendo até bem desperto, por ser benquisto pela maioria dos professores, não fora interpelado por ninguém e seguia pleno com o seu cachecol.

James, na bancada ao lado da Professora Sprout, trabalhava com raízes de alguma planta que espirrava veneno para todos os lados e Sirius ficou em dúvida se ouvira um ruído de deboche ou se a brotadura havia espirrado novamente. Teve a confirmação de que fora James quando as turmas deixavam as estufas e o outro rapaz passou por ele e Remus com a mochila nas costas, falando perto o suficiente para que ninguém mais o escutasse.

"Podia ser uma vadia mais discreta."

Sirius viu o deboche por detrás do sorriso e das lentes dos óculos de James. Aquele desgraçado estava voltando a se sentir confiado de novo.

Se não estivesse demasiado cansado e James não tivesse se adiantado na frente, embrenhando-se num grupo de alunos, Sirius teria atirado nele o livro de Herbologia que, pelo peso, talvez pudesse, caso fosse atirado a uma boa distância, causar o mesmo dano de um balaço.

Algum tempo depois, a lua cheia chegou e Remus precisou se afastar da Escola. Quando retornou, seus olhos haviam voltado para o tom de âmbar habitual, seus caninos pareciam menos pontiagudos, seu humor era o mesmo de sempre e Sirius, que não estava no dormitório por se encontrar preso ao treino obrigatório de Quadribol para o jogo contra a Sonserina, havia deixado sobre a sua cama os seus chocolates favoritos de Dedosdemel.

Na dobradura do papel, havia um bilhete escrito 'Saudade'. No verso 'Volta logo'. E com um sentimento de amor que não passava, por não ser fruto da química de uma poção, mas de um cuidado diário, Remus sentiu que Sirius também entrava mais fundo em seu coração.

 

Chapter 2: Os Amantes Secretos

Chapter Text

https://www.youtube.com/watch?v=B7k5hj3p13s

 

"Sinto falta de você e do Sirius juntos..."

"Não sei se sinto falta daquele idiota, mas, pelo menos, ele já aceita ficar no mesmo lugar em que estou. Obrigado por me convidar pra vir até aqui, de qualquer modo, Remus."

Já fazia mais de um mês que James e Sirius não se falavam. Remus era a única ponte que se estendia entre os dois rapazes e, talvez, esse fosse o dado mais perturbador naquela relação triangular incompreensível.

O garoto de cabelos castanhos, de certa forma, havia sido o pivô da ruptura entre Potter e Black, mas se mantinha ao lado de James, sendo seu amigo, assim como seguia com a sua relação com Sirius, sendo seu amante. Nos últimos dias, Remus percebia no rapaz de cabelos rebeldes uma gradual tranquilidade. Como se algo em si estivesse voltando para o lugar, voltando a respirar. Como se o seu veneno fosse corroído pelo tempo que nem metal sob ferrugem.

Sirius também já não se afastava quando James se encontrava no mesmo recinto em que ele estava e Remus, por sua vez, puxava James para ficar perto sempre quando podia, apesar dos dois garotos ainda não se falarem. No fim, o distanciamento talvez fosse muito cansativo e Potter e Black não tivessem a disposição de caráter para o desprezo. Mas havia uma ferida e essa cicatrizava ao sabor do tempo.

Remus e James se encontravam agora sentados no chão da ponte coberta de Hogwarts conversando. Um de cada lado, com as pernas esticadas, fechando o caminho de passagem. Os Marotos, às vezes, gostavam de se reunir naquele lugar nos fins de semana. Do céu, caía uma fina garoa na manhã de sábado, trazendo o cheiro úmido da terra e das árvores da Floresta Proibida.

James estava fumando escondido mesmo sob os protestos de Remus, que temia que algum professor aparecesse. Contudo, após algum tempo, o rapaz de cabelos castanhos aceitou compartilhar o mesmo cigarro com o amigo que esticava o braço para que ele fumasse do rolo estreito entre os seus dedos.

"O pedágio pra você não me reportar para os professores, monitor Lupin..."

"Cala a boca, James!" - riu-se Remus, chutando de leve o pé do amigo.

James chutou-o de volta.

"De qualquer forma, você parece mais relaxado do que antes, Remmy. Péssimo timing dos professores que te promoverem a monitor para segurar a onda da Grifinória."

"Talvez esteja certo..." - começou Remus, gesticulando para que o outro esticasse o braço novamente em sua direção - "Segundo Madame Pomfrey, eu entrei no segundo ciclo da licantropia."

Remus começou a compartilhar a conversa que tivera com Madame Pomfrey dias antes na enfermaria da Escola em um horário que ele sabia que não haveria mais ninguém e os dois poderiam falar com tranquilidade.

Segundo a bruxa conhecedora de patologias e curas, Remus havia completado o ciclo de sete anos após ser mordido por um lobisomem. Esse era o tempo que demoraria para o seu corpo humano sobreviver aos efeitos da licantropia e conseguir se adaptar à parte lobo, tornando-se mais forte. Sendo assim, completada a primeira fase, diferente dos anos anteriores em que Remus sentia mal-estar físico durante a proximidade da lua cheia, era possível que ele viesse a manifestar sintomas diferentes, pelo menos durante os próximos sete anos antes de entrar na terceira fase.

"E como são esses sintomas?" - interpelou-o James, jogando a fumaça para o alto enquanto mirava o outro rapaz.

"É meio chocante, mas meus olhos podem ficar bem parecidos com os de um lobo dias antes da lua cheia; meus sentidos ficam muito apurados, principalmente o olfato e a audição; meus caninos aumentam um pouco de tamanho..."

James ouvia tudo com atenção.

"Já havia percebido seus olhos e caninos."

"Acha que outras pessoas podem perceber? Essas características, normalmente, só apareciam mais nos dias de lua cheia e agora, pode acontecer até uma semana antes de eu me transformar."

"Evita ficar tão perto das outras pessoas nesses dias e, se perguntarem, diga que azararam você. Funcionou quando você tava com aquele arranhão no meio do rosto."

Remus pareceu considerar a ideia.

"São só essas mudanças? Não são tão ruins assim..."

"Na verdade, há outras também..."

Remus se lembrava de Madame Pomfrey pigarrear sem graça, antes de olhar para o teto e falar com uma voz mais baixa. Segundo ela, como lobisomens possuíam um período de acasalamento muito intenso na lua cheia, isso podia afetá-lo mensalmente. Um lobisomem, ao deixar o período da infância, copulava várias vezes nos períodos de lua cheia e o ato sexual da espécie podia ser violento e prolongado.

A enfermeira havia apoiado a mão no ombro de Remus na ocasião, tentando passar otimismo.

"Senhor Lupin, entenda que pode ser que o senhor sinta um desejo muito mais... intenso... e descontrolado do que os rapazes da sua idade... Pode ser que tenha alterações de humor por causa da proximidade da lua cheia também e, talvez, se sinta um pouco diferente, afinal seu organismo parou de tentar expulsar a parte lobo e agora ela está integrada ao seu corpo e mente. Mas tente se manter positivo... Procure relaxar nesses dias e fazer bastante exercícios físicos... Caso se sinta muito... disposto... pode usar também compressas de água fria..."

James tentou sufocar o riso, mas se engasgou com a fumaça do cigarro.

"É uma espécie de cio? Tomara que você acabe com o Black."

Remus tentava manter o nível da conversa, mas deixou escapar um discreto sorriso que parecia querer acompanhar as risadas de James.

"Madame Pomfrey disse também que pode ser que a minha forma de ver o mundo mude nessa fase... Para de rir, James! Não tem graça... Eu fiquei subindo tanto pelas paredes na última lua cheia que fiquei todo esfolado!"

Aparentemente, James havia superado o término com Sirius. Remus, inicialmente, havia se mostrado cauteloso ao escolher os assuntos que falava com Potter, mas, inevitavelmente, a sua relação com Sirius voltava às conversas. James, naturalmente, sabia que eles se pegavam sempre que possível no dormitório ou em salas vazias de Hogwarts. James Potter, no fim das contas, era um jovem enigmático e Remus, de vez em quando, questionava-se se o amigo havia encontrado uma forma de administrar a dor.

Tragando o seu cigarro, James perguntou:

"Por que você e o Black vêm escondendo das pessoas que estão juntos?"

Remus respondeu:

"Na verdade, desde que o Sirius teve com a mãe dele aquela briga no King's Cross, ele tem filtrado muito o que deixa chegar aos ouvidos da família por meio dos outros alunos da Escola. Sirius gosta de se arriscar e afrontar os Blacks, mas acho que desde a última discussão, ele tá mais cauteloso... Minha mãe é bruxa nascida trouxa e eu sou um licantropo. Sirius acha que o revide da família dele pode ser pesado e que podem acabar descobrindo demais ao cavar informações sobre mim... Dumbledore e os professores fizeram vários esforços para eu conseguir estudar em Hogwarts, apesar da licantropia e a discrição foi um acordo estabelecido."

James assentiu com a cabeça.

"Olhando por esse lado, acho que ele tem razão. Não tenho medo dos Blacks, mas acho que todo cuidado é necessário com puristas e preconceituosos como eles... Aliás, o que tem sido esses atentados contra trouxas em Londres? Parece que todo dia tem saído uma notícia assim no Profeta Diário. Tem tido desaparecimentos também."

Remus ponderou. Era verdade. Quando ele havia ido a Hogsmeade para encontrar com os seus pais há algumas semanas, ele viu cartazes de outras pessoas desaparecidas, dividindo os espaços com Tyrone. O rapaz da Sonserina pesava ainda no coração de Remus, que não sabia do seu paradeiro, mas acreditava possuir alguma responsabilidade no sumiço dele. Afastando a lembrança incômoda, Remus disse:

"São muitos desaparecimentos sem explicação. Muitos dos sumidos são bruxos nascidos trouxas e mestiços também. Picharam 'Sangues ruins primeiro' num muro do Ministério e numa porta do Caldeirão Furado. O que será que isso quer dizer...?"

James ajeitou os óculos, soltando a fumaça do cigarro por seus lábios.

"Meu pai diz que esses bastardos são os saudosistas da ditadura bruxa que não aceitava magia fora da comunidade e proibia envolvimento com trouxas. Os partidários desse discurso vêm ganhando força com os incidentes de Magia Negra e o aumento dos seguidores de Você-Sabe-Quem. As pessoas do Ministério parecem preocupadas pelo que a minha mãe me contou..."

"É a mesma coisa lá em casa, James! Meus pais parecem inquietos nas cartas e soube que um amigo deles deixou o Reino Unido com a família subitamente. Largou o cargo de vinte anos no Ministério para ir viver em algum lugar distante na Oceania." - disse Remus, tragando o cigarro que lhe era passado.

"Mas as coisas não devem ficar piores, não é mesmo? Quero dizer...Temos um Ministério de Combate à Magia Negra e de Integração das Comunidades forte hoje em dia, eu acho... O Ministro e a esposa dele, Jordana Johnson, que comanda os Aurores têm feito um bom trabalho. Minha bisavó, certa vez, me contou que os tempos sombrios de segregação foram muito tristes e que quando o diretor da Escola da época aceitou um bruxo nascido trouxa em Hogwarts, os fiscais de pureza quebraram a varinha dele na frente de todos os alunos e limparam a memória do garoto, forçando-o a viver uma vida trouxa. O diretor foi punido e o tal garoto parece que enlouqueceu após uns anos..."

Remus semicerrou os olhos com um arrepio desagradável. Quebrar a varinha de um bruxo diante dele era mais insuportável do que ter um osso partido. Um bruxo desenvolvia uma ligação com a sua varinha como se ela fosse uma extensão de seu próprio braço.

"Eu não taria em Hogwarts se a consciência da comunidade bruxa não houvesse mudado, já que a minha mãe é bruxa nascida trouxa..."- constatou o rapaz de cabelos castanhos.

"Você e metade da Escola não estariam aqui, Remus. Nunca entendi essa obsessão com sangue puro. E, também, se pesquisarem a fundo, veriam que todas as famílias têm ligações com trouxas, duendes, veelas, gigantes... Só que as famílias puristas apagam os familiares de sua árvore genealógica que nem os Blacks apagaram aquela prima do Sirius. Minha bisavó disse que na época de caça aos nascidos trouxas e mestiços, ela e os irmãos escondiam os vizinhos mestiços e nascidos trouxas no porão e com feitiço extensor, fizeram um quartinho parecer uma cidade por dois anos. Minha tia-avó se apaixonou por um desses vizinhos e se casou com ele na França quando as leis mudaram."

Remus fechou os olhos por um instante e voltou a falar conforme resgatava uma lembrança.

"No ano em que entramos na Grifinória, os diferentes eram eu, Evans, Rivers e Fraser. Eu sou mestiço e Lily, nascida trouxa. A Winnie da nossa turma é meio duende e há suspeitas de que a Raven seja meio gigante. Foram difíceis os primeiros meses, e alguns alunos encheram bastante o saco da gente. Muitos colegas, inclusive, apesar de se dizerem de boa com a nossa condição, foram bastante hipócritas e por trás, sabiam ser tão cruéis quanto os sonserinos."

"Eu lembro de mim e do Sirius arrumando briga com uns idiotas por sua causa. Lembro de uns sonserinos querendo quebrar os seus óculos no primeiro ano. O que mais rolava?"

"Pregaram uma vez um papel nas minhas costas, escrito 'Sangue de merda' e soube depois que a Lily também passou por isso. A Professora McGonagall ficou furiosa na época e colocou os responsáveis em detenção. Às vezes, alguns colegas falavam coisas quando a gente passava pelos corredores. Uma vez, ouvi um aluno do segundo ano da Corvinal dizendo: 'O sangue dele deve ter cor de bosta porque é meio trouxa'. Fiquei com muita raiva nesse dia, mas quando Sirius me perguntou por que eu tava chorando, fingi que não era nada... Não queria mais que vocês se metessem em confusão por minha causa."

James sacudiu a cabeça com um olhar aborrecido.

"Sinto muito que tenha que ter passado por isso, Remmy. Isso é péssimo..."

"Tudo bem ... Com a Raven, parece que não pegaram no pé diretamente por ela ser muito grande e terem medo dela, mas lembro de umas garotas rindo quando ela quebrou uma vassoura com o peso na aula de voo. A Winnie, que é pequena, sofreu bastante também. Penduravam ela de cabeça pra baixo no freixo perto do pátio e escondiam a varinha dela. Ela pensou em largar a Escola até, mas o Professor Flitwick, que é parente dela, aconselhou-a a continuar com os estudos. Esse foi o nosso primeiro ano."

James conhecia Raven e Winnie. Eram, de fato, colegas que entraram no mesmo ano em que ele ingressou na Grifinória. No entanto, ele nunca havia sido próximo das garotas e nunca havia pensado como a vida delas, como mestiças, devia ser difícil em Hogwarts. Também, ele nunca pensara como seria a vivência dos nascidos trouxas como Lily, por exemplo, para quem o mundo bruxo era uma novidade sempre e precisavam, constantemente, desconstruir tudo o que haviam aprendido sobre a vida até então.

"Essas pessoas fazem isso ainda hoje em dia?"

"Não... Com o tempo, foram parando. Ficou tudo na lembrança como maldade de crianças que não sabiam o que faziam. Fica mais fácil pensar dessa forma, não é?"

James acendeu outro cigarro, vendo ao longe um grupo de alunos que caminhava próximo ao vale. Um trovão ressoou no vilarejo vizinho. James ponderou se ele mesmo e Sirius, muitas vezes, não foram indiferentes à dor de alguns colegas. Eles nunca haviam sido insensíveis em relação ao sofrimento de Remus, de quem sempre foram próximos e a quem protegiam, mas talvez não pensassem tanto nos outros alunos que passavam por problemas semelhantes.

"...Acho que a chuva deve apertar até o fim do dia."

Os dois rapazes permaneceram em silêncio, remoendo seus pensamentos que vagueavam por aquelas extensões bucólicas imersas no tom cinzento da manhã.

Remus, tentando afastar um pouco o rumo sombrio da conversa, voltou a falar do mapa em que os quatro amigos vinham trabalhando e no qual, ele havia terminado de aplicar os feitiços de ocultamento. De dentro da sua mochila, ele tirou o pergaminho dobrado, estendendo-o ao outro rapaz.

"Sirius inseriu no mapa a passagem secreta da cozinha e das masmorras. Pettigrew inseriu a passagem secreta das gárgulas. Com o feitiço de ocultamento, mesmo que alguém tente ler, só verá escrito uma ofensa. O que acha?"

"Genial, Remus! Acho que até o final do ano, ele estará completo. Precisamos só ajustar o feitiço do mapeamento de pessoas. Mal vejo a hora de começarmos a usá-lo."

Remus aproveitou para trazer para a conversa informações sobre a outra empreitada dos Marotos.

"Sirius ontem treinou a forma de Animagus na Torre de Astronomia. Ele se transformou em um cachorro com a cabeça de Sirius. Depois, num Sirius com cabeça de cachorro..."

"Talvez essa seja a forma verdadeira dele."

"James, vocês precisam treinar juntos! Acho que vocês faziam mais avanços quando praticavam juntos. Pettigrew também teve só a cauda e o nariz transformados nas partes de um rato. Apesar de eu achar uma loucura vocês quererem aprender a magia de Animagus só para uivarem comigo para a lua cheia, se forem fazer isso, precisam fazer direito. Se vocês voltarem para a forma humana perto de mim quando eu estiver transformado em lobisomem, vocês já eram!" - Remus frisava as últimas palavras com o gesto de um dedo cortando a sua garganta.

James ponderou antes de retorquir.

"Só podemos treinar juntos quando o Sirius voltar a falar comigo. Ela sabe onde me achar."

Remus, acompanhado de James, encolheu as pernas para um grupo de alunos passar pela ponte coberta. Entre eles, encontrava-se o monitor do sexto ano da Corvinal que Potter conhecia só de vista. O grifinório escondeu o cigarro atrás de si, batendo de leve o ar para dispersar a fumaça. O corvino, no entanto, olhou para trás e sorriu-lhe. Ele carregava alguns pergaminhos e um canudo de desenho pendurado em seu ombro.

"E como tá o seu caso com a tal menina misteriosa, James? Vai me dizer quem ela é ou vou ter que investigar? Farah Morris já risquei da minha lista porque vi você se recusando a sair com ela..."

"Meu caso não vai, se quer tanto saber. Ela nem olha pra mim e fim. A gente se beijou uma vez e agora ela me odeia porque deve me achar péssimo..."

"Uma menina imune aos encantos de Potter... Isso diminui bastante as opções que restam."

James tragou o cigarro e soltou dessa vez a fumaça pelo nariz.

"Você me acha uma pessoa ruim, Remmy?"

Remus permaneceu um tempo em silêncio, escolhendo as palavras.

"Não, você não é ruim, mas pesa a mão às vezes..."

James ergueu uma sobrancelha.

"Legal saber que depois de tanto tempo sendo meu amigo, você pensa isso de mim."

"Na verdade, venho dizendo isso sempre, mas você não me ouve..."

"O que quer dizer com 'pesar a mão'?"

Remus respirou fundo, ganhando tempo para escolher palavras que não magoassem o amigo.

"Acho que tanto você quanto o Sirius não foram legais com a maioria das garotas que namoraram. Sabe, vejo desde o segundo ano, vocês namorando ou dispensando meninas. Algumas delas tinham sentimentos reais por você e, grande parte do tempo, vi você sendo bem babaca, James. A Rebbecca mesmo, prima do Michael, você não terminou com ela de uma forma legal."

"Mas ela também não foi legal comigo e falou mal de mim para a Corvinal toda!"

"...Depois, tiveram outras garotas. É verdade que algumas estavam mais interessadas no holofote da dupla Potter x Black, mas algumas até que eram bem gentis. Mas você e o Sirius com essa popularidade toda quebraram muitos corações...e pisaram neles... Eu sentia muito ciúme de todas essas garotas, mas, muitas vezes, terminava com compaixão vendo o modo como vocês as tratavam..."

James ficou um tempo em silêncio e quando voltou a falar, mexeu no cabelo encabulado.

"Mas nas últimas vezes, tentei ser legal com quem eu fiquei."

Remus sabia ao que James estava se referindo e, antes que percebesse, sentiu-se impelido a mudar o foco da conversa.

"E a perseguição com o Snape também passa do limite. Eu já disse pra vocês pararem."

"O Ranhoso provoca o Sirius e a mim desde o primeiro ano! Foi ele quem começou azarando o Black quando ele ainda tinha aquela dificuldade de lançar feitiços..."

"Sim. Daí, Sirius se viu no direito de revidar e você entrou na pilha e cá estão no quinto ano agindo ainda como no primeiro... O problema é que quando você e o Sirius se juntam podem fazer coisas muito legais, mas também começam a se sentir imbatíveis e daí, já viu..."

James engoliu em seco. O cigarro em suas mãos era consumido pelo fogo.

"Se eu sou uma pessoa tão ruim, por que anda comigo, Remus?"

"Porque você não é só isso e tem também um lado muito bom e generoso que eu conheço. E porque você é um dos meus melhores amigos. Não fica chateado comigo, Potter. Se vamos jogar com o jogo da sinceridade, não vou te bajular como a Escola toda faz."

O rapaz de cabelos rebeldes fitou o outro por trás das lentes de seus óculos. Remus estava definitivamente mudado. Talvez também um pouco mais maduro.

"...Eu também cometi erros com o Michael e, talvez, não seja a melhor pessoa pra te dar esse puxão de orelha no fim das contas. Mas estou tentando aprender..."

James ainda fitava o outro rapaz em silêncio, conforme encolhia novamente as suas pernas, desobstruindo o caminho para um outro grupo de alunos passar. Remus acrescentou com um olhar um tanto abatido.

"...Mudar pode ser bom, James. Talvez, no dia em que essa garota que você gosta descobrir o seu melhor lado, não queira sair nunca mais de perto de você."

"Como você que acabou de arrasar comigo, mas ainda está aqui?"

"Exato!"

Remus sorriu, esfregando as mãos para aquecê-las da friagem da manhã.

"...Aliás, você tem vivido uma vida de monge nas últimas semanas. Nada de namoradas no horizonte. Isso tudo é por conta da sua menina misteriosa?" - indagou Remus com genuína curiosidade.

James pareceu um pouco encabulado.

"Estou com vontade de ficar sozinho nesses dias. Só isso..."

"Para desespero de Hogwarts!"

Potter sorriu, deixando que um pouco do seu bom humor fosse recuperado. Remus parecia novamente escolher as palavras antes de começar a falar.

"Posso te perguntar uma coisa?"

"Se for me criticar de novo, não."

"Não vou te criticar... É que tenho uma curiosidade... Como era, você sabe... Você e o Black?"

James olhou o rapaz com visível atordoamento.

"Você está namorando o Sirius agora. Eu não vou te responder isso."

"Ah, fala, vai! Você gostava de quando ele...Quero dizer...Sabe...?"

James pareceu somente entender a pergunta do amigo após ele fazer um gesto alusivo com as mãos.

"Não é da sua conta, mas se está falando de penetração, digo que não faz tanto a minha cabeça quanto faz a sua."

Remus ruborizou.

"Como assim faz a minha cabeça?!"

James deu um sorriso enviesado.

"Ah, qual é, Remus? Quando ficamos daquela vez, antes do Sirius falar besteira, você ficou doido quando eu coloquei os dedos em você... Sério, achei que você ia virar um lobisomem naquela hora... Não era eu que tava mexendo. Você que tava se mexendo nos meus dedos."

Remus se lembrou de James pedir, naquela tarde distante, que ele abrisse a boca para que ele introduzisse nela os seus dedos indicador e médio. Depois, James retirou os dedos da boca de Remus e o penetrou com movimentos inicialmente lânguidos e em seguida, com movimentos firmes conforme o rapaz de cabelos castanhos começava a se contorcer, a gemer pedindo mais por aquela carícia íntima que lhe despertava um prazer intenso.

Remus sentiu um calor se espalhar por suas faces quando o amigo evocou aquela tarde. James continuou a falar como se não houvesse dito nada demais.

"...Sirius gosta muito de fazer, mas de levar, nem pensar! Não tente! Sério! Desgraçado egoísta, aquele maldito Black!"

Um silêncio se fez pesado no ambiente e foi desfeito somente quando James voltou a falar, percebendo a vermelhidão no rosto do amigo.

"...Se fica tão constrangido com essa história, por que levanta assuntos tão pessoais quando está a sós comigo, Remus?"

Remus engoliu em seco, cruzando os braços. Ele pigarreou com as bochechas em brasas.

"Naquela tarde, descobri que você e o Sirius eram muito experientes. Me senti um pouco bobo ao lado de vocês dois..." - murmurou Remus finalmente, após mais um minuto pensativo em que James pensava em convidá-lo para dar uma volta pelo pátio, a fim de dissolver a tensão.

James tragou o seu cigarro e ergueu o olhar cor de avelã para o amigo.

"Você não me pareceu bobo... Na verdade, eu gostei bastante..."

Remus sentiu um calor subir por suas faces. Ele estava andando por terrenos pantanosos, mas não conseguia (ou não queria) parar de falar. As palavras começaram a deixar os seus lábios espontaneamente como se aquele assunto ainda o atraísse.

"Eu disse que era virgem e você me disse que não tava conseguindo se segurar. Que podíamos ir até o fim juntos." - falou Lupin, descruzando os braços.

James ergueu uma sobrancelha quando ouviu Remus evocar aquelas lembranças tão profundas.

O rapaz de cabelos castanhos finalmente ergueu os seus olhos cor de âmbar e James sentia-se impelido a dar combustível àquela conversa por um desejo sombrio.

"Mas você não me disse qual foi a sua decisão no fim das contas."

Remus se lembrou de James tirando a franja dos seus olhos sob a luz alaranjada do fim de tarde. Ele beijou a sua testa na ocasião em meio aquelas carícias tão íntimas quanto o sangue.

O rapaz de cabelos castanhos sentiu o seu coração acelerar e um arrepio percorrer a sua espinha. Um formigamento se alastrou por sua pele. O ar frio pareceu mais denso ao seu redor. Sustentando o olhar de James, Remus abriu a boca e disse, após uma brisa soprar em seus ouvidos.

"Como teria sido?"

"Com as suas pernas sobre os meus ombros enquanto eu olhasse bem fundo nos seus olhos de lobo, Remus!" - falou James sem se intimidar, com a fatalidade dos que já viveram a ideia antes da concretização.

Os dois rapazes se fitaram durante um segundo. Remus sentiu aquelas palavras evocarem em si uma febre que subia por seu rosto e descia até o seu ventre. James prosseguiu, esticando um pouco a perna em direção ao outro garoto, até tocar o pé dele com o seu.

No fim, Remus e Sirius não haviam conversado sobre aquela tarde que dividiram com James. Talvez eles evitassem aquele assunto, sem perceber que o silêncio fortificava os conflitos. O entardecer ainda pairava entre os três como um monumento intocado sacralizado pelo que não foi.

"Foi a posição que eu e o Sirius fizemos na primeira vez." - murmurou Remus atordoado perante o outro.

"É gostoso, não é?"

Remus sabia que não devia falar dessas coisas com James no pé em que a situação dos três amigos se encontrava. Ele já devia ter parado. James também já deveria ter ficado quieto.

"É..."

"Eu ia gostar de meter em você enquanto tivesse te beijando...daquele jeito que te beijei, sabe. Que acho que você gostou muito..."

Diante das palavras proferidas por James, Remus sentia aquela parte sombria sua falar através da sua voz. Fosse a voz do Lobo que podia ser boca suja às vezes ou do menino bruxo que guardava pornografia trouxa em seu malão, ele deu continuidade.

"E como é ser comido por James Potter?"

James intensificou o carinho no tornozelo e panturrilha do outro garoto, chegando a levantar a bainha da sua calça.

"Mágico!"

"Você ia gozar dentro?"

"Ia. Você gosta quando esporram em você?"

"Muito..."

"Gosta que gozem na sua boca?"

"Uhum..."

"É, eu gostei de ver você me chupando daquela vez. Se soubesse que gostava, não teria gozado fora..."

Remus se lembrou da tarde distante, perdida no crepúsculo e nas brumas em que ele havia estimulado James com a sua boca e o rapaz de cabelos rebeldes pedira que olhasse para ele enquanto o fazia. Remus, na ocasião, sentiu que não conseguiria sustentar o olhar, mas Sirius levantou suavemente a sua cabeça, forçando o contato visual. Depois, James replicou essa carícia.

"...Você não conseguiu se segurar e gozou na minha boca, Remus. Gostou de ser chupado por mim, lobinho?"

"Aham... Foi gostoso sentir a sua língua lá embaixo... Não deu pra segurar... Desculpa."

"Tudo bem. Eu não me importo..."

"Sirius também não se importa e gosta que eu goze na boca dele. Mas prefiro gozar quando ele tá metendo. É mais gostoso assim... Quando a gente goza quase ao mesmo tempo..."

James respirou fundo, experimentando aquelas palavras também tatearem seus pontos sensíveis. Ele sentiu a calça jeans comprimindo a sua virilha. O grifinório nunca pensou que seria possível falar daquele jeito com Lupin depois de aprenderem a não brincarem mais com fogo. Eles estavam no mesmo mundo ainda? O mundo cinzento de James se confundia com uma ocasião no quarto ano em que os dois garotos, naquela mesma ponte, brincaram também com fogo.

Remus e James jogavam um jogo perigoso. A imagem de Sirius, que era parte daquele cenário que se iniciara nas férias de verão ou muito antes, atravessou a mente dos dois quase que simultaneamente.

"Eu ia querer assistir você e o Black transando depois de te foder, Lupin. Fazendo o que gostam... O que gosta mais que ele faça em você?"

Remus sentiu a carícia aparentemente inofensiva de James se tornar mais intensa. Ele correspondia ao afago esfregando seu pé também na perna do outro.

"Gosto quando ele tá usando a boca embaixo e desce mais a língua até bem embaixo...sabe?"

"Então, eu gostaria de assistir Sirius te lambendo inteiro até você implorar que ele te comesse de novo..."

"Como gostaria que ele me comesse?"

"Como vocês bem quisessem desde que olhassem pra mim."

"Olhando como eu tô te olhando agora? Ainda acha meus olhos bonitos, James Potter?"

James acariciou o pé de Remus, mirando de cima a baixo o outro rapaz diante de si que apoiava as mãos no chão como se precisasse se segurar em algo.

"Onde tá aprendendo a falar assim, Remmy? Com o pervertido do Sirius, suponho eu..."

"E com você também. Eu aprendo rápido... Esqueceu?"

"Sirius tem razão. É demais ouvir você falando essas coisas com essa carinha de anjo..."

"Vocês me corromperam..."

James fez um ruído de ironia.

"Nós? Pode ser, mas você fodeu com o nosso juízo quando parou tudo na metade e foi correr para os braços daquele monitor da Corvinal. Sirius pagou um preço alto por te falar aquelas idiotices que te magoaram. Você o puniu de verdade. Nos puniu. Eu deveria ter calado a boca dele e ter te comido... Sabe que não quero me meter na sua história com o Black, mas naquele dia, eu teria ido sem arrependimentos até o fim."

Remus respirou fundo, sabendo que a sua excitação havia tomado forma sob a sua calça. James o olhava diretamente e sorriu o seu meio sorriso, que era o mais perigoso de todos. Estaria Remus sendo desleal com Sirius trocando aquelas palavras com James a ponto de ficar excitado? Sirius, que pulara da cama de Potter para a sua e participou daquele jogo também durante as férias.

Havia a menina misteriosa também na vida de James. Mas ninguém se traía quando a conversa girava em torno do solo seguro de um passado hipotético. Não havia na ponte carícias ou toques além do pé de James e da perna de Remus que se encostavam. O desejo era flexível, mutável como um vírus, e se adaptava a nova situação para continuar vivo.

James permaneceu um tempo em silêncio, fitando o chão como se olhasse algum ponto distante. Seu sorriso se desvaneceu, morrendo aos poucos até que sumisse. Por fim, ele prosseguiu.

"...Não é muito agradável ver o meu amigo chorar, Remus, como Sirius chorou quando soube de você e do Carlson. Você ficou andando de mãos dadas com o seu monitor corvino perfeito por algum lugar depois de tudo e nos deixou sofrendo na sua casa em Londres. Quando você pune, sabe ser até mais cruel do que o Black."

Remus moveu os olhos, nervoso. Depois, engoliu em seco. As palavras de James chegavam aos seus ouvidos com uma frieza atordoante.

"Não foi por punição, James! Eu tava confuso na época. Não sabia o que fazer. Não sou como vocês que sabem sempre o que tão fazendo..."

"A gente também não sabia o que fazer, Remus. Podíamos ter tentado entender juntos quando o Black surtou. Sirius se sentiu muito mal e eu tentei arrastá-lo para Oxford comigo quando quis sair daquela casa e refrescar a cabeça. Mas ele optou por ficar lá sendo punido por você e a sua decisão de fugir de tudo. Como não percebi que ele tava gostando de verdade de você? Eu fui muito estúpido!"

"Não foi de propósito, James! Por favor, não fala as coisas dessa forma!" - defendeu-se Remus, falando entre dentes e sentindo os seus olhos queimarem - "Eu traí o meu namorado na época pra ficar com vocês dois sem nem hesitar! Como acha que eu tava me sentindo? Só queria fazer o que era certo!"

"É, você tá sempre tentando fazer o que é certo, Remus! No fim, foi você que se divertiu com a gente! Aprendeu bastante conosco antes de ter o seu momento romântico com o seu monitor? Você, no verão, traiu em sequência Carlson, Sirius e eu. Para o garoto bonzinho que tem tantas boas intenções, você erra também um bocado!"

"NÃO FOI ASSIM! VOCÊ NÃO SABE DA HISTÓRIA TODA!" - vociferou Remus com raiva e os olhos úmidos.

Um silêncio pesado se fez no ambiente antes que os dois rapazes despertassem com o ruído da madeira da ponte rangendo.

"Vem vindo alguém..." - falou James, jogando a guimba de cigarro para longe ao mesmo tempo que encolhia os pés para que o transeunte passasse.

A consciência do rapaz de cabelos rebeldes subitamente pareceu alcançá-lo com violência e ele retirou os óculos, esfregando os olhos. Depois, James mexeu nos cabelos, alinhando-os para trás. O que diabos estavam fazendo falando daquelas coisas?

Remus permaneceu também um tempo atordoado, tentando se achar no momento presente enquanto abraçava os joelhos. Os dois haviam acabado de falar coisas que eram muito perigosas. Por entre as nuvens daquele dia frio, os raios do pôr do sol daquela tarde havia os encontrado. Iluminava a sombra que os dois rapazes tinham dentro de si, formando imagens nas paredes de seus cérebros. Imagens do que aconteceu; do que aconteceria; do que queriam que acontecesse; do que não deveria acontecer se empilhavam num fio de palavras impróprias. Imagens também de mágoas não verbalizadas.

Quando os dois rapazes voltaram a se encarar, Remus enxugou uma lágrima rebelde com a manga de sua roupa e James estava sério como nunca.

"Vamos parar por aqui, Remus. Não quero estragar mais as coisas entre o Sirius e eu do que já estão estragadas. Se você quer saber sobre como eu transava com o Black, pergunta pra ele da próxima vez. A gente se empolgou e passou dos limites. Nada disso importa mais."

Remus sentiu seu rosto arder.

"É... Não deveríamos falar disso..."

James replicou com uma voz dura.

"Não me atiça, tá bem? Eu não presto, esqueceu? Sou uma pessoa ruim. E existem coisas inacabadas entre nós três que ainda mexem comigo."

Remus parecia recobrar a sua consciência sobre os limites e fronteiras que deveria respeitar, sentindo um pouco de vergonha. Um pouco de raiva. Mas James estava certo. Os afetos precisavam de cuidado. Principalmente porque mexiam também ainda com ele.

Na ponte, uma figura magra e pálida de cabelos escorridos vinha com um pesado livro de Poções sob o braço. Com passos lentos, Severus Snape se aproximava e se deteve um instante quando viu que passaria pelo meio de Potter e de Lupin.

Por um hábito, James ia ser reativo com o Ranhoso que interrompia um tenso momento seu com Remus. O rapaz estava muito chateado por ter se deixado levar numa conversa que deveria ser evitada em respeito a Sirius. Mas, lembrando-se da advertência de Remus sobre a sua conduta, James permaneceu calado, de cabeça baixa, dando a passagem para o sonserino. Não lhe dirigiu a palavra, mas viu quando Lupin acenou com a cabeça para o rapaz enquanto ele se aproximava.

A cena toda durou segundos. James viu quando, com a mão direita, Snape sacou a varinha de dentro da sua manga e fez um gesto muito leve na direção de James, murmurando Sectumsempra. Então, quando o sonserino passou, Remus percebeu o risco vermelho que cortava uma das faces de Potter, desenhado como se tivesse sido feito com tinta.

Apalpando o rosto após sentir que fora ferido, o rapaz de cabelos rebeldes se colocou de pé em um pulo, apontando a sua varinha em direção a Severus.

"Seu idiota! Ficou maluco?! O que deu em você?!"

Snape andou uns três passos ainda antes de se voltar para James, dizendo com ar cínico:

"Estou testando um feitiço."

Remus viu o sangue pingar da face de James em seu casaco, no chão e se aproximou do amigo para ajudá-lo. O corte parecia fundo.

"Snape, você não pode fazer isso...! Vou ter que falar com o Professor Slughorn. James não fez nada pra você agir assim!"

Severus olhou o rapaz de cima a baixo pela primeira vez com desprezo, como se visse alguém sujo. As pupilas do sonserino estavam dilatadas e ele parecia irritado.

"Vai lá, Lupin, e eu conto que você tava fumando com o Potter aqui na ponte. E também que tava fumando ontem no Lago. Acho que a Professora McGonagall não ia ficar satisfeita em saber que o monitor da Grifinória acoberta os amigos para fazerem coisas erradas juntos."

O revide de Snape desnorteou Remus. Principalmente porque sempre houvera alguma cordialidade entre os dois, apesar do sonserino detestar Potter e Black. Era a primeira vez que Severus o ameaçava.

James se adiantou com o rosto ainda pingando sangue.

"Reza pra não me encontrar nos corredores, Ranhoso! Reza porque da próxima vez, eu vou te cortar ao meio, seu filho da puta!"

O rapaz sonserino deu um meio sorriso antes de dar as costas para os dois grifinórios. Remus levou James à enfermaria, dada a gravidade do ferimento, mas não pode deixar de perceber que, quando Snape passou por ele, sentiu no ar o cheiro de alguma poção desconhecida. Não era nenhuma poção de que se lembrava das aulas. Era um perfume denso amadeirado e que ele sentiu o sonserino exalar na aula. Ocasionalmente, Remus sentia esse cheiro também na mesa da Sonserina.

James comentou enquanto os dois se dirigiam ao Castelo, deixando rastros vermelhos no caminho.

"No que depender de mim, minha mão vai pesar uma tonelada sobre o Ranhoso pra sempre. Esse desgraçado me paga!"

 

A interrupção de Snape se apresentou bem-vinda, apesar de perturbadora.

Na enfermaria, James e Remus trocaram mais uma vez um olhar que não conseguiram sustentar. Potter parecia mais desconcertado do que no verão em que havia fornicado com os seus dois melhores amigos. Na ocasião, ele não parecia envergonhado, mas agora havia mesmo manchas vermelhas em sua face que não pingava sangue.

Talvez, tenha ajudado os dois rapazes a se acalmarem as conversas banais da enfermaria de uma grifinória com o nariz azarado que era atendida por Madame Pomfrey e de um garoto do sétimo período que estava tão assustado com a ocorrência do N.I.E.M.s naquele ano, que acabara confundido um ingrediente simples no preparo de uma Poção Calmante, fazendo com que a mistura explodisse em sua cara. Pouco a pouco, aquilo os ajudava a voltarem para a normalidade do sábado de nebulosidade.

Enquanto a enfermeira ia na sua sala buscar o kit de primeiros socorros para feitiços de corte, Potter disse:

"Desculpa se fui ríspido com você. Eu não devia ter falado aquelas coisas, Remus."

"Tudo bem. Desculpa por criar tanta confusão, James..."

"Acho que podemos decidir não falar mais sobre o que aconteceu e dar o assunto por encerrado."

"Certo. Não quis te chatear."

"Eu não consigo ficar muito tempo chateado com você, Remus. Tá tudo bem..."

Remus baixou a sua cabeça e começou a enfileirar os frascos de poções por ordem alfabética sobre o aparador da enfermaria. Ele precisava ocupar a sua atenção com mais coisas banais. James olhou o amigo, furtivamente, durante dois ou três segundos.

Lupin havia mudado mais do que James julgara possível desde aquele verão insólito. Talvez Sirius o estivesse mudando também. Talvez Remus começasse a brincar com o poder que o sexo lhe conferia, inspirado por alguma força. Estava até mais atraente nos últimos dias, escondendo-se menos atrás de livros pesados e não andando de cabeça baixa.

James se lembrava da primeira vez que sentira um desejo consciente de ficar com Remus em uma época em que eram mais jovens e o mundo era bem mais simples. Os Marotos, no início do terceiro ano, voltando das férias de verão, haviam roubado comida da cozinha de Hogwarts através de uma das passagens secretas. Partira de Sirius a ideia de afanarem também a garrafa de um dos whiskies de fogo da adega possivelmente destinados às comemorações do corpo docente. Juntos, os quatro garotos faziam uma festinha no dormitório.

"Não foge não, Lupin! Você também vai entornar!" - havia provocado Sirius, enchendo um copo com o whisky e o esticando a Remus que, após alguma hesitação, aceitou participar da brincadeira porque tinha curiosidade também sobre o sabor da bebida.

Lá pelas tantas, contudo, Remus, visivelmente alcoolizado, sentara-se ao lado de James, apoiando a cabeça no seu ombro. Sirius também estava alto contando histórias engraçadas de pé, no meio do quarto. O rapaz de cabelos rebeldes bagunçou a franja do amigo aninhado perto dele em um carinho meio desajeitado.

"Tá com sono?"

"Tô um pouco tonto só..."

"Quer que eu busque água pra você?"

"Não... Só quero ficar encostado aqui. Minha cabeça tá pesando no seu ombro?"

"Não. Mas você é muito fraquinho para o álcool, Remus." - riu-se James, vendo o outro menino pestanejar.

"Sou."

Remus mantinha os olhos fechados com a cabeça apoiada no ombro de Potter. Seu hálito tinha o perfume de bebida e chocolate. Dos seus cabelos exalava o cheiro de xampu e sabonete do banho que ele tomara naquela noite. Potter se lembrara de pensar que Remus era um menino com a pele mais macia do que outros garotos e que o amigo exibia um rosto sereno quando dormia.

"Você lembra um pouco uma garota que beijei no ano passado." - falou James na ocasião, mexendo no cabelo um tanto sem jeito, antes de formular melhor o seu pensamento. Talvez estivesse também alto.

"Ela é bonita?"

"É. Muito."

"Isso quer dizer que eu sou bonito?"

James não respondeu na ocasião. Talvez mais do que a aparência de Remus, o que o remetia àquela menina era algo que o grifinório não saberia explicar em si mesmo. Após um tempo, Remus apagou e Sirius o acordou para que ele fosse se deitar em sua cama. Mas antes de fazê-lo, enquanto o via dormir, James se perguntou de um modo vago como seria beijar um menino. Se fosse beijar um garoto, preferia beijar Remmy que parecia ter lábios macios e cheirava muito bem.

Potter achou bobagem aquele seu pensamento e o cortou para que retornasse no quarto ano, quando os três amigos estavam no Lago, e explodisse também na loucura que viveram na casa de Remus em que, mais velhos, não tinham mais como esconder o desejo que era nutrido na intimidade dos dormitórios, através dos cheiros compartilhados, da curiosidade e de um convívio longo.

Na enfermaria, Madame Pomfrey suturou a ferida no rosto de James com fio da crina de unicórnio. Depois, espalhou um unguento que os rapazes desconheciam, finalizando o processo com a sua varinha e alguns encantamentos.

"Você tentou estancar o sangue com a sua varinha, Senhor Lupin?"

"Sim, senhora. Mas o feitiço que usei parecia não penetrar a pele. Não parece ser um feitiço de corte como os outros..."

"Daqui a dois dias estará sarado, mas, por ora, terá que usar um curativo. Esse feitiço não é um dos que costumam aparecer por aqui e tem uma complexidade curiosa. Poderia ser bastante perigoso se atingisse o seu olho ou o seu pescoço, senhor Potter. Quem foi o aluno que lançou esse feitiço contra o senhor?"

Os dois garotos se entreolharam, sabendo que se mencionassem o nome de Snape, a enfermeira ia reportar o ocorrido ao diretor da Casa da Sonserina e o Ranhoso poderia cumprir a sua ameaça contra Lupin.

"Não vimos quem foi, Madame Pomfrey. Eu estava conversando com o Remus na hora e quando dei por mim, já estava ferido..." - adiantou-se James.

Mais tarde, quando os dois garotos voltavam para o dormitório, eles se depararam com Sirius atravessando o quadro da Mulher Gorda em companhia de Pettigrew. Black prendia os cabelos compridos atrás em um rabo de cavalo e segurou discretamente a mão de Remus quando o viu.

"Bom dia!"

"Boa tarde, Sirius!" - respondeu Remus, sorrindo e consultando o relógio de pulso do rapaz mais alto.

Sirius gostava de acordar muito tarde nos finais de semana e era engraçado vê-lo se espreguiçando como um gato, olhando a luz do dia como se o incomodasse.

"Não vejo necessidade de acordar cedo aos sábados." - defendeu-se o grifinório com convicção. - "O que estavam fazendo?"

Remus e James evitaram qualquer tipo de contato visual perante a pergunta de Black.

"Estávamos na ponte conversando."

Os olhos de Sirius se detiveram, então, no curativo preso ao rosto de James. Ele fitou o rapaz como se quisesse perguntá-lo o que havia acontecido. Mas, droga, ele não estava falando com Potter!

Sirius olhou para Remus, então, e o rapaz de cabelos castanhos, ainda um pouco aéreo, demorou para entender o sinal que Black lhe dava. No fim, Remus entendeu.

"Snape usou um feitiço de corte no rosto de James!"

"Houve alguma briga?" - perguntou Sirius, olhando Potter de soslaio.

"Não. Foi um ataque do nada."

Sirius cruzou os braços.

"E posso saber por onde andava o monitor desta Casa? A Grifinória está à deriva?"

"Snape me ameaçou!" - defendeu-se Remus - "Disse que ia dedurar James e eu por estarmos fumando escondidos se eu reportasse a atitude dele. Ele nunca havia me ameaçado antes, mas hoje fez. Ele já deve ter me visto fumando com vocês outras vezes, mas hoje usou isso contra mim!"

"Quando digo pra você que o Ranhoso não é um coitadinho inofensivo, você ainda tenta defendê-lo."

James permanecia calado, olhando para os seus próprios pés com as mãos nos bolsos. Era difícil não falar com Black, principalmente quando ele estava bem-humorado em um final de semana. Nessa altura, os dois já teriam feito juntos umas duas ou três piadas e elaborado um revide para apanhar o Ranhoso de surpresa. Mas as coisas haviam mudado e Potter se esforçava para não pensar no que Remus e ele haviam falado na ponte. O que Sirius faria se soubesse? Xingaria James? Partiria para cima dele por ter trocado palavras pornográficas com o rapaz de cabelos castanhos? Sentir-se-ia traído por não fazer parte daquilo? Lembraria de suas velhas feridas maternas e se tornaria irascível? Ou então, respiraria aliviado por poder finalmente falar sobre aquela tarde crepuscular e apoiaria as verdades que James cuspira sobre Remus?

"Estou morrendo de fome. Vamos tomar café da manhã!" - convidou-os Sirius, adiantando-se em direção à escada.

"Almoçar, você quer dizer!" - brincou Remus acompanhado de Pettigrew. Seu sorriso descontraído denunciava que seu porão já havia se fechado.

"Pode ser um brunch!"

Sirius não falava diretamente com James, mas o convidava também ao seu modo. Deteve-se um pouco quando o rapaz de cabelos rebeldes permaneceu parado diante do retrato da Mulher Gorda. Ele olhou para Remus, que, entendendo dessa vez de prontidão o que precisava ser feito, esticou o braço, puxando a mão de Potter.

"Ei, não foge não, James! Vamos a esse brunch das 14h! Ficamos tanto tempo na enfermaria que nem percebemos que já era tão tarde. Você também deve estar com fome."

James sorriu, deixando-se ser puxado para o meio dos quatro garotos. A amizade era algo misterioso. Ela também era flexível, assim como algumas varinhas e alguns sentimentos, adaptando-se às circunstâncias para continuar viva.

Remus se servia da couve-de-bruxelas no Grande Salão quando a coruja de sua família, Fiona, fez um voo rasante sobre Filch, que resmungou atarantado, sacudindo as mãos sobre a cabeça. Meio minuto depois, uma outra coruja-das-torres passou zumbindo em sua orelha conforme ele saía do Grande Salão, levando Madame Norra em seus calcanhares. A gata filhote, por sua vez, olhava absorta o voo das aves.

Remus se adiantou em desprender o pergaminho e o Profeta Diário das patas das corujas endereçadas a si.

"Tá assinando o Profeta Diário agora, Lupin?" - indagou Pettigrew, se esticando para ler a manchete 'SEGUIDORES DE VOCÊ-SABE-QUEM SÃO RASTREADOS EM VILAREJO TROUXA'.

"Tô. Agora que estou ganhando dinheiro com as aulas particulares, resolvi fazer uma assinatura." - respondeu o rapaz de cabelos castanhos, lendo a notícia e esticando o olhar para a reportagem logo abaixo: 'Vicent Praga, ministro júnior do Departamento de Reversão de Feitiços Acidentais, critica operação de Aurores no sudeste da Europa, coordenada por Jordana Johnson'.

Sob o tabloide, havia a imagem de um bruxo razoavelmente jovem de cabelo escuro e topete, dando entrevista aos jornalistas. Abaixo da sua foto que se movia, lia-se: 'Mais de dez trouxas, precisaram ser obliviados na mesma noite'.

Remus, tendo sido indicado pela Professora McGonagall, estava atendendo a um grupo de alunos mais jovens que precisava de reforço escolar. Havia uma seção da diretoria que poderia, ocasionalmente, convidar alguns dos monitores para prestarem algum trabalho remunerado junto à Escola. Tal convite era condicionado ao boletim e desempenho acadêmico do monitor em questão, o que não era problema algum para Remus. No fim, o rapaz de cabelos castanhos achou mais divertido do que havia imaginado a experiência de ajudar os colegas com dúvidas nas matérias, tentando explicar as informações de uma forma que entendessem. Sirius, ao vê-lo desenhar em um pergaminho o processo de um feitiço e animá-lo em seguida com magia, comentara fazendo justiça aos esforços do outro.

"Você parece mesmo um professor. Se tivessem me explicado assim no primeiro ano de Feitiços, não teria tido problemas. Ficou muito maneiro, lobinho!"

Por fim, a quantia recebida pela Escola como remuneração pelas aulas particulares fora maior do que Remus supunha. Com o primeiro pagamento, ele havia comprado uma caixa de doces finos de agradecimento para a Professora McGonagall; um casaco e um cachecol novo; chocolates; dois livros de Defesa contra as Artes das Trevas; um presente para os seus pais; a assinatura do jornal e ainda presenteara os amigos com uma caixa de doces com recheio de hidromel e também Madame Pomfrey. O restante do dinheiro, sob a supervisão dos duendes, rendia em uma conta que Lyall e Hope, muito orgulhosos, haviam aberto para o filho no Gringotes. Sirius brincou dizendo que quando os Blacks o deserdassem, seria sustentado por Remus, que, agora, ascendia socialmente feito um balaço.

Remus leu a correspondência dos Lupins, dirigindo-se a James.

"Meus pais encontraram os seus no Beco Diagonal por acaso, James e, hoje, vão jantar na casa deles."

"A gente se matando de estudar na Escola e nossos pais só se divertindo no sábado à noite."

"Mandam lembranças a todos e mandaram parabéns pelo desempenho da Grifinória nos últimos treinos de Quadribol."

James sorriu e Sirius se estufou, um pouco orgulhoso.

No terceiro ano, quando Sirius e James começaram a jogar no time da Grifinória, os Lupins foram à Escola assistir aos garotos em seu primeiro torneio. A mãe de Remus, que havia jogado no time de Quadribol da Corvinal durante a época em que estudou em Hogwarts, incentivara James e Sirius a participarem da seleção de jogadores da Grifinória. De forma que, quando eles passaram nos testes do time de Quadribol, os Lupins, que gostavam muito dos amigos do filho, vieram de longe assistir à estreia dos dois jovens.

Também vieram os Potters apoiar James, sacudindo bandeirinhas com as cores vermelho e dourado, e soprando uma corneta que ressoava por todo o gramado.

Quando Sirius e Remus haviam visto os pais de James pela primeira vez no King's Cross, pensaram por um momento que aquelas duas figuras fossem seus irmãos mais velhos ou primos. Só depois, descobriram que se tratava dos pais do amigo.

O pai de James possuía cabelos rebeldes e era um homem tranquilo com risada espontânea. A mãe era muito bonita com cabelos longos bem escuros e olhos com uma tonalidade entre o mel e o verde. Ela usava óculos de armação colorida, vestido trouxa tubinho anos 70 e bota de salto altíssimo quando veio à Hogwarts. Sirius e Remus viram um aluno do sétimo ano virar o pescoço quando se deparou com a senhora Potter falando com James no Grande Salão. Um outro aluno até ensaiou um assovio.

"Bonitona a sua mãe, hein Potter! Quero ser o seu padrasto." - vieram falar com James no dia seguinte dois alunos do sexto ano.

"Vão à merda!" - retorquia James laconicamente sem dedicar muita atenção à questão e parecendo acostumado com a comoção masculina que a mãe causava.

"Tenho uma carta para enviar para a senhora Potter. Me dá o seu endereço, James."

"Enfia a tua carta."

Foi um dia muito divertido aquele de invasão parental em Hogwarts. Após a estreia de Sirius e James da qual os meninos haviam saído vitoriosos na partida de Quadribol, os Lupins haviam combinado de levar os quatro amigos para almoçarem em um restaurante gostoso de Hogsmeade. Os Potters, por sua vez, adoraram a ideia e já embarcavam descontraídos num bate-papo com os Lupins.

Sirius, no entanto, sentiu-se um pouco desconfortável. Era liberado para os pais e amigos verem a estreia dos jogadores de Quadribol, mas, conforme era esperado, sua família não deu as caras, visto que ainda não apoiavam a sua ida para a Grifinória.

Para completar, Orion e Walburga não haviam assinado ainda o documento necessário para Sirius poder ir a Hogsmeade acompanhado de pessoas que não fossem seus responsáveis. Sirius se sentia um pouco deslocado perto das famílias de seus amigos, sendo que a sua própria família não o apoiava em nada. Estava sozinho.

"Irmãzi... Mãe, você pode tentar convencer a McGonagall?" - pediu James à senhora Potter, após lhe explicar a situação de Black.

"Professora McGonagall, mocinho! Vamos ver o que podemos fazer." - lhe tranquilizou a mulher que, equilibrando-se sobre os saltos e com a bolsa na curva do braço, segurava a mão do pai de James enquanto ia em direção à professora.

Os Lupins também foram juntos interceder por Sirius. Contudo a Professora McGonagall, apesar de parecer sensibilizada com a situação, esbarrava em burocracias da Escola. No fim, os adultos após conversarem em privado, surgiram com uma nova ideia.

"Não podemos tirar Sirius da Escola, mas podemos fazer nossa comemoração aqui. Vamos a Hogsmeade pegar umas coisinhas e voltamos já." - havia dito a senhora Potter partindo com o senhor Potter e os Lupins para Hogsmeade.

"Deixa pra lá! Não quero estragar a comemoração de vocês... Eu posso ficar por aqui. Sério." - falou Sirius um pouco constrangido pela comoção que havia se criado por sua causa.

"Relaxa, cara. Mãe dá jeito em tudo." - tranquilizou-o James sentado na fonte do pátio da Escola ao lado de Remus. Esperavam os adultos.

"Tá aí uma verdade." - sorriu Remus.

Quando voltaram três horas depois, os Potters e os Lupins traziam um banquete e várias guloseimas de Hogsmeade. Em um pedaço da mesa do Grande Salão, eles arrumaram os comes e bebes e o time de Quadribol grifinório também foi convidado para participar daquela festa que se formou na Escola.

Sirius sorriu sem jeito quando a senhora Potter serviu torta de abóbora com creme e gengibre para ele e a um dos outros artilheiros do time que, por sua vez, olhava a mulher diante de si com cara de tonto.

Sirius, mais agradecido do que sabia expressar, pensou que seria legal ter pais como os Potters também. No entanto, ele não pode deixar de reparar a diferença entre a criação de James e a de Remus. Enquanto os pais de Remus envolviam o filho naquele amor protetor, os Potters envolviam o filho em felicidade e risadas joviais. Os Potters haviam tido James muito jovens e o criaram como se fosse um deles. De fato, pareciam mais irmãos.

"Pai, dá licença pra eu passar. Preciso ir ao banheiro depois de beber tanto suco de abóbora." - pediu James querendo se levantar da mesa.

"Ih, agora que eu sentei! Passa por debaixo da mesa, Jimmy!" - brincou o senhor Potter.

"Quem é a namoradinha do Sirius?" - perguntou a senhora Potter com o prato de sobremesa na mão.

"Hogwarts toda!" - sentenciou Pettigrew.

"Gatinho desse jeito faz muito bem! Eu e o pai de James éramos fogo também né, amor? A gente só parou quando começou a sair!" - riu-se ela, beijando a bochecha do esposo.

"Vocês dois, parem com isso!" - interveio James, girando os olhos nas órbitas.

"Não falamos nada demais! E você tem os nossos genes, Jimmy! Pode namorar na Escola. Só não pode descuidar dos estudos e transformar seu pai e eu em avós até ter no mínimo uns cinquenta anos. Bom, já que são muitas namoradas, não vai ter sobremesa suficiente. Remus, quer ficar com esse pedaço? É chocolate belga."

Remus, que tinha a cabeça apoiada no ombro da mãe, aceitou a oferta da senhora Potter que o olhou por dois ou três segundos de uma forma enigmática que lhe lembrou fielmente James.

"Remus, você não quis jogar no time de Quadribol?"

"Ele é igual a mim na minha época de Escola. Só pensa em estudar e tirar notas altas. Já a mãe dele era implacável nas partidas de Quadribol e a menina mais linda de toda a Corvinal." - interveio o senhor Lupin, sorrindo para a esposa enquanto servia água de gilly aos garotos.

"Eu até jogo com os meus amigos no fim de semana às vezes, mas tô muito longe de me tornar um fenômeno como o James e o Sirius." - contemporizou Remus.

"James fala que você é tão inteligente... Deve ser popular na Escola..."

Remus mexeu nos óculos, rindo com timidez.

"Sirius e James são populares. Eu não..."

A senhora Potter se inclinou para acender uma das velas do castiçal sobre a mesa com a sua varinha. As madeixas de seus cabelos compridos quase incendiaram junto. Sua mão espalmada cobrindo o pavio do fogo e o seu sorriso iluminaram-se diante da luz bruxuleante. O artilheiro da Grifinória, de boca aberta, chegara a deixar o garfo cair ruidosamente sobre o prato parecendo enfeitiçado pela mulher diante de si.

"Ah, mas você vai ser. Com esse rosto vai quebrar corações... Antes mesmo que percebam."

Remus pareceu desconcertado naquele momento, perguntando-se intimamente se a senhora Potter estaria somente sendo gentil com ele. Sirius e James olharam demoradamente para o amigo e o rapaz de cabelos castanhos sentia aqueles dois pares de olhos sobre si.

"Cuidado com o Remus, pessoal." - comentou Sirius, bebendo a água de gilly da sua taça.

Na hora de se despedirem, o senhor Potter se dirigiu a Sirius encostando em seu ombro.

"Se quiser passar as férias lá em casa, será muito bem recebido. Combina com o Jimmy."

"Obrigado, senhor, por hoje. E desculpa qualquer inconveniente." - retorquiu Black, procurando ser muito cuidadoso e polido com as palavras diante dos pais de seus amigos.

Na despedida, Sirius foi abraçados por aquelas pessoas carinhosamente. Viu quando os Lupins abraçaram também Remus, alinhando suavemente os seus cabelos após beijarem a sua cabeça. A senhora Lupin, segurando o rosto do garoto de cabelos castanhos em suas mãos delicadas, fazia-lhe recomendações sobre se alimentar e dormir bem.

Depois, foi a vez da mãe de James fazer um carinho na testa do filho, afastando-lhe a franja dos olhos antes de montar na sua vassoura elegantemente de lado por conta do vestido. Também lhe beijou a mão.

"Estou muito orgulhosa, Jimmy. Se cuida, meu amor."

Sirius tivera a completa certeza na ocasião de que a sua família era toda errada e que se sentia mais si mesmo perto daquelas pessoas do que na residência dos Blacks. De maneira que James, naquele sábado nublado com o curativo em uma das faces, parado diante do quadro da Mulher Gorda sem saber se poderia acompanhar os amigos ao brunch não era viável. Ainda que uma guerra, um término, mágoa, rancor e palavras os tivesse ferido, Sirius nunca poderia deixar James para trás.

Potter, por sua vez, sentado na mesa do Grande Salão, servia-se de rosbife. Talvez fosse pela tempestade que finalmente arrebentava em uma queda ruidosa de água sobre os telhados; talvez fosse pelas pessoas ao redor; o gosto bom da comida ou ainda por aqueles momentos em que se sentava com os seus amigos lhe remeterem a um mundo mais calmo, o assunto que antes preocupava James pareceu se suavizar. Remus também estava com a concentração na leitura do jornal e seu porão parecia firmemente trancado.

A tranquilidade de todos só foi perturbada quando Severus Snape passou perto da mesa da Grifinória, lançando uma espiada breve para o curativo no rosto de Potter. Os quatro Marotos o seguiram com o olhar conforme ele atravessava seus campos de visão.

"Vai ter volta!" - ameaçou-o Potter mais falando consigo mesmo do que com os outros.

"Se acalma, James!" - Remus tentou apaziguar.

"Se acalma o cacete! Tive que levar ponto por causa do Ranhoso. Além do mais, ele ameaçou te ferrar também, esqueceu? Isso podia atrapalhar inclusive o seu trabalho na monitoria. Chega de defender esse cara, Remus!"

Sirius puxou o rapaz de cabelos castanhos para perto, dizendo-lhe em um sussurro.

"Ele tem razão..."

"Só preciso pegar o Ranhoso de surpresa com um bom feitiço!" - ameaçou James, dando uma garfada em seu prato.

Depois de um silêncio longo, Sirius falou como se conversasse em voz alta com seus próprios botões ao se servir de mais chá.

"Lacarnum Inflamarae é uma boa."

Um novo silêncio se fez na mesa em que Remus olhava de um garoto para o outro e Potter fitava o prato diante de si sem realmente vê-lo.

James, respondeu como se falasse com o nada.

"Não é muito simples?"

"Se conjurado normalmente sim, mas com o Obsessio como base pode causar um barulho se for feito à distância."

"Precisaria de duas varinhas se fizesse desse jeito..."

A resposta evasiva de Sirius não demorou a vir conforme ele tirou a varinha de dentro das vestes, dando uma pancadinha de leve com ela em sua própria fronte enquanto bagunçava a franja mal cortada.

"Brilhante!" - 'pensou alto' James chegando a dar uma leve batida na mesa.

Remus ergueu uma sobrancelha, observando com curiosidade os dois amigos se comunicarem daquela forma em que fingiam não se falar. Pareciam ter dez anos.

Não era o momento ainda dos dois garotos se perdoarem, mas existia um código de lealdade entre Os Marotos mais forte do que pendências, rancor ou mágoas. Sirius e James estavam brigados e, atacando-se, haviam dito coisas duras um ao outro. No entanto, o tempo necessário dado a amizade para algumas feridas se fecharem não era um convite ou uma permissão para que que outros se sentissem no direito de perturbá-los. Os garotos se protegeriam, ainda que os conselhos de Sirius tivessem que se transfigurar de iluminação divina para poderem ser ditos ou aceitos. Snape, naquele dia, interrompera a imprudência de Remus e James na ponte e agora, induzira Potter e Black a se falarem de uma forma estranha, mas ainda assim dentro de uma comunicação. Snape, sem perceber, trabalhava mais em função dos seus inimigos do que eles próprios.

Remus sacudiu a cabeça, tentando voltar a sua atenção para a leitura do artigo sobre as medidas mais severas adotadas pelo Ministério contra atos de violência direcionados a nascidos trouxas e mestiços na Comunidade Bruxa, mas sua concentração não se estendeu muito, pois sentiu novamente o cheiro estranho e amadeirado lhe invadir as narinas.

"Vocês não estão sentindo o cheiro de alguma poção estranha? Sinto esse cheiro agora toda vez que me aproximo do Snape ou da mesa da Sonserina."

"Nem todo mundo tem o seu olfato, Remus. Mas deve ser a falta de banho dos sonserinos..." - redarguiu James com uma expressão desagradável.

Sirius, enquanto bebia o chá, fez um carinho delicado no joelho de Remus sob a mesa, dando-lhe uma piscada significativa.

"...Nem todo mundo cheira tão bem quanto você ou gosta tanto de banho, lobinho."

Os dois garotos haviam ido ao banheiro dos monitores na noite anterior novamente e tomado banho juntos. Sirius, espreguiçando-se, e, lembrando-se das carícias trocadas sob o chuveiro com o outro grifinório, serviu-se de rosbife e batata.

"Vamos ao almoço então. Hora de repor as energias!"

Remus respondeu ao carinho de Sirius, encostando o pé em sua perna, mas, subitamente, uma lembrança imprópria retornou e o rapaz de cabelos castanhos cessou a carícia, limitando-se a sorrir.

Os quatro amigos já se serviam da sobremesa quando Julian Parker, monitora da Grifinória, aproximou-se da mesa para falar com Lupin.

"Rapazes!" - a garota cumprimentou os colegas, antes de se curvar sobre Remus - "Nossa, Potter, o que foi isso no seu rosto?!"

"Oi, Parker. Não é nada demais. Só um feitiço pelo qual não esperava."

Pettigrew, que tinha uma queda pela jovem, parou de comer e ficou olhando a garota sem reservas. Ela estava realmente muito vibrante e bonita. Seu cabelo claro caía em um rabo para o lado em uma das faces. Usava roupas trouxas da moda e até mesmo maquiagem um pouco chamativa. Aparentemente, a monitoria havia afetado diretamente muitas autoestimas no início daquele ano letivo.

"Remus, você já sabe se vai poder ficar com a gente hoje à noite?" - perguntou Parker com uma voz animada.

"Se eu conseguir terminar a correção das tarefas extras de dois alunos, posso dar uma passada lá sim. Vão ter que fazer na Sala Comunal para eu poder participar porque não vou poder subir no dormitório das meninas."

"Sem problemas! Tenta vir sim!"

Sirius, James e Pettigrew olhavam de Remus para Parker, tentando entender o conteúdo daquela conversa. Remus, fechando o jornal, integrou os amigos.

"Julian e as meninas vão fazer uma festa do pijama e vou tentar dar uma passada lá hoje à noite."

"Se é uma festa do pijama das garotas, deixa de ser se você participa, Remus." - comentou Pettigrew.

Julian interveio, espremendo-se no lugar estreito e vago ao lado de Remus.

"Não é um encontro só de meninas. Vamos fazer leitura da sorte, tarô, tomar cerveja amanteigada, fazer tatuagens falsas e testar feitiços. Se vocês se interessarem por isso, são bem-vindos. A gente gosta do Remus porque ele é legal!"

Parker havia se tornado próxima de Remus durante o período em que ele namorou seu amigo Michael Carlson da Corvinal. A monitoria também os aproximava, visto que sempre precisavam entrar em acordo ou tomar decisões juntos.

"Vocês não vão falar de garotos e trocar fórmulas de poções do amor?" - indagou Sirius, erguendo uma sobrancelha.

"O mundo de algumas garotas não se resume a caçar homens e fazer poções do amor para arranjar namorado, Sirius."

"Ouch! Não está mais aqui quem falou. Aliás, não que você precise enfeitiçar os garotos né, Parker, visto que o seu fã clube só aumenta."

Sirius se referia a Pettigrew que começava a secar a menina diante de si daquele jeito constrangedor sobre o qual ele já havia sido alertado pelos amigos. Julian, percebendo a menção indireta a Peter, olhou-o com azedume, antes de cruzar os braços diante do busto e dizer:

"Falando em fã clube, a Donna Thomson do sexto ano da Lufa-lufa perguntou se você está solteiro, Sirius. Acho que ela quer ter um encontro com você e pediu pra eu te sondar."

"Não estou na pista." - respondeu o garoto laconicamente.

"Bem que tá todo mundo notando que você tá mais comportado mesmo. Potter, a amiga dela, Kate Jones, me perguntou de você."

"Não estou saindo com ninguém. Prefiro neste ano me focar no N.O.M.s."

Parker levou a mão ao queixo ao dizer pensativa:

"Com os dois fora de combate, acho que teremos um ano tranquilo. Mas cuidado com as poções do amor! Confisquei uma ontem mesmo. A tal garota estava tentando convencer um aluno do primeiro ano a entregar pra um de vocês dois."

"Vale tudo por duas horas no paraíso..." - riu-se Sirius com sarcasmo.

"Duas horas ou dois minutos?" - zombou Pettigrew, recebendo a menção de um cascudo de Black.

"Paraíso pra outra pessoa, né, porque ninguém merece ficar com alguém que não queira. O Professor Slughorn estava contando pra gente que algumas fórmulas de poção do amor podem ser agressivas demais para alguns organismos. Bruxos sentem os sintomas que vocês conhecem. Trouxas já ficam um pouco mais obcecados. Outros povos como duendes, centauros e elfos podem até enlouquecer."

"E quem ia querer enfeitiçar um elfo doméstico dessa forma? Um doente somente..." - argumentou Sirius.

"Uma elfa doméstica daqui de Hogwarts foi levada às pressas ao St. Mungus depois de experimentar, durante o preparo do jantar, uma comida em que haviam colocado poção do amor. Pelo visto, alguém entrou na cozinha escondido e encheu de poção do amor o guisado para fisgar algum aluno. Disseram que a elfa doméstica perdeu os sentidos e apagou por uma semana. Minha mãe tem uma amiga que é meio veela e, na época de escola, quando ela tomou poção do amor por acidente, quase incendiou a Sala Comunal da Lufa-lufa. Acho que o Slug explicou que o organismo de algumas criaturas entra em colapso."

"Eu já experimentei uma poção fraca e já foi ruim o suficiente. Lembro de que me via de fora fazendo coisas que não queria. É macabro se pararmos pra pensar bem. Quero dizer, tirar vantagem de alguém que está enfeitiçado." - evocou James a lembrança de quando duas alunas da Sonserina haviam dado a ele e a Sirius poção do amor.

"Eu imagino... Por isso, vou continuar vigiando esse tráfego de poções do amor já que causam tanto estrago. Os professores também vêm pedindo ajuda para que os monitores fiscalizem. E vocês, rapazes, atenção! Ah, Remus, já ia esquecendo! Tem um rapaz que eu sei que quer te conhecer." - comentou Parker, dando um empurrãozinho de leve no ombro do garoto de cabelos castanhos conforme se espremia mais no espaço vago ao lado de Lupin, fazendo com que ele arredasse para mais próximo de Sirius. Parker sabia que Remus gostava de garotos.

Sirius, ao ouvir as palavras da monitora da sua Casa, não se conteve.

"Deve ser aquele monitor corvino amigo seu, o Carlson! Ele já não levou um fora do Remus neste ano?"

"Não é ele. É o Peter Olsen do sexto ano da Grifinória. Ele disse que você é o monitor mais gato da Escola. Tá quebrando corações hein, Lupin."

James olhou de Sirius para Remus e viu o rapaz de cabelos compridos se inflamar.

"Você é a monitora da Grifinória ou a proxeneta da Casa, Parker?"

"Monitora, mas é pra mim que o fã-clube de vocês vem perguntar coisas sobre vocês justamente por eu ser monitora."

Remus, ao ouvir a menção ao nome do rapaz do sexto ano, pareceu atordoado.

"É estranho o Olsen perguntar por mim, sabe... Acho que o adverti outro dia por estar fazendo guerra de feitiços no corredor no horário da aula. Não faz muito sentido."

Parker redarguiu com uma risadinha maliciosa enquanto se servia de suco de abóbora.

"Vai ver ele quer que você mande nele. Há quem goste..."

Até Pettigrew pareceu se divertir ao olhar para a cara de insatisfação de Sirius e fingir que tossia quando não conseguiu mais sufocar uma risada. James usava um guardanapo como escudo de seu riso porque não queria irritar Black justamente agora que as coisas entre eles voltavam a ficar mais leves. Rapidamente, ele mirou o rosto de Remus que parecia meio sem jeito.

Fosse a fase dois da licantropia; fosse o namoro com Sirius; fosse a monitoria e o sucesso acadêmico; fossem todas essas coisas juntas, Remus parecia mais autoconfiante naquele ano. Não desviava mais os olhos quando fitavam o seu rosto e não olhava para o chão enquanto andava. Aquilo parecia fazer uma diferença grande em sua forma de permanecer nos lugares, que não deixava de ser percebida por Black e Potter. Pelo visto, outros alunos também o percebiam.

"Estou também mais focado no N.O.M.s., Julian. Não estou querendo conhecer ninguém." - respondeu Remus, querendo dar o assunto por encerrado ao ver a chateação no semblante de Black.

"Pena... Vocês formariam um casal bonito."

Sirius se moveu desconfortavelmente na mesa, segurando o garfo e a faca nos punhos como se fosse uma arma. Remus, para desviar a conversa perguntou:

"Por que a Lily não tá com você?"

"Ela virou a noite ontem estudando Defesa contra as Artes das Trevas e ainda não acordou. Sabe que ela está determinada em se tornar Auror, né? E também ela anda meio tristinha por algumas coisas que aconteceram por aí, mas nada sério. Mas ela vai estar na festa do pijama com certeza."

James, ao ouvir a menção ao nome de Lily, interessou-se. Queria saber mais sobre a sua determinação em ser Auror e sobre a sua tristeza, mas o rumo da conversa mudou antes que pudesse se pronunciar.

"Ouch, cuidado aí, pirralho!" - se queixou Sirius quando o seu irmão mais novo, Regulus, veio correndo em sua direção e acabou esbarrando nele. Regulus não possuía o esplendor de Sirius, mas algo nele lembrava bem o irmão, fazendo-o parecer um Black em miniatura.

"Tirei dez na prova de Feitiços. Olha só!" - adiantou-se Regulus, estendendo um pergaminho amassado para Sirius.

Ainda sentado à mesa da Grifinória, Sirius leu a prova do irmão, fazendo ao seu término, um carinho desajeitado em seu cabelo.

"Mandou bem, moleque!"

Regulus sorriu, parecendo orgulhoso de si mesmo e antes que pudesse dizer algo, uma menina sardenta e de cabelos curtos com as vestes da Sonserina cortou-o se dirigindo a Sirius. Olivia Stone, colega de classe de Regulus, estendia um pergaminho em direção ao grifinório tal qual o garoto fizera antes.

"Eu tirei dez também, Sirius!"

"Dez em Feitiços?! Vocês dois são inteligentes demais. Daqui a pouco vão ser promovidos a monitores!"

Sirius continuava ajudando o Professor de Defesa contra as Artes das Trevas com o aprofundamento do estudo de Feitiços de Defesa para o primeiro ano. Aparentemente, a Oficina fora um sucesso e como houve semanas em que Lupin estivera fora por conta da lua cheia, o Professor pediu a ajuda de Black para não somente orientar os pequenos, mas também cobrir a defesa da sala com o bloqueio. O rapaz de cabelos compridos, deixando a sua seriedade de lado, divertia-se com os pequenos e em uma das aulas se empolgara tanto com um minitorneio monitorado pelo Professor que, aplaudindo e gritando os nomes dos alunos que estavam sob a sua orientação, parecia que era o treinador de um time de Quadribol. Sirius simulara até uma corrida da vitória quando Olivia havia defendido com muita maestria o ataque de um dos garotos que faziam bullying com ela.

Remus, ao voltar a participar daqueles encontros após o período de lua cheia, via que Sirius era aplaudido por seus orientandos quando entrava na sala como se fosse um astro. As crianças gostavam dele como se fosse um irmão mais velho muito esperto, descolado e conhecedor de todos os feitiços do mundo.

"Black, você está famoso com o primeiro ano da Sonserina! - apontou Parker, sorrindo ao ver Regulus e Olivia disputarem a atenção de Sirius.

"Essa é a cota dos que valem a pena da Sonserina. Estou cuidando para não degenerarem."

"Tio Sirius." - não se conteve James ao se servir de suco de abóbora.

Black ia responder à provocação de James com rispidez, mas foi impedido quando, subitamente, viu três sonserinos empurrarem claramente Olivia ao passaram por trás da menina. Remus a aparou com um braço antes que a garota perdesse o equilíbrio e caísse no chão.

"Você está bem?"

A menina, visivelmente constrangida, assentiu, mas parecia abalada.

Sirius olhou para trás e viu a monitora sonserina Emily Davies acompanhada dos gêmeos Damon e Davos Doyle, rindo ao se dirigirem para a saída do Grande Salão.

"Ei, vocês três aí, seus marmanjos!" - gritou Sirius, se levantando sobre os calcanhares antes que pudesse se conter - "Não têm vergonha de perseguirem uma garotinha, não?"

Um silêncio pesado se fez no Salão. Como já passava das três da tarde, havia poucas pessoas no recinto e os professores já haviam se retirado há muito. O clima tenso em que os três sonserinos se viravam para encarar Sirius pareceu uma eternidade. O ar frio se tornou denso.

Sirius soubera através de Regulus que Olivia vinha sofrendo bullying na sua Casa há semanas por conta de uma denúncia que a mãe da menina fizera ao Ministério contra o pai de Davies. Desde então, a monitora descontava na garota a sua raiva, impelindo, inclusive, outros alunos contra ela.

"Não se mete nisso, Black! O que acontece na Casa da Sonserina não tem a ver com grifinórios. Cuida da sua vida! E Regulus, se continuar andando com pessoas como a dedo-duro, vão acabar achando que você é um traidor também..." - retorquiu Emily pausadamente, frisando cada palavra enquanto o filho mais novo dos Black baixava a cabeça e dava um passo para trás.

"Escuta aqui, não ameaça o meu irmão não senão..."

"Senão o quê?" - se adiantou Damon, colocando-se diante da Davies - "Senão o quê, Black?"

O garoto, filho dos Doyle, não era mais alto do que Sirius, mas era mais forte fisicamente. Seu rosto, pontilhado de espinhas, parecia debochar da situação como se estivesse disposto a realmente começar uma briga.

"Senão os três covardes vão aprender a levar uma surra de alguém do seu tamanho!" - retorquiu Sirius, sacando a sua própria varinha de dentro das vestes.

Potter e Lupin também se levantaram quando viram Damon, com uma risada de escárnio, imitar Sirius e sacar também a varinha, acompanhado do irmão. Os dois grifinórios se posicionaram ao lado de Black.

Davos sussurrou algo no ouvido do seu gêmeo (tão diferente fisicamente) antes de Damon replicar, rindo:

"É, também tô achando o quinto ano da Grifinória muito afrontoso. Cuidado vocês! Mais respeito com os veteranos desta Escola. Os pais de vocês não deram pra vocês educação, não?"

Remus adiantou-se com uma expressão séria.

"Davies, você é monitora da Sonserina. Todos viram quando você empurrou a Olivia. Bater nos alunos é infração grave!"

"Eles têm feito bullying com a Olivia há semanas! Que diabo de Casa é essa que faz a vida dos próprios alunos um inferno?" - indagou Sirius segurando a varinha diante do seu rosto.

Davies pareceu por um segundo desconcertada.

"Olivia tropeçou sozinha, não foi?"

"Essa é boa! Primeiro, você empurrou a garota e agora, confrontada, diz que ela caiu sozinha." - retorquiu Potter, dando um passo adiante.

Damon, vendo o grifinório se aproximar, lançou rapidamente um feitiço no chão que por pouco não acertou o pé de James. O raio ricocheteou no piso e atingiu a mesa da Grifinória, arrancando lascas de madeira do móvel.

Parker, agora, também estava de pé, colocando Olivia e Regulus atrás de si como uma ave que protege os filhotes ainda que a garota fosse no máximo cinco anos mais velha que os dois alunos e não muito mais alta. Com a varinha, ela ensaiava um feitiço de proteção desenhando uma estrela enquanto também se pronunciava.

"Eu vi, Davies! Todos viram! O diretor da sua Casa vai ser notificado. E vocês dois, Doyles, também!"

Talvez tenha sido algum outro monitor que, ouvindo a comoção, chamou a Professora McGonagall em sua sala. A diretora da Casa se adiantou, inteirando-se do que acontecia, e tomou como testemunho o relato dos presentes. Pettigrew disse que não havia visto direito como começara a confusão. Black, Lupin, Potter e Parker lhe informaram os pormenores. Alguns outros alunos presentes testemunharam também. Olivia e Regulus, no entanto, fecharam-se, mantendo-se sentados e de cabeça baixa em um canto da mesa.

"Cinquenta pontos a menos para a Sonserina e Detenção para Davies! A senhorita deveria saber que o distintivo de monitora que usa não é um passe para maltratar ou bater nos outros alunos. Estamos envergonhados pela sua atitude e o diretor da sua Casa será informado. Doyles, vocês, como alunos mais velhos, deveriam dar o exemplo também e se considerem em detenção. Senhor Black, a tensão já passou. Guarde a sua varinha!"

Talvez fosse impressão dos Marotos, mas a diretora da Grifinória parecia ostentar um desagrado pessoal com os Doyles, assim como Parker que os observava com uma expressão dura. Sirius ainda tinha o olhar grudado em Davies quando viu a garota girar a cabeça, balançando o seu rabo de cabelo, indicando, primeiramente, Olivia e depois, os Marotos para Damon e Davos. Sirius encarou os Doyles durante um longo minuto em que não sentia medo, mas tinha vontade ainda de dar uma lição neles. Humilhados e, ao mesmo tempo, parecendo inconformados, eles se retiraram do Grande Salão.

"Isso foi tenso!" - constatou Parker- "Acho que arrumamos confusão com a parte mais podre da Sonserina."

Minutos depois, Olivia e Regulus voltaram para a Casa da Sonserina em silêncio. Parker também pediu licença e foi atrás da Professora McGonagall resolver algum assunto, sob o radar de Pettigrew, que, após nada conseguir, retornou para o dormitório. O Grande Salão se esvaziava, passada a turbulência.

James foi procurado pelo Capitão do time de Quadribol da Grifinória para saber o que havia acontecido e os dois rapazes adentraram em assuntos relacionados ao próximo jogo.

Sirius e Remus também se retiraram do Grande Salão.

"Sonserinos sendo sonserinos..." - desabafou Sirius, caminhando ao lado de Remus.

"Esses Doyles são os filhos da família que tá hospedada na casa dos Blacks?"

"São. Pra você ver a estirpe com qual a minha família anda..."

"A Davies é amiga deles. Vejo-os bastante juntos. Damon e Davos... Acho que já vi os nomes deles nos registros de alunos que criaram confusões perigosas na Escola. Vou manter um olho neles..."

Os dois garotos, ao se verem sozinhos, sentaram-se em um dos degraus da escadaria. Hogwarts, em um fim de semana chuvoso, parecia deserta e silenciosa. Até mesmo os fantasmas não pareciam muito dispostos a atravessarem as paredes para interagirem com as pessoas. Black e Lupin não queriam ir para a Sala Comunal que devia estar cheia de alunos e nem para o dormitório onde Pettigrew, possivelmente, estaria.

Remus sorriu para Sirius, fazendo um carinho em seu rosto.

"Você é um bom irmão mais velho por defender o Remus e também a Olivia."

Black baixou o olhar, enrubescendo levemente.

"Era o certo a se fazer. Estou com a Davies engasgado há semanas. Só não tinha conseguido pegá-la no pulo ainda."

"De qualquer forma, acho bom nos mantermos atentos. Sonserinos como aqueles não deixam nada barato."

Um silêncio se fez em que Remus analisava os seus pensamentos. Ele achou demasiadamente agressivo o modo como Damon os havia atacado com um feitiço só por James ameaçar se aproximar. De alguma forma, o gesto lhe remetia a Snape que, por sua vez, machucou Potter de manhã sem nenhuma razão aparente. Ainda por cima, havia aquele cheiro intrigante que somente o seu olfato de lobo conseguia captar. O que lhe queriam dizer aqueles sinais?

As mediações do rapaz de cabelos castanhos foram interrompidas por Sirius que entrelaçava os seus dedos nos do grifinório. Os dois rapazes se olharam por alguns segundos significativos antes de sorrirem. Sirius quebrou o silêncio, trazendo à tona um outro assunto ao retirar um pergaminho dobrado de dentro do bolso de suas vestes.

"Trouxe algo que achei num daqueles livros sobre a arte de Animagi que pegamos na biblioteca pra você dar uma olhada."

Remus ergueu uma sobrancelha diante do papel amassado e Sirius se antecipou em dizer:

"...Eu não arranquei a página do livro, lobinho. Só a dupliquei. Olha só os nomes dos bruxos nessa lista suspeitos de serem Animagi no período anterior ao sistema de registro do Ministério."

Remus ajustou os óculos na vista e conferiu os nomes, deparando-se com bruxos de um período muito distante como Falco Aesalon, Lisette de Lapin e Morgana Le Fay, sendo apontados ao lado o animal de transfiguração e a circunstância em que as suspeitas haviam sido suscitadas. A lista seguia longa, abarcando vários outros bruxos em um texto com letra minúscula como o de uma enciclopédia.

"Sirius, essas são somente conjecturas..."

"Lê o último nome com o asterisco do lado, Remus."

O rapaz de cabelos castanhos percorreu o papel com o olhar, franzindo o cenho ao encontrar um nome conhecido.

'Godric Gryffindor, nascido em 976 d. C. e um dos fundadores da Escola de Magia e Feitiçaria de Hogwarts pode ter sido um dos mais antigos Animagus da Grã-Bretanha. Apesar de não haver uma comprovação exata, alguns historiadores apontam que o bruxo talvez pudesse se transformar em um leão-do-atlas, tendo usado essa habilidade na batalha contra a Besta de Gévaudan, o aterrorizante lobo cinzento que supostamente habitou por décadas todo o território próximo à Dufftown com o seu enorme clã.'

Remus ergueu o olhar cor de âmbar para Sirius.

"Besta de Gévaudan? Eu nunca ouvi falar de nenhum lobo com esse nome. Muito menos que Gryffindor duelou com ele ou que o fundador da nossa Casa poderia ser um Animagus."

Sirius aproximou o rosto do papel, falando:

"Eu também nunca ouvi falar. Mas achei que poderia se interessar ou descobrir alguma coisa."

Remus devolveu o papel para Sirius.

"O Professor Binns disse que alguns bruxos questionam a narração dos fatos de Batilda Bagshot em 'Hogwarts: Uma História'. Podemos perguntar a ele, mas não sei se podemos acreditar em tantas suposições."

Sirius passou o braço em torno dos ombros de Remus.

"Mas é inspirador pensar que o fundador da nossa Casa foi um Animagus."

Remus respirou fundo, encostando a cabeça no ombro de Sirius.

"Você continua mesmo insistindo nessa ideia?"

"É claro! Não masquei aquela folha de Mandrágora por tanto tempo à toa na preparação do feitiço de Animagus. Eu quero poder ficar perto de você na lua cheia, Remus."

O rapaz de cabelos castanhos ergueu o seu olhar, fitando Black.

"James e Pettigrew também insistem nisso. Tenho medo do que possa acontecer. Seria melhor se vocês três treinassem juntos."

Sirius beijou o rosto do monitor grifinório, dizendo, após pigarrear por uns três segundos.

"Tenho que confessar que o Potter faz falta nos treinos de Animagus."

Remus moveu o seu rosto, aninhando-se um pouco mais nos braços de Sirius.

"Só nos treinos? Você sente falta dele o tempo todo, Black!"

Sirius não respondeu. Ele permaneceu em silêncio por alguns segundos, antes de fazer um carinho na bochecha de Remus e falar:

"Você também. Aliás, sobre o que você e o James conversaram durante a manhã?"

Se o Lobo ainda se comunicasse com Remus, ele apontaria com deboche, sarcasmo e cinismo os defeitos e desvios de caráter de seu hospedeiro. No entanto, sem a presença da criatura das trevas, o grifinório via a si mesmo refletido nos olhos de Sirius e a sua má conduta com James se estampava nítida e brutal.

"Talvez eu não seja uma boa pessoa mesmo." - pensou Remus, não respondendo, mas entrelaçando os seus dedos nos de Black com um olhar triste.

Foi o cheiro da poção com tons amadeirados e um ruído discreto que fez Remus perceber que ele e Sirius estavam sendo observados. O rapaz tocou o ombro do namorado, apontando com o queixo a dupla que os contemplava do alto da escada. Rapidamente, Black e Lupin ficaram de pé, colando-se a um lado do degrau. Damon e Davos Doyle tinham os olhares fixos nos dois garotos.

Sirius mirou os sonserinos com uma expressão desafiadora. A atenção de Damon se deteve na mão de Remus firmemente segura pela do outro garoto.

Durante longos segundos, a imagem se cristalizou com aqueles gêmeos tão diferentes no topo da escada encarando os dois amantes surpreendidos que os davam passagem. Quando começaram a descer os degraus ruidosamente, com pisadas duras, pesadas, os Doyles ainda observavam Sirius e Remus.

O rapaz de cabelos castanhos sentiu o seu sangue gelar quando o seu olhar cruzou com o de Damon. Ele viu aquelas espinhas de muito perto do seu rosto e um ar de ironia que se desenhava em um quase sorriso. Davos vinha ao seu encalço e fitou Remus dos pés à cabeça com a boca aberta em uma expressão invasiva semelhante à forma como Pettigrew secava Parker.

Os quatro não se falariam, mas Damon precisava deixar claro que não estava disposto a esquecer a humilhação que havia sofrido no Grande Salão.

"Black, monitor Lupin..." - ele fingiu cumprimentá-los com uma cínica cordialidade. Não obteve resposta, mas Davos, que, quando mais jovem, havia permanecido um longo tempo internado no St. Mungus, caiu numa risada meio desconcertante em que puxava o ar pelo nariz enquanto ria. Talvez ele ainda tivesse alguma perturbação mental.

Quando os Doyles foram embora, Sirius ainda segurava a mão de Remus e o rapaz de cabelos castanhos o achou semelhante a um cachorro que rosna para os invasores que cruzam o caminho do seu mestre. O relacionamento dos dois brilhava agora em letras garrafais diante dos dois sonserinos, semelhante àquela camisa ridícula dos 'Oralders'.

Sirius tentou se convencer de que, na mais drástica das hipóteses, lidaria com seus pais quando chegasse a hora, caso os Doyles lhes contassem o que haviam visto. Mas, Remus, sentindo ainda o seu sangue gelado diante daquele olhar dos Doyles que pareciam querer esmagá-lo, sentiu o seu peito confranger.

Os Black estavam distantes e talvez não pudessem alcançar a ele e a Sirius.

No entanto, os Doyles, irascíveis pelo enfrentamento de Sirius, agora, viam o coração do grifinório. Esses sim eram inimigos que andavam por corredores, Salas Comunais e pelo Grande Salão, buscando enfrentamento direto ou covarde.

Esses, sim, podiam alcançá-los.

 

Chapter 3: Marotos e Morganas

Summary:

Os Marotos fazem algumas novas amigas em Hogwarts, assim como novos inimigos.
Sirius se vê lidando com bruxos perigosos.

Notes:

Atenção!
O conteúdo pode conter ameaças, linguagem imprópria, xingamentos sexuais e de caráter sensível!

Chapter Text

https://www.youtube.com/watch?v=23gSwbXbO3o

 

         

"Se o intuito era manter a relação de vocês dois em segredo, vocês deram um mole danado! Que falta de sorte justo os Doyles verem vocês dois se agarrando!" — alertou Pettigrew.

James havia chegado há pouco no dormitório e, sentado em sua cama, ouvia de Remus o que havia se passado há menos de uma hora atrás, ao lado de Pettigrew.

Remus, por sua vez, estava acomodado na escrivaninha, trabalhando na correção da tarefa de seus alunos particulares enquanto Sirius se encontrava abancado no parapeito da janela semiaberta, fumando. No canto esquerdo, um vaso pequeno com uma flor branca fora arredado delicadamente para que não fosse derrubado.

"Eu já vi a cara daquele tal de Damon em algum lugar. Você conhece os Doyles?" — indagou James, voltando-se para Pettigrew.

"Graças a Merlin, não! Eles tão mais pra casta do Black. Mas se vale de alguma coisa o que já ouvi, os Doyles tocam o terror até mesmo na Casa deles com os costumes puristas deles."

"Não gostei do jeito que aqueles dois olharam pra mim e pro Remus! Não tenho medo de gente como eles, mas é melhor nos mantermos atentos..." — comentou Sirius, antes de tragar o seu cigarro.

Remus respirou fundo, após rabiscar algo em algum dos pergaminhos.

"A Emily Davies é do nosso ano, mas ela sempre andou com o pessoal mais velho da Sonserina. Eu não sei muito sobre ela."

James levou a mão ao queixo.

"Eu tava falando com o Dayal sobre o próximo treino de Quadribol quando vi os Doyles voltarem para o Grande Salão e ficarem cochichando um no ouvido do outro sobre algo. Depois, a Davies voltou e parecia furiosa. Tem uma aura pesada naqueles sonserinos. Mais do que o habitual."

Sirius soltou um anel de fumaça e focou o seu olhar em James. Em seguida, voltando o rosto para a paisagem dos gramados encharcados pela chuva, ele disse:

"Meus pais frequentam a casa da Davies. A minha preocupação é que os sonserinos fofoquem pra Orion e pra Walburga sobre o Remus." — ele pigarreou por um segundo — "E que eles comecem a fuçar coisas que não devem."

Remus falou então:

"Se for por isso, os arquivos da minha licantropia estão sob sigilo no St. Mungus e no Departamento de Registro do Ministério. Não acredito que os Doyles, a Davies ou os Blacks possam ter acesso a esses documentos. Talvez estejamos exagerando."

James meneou a cabeça, considerando a informação e no fim, concordou com Remus. Sirius permaneceu pensativo no parapeito da janela, refletindo qual impacto seu namoro com Remus teria sobre os Blacks e como isso podia fomentar ódios, criando espaço para retaliações. O rapaz de cabelos compridos só voltou das suas elucubrações quando Pettigrew se pôs a mover a sua varinha distraidamente no ar. Ele se lembrou de algo.

"Ei, me diz uma coisa, Pettigrew. Por que quando a Professora McGonagall perguntou mais cedo sobre o que havia acontecido no Grande Salão, você mentiu dizendo que não havia visto direito?"

Um silêncio desconfortável se fez no recinto. Remus parou de escrever e James, que mexia em algo no seu malão, deteve-se, levantando a vista para Sirius.

"O que...?" — falou Peter, parecendo desconcertado com a pergunta direta de Black.

"Por que você mentiu dizendo que não havia visto aqueles três empurrando a Olivia? Você tava de frente pra eles e deve ter visto tão bem quanto o Potter. Não foi um empurrão leve. A Davies empurrou a Olivia com as duas mãos e com força. Por que mentiu?"

Pettigrew olhava de um rapaz para o outro como se pedisse ajuda. Sem obter nenhuma, ele insistiu na sua versão da história.

"Ela podia ter tropeçado sozinha, não?"

Sirius estava calmo. Silenciosamente, ele bateu a guimba de cigarro no lado de fora da vidraça e prosseguiu, sacudindo o rosto.

"Porra, Pettigrew, você amarelou com medo daqueles três sonserinos?! Até a Parker que não anda com a gente ficou do nosso lado e falou a verdade. Até os outros alunos da Lufa-lufa que tavam no Salão testemunharam contra a Davies e os Doyles enquanto você acobertava aqueles três. Não esquece de honrar a Casa, a qual você pertence se não pode falar a verdade pelos seus amigos."

Remus arregalou os olhos e James deixou escapar de suas mãos a parte de cima de seu malão, fazendo-o fechar ruidosamente. O rapaz de cabelos castanhos interveio.

"Pega leve, Sirius! Foi muito confuso aquilo tudo o que aconteceu no Grande Salão. Pettigrew pode realmente não ter visto, não é?"

"Não, ele sabe que viu..."

Pettigrew, acuado, tentou se defender.

"Fácil pra você falar, Black! Você e o Potter jogam no time de Quadribol e todo mundo puxa o saco de vocês dois. O Lupin e a Parker são monitores. O pessoal da Lufa-Lufa gosta de bancar os bonzinhos. Sabe pra quem a corda arrebenta nessas situações? Até a tal da Olivia e o seu irmão tavam com medo da retaliação daqueles três."

"Regulus e Olivia vão me procurar se alguém da Sonserina tentar mexer com eles. E além do mais, eles são duas crianças e você não deveria estar com tanto medo quanto eles. Além do mais, todo mundo aqui tem algo a perder, jogando no time da Grifinória ou não; sendo monitor ou não. O que não pode acontecer é você ficar com o rabo entre as pernas todas as vezes que te pedirem uma posição."

Pettigrew tinha a cabeça baixa agora. O seu cabelo muito claro caía pela testa e ele parecia contrariado com os punhos fechados, apesar de em nenhum momento levantar a voz contra Sirius.

Remus interveio novamente.

"Chega, Sirius! A gente não vai ter uma briga aqui e agora por causa daqueles três, não é mesmo?"

James se levantou e tocou o ombro de Pettigrew.

"Você tá bem?"

O rapaz, que parecia tremer levemente, assentiu.

"Acho que vou sair pra tomar um ar. O Black, às vezes, é insuportável!"

Quando Pettigrew bateu a porta do dormitório atrás de si com mau-humor, Remus confrontou Sirius.

"Precisava disso?"

"Precisava! Não gostei da forma como ele olhou nos olhos da Professora McGonagall e de todos nós e mentiu sem nenhum remorso. Não gostei mesmo!"

Não era raro Sirius e Pettigrew terem alguma rusga em que o garoto de cabelos compridos se revelava incomodado com atitudes do colega. Aquele desagrado tivera início no primeiro ano.

Em certa ocasião, Black e Potter haviam discutido com três garotos valentões do segundo ano da Corvinal por causa de uma partida de Quadribol contra a Grifinória. Na época, os dois garotos não jogavam no time, mas se doeram quando viram os corvinos fazendo troça dos jogadores de sua Casa, após vencerem o jogo.

Então, Sirius e James, incentivados por Pettigrew, fizeram uma armadilha de bomba de bosta para os garotos no corredor do quarto andar. Pettigrew havia ficado encarregado de dar o sinal quando eles viessem na direção de onde Potter e Black aguardavam. Foi uma confusão quando as bombas explodiram sobre os corvinos, que, atordoados, tapavam o nariz com as mangas de suas vestes.

No dia seguinte, no entanto, os três corvinos, em companhia de outros dois da sua Casa, encurralaram Sirius e James no corredor, dando-lhes uma surra. Uma hora depois, enquanto cuspia sangue na pia do banheiro, Sirius parecia querer partir para cima de Pettigrew.

"Quando eles te perguntaram, você disse que só eu e o Potter armamos quando, na verdade, a ideia inicia foi sua! Não se sente covarde de ver nós dois apanhando enquanto você tava escondido na Sala Comunal?"

James estava com o nariz quebrado e Remus, ajoelhado com a varinha, tentava estancar o sangramento do amigo antes de irem à enfermaria.

Pettigrew, na ocasião, havia pedido perdão aos dois garotos e jurou que não agiria mais daquela forma. Que os corvinos o haviam intimidado, mas que ele não faria mais nada semelhante. A segunda falta de Peter, contudo, aconteceu no mesmo ano.

Durante a prova final de Astronomia em que Pettigrew tivera muita dificuldade, ele pediu a ajuda de Remus. O rapaz de cabelos castanhos havia hesitado, mas, na ocasião, não querendo prejudicar o colega que precisava de uma boa nota, ele rasgou um pedaço de pergaminho e passou as respostas das questões para Pettigrew.

O professor de Astronomia da época acabou surpreendendo Pettigrew consultando o pergaminho durante o exame e tomou-lhe a prova na frente dos outros alunos.

"Quem lhe passou as respostas, Pettigrew?"

Sirius havia ficado chocado principalmente com a rapidez com que Pettigrew apontou Remus. O professor de Astronomia, que era um bruxo de temperamento calmo e gostava muito de Lupin, pareceu realmente aborrecido na ocasião, fazendo um sermão na sala para o rapaz de cabeços castanhos, pontuando como estava desapontado e que Remus, ao lado de Pettigrew, havia agido de má fé. O professor confiscara a prova também do rapaz de cabelos castanhos e Remus teria tirado um zero em Astronomia no fim daquele ano letivo se McGonagall não houvesse intervindo pelos dois alunos, lembrando ao professor que os dois eram do primeiro ano ainda e o corpo docente tendia a ser mais condescendente.

Remus ouviu corajosamente o sermão do professor de Astronomia diante da turma sem falar nada, de cabeça baixa, mas quando saiu da aula, Sirius e James viram o garoto, com os olhos vermelhos, subir para o dormitório e fechar o cortinado de sua cama sem querer falar com ninguém o resto do dia. Após isso, Black e Potter confrontaram Pettigrew e o rapaz de cabelos compridos chegara mesmo a ameaçar dar umas porradas no garoto que se encolhia diante do seu punho.

"Por que você entregou o Remus? Ele tava tentando te ajudar e você sacaneou ele, deixando que o professor arrasasse com ele na frente da turma!"

"O professor ia descobrir de qualquer jeito porque era a letra dele no pergaminho..."

"Não interessa! Que ele descobrisse, então, ao invés de você dedurá-lo! Você nem ao menos tentou defender o Remus!" — interveio James.

Os garotos e Pettigrew ficaram alguns dias sem se falar. A interferência da Professora McGonagall e o fim do ano letivo diluíram as mágoas. No início do segundo ano, Pettigrew pediu desculpa aos garotos e prometera novamente não falhar. Potter e Lupin encaravam Pettigrew como um garoto inseguro, com dificuldade de se posicionar e assumir responsabilidades. Tentaram, então, relevar a sua má conduta e, no quinto ano, viam o passado como coisa de criança.

Sirius, por sua vez, nunca engolira muito bem aqueles dois acontecimentos do primeiro ano e, vez ou outra, irritava-se ainda com o comportamento de Pettigrew. Talvez ele estivesse muito aborrecido ainda com a história da Davies e dos irmãos Doyles e descontasse um pouco em Pettigrew, mas talvez também possuísse um genuíno desgosto por aquele tipo de personalidade que, para se proteger, atirava ao fogo qualquer coisa ou pessoa que tivesse às mãos.

Black, Potter e Lupin mergulharam então no silêncio compartilhado com o qual conseguiam conviver bem. Remus escrevia. James analisava a munhequeira do seu uniforme de Quadribol que, após a última partida contra a Sonserina, aparentemente, estava com o fecho quebrado e as costuras abertas. Sirius olhava a chuva cair.

Quando os três grifinórios ouviram batidas na porta, acharam que se tratasse de Pettigrew que havia voltado, mas conforme o garoto não adentrava o recinto, Potter se levantou para ver quem era. Subitamente, seu ar foi invadido pelo perfume doce de morango ou cereja que dominava a entrada. Parker, sorrindo, havia batido na porta acompanhada de Winnie, colega deles do mesmo ano.

"Remus está?"

Potter chamou o amigo e, um pouco sem jeito, deu passagem para as garotas entrarem. Ele não estava muito acostumado a ter meninas visitando o seu dormitório.

Parker tinha o mesmo ar vibrante de mais cedo. Já Winnie, muito pequena, trazia o seu gato branco e felpudo no colo enquanto analisava o ambiente com curiosidade.

"Oi, Julian! Vou conseguir terminar a tarefa hoje. Vou poder participar da festa do pijama!" — adiantou-se Remus — "Oi, Winnie!"

A menina sorriu e acenou para Remus ainda analisando o dormitório com curiosidade e comentando com a sua voz um tanto estridente.

"Nossa, o dormitório dos meninos até que é arrumado!"

Sirius ergueu uma sobrancelha quando viu as colegas do seu ano no seu quarto. Winnie se aproximou da janela em que Sirius estava para admirar a paisagem e continuou circulando pelo quarto, olhando o ambiente.

"Vocês não têm nenhum animal de estimação?" — perguntou a garota quando o gato felpudo pulou do seu colo e começou a afiar as unhas no carpete.

"Não." — respondeu Remus — "E acho que o Pettigrew tem alergia a gato." — alertou o garoto, vendo o felino subir na cama do grifinório, aprumando-se.

"Deixa o bichano, Remus!" — interveio Sirius com uma genuína maldade ao se aproximar da cama de Pettigrew e mover o seu dedo para que o gato, fascinado, pulasse. Rapidamente, os pelos longos do animal se espalharam pelo ambiente.

"Remus, temos bastante comida, mas você tem alguns doces de Dedosdemel?" Estamos com poucos. Água de gilly também é bem-vinda!"

Remus abriu a gaveta maior da escrivaninha em que guardava o seu estoque de chocolates, mostrando-o à Parker.

"Acha que isso é o suficiente?"

A menina esticou o olhar para dentro do móvel, sorrindo.

"É até mais do que o suficiente..."

"É o vício!" — sentenciou Sirius, gargalhando ao ver o gato pular quase alcançando o seu dedo — "Vem cá, essa festa começa que horas e vai até que horas?"

"Começa às oito." — respondeu Winnie que ainda passeava pelo quarto, olhando agora os livros de James empilhados na outra escrivaninha — "Nossa, eu tava querendo ler esse livro..."

James, ainda meio sem jeito com aquelas presenças que adentravam o seu quarto, entregou o livro à menina, retirando-o de uma pilha alta. Ele não era próximo das colegas do quinto ano, mas se lembrou estranhamente do bullying que Remus havia contado que Winnie havia sofrido no primeiro ano.

"'A Arte de Animagus'? Eu já li. Se quiser emprestado, pode ficar."

O rapaz de óculos observou a garota de óculos muito pequena diante de si aceitar o livro com um sorriso

"Por que tá com um curativo em seu rosto, James Potter? Se machucou jogando Quadribol ou voltou a se meter em brigas?"

"Não. Só foi um feitiço que me acertou antes que eu pudesse me defender..." —explicou-se o garoto, apalpando o rosto meio sem jeito.

Parker falou, então, dirigindo-se a Remus com um sorriso maroto.

"Sabe quem eu encontrei lá na Sala Comunal? O Peter Olsen! Comentei com ele o que você falou sobre querer se concentrar nos estudos neste ano e você nem imagina o que aquele safado respondeu!"

Winnie começou a rir, vermelha e com a mão na boca, antes que a amiga terminasse de contar o episódio. Peter Olsen era um rapaz do sexto ano da Grifinória que demonstrara interesse em Remus.

"...Ele disse que se você quiser, ele te ensina TUDO!"

Parker dava uma ênfase engraçada à palavra TUDO enquanto ria.

"...E que aceita tomar as suas lições no dormitório dele. Viu como ele é safado?!"

As meninas trocavam um olhar cúmplice.

"...Mas o pior foi o que ele falou depois quando a Julian disse que você, Remus, era muito inteligente e não precisava de ajuda. Que, inclusive, estava dando aulas de reforço como monitor..." — interveio Winnie com o rosto vermelhíssimo e falando por trás da mão sobre a boca.

"O que esse idiota falou?" — indagou Sirius, alterando um pouco a voz.

"Ele disse que sempre quis ficar com um professorzinho e que essa era a melhor chance..." — respondeu Parker.

Remus tocou o rosto um pouco constrangido. James, vendo a narrativa exagerada da monitora de sua Casa, sacudiu a cabeça. Sirius, subitamente, parou de brincar com o gato e olhou Parker com desagrado.

"Para de gerenciar o Remus! Ele não quer saber desse tarado da Grifinória!"

E, visivelmente chateado, ele colocou a mão no ombro do rapaz de cabelos castanhos.

"...Vem cá, esse idiota vai estar nessa festa?"

Parker deu de ombros.

"Não o convidamos, mas se ele aparecer na Sala Comunal na hora e quiser beber alguma coisa com a gente, não vou expulsá-lo. Estou alertando o Remus para que se o Olsen tentar chegar nele, ele não seja pego de surpresa! Por que não vem também, Black?"

Sirius tinha uma cara emburrada e com as mãos na cintura, decidiu.

"Eu vou nessa festa! O que que eu tenho que levar?"

Remus olhou para o grifinório que até então não havia demonstrado interesse em participar, percebendo muito claramente o ciúme de Black.

"Ah, que ótimo!" — retorquiu Winnie — "Tenta levar água de gilly. Ah, e precisa ir de pijama porque é uma festa do pijama. Vem também, James Potter!"

Antes que James considerasse a possibilidade de ir ou não, Sirius respondeu por ele.

"Ele vai também!"

O rapaz de cabelos rebeldes olhou para Black que parecia dar a questão por encerrada. Surpreso por Sirius inseri-lo naquela empreitada quando ainda não estava falando com ele, James teve a certeza de que, assim como os dois trabalharam juntos para boicotar o namoro de Carlson e Remus, Sirius ainda o considerava um forte aliado para afastar outros interessados de perto de Lupin.

Parker combinou então com os garotos na Sala Comunal às oito enquanto se encaminhava para a porta. Antes, porém, Remus puxou a garota em um canto para lhe dizer algo em privado.

Winnie foi embora também, aninhando o seu gato felpudo no colo e levantando uma onda de pelos brancos que caíram dramaticamente sobre a cama de Pettigrew.

Remus esperou as meninas irem embora para provocar Sirius.

"Que bom que vai, Sirius! Vou arrumar uns pervertidos de apoio para quando eu quiser te convencer a fazer algo que não queira."

Black, ouvindo o comentário do outro, levantou-o do chão sobre os ombros, jogando-o em seguida na sua cama enquanto o enchia de cócegas. Remus ria, sentindo os dedos de Sirius friccionarem a sua cintura e barriga impiedosamente.

"Não me provoca não, lobinho! Michael Carlson parte 2 é tudo o que menos quero na minha vida!"

"Pára, Sirius! Vai me matar de rir!" — tentou freá-lo Remus, afastando as mãos do grifinório conforme se protegia também com as pernas.

James viu Remus se desvencilhar só para assistir, em seguida, Sirius, mais forte, puxando-o de volta pelas pernas a fim de enchê-lo com uma nova chuva de cócegas sobre a cama. O rapaz de cabelos castanhos tinha a pele muito vermelha e começava a chorar de rir, pedindo pelo amor de Merlin para o outro parar.

Black gargalhava envolvido pela risada sem ar de Remus. E como o riso é contagiante, James, tentando ainda consertar o fecho da munhequeira de seu uniforme de Quadribol sentado em sua cama, deu o seu costumeiro sorriso enviesado.

O acontecimento, mais cedo, na ponte de Hogwarts parecia muito distante.

 

"Deixa eu te ajudar a refazer o curativo. Anda, levanta daí, James! Vamos sentar na escrivaninha mais perto da luz. " — disse Remus, tocando o ombro do amigo.

Fazia alguns bons minutos que Potter fumava, sentado no chão. Diante do espelho no meio do dormitório, ele refazia o curativo em seu rosto, olhando o corte profundo que evidenciava que Snape havia realmente lhe pego de jeito.

Potter obedeceu ao comando enquanto Remus arrastava uma cadeira para perto da sua mesa. Depois, com magia ainda, ele trouxe o estojo de primeiros socorros do banheiro. Silenciosamente, Remus se sentou diante de James avaliando o ferimento.

No entanto, não demorou muito para o rapaz de cabelos castanhos começar a sacudir a mão diante do rosto, afastando a fumaça do cigarro de James que começou a lhe envolver.

"Apaga isso, James! Não vou conseguir te ajudar se você ficar jogando fumaça na minha cara. Não acha que tá fumando demais? Sirius também! Antigamente, vocês fumavam só de vez em quando. Agora, até no dormitório fazem isso o tempo todo! Nem com Pettigrew quase perdendo o nariz, vocês dão um tempo."

Do outro lado do quarto, enquanto abotoava o seu pijama, Pettigrew deu um forte espirro. Seu rosto estava muito vermelho.

"Afinal de contas, por que vocês deixaram a Winnie entrar aqui com a droga daquele gato?"

Remus trocou um olhar com Sirius, que deu de ombros. O rapaz de cabelos compridos respondeu, sem remorso:

"Porque o bichano não podia entrar sem a Winnie. Tem certeza de que pode ir à festa, Peter? Essas manchas vermelhas no corpo, não sei não... Tsc tsc, será que não é varíola de dragão ou infecção de arpéu?"

Pettigrew ergueu o seu olhar, puxando o cabelo com brilhantina para trás e finalmente estourando.

"Para de me agourar e vai tomar no olho do cu já que agora essa é sua especialidade, Black! Eu vou à festa das meninas, sim, já que eu ajudei vocês a pegar todas aquelas bebidas na despensa do castelo. E, James, você podia ver com a Parker se eu tenho alguma chance com ela. Se puder me dar uma ajuda nesse setor..."

James apertou um pouco os olhos quando Remus apalpou com os dedos aquele risco profundo em seu rosto.

"Posso tentar sondar, mas ajudaria muito se você parasse de olhar para os peitos dela feito um maníaco, Pettigrew! Você fez isso de novo hoje na hora do almoço. É sério!"

Pettigrew estalou a boca, ajeitando a gola de seu pijama listrado diante do espelho. Depois, se virou, perguntando para os amigos.

"Como estou?"

"Uma droga!" — provocou Sirius, falando com o cigarro entre os lábios — "E a propósito, vai você tomar no cu, Pettigrew! Talvez seja disso que tá precisando."

Uma discussão ameaçou se formar e Remus interviu, um tanto aborrecido:

"Será que vocês dois não podem parar? Eu tô tentando me concentrar! — sentenciou o rapaz de cabelos castanhos, tirando o cigarro da boca de James para jogá-lo fora no banheiro.

Depois, ele retornou com a sua varinha para cuidar do amigo, exibindo olhos compenetrados de estudo.

"...Esse corte foi feito com uma magia muito bem elaborada. Você se lembra do que Snape falou quando conjurou o feitiço, James?"

"Sectumsempra, eu acho."

Remus ficou um tempo pensativo.

"Sectu. Existem vários feitiços com o radical de sectu, mas sectumsempra, acho que nunca vi em nenhum livro. Posso inspecionar com a varinha?"

"À vontade."

Os Marotos haviam aprendido aquele procedimento na enfermaria, após as tantas vezes que precisaram dos serviços de Madame Pomfrey. Com a magia, podiam fazer uma leitura do feitiço que fora conjurado, mapeando-o um pouco. Remus aproximou a varinha do rosto de Potter, quase o tocando.

"Movimento de varinha com muita leveza e enterrando-a para incutir profundidade... Periculosidade... alta."

"Dá pra replicar o feitiço, Remus?"

"Parece um pouco complexo, mas acho que dá. Mas por que você vai querer fazer isso com alguém?"

"Quero cortar o Ranhoso ao meio."

"Você não vai fazer isso, James Potter!"

Remus guardou a sua varinha nas vestes e tocou o rosto do amigo.

"Tá. Vou limpar o ferimento."

James se deixou ser manipulado por Remus que possuía mãos quase tão delicadas quanto as de Madame Pomfrey. Sirius se distraia novamente com a chuva e fitava os terrenos alagados da Escola em uma postura relaxada.

Após alguns minutos, o rapaz de cabelos castanhos colocou um novo curativo no rosto de James, prendendo-o. James constatava, apalpando-o, que ele deveria estar tão bem-feito quanto o que fora executado na enfermaria.

"Pronto."

"Obrigado, Remus. Não sei o que seria de mim, sem você."

O rapaz de cabelos castanhos se demorou um tempo, fitando os olhos de James por trás de seus óculos. Continuou fitando-o mesmo após pestanejar.

"O que foi?"

Remus respirou fundo e olhou ao redor. Pettigrew estava jogado em sua cama, após tomar uma poção para alergia e Sirius havia ido ao banheiro para escovar os dentes, movendo o seu robe negro de seda atrás de si.

"Desculpa..."

James franziu o cenho com estranheza.

"Por que desculpa?"

Remus moveu levemente a cabeça ainda fitando o amigo.

"Por tudo. Por nada. Desculpa por algo que eu tenha feito ou deixado de fazer. Só me desculpa, tá bem? Por qualquer coisa."

Entre os dois, pairavam ainda as acusações e mágoas proferidas na ponte durante a manhã. E Remus, vendo James com o rosto ferido, queria desfazer aquele momento. Se pudesse, desfaria todos os maus momentos.

"Nesse caso, desculpa também qualquer coisa."

Remus sorriu e, respirando fundo, levantou-se, buscando se sentir um pouco mais leve.

Os quatro garotos desceram, então, as escadas do dormitório, com as varinhas em punho e carregando as mochilas abarrotadas de doces de Dedosdemel e bebidas diante de si com magia. Bastou que eles descessem as escadas para verem que o grupo de Parker havia caprichado na festa.

Num canto da Sala Comunal, próximo à janela, bexigas coloridas e serpentinas haviam sido penduradas; comidas haviam sido distribuídas em bandejas e a mesa estava ornamentada. Raven, mais alta do que todos, ajeitava os enfeites próximos ao teto, sem precisar de uma cadeira, trajando um pijama com as cores do time oficial de Quadribol da Inglaterra.

Winnie, para desespero de Pettigrew, segurava o seu gato felpudo no colo que, talvez pela ocasião da festa, usava um casaquinho das cores da Grifinória. Aproximando-se e batendo quase na cintura de Sirius, a menina disse sorridente, arrastando no chão a sua camisola comprida de barra rendada:

"Sejam bem-vindos!"

Parker também se aproximou com a sua maquiagem chamativa e cumprimentou os rapazes enquanto abria as mochilas, retirando as bebidas e os doces de Dedosdemel, doados por Remus.

"Nossa, quanta coisa ganhamos! Meninas, olhem isso!"

"Desculpem o atraso. Tivemos alguns imprevistos..." — desculpou-se Remus, consultando o relógio do pulso de Sirius.

"Não se preocupem! Lily também ainda não..."

Parker não acabou de falar. As suas palavras foram interrompidas pelo barulho de chinelos vindo da escadaria do dormitório das meninas.

"Julian, Raven e Winnie, qual das três Morganas acabou com o meu perfume?" — queixava-se Lily um tanto irritada, descendo a escada do dormitório da Grifinória vestindo um moletom verde por cima do pijama, os cabelos presos em um coque frouxo e algo de metal em seus dentes.

A menina se deteve na escada então. Fitou, paralisada, os quatro garotos. Fitou principalmente o rapaz de cabelos rebeldes e óculos que arriscou lhe sorrir. Parecia surpresa com aqueles convidados na festa de suas amigas.

"Foi mal, Lily! Eu vou comprar outro perfume em Hogsmeade pra repor. Não se preocupe. Convidamos além do Remus, Potter e Black para a nossa festa. Espero que não se importe..." — retorquiu Parker, trocando um sorriso com Winnie.

"E eu também vim!" — declarou Pettigrew, dando um passo a frente e olhando brevemente para o rosto de Parker e depois mais demoradamente para o relevo no peito da menina, coberto por um blusão de banda.

Sirius ergueu discretamente uma sobrancelha, observando James que ainda mirava Lily de pé na escada. Fora do Castelo, a chuva forte cessara.

 

"Nossa, você é bonito mesmo! Parece um astro do rock!" — comentou Winnie, se esticando sobre a mesa para olhar Sirius mais de perto. Depois, voltou o seu olhar para James com as mãos pequenas apoiadas ainda no rosto — "E você também é gatinho, James Potter. Com os óculos, parece mais comportado do que o Black, mas acho que é até mais perigoso e deve ser o cabeça de muitas coisas que aprontam em Hogwarts..."

Julian Parker parou de beber a sua água de gilly para puxar de volta a amiga para cima das almofadas posicionadas para que Winnie permanecesse sentada na mesma altura dos colegas.

"Winnie, seja gentil com os nossos convidados. Desculpem a Winnie. Ela é sincera demais às vezes..."

Os Marotos estavam sentados juntos. Diante deles, encontravam-se Winnie, Parker e Lily. Raven, que precisava se sentar em uma cadeira especial que sustentasse o seu peso, instalara-se, confortavelmente, na ponta da mesa.

"E eu não sou bonito não?" — indagou Pettigrew com azedume, servindo-se de cerveja amanteigada.

Winnie ergueu os olhos claros e deu de ombros, falando:

"Não porque você não deixou o Pompom ficar aqui."

"Aquele gato é um pesadelo!" — resmungou Pettigrew — "E até você tem uma queda pelo Black e pelo Potter?! Garotas!"

James sorriu meio sem jeito diante do diálogo e seus olhos se encontraram com os de Lily. A moça de cabelos cor de cobre estava bastante diferente da imagem que James guardara em sua cabeça da vez em que a beijara na festa na casa de Remus, em Londres. Encontrava-se diferente também das vezes em que a via nos corredores da Escola ou mesmo nas aulas. Com o cabelo preso em um coque e trajando um folgado moletom, ela tinha nos dentes um fio de metal que o rapaz de cabelos rebeldes conhecia do mundo Trouxa.

"Não se preocupem. Sinceridade não é um defeito." — retorquiu Sirius com um sorriso lisonjeado por ter sido comparado a um astro do rock por Winnie.

Remus sorriu para Lily.

"Ei, Evans, quanto tempo vai ter que usar o aparelho?"

A menina levou as mãos à boca e murmurou meio sem jeito, não parecendo muito à vontade.

"Alguns meses. Mas ele é móvel. Eu costumo usá-lo só no dormitório e, às vezes, na Sala Comunal. Não é algo comum no mundo bruxo, não é...?"

"Não, mas no segundo ano quando eu usei até que os colegas levaram de boa. Durante uma semana disseram que eu tinha cerda de vassoura nos dentes, mas depois esqueceram."

Raven interveio.

"Vocês deviam ter se rendido às maravilhas dos feitiços bruxos. É sério! Meus dentes foram todos tratados com magia e não me arrependo..."

Remus, no entanto, não gostava muito das perguntas feitas pelos feiticeiros do mundo bruxo que cuidavam da parte ortodôntica. Ocasionalmente, cismavam com o seu canino que crescia ou diminuía de acordo com o ciclo lunar. O desgaste de alguns dentes por causa das vezes em que roía coisas no período de lua cheia também intrigava os bruxos. Tentando escapar de algumas perguntas comprometedoras que podiam revelar a sua licantropia, Remus se voltou para os dentistas trouxas.

Na Sala Comunal, Lily bebeu um gole da cerveja amanteigada antes de voltar a falar com a mão ainda na frente da boca.

"Minha família é trouxa e meus pais sugeriram um dentista amigo nosso."

"Dói?" — perguntou James olhando a menina diante de si.

"Incomoda um pouco, mas não chega a doer." — retorquiu ela, desviando olhar.

Julian comentou, tendo os olhos de Pettigrew sobre si:

"O mundo trouxa tem algumas coisas muito legais. Quando visitei a casa da Lily nas férias, os pais dela nos levaram a um... shopping? E também, tomamos sorvete de limão antes de ir ao cinema? Pena que a irmã da Lily não vai muito com a minha cara."

"Nossa, adoro sorvete de limão! Pena que não vende em Hogsmeade." — ponderou James — "A gente já foi num cinema, não foi, Remus?"

"No terceiro ano, fomos... Sirius gostou muito das cenas de moto no filme e Pettigrew queria resolver o mistério todo do filme com Veritaserum. Foi divertido. Podemos ir de novo..."

"O que era aquilo que eu bebi do seu copo mesmo, lobi... Remus?" — indagou o rapaz de cabelos compridos, se recordando da tarde nublada em que os Marotos pediram para o rapaz de cabelos castanhos lhes apresentar uma autêntica diversão trouxa.

"Refrigerante. E o que você comeu era pipoca. Meu pai gosta muito de pipoca e minha mãe sempre fazia quando eu era criança. Podemos comer na minha casa também nas férias. Existe pipoca doce também se quiserem experimentar. E posso comprar refrigerante."

Julian assentiu.

"Algumas comidas trouxas são muito gostosas. Gosto quando a Lily traz guloseimas das férias pra gente. Estou inscrita em Estudo dos Trouxas agora, sabiam? Pra mim, tudo o que eu puder aprender sobre o mundo trouxa é interessante..."

Sirius ergueu uma sobrancelha.

"Você gosta mesmo do mundo trouxa, hein, Parker."

Winnie deu uma risadinha, antes de se inserir na conversa.

"A Julian namorou um vizinho trouxa dela."

A menina moveu a sua cabeça, sonhadora, com a mão em uma das faces.

"O melhor namorado do mundo! Eu fazia umas mágicas simples para ele com moedas e ele dizia que eu era incrível. Ele precisou ir morar na Bélgica, mas, de vez em quando, ainda escrevemos um pro outro."

Pettigrew mordeu um sapinho de chocolate e disse de boca cheia:

"Esse cara parece um idiota..."

Julian prosseguiu, ignorando a acidez do colega.

"Mas o meu motivo de estar tão interessada em Estudo dos Trouxas é outro. Vocês sabiam que o Galahad, vocalista da banda Avalon, é nascido-trouxa?"

"Sabia!" — retorquiu Sirius, descansando o seu copo na mesa, empolgado — "Eu gosto de Avalon! E aliás, precisa me dizer onde conseguiu essa blusa maneira deles, Parker!"

"A gente também adora a música deles!"

O grupo de colegas começou a conversar sobre a turnê e as músicas que gostavam da banda. James procurou algumas vezes o olhar de Lily, sentindo-se feliz pela menina parecer não levar em conta a última conversa que tiveram em que se desentenderam. Sirius, por baixo da mesa, segurava a mão de Remus e, de vez em quando, lhe fazia um carinho no joelho.

Quando Pettigrew foi ao banheiro do dormitório depois de empilhar três canecas de cerveja amanteigada e duas de água de gilly, Potter se lembrou de algo que se comprometeu verificar.

"Ei, Parker, você ainda tá namorando esse garoto que mora na Bélgica? Tenho um amigo que tá interessado em você."

A monitora se deteve um instante enquanto se servia de um bolinho.

"Pettigrew?"

James assentiu com a cabeça, meio sem graça pela rapidez com que a garota deduziu.

"Não vai rolar... Ele nunca nem olhou pra minha cara."

Sirius ergueu uma sobrancelha.

"Ele não tira os olhos de cima de você, Parker."

"Mas para o meu rosto, ele nunca olhou. Além do mais, sei que vocês são muito amigos do Pettigrew, mas foi estranho como ele não contou a verdade no Grande Salão quando a Professora McGonagall perguntou o que havia acontecido naquela confusão que rolou na hora do almoço. Não gosto de homem que fica em cima do muro."

Sirius, que, mais cedo, havia se indisposto com Pettigew por essa atitude, procurou o olhar de Remus com uma expressão de "Eu não falei?". Mais tarde, o rapaz de cabelos compridos confidenciaria para Remus que achava Parker muito areia para o caminhão de Peter, principalmente porque a covardia era algo broxante para qualquer grifinório que se prezasse.

Parker prosseguiu.

"...Isso me faz lembrar de uma coisa..." — murmurou ela, tirando um envelope de dentro de uma pasta que trouxera— "Aqui tá o que você me pediu, Remus."

A menina esticou para Lupin o envelope com um lacre com o emblema do distintivo da monitoria. Depois, acrescentou muito séria, olhando para os lados, como se indicasse Sirius e James:

"Mas lembra que são dados sigilosos e os nomes dos envolvidos têm que ficar anônimos. Por favor, eu só peço isso."

Remus franziu o cenho por um segundo, estranhando o tom solene da colega, antes de guardar o envelope e agradecer.

"São os gabaritos dos N.O.M.s, os quais os monitores têm acesso?" — perguntou Sirius com um ar divertido.

"São segredinhos de monitores..."

Enquanto a conversa mudava de rumo, Lily olhou para James, fazendo um gesto em seu próprio rosto ao tentar sinalizar o curativo que o rapaz tinha em uma das faces.

"Pegaram você de jeito, Potter?"

O rapaz, meio sem jeito, retorquiu, sem saber se deveria mencionar o nome do Snape ou não, visto que Lily parecia sempre querer defender o sonserino. Por fim, evitou falar do Ranhoso porque estava gostando do momento de trégua junto de Evans e das amigas dela.

"É... Me acertaram antes que eu pudesse me defender. Mas Madame Pomfrey me disse que em poucos dias vou ficar bem..."

A menina sorriu e James baixou os olhos, sentindo que ficava sem jeito. O perfume do xampu de maçã verde de Lily já havia invadido as suas narinas desde que ela se sentara diante dele e o rapaz de cabelos rebeldes se perguntava se aquelas fragrâncias que exerciam um fascínio sobre ele, eram também invenções do mundo trouxa.

"Potter!" — chamou Winnie, retirando o garoto dos seus pensamentos — "Você não tem mais nenhum amigo interessado ou interessante para nos apresentar? Estou na pista."

James pareceu meio desconcertado e chegou a trocar um olhar divertido com Sirius. As meninas riram.

"Podemos ver. Do que gosta de fazer Winnie?"

"Gosto de animais de estimação e a minha matéria favorita é Trato de Criaturas Mágicas. Aliás, Sirius Black, você teve um problema com esse relógio e os Pelúcios no ano passado, não é mesmo? O Pelúcio se interessou mais pelo ouro do relógio do que pelo ouro de Leprechaun e você fez uns barulhinhos engraçados a aula inteira..."

Remus e James morderam os lábios se lembrando nitidamente da ocasião em que, sem poder falar por causa do feitiço lançado pela Professora McGonagall, Sirius parecia rosnar feito um cachorro. Os dois garotos deram umas boas risadas na ocasião.

"Barulhinhos engraçados?"

"Era só você ficar jogando a moeda pra cima ou rodar algumas sobre a mesa. O Pelúcio ia ficar fascinado pelo movimento do ouro e ia esquecer do seu relógio na hora. Não adianta guardar o relógio no bolso porque fica até mais fácil pra ele tirar de você. Pensei em te dizer isso naquele dia, mas achei que você não gostava muito de quando eu puxava assunto com você."

Sirius pareceu um pouco desconcertado e Raven, parecendo perceber o desconforto da mesa, acrescentou:

"A Winnie ganhou um prêmio durante o verão na Olimpíada de Trato de Criaturas Mágicas Junior em Estocolmo. Ela ganhou um troféu e tudo. A Professora McGonagall foi na competição e parecia muito feliz. O nome da Winnie saiu no Profeta Diário como uma das promessas de Hogwarts."

"Foi impressionante! Eu lembro disso. A Grifinória toda ficou muito orgulhosa, Winnie. Foi por isso que você e a Raven não puderam ir à minha festa de aniversário na época, não é mesmo...?" — comentou Remus, fazendo jus ao mérito da colega.

"Obrigada, Remus! Sim, e quando voltei de Estocolmo, fui assistir à competição da liga juvenil de Quadribol de Glasgow, da qual a Raven faz parte. Já tinha a visto jogar nos fins de semana, mas fiquei impressionada como ela é implacável num jogo real."

Raven, com um rosto sorridente, ergueu uma caneca de cerveja amanteigada.

"Você joga Quadribol, Raven?" — indagou Sirius, curioso — "Por que não se inscreveu no processo seletivo da Grifinória?"

"Estou de olho na vaga de goleiro que deve abrir seleção no ano que vem. Mas neste ano, farei as narrações dos jogos, já que o Wilson pediu dispensa por causa do N.I.E.M's."

"Impressionante! O time de Glasgow é muito forte!... E eu também não sabia da premiação da Winnie."

"A Professora McGonagall e o Professor Flitwick pediram para os alunos aplaudirem Winona Rivers pelo troféu dela nas Olimpíadas junior na primeira aula de Transfiguração e Feitiços que tivemos no quinto ano. Foi por isso que a Grifinória despontou na frente com 200 pontos no primeiro dia de aula. E a Raven sempre treina Quadribol nos finais de semana com a camisa de Glasgow. Acho que já vi você e o Black jogando perto da gente..." — interveio Lily.

James e Sirius parecerem tentar evocar aquelas lembranças, mas elas pareciam perdidas em algum lugar. Os dois rapazes conseguiam alcançar as informações, mas não se recordavam do que estavam pensando ou para onde estavam olhando na ocasião.

Winnie apoiou novamente as mãos no queixo, após mexer no aro dos óculos um pouco grandes para o seu rosto.

"É porque o Black e o Potter não prestam atenção na gente. Eles só gostam de saber das garotas que correm atrás deles e a gente não é pegável... Daí eles nunca tiveram nem aí pra gente..."

Não havia mágoa ou crítica na voz da menina. Ela verbalizava o seu pensamento como se chegasse a uma constatação que precisava ser dita. Lily e Parker trocaram um olhar, mas, dessa vez, não censuraram a sinceridade da amiga. Raven voltava a beber da sua caneca, olhando para o outro lado.

Remus sentiu os dois rapazes se moverem desconfortáveis ao seu lado. Lembrou-se imediatamente da briga que tivera com os dois amigos no ano anterior em que os dois olhavam com desprezo o grupo de colegas sentado próximo à janela, tecendo, inclusive, alguns comentários bastante desagradáveis. O rapaz de cabelos castanhos viu simultaneamente James abaixar a cabeça e manchas vermelhas cobrirem o rosto de Sirius.

Black falou então.

"Eu que ando enxergando muito mal ultimamente. Parabéns atrasado, Winnie! E, Raven, conto com a sua narração neste ano. Talvez queira participar de alguns treinos da Grifinória. Se falarmos com o time, acho que ele não vai se importar..."

Nesse ínterim, Pettigrew voltou do banheiro e, enquanto se largava em seu assento, comentou, levanto um punhado de salgadinhos de rui brabo à boca com alguma displicência:

"O Belmont me parou no corredor pra me perguntar se foi verdade que vocês três e a Parker bateram de frente com os tais de Doyles e a Emily Davies. Mais cedo, Mary Macdonald tinha me perguntado a mesma coisa. Tá todo mundo comentando."

As palavras de Pettigrew foram jogadas na mesa sem maldade, cumprindo a sua característica primordial de leva-e-traz. No entanto, as meninas da Grifinória se olharam com algum nervosismo quando Lily esbarrou em seu copo de suco de abóbora, entornando o líquido sobre a mesa.

Uma tensão se fez presente e James se antecipou em enxugar com a varinha o estrago que já alcançava a sua camiseta e a calça do pijama. Lily estava muito pálida e baixou o rosto, respirando ruidosamente, soprando os fios de cabelo de seu coque frouxo que caíam pela face.

"Você tá bem?" — indagou James, estudando o rosto da colega.

Lily assentiu enquanto se servia de mais suco de abóbora. Winnie murmurou, então, espetando amuada o seu garfo no bolo de caldeirão.

"Os Doyles são dois desgraçados..."

"Winnie!" — censurou-lhe Parker com firmeza e James Potter podia jurar que a monitora da Grifinória moveu o queixo levemente, indicando os Marotos.

A bruxa de baixa estatura engoliu as palavras junto com o pedaço de bolo e mergulhou no silêncio.

"Bom, eles são mesmo." — comentou Raven, dando de ombros.

"Conhecem eles?" — indagou Sirius, observando a cena toda com estranheza e não contendo a sua curiosidade.

Novo silêncio que, dessa vez, foi quebrado por Parker com o olhar fixo no rosto de Lily.

"Só de vista."

Para dar continuidade à conversa e desfazer o clima estranho que se instaurou na mesa, James puxou assunto com Winnie sobre o livro que havia emprestado a ela sobre a arte de Animagi. Os dois conversaram por um tempo e Remus, lembrando-se de algo, comentou:

"Sirius também tava lendo alguns livros da biblioteca e, num deles, dizia que Gryffindor pode ter sido um Animagus que lutou com alguém chamado de Besta de... Besta de..."

"Besta de Gévaudan?" — prontificou-se Winnie a responder.

Remus franziu a testa, um pouco surpreso com a rapidez que a colega de classe trouxe aquele nome que ele nunca havia ouvido falar antes.

"Você sabia disso?!"

"Claro! É uma história épica. Dizem que Gryffindor lutou com a forma lobo da Besta de Gévaudan, assumindo a forma de um leão por dias enquanto Ragnuk e outros duendes forjavam a lendária espada da Grifinória que o derrotou."

Sirius moveu o rosto, intrigado:

"Por que nunca ouvimos falar disso nas aulas de História da Magia?"

"Porque isso não está escrito na maioria dos livros bruxos, mas sim nos livros dos duendes. Meu pai fez questão que eu lesse toda a coleção de Birman Norman para que eu não esquecesse da minha parte duende."

Raven levou a mão ao queixo, interessando-se pelo assunto:

"Então, Gryfffindor era um Animagus? E por que ele lutou com esse cara?"

Winnie deu de ombros.

"Pelo que sei, esse 'cara' tinha um clã de lobisomens poderoso nesta área até os bruxos ascenderem. Gryffindor e os outros fundadores colonizaram essa terra."

"Talvez possa me emprestar um desses livros, Winnie."— comentou Sirius.

"Os livros estão escritos em grugulês e acho que vocês não gostariam muito. Os bruxos não são os bonzinhos na maioria das histórias e até os lobisomens parecem injustiçados por eles."

Remus permaneceu pensativo. Ele se sentia um pouco intrigado pela menção àquele clã e se lembrou de seus sonhos confusos e da visão de Fenrir Greyback e Hallow em cima da ameia do castelo de St. Claire depredando trouxas e declarando guerra à comunidade bruxa ao lado de Você-Sabe-Quem.

O rapaz de cabelos castanhos pensou também no Lobo mudo que carregava agora dentro de si e se sentiu um tanto vazio. Qual seria a visão do Lobo perante aquela história de bruxos colonizadores e lobisomens injustiçados? Ele enumeraria as características que transformavam os bruxos em patifes ou diria que lobos nunca haviam sido dominados?

E o que ele diria das meninas sentadas ao seu redor? Colocá-las-ia no rol de bruxos não confiáveis ou suspiraria, sedento, mirando as suas jugulares e nucas perfumadas?

O tempo voou. O grupo de amigos, após as dez horas, começou a brindar com whisky de fogo e a falta de proximidade entre aqueles dois grupos pouco a pouco caía por terra. Parker parecia suspeitar da proveniência de todas aquelas bebidas e se recusou, como monitora, a beber qualquer coisa que tivesse álcool, advertindo os colegas para que também não o fizessem. Remus achou sensato também, mas não protestou quando Sirius pingou algumas gotas da bebida em seu sorvete, piscando.

Winnie e Raven, aproveitando-se de uma distração da amiga, beberam, acompanhando o "entornar" que James lhes ensinava. Lily se negou veementemente e disse que até mesmo o cheiro do whisky a nauseava. A garota se levantou por um momento e foi se servir de mais sorvete ao lado de Parker.

Sirius já estava "alegre" quando uma voz que parecia vir da profundeza de algo como um fosso se dirigiu ao grupo.

"Morganas, Black, Potter, monitor Lupin... e você que não me lembro quem é, como vão?"

O rapaz de cabelos compridos ergueu os olhos para responder ao cumprimento do desconhecido, mas se calou quando ouviu a voz de Raven.

"Oi, Olsen!"

Winnie deu uma risadinha e olhou para Remus. Pettigrew parecia ofendido pelo desconhecido não saber o seu nome.

Peter Olsen era o rapaz mais velho da Grifinória que vinha demonstrando interesse em Remus. James levou a mão ao rosto meio alto também, sabendo que o mais novo arqui-inimigo de Sirius Black se fizera visível.

"Nossa, a festa de vocês parece ótima! Posso me sentar aqui pra tomar uma água de gilly com vocês?" — indagou o rapaz sem esperar a resposta e tomando o lugar de Parker. De frente para Remus, sorriu-lhe.

Olsen era um garoto de cabelos cacheados e ruivos. Algumas sardas cobriam o seu rosto. Sirius o fitava com olhos semicerrados e, sem se importar com o que pensariam, envolveu os ombros de Remus.

"E aí, quinto ano? Muita coisa pra estudar para o N.O.M's? Não vão ficar vadiando e bombar em todas as provas, hein. Estudar é chato, mas vale a pena pra conseguir um bom emprego."

James ergueu as sobrancelhas, antes de endireitar os seus óculos. Aquele parecia ser pior do que o Carlson em tudo. E olha que ele chegara a detestar o monitor corvino.

"...Não que você precise se matar né, Lupin. Posso te chamar de Remus? Soube que você é inteligente e só tira dez. Inclusive tá dando aula, né? Não quer me dar uma mãozinha?" — indagou o rapaz com um sorriso atrevido.

Sirius respirou fundo, antes de beber um gole do whisky. Remus se adiantou.

"Estou com meus horários cheios. Desculpe. Mas existe uma monitora que dá aulas particulares também. Ela vai poder te ajudar melhor do que eu."

"Eu gosto mais de aprender com garotos..." — riu-se o rapaz, se servindo de mais água de gilly.

Sirius fitou Olsen por alguns segundos em silêncio. Com algum sadismo, como um assassino que indaga a vítima antes do crime, Sirius iniciou um diálogo.

"Peter, né... Posso te chamar de Olsen? Olsen, em que matérias você é bom?"

"Em nenhuma! Estudar é um saco! Estou aqui só pela diversão... e pelos lanches!" — acrescentou o rapaz, rindo, e se servindo de uma tortinha de abóbora.

Remus tinha a cabeça baixa, antevendo o pior. Quanto a James, diferentemente de Carlson, Olsen não inspirava raiva nele, mas uma vontade de rir pela expressão de Sirius.

Winnie e Raven olhavam a cena com curiosidade.

"E o que quer fazer quando terminar a Escola?"

"Não me interesso por nada, mas meu pai disse que vai arranjar um emprego no Ministério pra mim. Então, sorte minha, né!"

"Quadribol?"

"Perda de tempo! Um bando de gente montada numa vassoura correndo atrás de um pomo!? Fala sério! Tem coisa melhor pra perseguir aqui embaixo, né?" — riu-se ele parecendo piscar para Remus.

"Então, não é bom em nada!"

O rapaz franziu o cenho com um sorriso.

"Qual é? Sou bom pra caramba em algumas coisas! Só não digo aqui no quê em respeito às Morganas, se é que me entendem... Mas Remus, não quer ir comigo lá em cima no dormitório? Tenho umas apostilas do ano passado do N.O.M.s... Se quiser, eu te mostro tudo..."

Remus se adiantou, vendo que Sirius parecia querer partir para cima do outro rapaz e bufava feito uma chaleira.

"Não estou interessado. Estou com meus amigos."

Olsen deu de ombros, parecendo um pouco contrariado.

Levantando-se, o rapaz do sexto ano pegou um doce de Dedosdemel de um dos pratos e se despediu.

"Como quiser! Mas se mudar de ideia, sabe onde me encontrar, professorzinho."

O garoto se retirou da Sala Comunal depois de acenar para Lily e Parker, que ainda estavam do outro lado do recinto.

Sirius arquejou como um cachorro e vociferou:

"De que inferno grifinório saiu esse aí? Acho que o Chapéu Seletor tá comendo bola!"

"Esse idiota, ainda por cima, tem o meu nome!" — lamentou-se Pettigrew.

Winnie comentou com os olhos ligeiramente desfocados por conta do whisky de fogo.

"Sirius Black é ciumento com os amigos."

"Por que ele ficou chamando vocês de Morganas? Foi o que Lily disse também quando desceu as escadas mais cedo..." — indagou Potter genuinamente curioso.

Winnie retorquiu com os seus olhos ainda enevoados.

"Porque é o que somos: Morganas. Morgana Le Fay foi uma bruxa importante na história bruxa."

Sirius retorquiu.

"Aprendemos em História da Magia que ela era uma bruxa das Trevas e que traiu o Merlin..."

Raven sacudiu a cabeça, falando:

"Porque foi o Merlin quem escreveu essa parte da história. O próprio Professor Binns disse que Morgana Le Fay talvez fosse incompreendida pelos druidas de sua época e que os dados históricos talvez devessem ser revisitados. A Professora McGonagall disse que alguns druidas da época não gostavam de mulheres lhes dando ordens e que eram um bando de inseguros."

Winnie acrescentou:

"Morgana é também o nome artístico da guitarrista da banda Avalon. Nos chamamos assim. Somos eu, Raven, Lily e Julian, as Morganas. Olha só..."

A garota ergueu a manga de sua camisola de grossas rendas e uma tatuagem escrita 'Morgana para sempre' estava escrita em seu pulso com letras bonitas e estilizadas.

"Uau, Winnie! Você tem tatuagem?!" — admirou-se Sirius.

"É temporário. Em dois anos, terá desaparecido. Foi feita com magia. Se quiser, podemos fazer em vocês também. Mas não podem deixar a Professora McGonagall ver. Ela diz que é coisa de detento de Azkaban e me censurou quando viu."

Os garotos se animaram enquanto Lily e Parker voltavam para a mesa com sorvetes. Depois, as meninas buscaram os seus instrumentos no dormitório. Basicamente, o feitiço consistia em desenhar na pele uma figura que se tivesse em mãos. O processo não era doloroso como as tatuagens trouxas. Ao invés disso, provocavam uma cosquinha enquanto a pele era marcada.

"O que vai querer, Remus?" — indagou Parker, animada, consultando o seu álbum com figuras.

"Acho que tatuagens não são muito a minha, mas eu gosto do piercing que a Raven tem..."

James arregalou os olhos, fitando a garota que desenhava algo em um dos braços de Sirius.

"Onde?"

Raven mostrou a língua rapidamente em que um piercing prateado reluziu.

"Quero também! Nossa, vocês são legais de verdade!" — riu-se Sirius— "Imagina a cara da minha família se me vir assim!"

"Algum motivo pra querer um lobo tatuado nessa parte aqui do seu braço, Black?" — indagou Lily, copiando a imagem do lobo de um livro no outro braço de Sirius.

O garoto pareceu ruborizar levemente.

"Bem, lobos são da mesma família dos cachorros, né? Gosto deles..."

"Se eu tiver que fazer um piercing em você, vou ter que ir lá no dormitório dos meninos, Remus. Lily tem a mão muito leve e ela pode fazer também." — falou Parker, verificando algo na ponta da sua varinha— "Sai um pouco de sangue, mas nada demais, eu acho..."

Pettigrew, observando Parker com um olhar absorto, fez uma careta.

"Eeeeca! Eu nunca vou ter uma porcaria dessas em mim!"

Após as garotas rabiscarem um pouco o braço de James também, o grupo foi para o dormitório dos meninos, levando algumas bebidas. Winnie fez questão de levar o whisky de fogo abraçada como se fosse o seu próprio gato Pompom.

Parker se debruçou um pouco sobre Remus quando precisou espetá-lo com a sua varinha. O rapaz, deitado na cama de Sirius, mordeu uma almofada enquanto todos ao redor o encorajavam. Ele estava com a blusa do pijama branco de linho levantada, expondo um pouco a sua barriga.

"Parker, cuidado aí com essa varinha!"

"Não se preocupa, Sirius! Fiz isso em todas as minhas primas. Acho que esse aqui combina com o Remus."— decidiu a garota, escolhendo um pingente com uma lua pendurada— "Você tá com uns arranhões na barriga, Remus. Andou se metendo com feitiços perigosos? Bom, lá vou eu. Não vai doer nada!"

Mentira! Doera pra cacete quando ela furara o umbigo de Remus como se estivesse manuseando um palito de churrasco! E para completar, Parker encostara a mão na barriga do rapaz de cabelos castanhos na hora da perfuração, fazendo-o querer rir em meio à dor.

Remus teve o seu grito abafado pela almofada, e ficou um pouco atordoado quando viu gotas de sangue no lençol. Contudo, ao se olhar no espelho, conferindo o resultado, o rapaz de cabelos castanhos apalpou a sua barriga, dizendo:

"Caramba, Parker! Eu fiquei descolado! Que legal!"

"Eu falei que sou uma expert. Quem mais vai querer?"

Sirius fitava Remus de cima a baixo enquanto via o garoto diante do espelho com a blusa do pijama ainda um pouco levantada.

"Quero um visível na sobrancelha, assim como o vocalista da banda Avalon." — decidiu-se Sirius, após alguns segundos pensativo.

"Ai, que gato!"— murmurou Winnie, se servindo um pouco mais de whisky.

"Eu vou querer um na língua como a Raven." — decidiu-se James, achando a colega da Grifinória realmente descolada.

"Deve ser gostoso beijar o James Potter com piercing na língua. As meninas vão gostar."

"Chega de beber, Winnie!" — advertiu Parker à amiga, tirando a garrafa de sua mão — "Bom, eu cuido do Black. Lily, você que tem a mão mais delicada, pode cuidar do Potter?"

A garota pareceu um pouco sem graça quando o rapaz de cabelos rebeldes a olhou com um sorriso.

Enquanto Parker se debruçava sobre Sirius, apalpando a sua sobrancelha e escolhendo o melhor brinco, Lily caminhou até a cama de James um pouco mais afastada.

"Pode deitar enquanto eu preparo o que vou usar." — instruiu-lhe a garota ainda meio sem graça, mexendo em seu estojo.

James se deitou na cama e ficou um tempo fitando o rosto de Lily.

"Obrigado por deixar que eu participasse da festa das suas amigas hoje." — começou o rapaz, apoiando a mão sob a cabeça — "Acabou sendo bem legal!"

Lily observou James com seus olhos verdes que, na luz, eram fogo.

"Imagina. Não impediria nunca que você participasse se a Julian e a Winnie te convidaram. E também você é bem-vindo."

"Na última vez que nos falamos, as coisas não terminaram muito bem..."

Lily baixou os olhos, parecendo um pouco encabulada.

"É... Foi confusa aquela vez em que conversamos perto do relógio. Parece que faz uma década. Acho que talvez eu tenha falado um pouco demais ou exagerado com você."

"Eu não tenho te visto com tanta frequência mais no Grande Salão. Tá tudo bem?"

Lily parou de mexer nos piercings dentro do seu estojo enquanto fitava James.

"Tá tudo bem."

James olhava a garota diante de si sem tentar disfarçar o modo como ela capturava a sua atenção.

"Você tá diferente da vez em que nos vimos na festa na casa do Remus e na vez do relógio..." — comentou o rapaz com um sorriso, estudando novamente os traços da garota.

"Muito nerd pra você?" — retorquiu Lily com alguma ironia.

James pestanejou.

"Talvez. Mas eu gosto de você também assim..."

Lily se deteve um segundo, mirando o grupo do outro lado do quarto antes de falar baixo:

"Olha, Potter, melhor não começar com isso de novo... Eu não quero confusão..."

"Não comecei nada... Eu não tô mais namorando... Eu e ele terminamos há algumas semanas. Eu e você podíamos..."

Lily sacudiu a cabeça.

"Não é simples assim, Potter. É complicado..."

"O que é complicado?"

"Este ano tem sido muito difícil pra mim e, realmente, quero ficar sozinha... Além do mais, talvez seja problemático demais sair comigo."

James franziu o cenho.

"Quer competir comigo em problemas, Lily?"

"É sério! A minha vida é uma bagunça."

O rapaz se levantou em sua cama um pouco chateado.

"Você tem um problema comigo por ter namorado um garoto?"

Lily ergueu o seu olhar verde, fitando James, mas não falou nada.

James sentiu o silêncio de Lily o ferir em algum lugar que não sabia muito bem onde se encontrava. Sentiu um pouco de raiva também.

"...Por que não aceita tomar alguma coisa comigo em Hogsmeade pra me conhecer melhor? Não estou pedindo você em casamento, Evans. Estou pedindo só um encontro..."

Lily sacudiu a cabeça levemente.

"Não, Potter... Não vai dar. Eu realmente preciso ficar sozinha. Não estou saindo com ninguém."

James tentou novamente.

"Eu vou te convidar de novo pra sair quando estiver se sentindo melhor, tudo bem?"

"Você é insistente..." — sorriu a garota com o seu sorriso pontilhado de prata.

"Podemos tentar ser amigos?"

A garota assentiu. Depois, falou, parecendo um pouco triste ao desviar a conversa:

"Ainda vai querer?"— perguntou Lily, mostrando ao rapaz o brinco de metal em seus dedos.

"Claro! Ei, onde fica a sua tatuagem?"

"Na coxa esquerda."

"E o seu piercing?"

"No umbigo que nem o Remus agora."

"Deve ter ficado bonita..."

"Vai querer mesmo que eu fure a sua língua?"

James assentiu.

"Confio em você. Raven disse que não doeu tanto..."

Nesse momento, Sirius, tendo a sobrancelha perfurada pelo poder da varinha de Parker, vociferava, deixando escapar a almofada de seus dentes:

"SUA DESGRAÇADA! VOCÊ DISSE QUE NÃO DOÍA NADA!"

"É porque você não para quieto! Segura a cabeça dele, Raven!"— tentou tranquilizá-lo a monitora do quinto ano da Grifinória.

James hesitou um pouco. Lily alertou ao garoto:

"Fui eu que furei a língua da Raven, mas ela resiste muito bem à dor, sabe...?"

O comentário de Evans foi quase uma confirmação para James do parentesco de Raven com gigantes. Gigantes tinham, como era sabido, uma tolerância muito grande à dor e mesmo feitiços fortes bruxos podiam ricochetear em seus corpos como se não fossem nada.

No dormitório, Sirius gritou de novo:

"VAI ME MATAR ASSIM!"

"Caramba, deixa de ser mole, Black! Que escândalo! Traz um pouco de whisky, Winnie. Segura os pés dele, Pettigrew!"— retrucou Parker, parecendo um pouco irritada — "Se a Professora McGonagall entrar por aquela porta e tirar a minha voz por uma semana, não vou te perdoar!"

Lily sorriu para James.

"Black está tendo um mau momento."

"Como aprenderam a fazer essas coisas?"

"A Julian tem um primo que trabalha com isso no Beco Diagonal, mas como somos menores de idade, ele se recusou a fazer na gente. Julian pegou então emprestado um livro dele e demos uma estudada juntas. Preferimos aprender primeiro as tatuagens temporárias antes de partir para as fixas. São mais simples."

"Impressionante!" — retorquiu James, se deitando em sua cama.

Lily solicitou o whisky que Winnie administrava para Sirius e pediu que James tomasse um gole. Depois, com um olhar concentrado que lembrava um pouco o de Remus e uma voz impositiva que lembrava a de Sirius, ela disse:

"Abre a boca!"

James obedeceu e deixou que a garota tocasse a sua língua, após umedecer os dedos com um pouco no whisky também. Ela levou os dedos rapidamente ao nariz, parecendo realmente enjoar o cheiro do álcool.

"ACABA LOGO COM ISSO, PARKER!" — gritava Sirius, esmurrando o colchão da sua cama.

Lily e James se fitaram.

"Não mexe a cabeça, Potter! Aconteça o que acontecer, não se mexa! Senão, vou ter que pedir pra Raven te segurar também. Vou lançar um feitiço para deixar a sua língua paralisada, tudo bem?"

James apertou os olhos quando sentiu um primeiro poder saído da varinha de Lily fixar a sua língua e um segundo poder furá-la. Foi uma dor fina que pareceu lhe atingir a alma antes de se espalhar por todo o paladar. O rapaz de cabelos rebeldes não se mexeu, mas sentiu o impulso de puxar a língua para dentro da boca quando os dedos de Lily inseriram o piercing no furo que produzira. Era sorte a sua língua estar paralisada pelo feitiço.

Lily baixou os olhos

"Prontinho!" — disse a garota, se afastando do rosto de Potter.

James sentiu ainda uma fisgada na sua língua antes de voltar a movê-la. Depois, levando os dedos à boca, sentiu o objeto de metal.

"Não, não! Molha a sua mão no whisky antes de tocar. Olha no espelho se gostou..."

James correu para a frente do espelho de um dos banheiros e viu o seu reflexo com a língua exposta. Gostou muito!

"Nossa, Lily! Você é demais..."

Do outro lado do quarto, Parker dizia:

"Eu sou uma expert mesmo! Viu, seu escandaloso? Ficou perfeito!"

Winny retorquiu, olhando para o rosto de Sirius que também se mirava no espelho do meio do quarto.

"Black ficou um gato. Não acha, Remus?"

O rapaz de cabelos castanhos trocou um olhar com Sirius através do reflexo do espelho e ruborizou um pouco enquanto Pettigrew rolava os olhos nas órbitas.

"Acho..."

Os colegas ficaram um pouco mais no dormitório e ouviram a música da banda Avalon. Conversaram um pouco mais e depois, voltaram para a Sala Comunal.

"Se quiser pintar as unhas de preto, Black, tenho esmalte no meu quarto."— sugeria Parker, disposta a transformar o rapaz de cabelos compridos em seu ídolo da banda Avalon.

Quando estava para amanhecer, o grupo, sentindo os efeitos do sono, despediu-se ainda entre risadas. Sirius estava bastante alcoolizado e Remus o ajudava a subir as escadas até o dormitório.

James, despedindo-se das meninas, deu uma última olhada ainda para trás, dirigindo-se a Evans.

"Obrigado por isso, Lily..."— murmurou o garoto, levando os dedos à boca.

A menina sorriu de uma forma contida.

"Não precisa agradecer."

Chegando no quarto, Sirius ainda não falava coisa com coisa e Remus o conduziu até a cama. O rapaz de cabelos castanhos, que havia tomado várias taças de sorvete batizadas com whisky por Black, parecia meio soltinho também. James viu quando ele ficou de pé na cama de Sirius e levantou a blusa do pijama para que os amigos o vissem enquanto pulava na cama.

"Estou descolado também!"

James mirou o rapaz de cima a baixo. Viu a pele muito pálida de Remus marcada por arranhões que ele já havia beijado. Viu o pingente brilhante reluzir em seu umbigo um pouco acima do elástico da cueca. Lembrou-se de Lily dizendo que tinha um pingente igual ao de Remus em sua barriga. Sentiu o perfume no ar do seu quarto. Sentiu-se confuso também.

O rapaz de cabelos rebeldes foi, então, para o banheiro escovar os dentes e lavar o rosto antes de dormir enquanto Pettigrew havia apagado de sono na cama.

Sirius, ao se ver sozinho com Remus, aproximou-se meio cambaleante do rapaz.

"Mostra pra mim de novo, lobinho..."

Remus, de pé ainda em sua cama, ergueu a blusa enquanto fazia um carinho no rosto de Sirius com aquele piercing que deixava o seu olhar ainda mais profundo. O rapaz de cabelos compridos, ajoelhado, beijou a barriga de Lupin, arrancando-lhe cócegas antes que ele descesse mais a boca conforme abaixava a calça de seu pijama. Remus fechou os olhos, sentindo os lábios do rapaz de cabelos compridos envolver o seu membro. Com olhos ainda fechados, murmurou um pouco sem forças enquanto tocava a cabeça do outro:

"No dormitório não, Sirius..."

Com a ponta do pé, no entanto, o próprio Remus esticava a perna até a virilha de Sirius e o acariciava também por cima do pijama. Ele se deixou ser estimulado um pouco antes que afastasse o rapaz de cabelos compridos gentilmente e levantasse a sua calça novamente, um pouco arreada, até a cintura. Seu corpo reagira prontamente às carícias.

"Fica quietinho. Não podemos fazer nada aqui..."

Sirius o beijou por cima do tecido da roupa. Depois, ele se ergueu, beijando o pescoço de Remus. Falou com uma voz macia:

"Deixa eu dormir hoje com você na sua cama, lobinho. Só dormir. Quero ficar assim abraçado com você..."

"Se eu dormir com você do meu lado, quem não vai conseguir se segurar sou eu, Sirius."

Quando os Marotos adormeceram, o sol já nascia e o barulho dos pássaros já podia ser ouvido despontando na manhã que raiava menos cinzenta. Também, o bater de asa das corujas e o canto dos galos atrás da Escola ressoava. Cada rapaz dormiu em sua respectiva cama.

Antes de se entregar ao sono, James se lembrou de Lily se curvando sobre ele para furar a sua língua. Lembrou das palavras ditas por ela e se sentiu um pouco angustiado pela confusão de desejos que despontava nele. Pensou em Remus sentado diante dele na ponte lhe falando obscenidades e de Sirius o tocando em cada poro.

O rapaz de cabelos rebeldes levou, então, para os sonhos suas inquietações. James sonhou com uma tarde de sol forte. Sonhou com a água da chuva que caíra quase o dia todo e sonhou que serpenteava o Lago da Escola, caminhando. Sentiu a brisa forte soprar de algum lugar e se viu novamente criança nos jardins opulentos da casa de seus avós enquanto aprendia a andar. Viu seus pais, muito jovens, com as roupas de Hogwarts esperando-o do outro lado do gramado, esticando os braços para que os alcançasse, incentivando-o a confiar em suas próprias pernas.

Mas James tombara no chão e, com medo de tentar novamente, agarrou-se à relva. Ele era uma criança, mas sentia raiva por não conseguir alcançar aqueles dois adolescentes que não sabia que eram seus pais. Aquela garota e garoto que logo partiriam de novo em um trem, mas voltariam para brincar com ele quando já tivesse quase se esquecendo de seus rostos. O vento soprou ainda mais forte. E James apertou a grama sob os dedos porque, mesmo no chão, tinha medo de cair no vazio.

Na semana seguinte, os Marotos e as Morganas se esbarraram em corredores, salas de aula, Sala Comunal e Grande Salão. Como acontece no início das amizades, eles acenavam uns para os outros, trocavam palavras, sorrisos e conversavam. Almoçaram sentados perto algumas vezes e não impediram que a proximidade natural se estabelecesse, obedecendo ao tempo e curso natural das coisas.

Sirius pode reparar que quando ele se deteve numa escada para trocar uma palavra com Winnie e Raven, certa vez, um grupo de garotas não parou de olhar para as duas alunas com uma expressão meio desconcertada, curiosa. O grupo cochichava e apontava para a garota muito alta e corpulenta ao lado da garota muito baixa e mirrada. Aquela proximidade entre Marotos e Morganas pareceu subitamente mexer também na ordem de Hogwarts em que os garotos mais populares não falavam muito com garotas não tão populares e que somente meninas dentro de uma estrutura estabelecida se sentiam seguras para falarem com eles.

James esperava encontrar mais vezes Lily no Grande Salão nas horas das refeições. Contudo, ela aparecia pouquíssimas vezes e, em todas as ocasiões, a garota estava com os cabelos soltos quase tapando todo o rosto. Era simpática com os colegas, mas não se demorava muito na mesa. Quando Sirius sinalizou que havia achado Evans a mais quieta no grupo de amigas, Remus, que lia o Profeta Diário em silêncio até então, retorquiu:

"Ela é normalmente mais animada, mas deve estar concentrada no N.O.M.s. Às vezes, é bom dar um tempo das pessoas."

Naquela semana também, quando Sirius Black surgiu tatuado na primeira aula de segunda-feira, fazendo questão de enrolar a manga de sua camisa até os cotovelos para deixar os desenhos em seus braços à mostra, foi chamado deliberadamente e sonoramente de gostoso por um grupo de lufanas que o acompanhava com o olhar.

"Ele tá com um piercing também! Parece o Galahad de Avalon. Ai, Merlin, que broto!"

A Professora McGonnagall, no entanto, quando viu Sirius, levou a mão à testa.

"Desenrola a manga dessa camisa agora mesmo, senhor Black! E o que é isso agora em sua sobrancelha? Parece um fugitivo de Azkaban! Potter também está com tatuagens!? Deveriam se espelhar mais no senhor Lupin, que não trata o corpo dele assim e não fica se estragando dessa forma. Minha vontade é tirar pontos de vocês. Sumam daqui!"

A professora parecia realmente não gostar daquelas manifestações no corpo e permaneceu chateada alguns dias com os garotos antes que alguns outros professores lhe dissessem que era coisa da idade e que não deveria ser tão rígida com os alunos da Grifinória. Que uma dose de criatividade fazia bem aos jovens. McGonagall não soube nunca do piercing que reluzia escondido sob o uniforme de Remus e nem do que se mantinha preso à língua de James, visto que o rapaz adotou naquela época, de forma sábia, o costume de baixar o rosto e não abrir muito a boca quando conversava com a diretora da sua Casa.

Todavia, não foi possível evitar que as garotas de Hogwarts percebessem o objeto metálico preso à língua de James quando o rapaz estava conversando com os amigos no Grande Salão. Foi durante o jantar que Farah, que já havia convidado o rapaz para sair antes, aproximou-se novamente da mesa da Grifinória. A corvina se dirigiu a James.

"Tá com um piercing na língua, Potter?"

O rapaz, talvez pelo hábito de seduzir ou pela animação com aquela novidade em sua aparência, estalara a língua, mostrando-a à garota. Farah, empolgadíssima, convidou James para sair novamente, e o rapaz se esquivou mais uma vez. Bastou ela voltar para a sua mesa para que Remus ouvisse algumas corvinas dizerem em alto e bom som: "Beijar a boca de James Potter com o piercing".

O cúmulo foi uma garota passar perto dos rapazes e falar: "Posso sentar na sua cara, James Potter"?

Remus arregalou os olhos e Pettigrew se engasgou com o seu suco de abóbora. Até Sirius e James, que eram precoces e acostumados a ficarem com garotas, acharam a cantada pesada.

"Caramba, Potter! Esse negócio aí na tua língua fez um sucesso danado com as garotas. Eu deixaria aquela ali sentar na minha cara o tempo que ela quisesse..."

Remus voltou a arregalar os olhos.

"Pettigrew, menos!"

"Se transfigura num banquinho!" — riu-se Sirius — "Vai que dá certo!"

Pettigrew ergueu os dois dedos médios.

"Vai. Se. Foder, Black!"

Minutos depois, uma lufana de cabelos escovados e rosto sorridente convidou Sirius para um encontro em Hogsmeade diante da expressão severa de Remus e o rapaz de cabelos compridos recusou o convite perante o olhar incrédulo de Pettigrew.

Sirius apertou os punhos sob a mesa e respirou fundo. Pouco a pouco, os casais que iriam a Hogsmeade iam se escolhendo para o final de semana e isso lembrava o grifinório de algo que era esperado que ele fizesse, apesar de sentir um frio na barriga.

Como namorado de Remus, Sirius devia convidar o rapaz de cabelos castanhos para sair. A novidade era que, na maioria das vezes, eram as garotas que tomavam a frente e Black nunca havia chamado alguém para sair, sentindo o que sentia agora. Além do mais, no último verão, Remus havia andado com Michael Carlson pra cima e pra baixo e, ainda que não tivessem mais juntos, Black ainda se sentia enciumado pelo "senhor perfeito" para quem Remus correra algumas vezes.

A ansiedade de Sirius atingiu um nível tão alto que ele sonhou que ele e Remus iam juntos para Hogsmeade e lá, eles encontravam os Blacks, Kreacher e Carlson os esperando no Três Vassouras. Em outro sonho, uma força estranha semelhante ao que aconteceu no verão possuía Sirius enquanto ele beijava Remus, deixando-o fora de si. Diante desse descontrole, um lobo de pelos castanhos surgia e mordia a cara de Sirius. A experiência desse último pesadelo foi horrível principalmente por Black e Lupin estarem felizes por aquela possessão aparentemente não acometer mais o rapaz de cabelos compridos durante o sexo, talvez pela ausência do Lobo.

Tomando uma decisão, então, Sirius se propôs a convidar diretamente Remus para ir a um verdadeiro encontro, mesmo se sentindo nervoso feito o garoto que ainda era. Por que era fácil sair com as meninas e com Remus parecia um passo tão grande? Tão solene?

Quando em uma determinada tarde depois das aulas, James e Pettigrew, ao entrarem no dormitório, viram Sirius treinando em frente ao espelho, Pettigrew não se conteve.

"Tá treinando para chamar o Remus pra sair?! Depois de se pegarem o que já vi vocês dois se pegando aqui?! Deixa de ser palhaço, Black!"

"Eu quero impressioná-lo, Pettigrew! Você não tá entendendo!"

Pettigrew, coçando a cabeça, permanecia na porta do banheiro olhando o outro rapaz. Com um gesto, ele chamou James para perto a fim de observar também Black.

"Você parece que tá chamando o Remus pra cair no braço com você lá fora. Tá assustadora a sua cara!" — comentou Pettigrew, rindo.

Era verdade. James mordia os lábios, olhando para cima para não rir.

"Não enche o saco, Pettigrew! É a cara que eu tenho!"

Sirius tentou outra abordagem na frente do espelho.

"Você vai mostrar o pinto pra ele depois disso? Parece que tá convidando ele pra dar uma rapidinha em algum canto." — riu-se Pettigrew.

"Só porque eu disse que queria fazer com ele algo inesquecível?"

"A tua cara de safado não ajuda, Black."

"Que cara que tenho que fazer então?"

Os dois garotos discutiram brevemente. Sirius tentou outra abordagem.

"Cacete, Sirius, parece que tá convidando o Remus pra cumprir detenção junto contigo! Como assim... 'sei que é o que devemos fazer...'? Essa foi de lascar..." — Pettigrew ria e James mordia os lábios com tanta força que chegava a machucar.

Por fim, Sirius, irritado, deixou o banheiro.

"Droga, Pettigrew, você não ajuda em nada!"

"Remus vai dizer 'sim' independentemente de como chamá-lo. Não entendo esse circo todo. Desde que passou a gostar de homem, tu ficou super esquisito, Black! Eu, hein..." — retorquiu Pettigrew, entrando no banheiro e batendo a porta atrás de si ainda com humor em sua voz.

Sirius e James permaneceram sozinhos no quarto. O rapaz de cabelos rebeldes se sentava em sua escrivaninha e Black sentia nessas horas uma falta muito grande de Potter porque ele o conhecia bem como ninguém e talvez soubesse aconselhá-lo. Mas os dois garotos não estavam se falando. E o motivo que levava os dois a não se falarem não ajudava também.

James retirou de dentro da sua gaveta um pergaminho e o tinteiro. Silenciosamente, começou a escrever. Sirius acreditava que ele fazia algum dos inúmeros deveres de casa, mas se surpreendeu quando Potter se levantou para tomar banho no outro banheiro e lhe atirou uma bolinha de papel. Sirius, que estava deitado em sua cama, olhando o teto, por instinto do Quadribol, rapidamente, apanhou o objeto no ar.

Desamassando o pergaminho, ele o leu.

"SÓ FALA A VERDADE, CACETE!"

Sirius olhou para trás, mas James já havia desaparecido atrás da porta.

Respirando fundo, Sirius tomou, então, a decisão de fazer o convite a Remus no dia seguinte. Sem ensaio, sem plano, sem roteiro. Sem engodo, mentira ou subterfúgio. Levando só a si mesmo, ainda que isso fosse assustador.

Na quarta-feira, ao fim da tarde, Remus se encontrava na biblioteca, cercado por livros e mapas de astronomia. Estava sozinho em uma mesa que ficava mais ao fundo. Sirius, sabendo que ele estaria lá, procurou-o. No caminho, ele se demorou um pouco, conversando com Regulus e Olivia, que se viam às voltas com os deveres do primeiro ano.

Quando Remus viu Black se aproximando e se sentando diante de si, sorriu descansando a pena no tinteiro.

"Oi, Sirius! Veio estudar comigo?" — cochichou o rapaz de cabelos castanhos.

Imediatamente, um rubor violento e febril subiu pelas faces de Sirius. Ele sorriu de volta um pouco bobo. Atrapalhou-se. Deixou cair um dos livros de Remus no chão e o apanhou.

"Na verdade, vim falar sobre... sobre... algo com você."

Remus fez um carinho com o pé discreto na perna de Sirius sob a mesa.

"Ah, é? E o que é?"

Sirius olhou alguns segundos para a mesa de mogno. Arriscou falar.

"Remus, eu tenho algo pra te dizer..."

O rapaz de cabelos castanhos, que havia começado a folhear um livro, deteve-se, fitando-o.

"Pode falar, Sirius."

Black ergueu os olhos, respirando fundo.

"Você sabe que a gente vem ficando cada vez mais próximo, não é, Remus?"

"Sei..." — respondeu o rapaz.

"E que o nosso início de namoro foi bastante conturbado..."

Remus pareceu por um segundo nervoso.

"É..."

"Nem sempre é fácil pra mim também ler os sinais e tomar decisões. Não tenho a sua sensibilidade, Remus. Mas acho que quando percebemos algo, devemos agir."

"Tá me assustando, Sirius."

"Calma, Remus! Eu vou conseguir falar... Nossa, isso é difícil mesmo! A gente tá bem, mas o que estamos vivendo me deixa nervoso às vezes... É demais pra mim, mesmo eu gostando de você..."

Remus levou as mãos ao rosto. Seus olhos estavam ligeiramente vermelhos e a sua voz tremeu um pouco.

"Por Merlin, você tá terminando comigo?"

"NÃO! Eu não tô terminando com você! Remus, eu não quero terminar com você. Não é isso!"

O rapaz de cabelos castanhos, parecendo ligeiramente tonto, levou a mão à testa.

"Que susto! O que foi então?"

Black esticou a mão por cima da mesa para tocar a do outro rapaz e falou num ímpeto só.

"QueriraumencontrocomigoemHogsmidi...?"

Remus pareceu um pouco surpreso, antes de abrir a sua boca e indagar:

"O que?"

Sirius tinha as bochechas vermelhas e respirou fundo mais uma vez. Era ridículo ele e Remus já terem dormido juntos e ele se sentir tão ansioso diante daquele ato. Subitamente, ele sentia como se alguém o mandasse voltar para a linha de partida de uma maratona a meia-corrida. Seu coração estava muito acelerado.

"Você quer ir a um encontro comigo em Hogsmeade?" — falou Sirius, pontuando cada palavra.

O rapaz de cabelos castanhos pestanejou, antes que Black visse manchas vermelhas surgirem também nas faces de Remus.

"Um encontro?"

"Sim. Como namorados. Quero que façamos algo juntos no sábado de passeio. Você aceita ir comigo?"

Black viu o rapaz de cabelos castanhos sorrir.

"É claro que quero ir com você! Por que não falou desde o início?"

"Eu tava nervoso... Nem consegui dormir direito de noite... Olha como as minhas mãos estão geladas!"

"Sim, estão bem frias. Mas por que ficou nervoso?"

"Eu não sei. Acho que você podia não dar importância ou me achar bobo... Eu não sei, Remus, porque às vezes fico assim com você..."

"Eu quero ir! Sempre quis. Mas achei que...sei lá. Você não quisesse ir comigo, sendo eu um garoto e não querendo que a sua família descubra sobre nós dois."

"A gente vai conseguir fazer as coisas sem ninguém encher o nosso saco. Remus, eu tô tão feliz! Que bom que me aceitou! Preciso beijar você agora..."

Sirius sentia a tensão que o acompanhava naquela semana deixar o seu corpo. Remus olhou ao redor. Havia alguns alunos sentados um pouco longe. Levantando o seu livro de Astronomia que era do tamanho de um Atlas, Remus o abriu ao seu lado, mantendo-o de pé. Sirius se inclinou, apoiando-se sobre a mesa e beijou Remus. Emparedados do resto da biblioteca, os dois garotos se sentiram imersos em um mundo próprio de afetos delicados e palavras doces. Partiram o beijo, olhando ao redor. Aparentemente, ninguém havia os visto.

Os dois rapazes conversaram baixinho sobre o que podiam fazer de legal no passeio e Remus se empolgava. Sirius sorriu vendo a felicidade de Lupin. Fez um carinho, tirando-lhe a franja do rosto para poder olhá-lo melhor.

"James, Pettigrew e as Morganas vêm aqui daqui a pouco. Combinamos de estudar juntos. Vem também. Pega no dormitório as suas coisas e fica aqui com a gente..."

"Vocês ainda vão estar aqui depois de uma hora mais ou menos? Esbarrei com o Regulus e a Olivia ainda há pouco e combinei de trocar uma ideia com eles no Grande Salão. Quero saber se a Davies e os Doyles não tão criando problemas para os dois..."

Remus, subitamente, teve as suas feições endurecidas, parecendo muito sério.

"Acho que você faz bem em se manter perto do seu irmão e da Olivia. Se lembra daquele envelope que a Parker me passou na festa do pijama? Eram os registros dos Doyles. Alguns alunos que se metem em incidentes perigosos na Escola ficam com uma espécie de ficha suja, ao qual somente o diretor, os professores e os monitores têm acesso. A Davies, não, mas os Doyles estão com fichas sujas."

Sirius franziu o cenho.

"Você quando fala incidentes perigosos, quer dizer matar aula; explorar o Castelo durante a noite; testar feitiços; fumar e pegar comida da despensa escondido como a gente faz...?"

Remus sacudiu a cabeça.

"Não, Sirius... Quando eu digo incidentes perigosos, quero dizer colocar a vida de outros alunos em risco ou fazer coisas que, para um bruxo maior de idade, configuraria crime passível a uma temporada em Azkaban. Eu não posso contar o que tá escrito no arquivo deles, mas posso dizer que eles são... dois desgraçados."

Sirius pareceu assustado.

"Eu sempre soube que os Doyles não valiam nada, mas não pensei que chegassem a ser criminosos assim. Por que a Escola não expulsa os dois então?"

"Porque os Doyles são de uma família de sangue puros poderosa e é impossível tirá-los da Escola sem se criar algum rebuliço no mundo bruxo."

O rapaz de cabelos compridos permaneceu pensativo durante alguns segundos.

"Remus, você acha que o Regulus e a Olivia tão correndo risco?"

Remus ponderou.

"É difícil dizer, mas... Conversa com eles e pergunta tudo. Não aceita a primeira versão se eles te falarem que tá tudo bem. Vai mais fundo e sonda eles o máximo que puder. Fica atento se eles não tão escondendo nada de você. Se suspeitar de algo, a gente pode reportar na monitoria e tentar pedir uma investigação ao diretor Slughorn."

Sirius acariciou o rosto a sua frente.

"Vou fazer isso! Volto mais tarde então pra cá e te conto como foi, lobinho..."

Os dois garotos se beijaram novamente por trás do livro de Astronomia e Sirius deixou a biblioteca, olhando para trás ainda ao sorrir para Remus.

Chegando do lado de fora, Sirius se viu próximo à escada. Ele consultou o seu relógio de pulso. Faltava ainda dez minutos para o horário que havia combinado com Regulus e Olivia no Salão Principal.

Sirius se permitiu, então, respirar fundo. Permitiu-se dar um murro de felicidade no corrimão da escada e olhar para cima com os braços erguidos. Remus havia aceitado o seu convite! Deixara-o feliz. Fizera a coisa certa! Sirius sentia o seu coração se encher de algo que não sabia expressar e era novo para ele.

Tomado por um gesto de carinho, Sirius retirou a carteira do seu bolso para olhar uma foto de Remus que ele havia colocado ali quando começaram a namorar. Lupin se virava próximo ao freixo para sorrir-lhe. Foi uma grande sorte Sirius, tirando algumas fotos dos Marotos naquele dia, ter rodado o Castelo inteiro para conseguir achar Remus. Achara-o e agora, esse momento era eternizado naquela fotografia que amava também.

Black, como um garoto de dezesseis anos, estava feliz não apenas por ser amado, mas também por estar amando. Sorria distraído quando a maldade se aproximou de si, esgueirando-se, rastejando. Ele não havia percebido que ela o espreitava feito uma cobra peçonhenta desde que ele adentrou a biblioteca.

"Oi, Black!" — chamou-lhe Emily Davies, monitora da Sonserina.

O rapaz, ouvindo o seu nome, virou-se e quando se deparou com a garota de cabelos muito negros e rosto entojado diante de si, instintivamente, guardou em seu bolso o que lhe era caro.

"Oi, Davies!" — retorquiu Sirius, lhe dando as costas e procurando descer as escadas.

"Espera! Quero falar com você..."

O grifinório se deteve um segundo.

"Não tenho nada pra falar com você, Davies..."

"Mas eu tenho algo pra te dizer..."

A garota, movendo o seu rabo de cavalo elegantemente, aproximou-se de Sirius. Aproximou-se demais. O rapaz, franzindo o cenho, deu um passo para trás.

"...Acho que podemos deixar aquele mal-entendido que aconteceu no Grande Salão pra trás e estabelecer alguma paz entre nós..."

Sirius sacudiu a cabeça.

"Você empurrou com força uma garota do primeiro ano e ameaçou o meu irmão. Seu amigo jogou um feitiço contra o Potter, tentando defender a sua mentira. Acha que quero fazer as pazes com você? Sinceramente, Davies, eu quero mais é que você vá para o inferno..."

A garota, parecendo afrontada por um segundo, recuperou o seu olhar confiante.

"Podemos encontrar uma forma de nos entendermos..."

Davies se aproximou mais de Sirius. Dessa vez, não somente chegou mais perto com o seu corpo, mas aproximou o seu rosto do rapaz de cabelos compridos. Ia beijá-lo.

Sirius desviou o rosto, a olhando com indignação.

"...O que foi? Não gosta mais de garotas, Black?" — indagou Davies com um sorriso debochado.

"Não chega perto de mim!"

"Por quê? Tá com medo de não conseguir resistir?"

"Não! Tô com medo de te empurrar se tentar me beijar de novo..."

A garota riu-se.

"Você sabia que eu conheço a Stephanie Taylor? Ela contou pra todas as garotas da Sonserina o que fez com você quando você tava no terceiro ano. Queria sair com uma garota mais velha, Black? A gente riu um bocado de como ela te torturava, tirando a calcinha para que a olhasse enquanto você batia punheta feito um idiota, não podendo tocar nela. Ela contou que você implorava sempre."

Sirius sentiu uma raiva subir em seu peito misturada a uma genuína vergonha. Stephanie Taylor fora uma ficante sua da época do terceiro ano. De fato, a garota o torturava de todas as formas possíveis, sem deixar que Sirius a tocasse. James havia o alertado na época que ele podia estar sendo feito de bobo pela Taylor e tal fato era confirmado agora pela Davies. A informação o irritou.

"...Quer que eu tire a minha calcinha pra você olhar pra mim, Black? Ainda gosta de se divertir assim? Eu deixo você me tocar..."

O rapaz de cabelos compridos, sentindo uma fúria o alcançar, deu as costas para a monitora sonserina e voltou a descer as escadas.

"Vai se ferrar, Davies!"

"É pra aquele mestiço da Grifinória que você bate punheta agora, não é? Não tem nojo de beijar alguém com sangue de merda?" — falou a garota com uma voz tranquila.

Quando Sirius girou em seus calcanhares, Davies sorria. Sirius sentiu a sua voz se elevar.

"Sangue de merda tem você, sua purista nojenta! Lava a sua boca de bosta pra falar do Remus!"

A garota colocou as mãos em sua cintura, parecendo se divertir com as ofensas de Black. Ela moveu o rosto como uma babá que censura um menino pequeno.

"Bingo! Gosta agora só de garotos, Sirius Black? Não tem vergonha de ficar beijando o mestiço na biblioteca e nas escadarias do castelo? Fiquei curiosa agora. O que viu nele?"

Sirius tinha a respiração pesada, arquejante.

"O nome dele não é mestiço! A nossa vida não diz respeito a você, mas só porque você tá curiosa eu vou te responder. Eu vejo nele tudo o que não vejo em você, Davies: coragem, bondade, generosidade. Eu vejo beleza! Mas pessoas como você, que vivem no esgoto, não sabem do que eu tô falando. Nem podem imaginar! Se você o ofender de novo, Davies, eu juro por Merlin que te mato!"

A garota pareceu hesitar, deixando os seus braços escorregarem da cintura até que pendessem ao seu lado. Sua expressão parecia revelar alguma insegurança.

Sirius, atordoado, desceu as escadas. Mas deparou-se com os Doyles que surgiam, vindo do vão escondido dos degraus mais abaixo. O rapaz de cabelos compridos recuou, sendo cercado pelos dois alunos e a Davies.

"Olá, Black! Quanto tempo desde a nossa última conversinha, não é mesmo...?" — falou Damon, sendo acompanhado por uma risada anasalada de Davos.

Aparentemente, aquilo era uma emboscada. Teria o trio combinado aquele embate quando viram Sirius entrar na biblioteca?

"...Eu e o meu irmão não podemos deixar de ouvir o seu papo com a Emily. Ela tava tentando te dar uma chance de entrar na linha, de se desculpar pela sua atitude daquele dia e é com essa grosseria que você responde? Que isso, Black?! Deixar de beijar uma garota linda como a nossa monitora pra beijar a boca de um sangue-ruim?"

Sirius falou entre dentes:

"Não chama ele de sangue-ruim!"

"Eu chamo ele do que eu quiser! Qual é, Black?! Eu não sou tão caridoso quanto a Emily. Eu não esqueço! Você achou que você e os seus amiguinhos fossem se pôr contra a gente daquele jeito no Salão Principal; sacanearem a Emily; colocarem a gente em detenção e... vida que segue? Acha que ficaríamos amigos e dançaríamos todos de mãos dadas em roda depois do que houve...? Tsc tsc, não é assim que funciona."

"O que diabos você quer, Damon?"

"Deixa eu pensar... Eu quero algo que possa te deixar tão puto, mas tão puto quanto a gente ficou naquele dia... Sabe, Black... Eu não sou tão radical em relação aos sangue-ruins. Eu não sou contra trepar com sangue-ruins pra descarregar a vontade. Só pra dar uma aliviada. Alguns até que são bonitinhos se a gente se esforçar pra esquecer que o sangue deles fede e que eles têm aquele cheiro nojento de trouxa. Claro que o intuito não é eles gostarem também. A intenção é a gente se divertir com eles e fazer o que tiver a fim de fazer, se é que você me entende. Acho que pra isso eles podem servir pra pessoas como nós."

Sirius sentiu o seu sangue gelar. Começava a antever coisas na fala de Damon. Subitamente, Black se sentiu desesperado para sair daquele lugar. Avançando, passou pelos gêmeos, esbarrando em seus ombros.

Damon insistiu.

"... Pra você tá tão cego de amores por ele, ele deve tá te chupando muito bem, não é, Black? Aquela putinha sangue-ruim do Lupin...!"

Sirius sentiu a sua vista ficar turva. Ouviu um zumbido em seu ouvido.

"... Talvez a gente faça ele chupar todo o sexto e sétimo ano da Sonserina pra ter certeza se ele é tão bom assim. Depois, a gente te devolve ele se você ainda o quiser."

Damon riu-se depois que o seu irmão sussurrou algo em seu ouvido. Falou então:

"Davos tá dizendo que prefere garotas, mas até que acha a sua namoradinha sangue de merda bem gostosinha. Ele tá perguntando se pode depois ficar com o sangue-ruim pra quando tiver vontade de trepar ou então, bater em um meio-trouxa nojento."

Black não se lembraria dos passos que deu e nem de como ignorou a varinha dentro das suas vestes. Não se recordaria da força que o levou a empurrar Davos no caminho e pular sobre Damon. Segurando-o pela gola das vestes, Sirius soube que encheu o punho e socou a cara do rapaz várias vezes. Soube que bateu com a cabeça dele também no chão. Soube que os punhos de Damon o alcançaram em algum momento e que, de algum lugar, Davos deve ter chutado as suas costelas.

Damon era fisicamente mais forte, mas Sirius sentia um ódio tão destrutivo que ele parecia uma besta enfurecida. O rapaz sentiu o sangue puro de Damon em sua mão e sentiu o seu sangue pingar do nariz. A raiva anestesiava a dor dos golpes que recebia e, naquele momento, Sirius Black sentiu uma genuína vontade de matar os Doyles.

Foram alguns alunos e a funcionária temporária que cuidava da biblioteca que, ouvindo os gritos de Emily Davies, vieram ao encontro dos três rapazes que se agrediam. Alguns alunos tentaram os separar. Sirius viu Remus perto de si.

Ele viu James também, subitamente, aparecer e tirar Davos de cima dele. Viu as Morganas, que pareciam ir para a biblioteca, gritando ao ver os garotos se atracando no chão. Viu Pettigrew disparar correndo e voltar acompanhado de Filch.

Sirius tentava se localizar naquele cenário em que um ódio absoluto o possuía e não conseguia pensar direito. Havia gritos e foi Remus o segurando que lhe trouxe alguma calma.

"SIRIUS, PARA! OLHA PRA MIM! PARA! JÁ CHEGA!" — pedia-o o rapaz de cabelos castanhos.

Black apontou para Damon com o dedo em riste.

"Se fizer o que disse, eu acabo com a sua raça, bruxo de merda!" — ameaçou-lhe o rapaz de cabelos compridos ensandecido, cuspindo no chão — "Eu mato todos vocês!"

James, que havia tirado Davos de cima de Sirius, segurava ainda o rapaz. Um aluno lufano segurava Damon.

"Vai se arrepender por isso, Black! Aqui pra você, seu bastardo! Vergonha da sua família!" — respondeu Damon, cuspindo também sangue no chão.

Os dois garotos pareciam querer partir um para cima do outro novamente e Filch não conseguia impor o respeito necessário aos dois rapazes. Surgiram então a Professora McGonagall acompanhada do Professor Slughorn.

"O que está acontecendo aqui?" — indagou a diretora da Grifinória, vendo o estado desgrenhado em que os alunos se encontravam.

As averiguações foram feitas imediatamente.

"O Damon ofendeu o sangue de um dos meus amigos!" — falou Sirius para a Professora McGonagall, não conseguindo verbalizar diante de todos as outras atrocidades que haviam sido faladas sobre Remus.

"Damon tava conversando normalmente com o Black e, do nada, ele surtou e começou a bater nele. Davos se meteu na briga para ajudar o irmão. Black que estava transtornado e parecia louco!" — falou Davies para o Professor Slughorn.

Depois, interrogaram os monitores grifinórios.

"Sirius estava há pouco comigo na biblioteca e estava tudo bem, Professora. Para ele se meter em briga, devem ter falado algo pra ele." — falou Remus, usando o seu lenço para estancar o sangue do nariz do rapaz de cabelos compridos.

"Eu tava chegando com as meninas, Potter e Pettigrew para estudarmos com o Remus na biblioteca. Ouvimos gritos e levamos um susto quando vimos os três brigando e rolando na escada. Potter correu pra tirar Damon de cima do Black, mas o Davos o atacou também. Davos também tava na briga! Não tentando apartar, mas chutando o Black. Eram dois contra um! Ele só parou quando Potter o segurou." — contou Parker, apontando o Doyle mais franzino que a olhava com ódio.

Sirius reparou naquele instante que o lábio inferior de James estava partido e dele, pingava sangue.

No fim, fora determinada a detenção naquela noite ainda para os Doyles e Black, pontos perdidos para as duas Casas e advertência para os três rapazes. Quando os diretores da Casa deixaram o recinto, Filch tentou dispersar os estudantes.

Damon, apontando o dedo para Parker, vociferou:

"Tô ficando de saco cheio também de você, sua linguaruda! Por que entregou o meu irmão? Vai se ver comigo!"

Parker levantou a voz:

"Não grita comigo, seu imbecil! Cuidado que sou monitora da Grifinória. Cavo mais uma detenção pra você, Doyle!"

O rapaz, enfurecido, parecia querer avançar para cima da garota do quinto ano e James o segurou.

"Me solta, Potter!" — e, olhando para Lily petrificada ao lado de Raven e Winnie, Damon falou, apontando o dedo para ela — "Segura a língua da sua amiga, Morgana! Senão já sabe!"

As quatro garotas se entreolharam assustadas. Lily empalideceu e saiu correndo, sem conseguir verbalizar uma resposta. As amigas foram atrás dela. Antes, porém, Parker vociferou:

"Vou arrumar outra detenção pra você hoje mesmo, Damon! Você me paga!"

James achou a cena estranhíssima. Por que Damon amedrontou Evans e por que ela pareceu tão assustada, sendo uma garota que não se intimidava facilmente? O que aquele "senão" queria dizer?

Sirius subia até o caminho da biblioteca porque Filch determinou que o grifinório é os sonserinos deviam ir cada um para um lado. Davies e os Doyles se preparavam para partir, descendo as escadas. Davos, no entanto, olhava insistentemente para Remus estancado o sangue de Sirius com a sua varinha. James, então, acompanhou o olhar do rapaz de cabelos cor de palha, intrigado, e, de pé ainda na escada, ouviu Damon murmurar:

"Black vai se ver com a gente! É por isso que os pais não gostam dele. Eu vou comer a putinha do Lupin com tanta força que ele vai ter que voltar se arrastando para a Sala Comunal da Grifinória. Quero ver o Black sofrer agora por esse sangue-ruim e quero muito ainda dar uma surra naquele filho da mãe. Black ainda vai implorar pra sair de Hogwarts!"

James ouviu. Não havia nada na fala de Damon que não fosse desprezível.

Sirius estava enlouquecido e aquela besta feroz dentro dele só seria desperta por uma ofensa muito grave. Como aquela! Ouvir Sirius e Remus serem ameaçados com um crime sexual terrível; escutar ofensas ao rapaz de cabelos castanhos e ao seu sangue; Black ser ameaçado de perder o lugar que mais amava no mundo... Tudo isso fez James sentir que as suas entranhas afundavam. O jovem viu a expressão de deboche de Damon quando ele se voltou para trás, cravando os seus olhos azuis na porta da biblioteca antes de encará-lo brevemente com o sorriso ainda deformando o seu rosto. O sonserino se regozijava, experimentando a sensação de colocar as suas palavras à prova.

Potter também sentiu a sua vista ficar turva e o zumbido no seu ouvido. Assim como Damon, Sirius também tinha um gêmeo com a aparência diferente de si estudando naquela Escola. Tinha um amigo que era como se fosse uma extensão sua. Os dois não estavam se falando, mas o silêncio nunca emparedara seus pensamentos e afeto um pelo outro. James, antes que percebesse claramente o que fazia, pulou em Damon que, de costas, afastava-se.

Potter usou o seu braço para bater a cabeça de Damon no chão com a mesma força que atirava a goles no campo de Quadribol. Davos pulou sobre ele e, em outra briga, os três rolaram pelo chão.

"Não fala assim dos meus amigos, seu filho da mãe!" —havia gritado James antes de partir para o ataque.

Sirius, ouvindo a algazarra, voltara correndo da biblioteca e se juntava à confusão, misturando-se novamente à briga. Assim como os dois rapazes podiam se conectar em uma cabine do Expresso, podiam se unir para dar uma surra nos Doyles e limparem os seus orgulhos grifinórios. Não importava o que eles tivessem dito para ele. Se James estava furioso batendo neles, estava com a razão.

Remus, que, como monitor, sentia que a coisa fugia de qualquer controle, usou um feitiço que havia lido sobre, mas nunca utilizara antes. Apontando a sua varinha entre uma brecha que se formou entre socos e pontapés, instaurou uma parede invisível. Quando o quarteto tentou novamente se atracar, esbarraram na parede. Remus estava perto o suficiente para ouvir o que Damon vociferava para James e Sirius. Felizmente, os outros alunos estavam longe e talvez não pudessem ouvir o som abafado pela parede mágica.

"Tá se doendo tanto por quê, Potter? Anda comendo o sangue-ruim também? Agora me lembro daquela brincadeira de vocês no Lago no ano passado. Como é que fazem? Vocês se revezam ou pulam os três juntos na mesma cama? Vocês dois são chupa-pau desse sangue de merda!"

Os três garotos se entreolharam com nervosismo.

Remus, enfurecendo-se um pouco também, usou outro feitiço sobre o qual lera e o qual não tinha a mínima ideia se poderia machucar Damon. Ademais, não se importava.

"Consuti oris!"

A boca do sonserino se colou e ele, imediatamente, parou de falar. Não era um feitiço forte como o lançado pela Professora McGonagall em que ele perderia a voz pelo tempo que Remus determinasse. Se Damon cutucasse os lábios ou os forçasse, removeria o feitiço. No entanto, foi importante silenciá-lo temporariamente.

Davos, tomando as dores do irmão, com a varinha, removeu a parede de Remus e o grifinório constatou que aquele feitiço estudado talvez precisasse de mais prática diante de um aluno avançado. O Doyle mais franzino apontou a varinha para o monitor grifinório e Remus, que era mais baixo, instintivamente, mirou não o outro rapaz, mas o chão, murmurando a palavra encantada Flagellum, que fez o seu feitiço ricochetear no piso e acertar em cheio o pulso de Davos.

Um corte profundo e vermelho se desenhou imediatamente no pulso pálido do sonserino ao mesmo tempo que a sua varinha foi atirada longe. Bufando ao verificar o ferimento em seu braço que chegara a rasgar a manga do seu uniforme, o rapaz avançou sobre Remus, empurrando-o contra a parede com violência.

Lupin viu aquele rosto comprido e com algumas espinhas emoldurado pelo cabelo cor de palha se aproximar. Viu Davos segurá-lo pela gola do uniforme e o fitar da mesma maneira invasiva que o observara na vez que o flagrara beijando Sirius. Remus não gostou de ser olhado assim. Davos sorriu com a boca ensanguentada, exalando um cheiro enjoativo de creme para barbear.

Sirius se aproximava para tirar Davos de cima de Remus, mas o rapaz de cabelos castanhos adiantou-se e, instintivamente, usou a sua varinha. Com ela em punho, apontou para o pescoço do Doyle, fazendo com que o rapaz erguesse o rosto e se afastasse. Com a articulação enrolada, Davos falou e Remus pode pela primeira vez ouvir a sua voz.

"Gossto quado resisste, maas va sse arrependê, Ssangui di merrda!"

Remus sentiu o hálito de Davos perto de si e, com raiva, retorquiu.

"Nunca mais encosta em mim e nos meus amigos! Nunca mais, tá entendendo?!"

A renovada confusão fora encerrada com o retorno dos diretores da Casa, perda de pontos e detenções.

No fim do dia, quando Remus, com a cabeça de Sirius apoiada em seu colo, fazia um curativo em seu rosto e James esperava a sua vez, o rapaz de cabelos castanhos exigiu detalhes sobre o que havia sido dito pelos Doyles. Lupin sabia que o seu nome e a relação com os amigos haviam sido pivôs na briga.

A princípio, Sirius e James permaneceram com vergonha de repetirem o que havia sido falado durante a briga. Os dois rapazes trocavam olhares e mantinham as suas cabeças baixas. Quando, pressionado por Remus, Sirius, finalmente, começou a falar com lágrimas de raiva, o rapaz de cabelos castanhos compreendeu a dimensão de seu constrangimento. Era raríssimo Black chorar, mas, naquele momento ele o fizera, tentando conter o seu choro de ódio ao esfregar os olhos. James contara também o que ouvira, sem conseguir erguer os olhos.

Remus pestanejou com uma expressão grave. Não só o seu sangue havia sido insultado, mas fora ameaçado e xingado. Sirius e James também haviam sido violados, sendo obrigados a ouvirem tantas coisas bárbaras em relação ao seu amigo. Foi de modo resoluto que Remus colocou a capa sobre os seus ombros.

"Vamos!"— determinou ele para Black e Potter.

"Pra onde, Remus?" — indagou Sirius.

"Falar com a Professora McGonagall e Dumbledore."

"E o que vamos dizer?"

"A verdade."— retorquiu Remus, abrindo a porta do dormitório após os outros dois rapazes vestirem também as suas capas.

Remus se recordou do Lobo no ano anterior se remexendo dentro dele. Expondo as gengivas e os caninos para os valentões que lhe chamavam de nomes, o Lobo sussurrava com a sua voz rouca: "Quanto mais consegue aguentar, garoto? É só me deixar arrancar o coração de cada um deles como se fossem bombons explosivos no jantar."

Talvez arrancar os corações dos Doyles fosse algo que a natureza humana de Remus não o permitia fazer. Mas havia algo simples que estava ao seu alcance. Fazia muito que o rapaz de cabelos castanhos não aguentava o modo como questionavam o seu sangue, a sua sexualidade, a sua inadequação, o quanto de dinheiro carregava em seus bolsos... Quantas vezes aquelas insinuações de que estava no lugar errado ou era completamente errado o perturbaram?

Bastava! Remus não devia ter aguentado tanto por querer passar desapercebido. Por desejar que a criatura das trevas dentro dele se mantivesse secreta. Se ele não agisse, aquela outra criatura sombria, a massa de ódio que as microssociedades cativam no silêncio iria engoli-lo. E nisso se incluía os Blacks com suas peneiras sanguíneas e hipócritas.

De alguma forma, o Lobo ainda estava lá.

Remus, Sirius e James procuraram, então, a Professora McGonagall em sua sala e os rapazes lhe contaram a verdade. E, com uma expressão gravíssima, a diretora da Grifinória levou em seguida os garotos à sala do Professor Dumbledore, disposta a frear os filhos intocáveis de uma família bruxa poderosa.

 

Chapter 4: Apartar

Summary:

Após muito tempo, Remus e o Lobo se veem.
Sirius precisa lidar com um antigo desafeto seu.
E os Doyles ganham um aliado importante.

Chapter Text

https://www.youtube.com/watch?v=syZBPsUp64s

 

Devido à seriedade das acusações de Remus, Sirius e James foi necessário que os garotos permitissem que Dumbledore inspecionasse, por meio da Penseira, as suas lembranças da conversa que tiveram com os Doyles antes de brigarem.

Com algum constrangimento, os três amigos concederam as suas recordações ao diretor de Hogwarts, que, após examiná-las, determinou, com gravidade, que providências deveriam ser tomadas. Ataques a nascidos-trouxas e mestiços não seriam tolerados em Hogwarts. Crimes de caráter sexual ou ameaças, tampouco.

Black, Lupin e Potter foram instruídos a retornarem para o dormitório. A retirada de pontos da Grifinória e detenções atribuídas foram retificadas. Antes de partir, no entanto, Remus se demorou, trocando algumas palavras com a Professora McGonagall em particular.

Quando se encontravam já em seu quarto, Pettigrew comentou:

"Dava tudo pra saber o que a McGonagall e o Dumbledore vão falar pra aqueles três!"

"Pensei em usar a Capa da Invisibilidade pra ir escutar a conversa, mas a sala do diretor fica fechada com senhas e feitiços avançados. Não conseguiria entrar lá, mesmo que quisesse..." — lamentou James, sentando-se no parapeito da janela e abrindo a vidraça. Com um truque simples de estalar os dedos, o rapaz acendeu o cigarro em sua boca, sem utilizar a varinha.

Sirius se sentou também no parapeito da janela e acendeu um dos seus cigarros que guardava agora em um estojo com o brasão dos Blacks afanado de sua própria casa. Ele imitou o movimento de James na hora de acendê-lo.

"Vamos descobrir de qualquer forma amanhã. Eu tô com tanta raiva daqueles três que, pra mim, seria o dia mais feliz da minha vida se soubesse que a Davies e os Doyles foram expulsos de Hogwarts!"

Remus se aproximou dos outros dois rapazes, dividindo o cigarro com Sirius.

"Gostaria muito de acreditar nisso, mas as famílias deles são influentes e possuem vínculos fortes no Ministério. De qualquer forma, Dumbledore se comprometeu a agir, então, pelo menos, penalizados eles serão..."

"Do que eles te chamaram afinal, Remus, fora a questão do sangue?" — indagou Pettigrew, tentando imitar, ao estalar os dedos, o feitiço com fogo feito por Potter e por Black.

Antes que o rapaz de cabelos castanhos respondesse, no entanto, Sirius se adiantou.

"De coisas que são melhores não serem repetidas! Já foi ruim o suficiente falar pra McGonagall, pro Slughorn e pro Dumbledore." — sentenciou Sirius, envolvendo a cintura do rapaz de cabelos castanhos e o puxando mais para perto de si de modo protetor.

Pettigrew, conseguindo finalmente imitar o feitiço dos amigos, tentava apagar o fogo agora, sem sucesso. No fim, ele sacudiu os dedos, chamuscando-os um pouco.

"Vi a Davies olhando para a mesa da Grifinória hoje de manhã. Acho que ela tava de olho no Sirius. Mas, daí, como olhar não é crime e quase todas as garotas dessa Escola olham pro Black, não achei que fosse nada demais..." — comentou Pettigrew, retirando do seu gaveteiro o pijama.

"Ela tentou me beijar. Me propôs fazermos as pazes assim antes dos Doyles me confrontarem."

Os três garotos olharam para Black enquanto ele soprava um anel de fumaça. Remus ergueu uma sobrancelha.

"Você não tinha mencionado essa parte antes... E o que você respondeu?"

"Que não, né, Remus!" — retorquiu Sirius, parecendo incomodado com a desconfiança do outro rapaz.

Pettigrew se deteve antes de entrar no banheiro, estalando a boca.

"Não acredito que você não beijou a gostosa da Davies, Black! Eu preferiria fazer as pazes com ela do que rolar com aqueles dois brutamontes dos Doyles escada abaixo..."

O rapaz bateu a porta atrás de si e Remus baixou os olhos, parecendo um pouco desconcertado. Sirius mencionou ainda outra informação como se pensasse alto. Como era sabido, ele queria que suas palavras alcançassem James.

"A Davies mencionou a Taylor. Stephanie Taylor da Sonserina... Ela não prestava mesmo... Acho que alguns alunos da Sonserina já riram muito às minhas custas. Espero poder rir amanhã às custas deles..." — sentenciou Sirius.

James ouviu as palavras do outro rapaz, tentando entender o seu sentido implícito. Recordou do que Sirius lhe contava sobre os encontros com a colega sonserina e de como achava que ele estava servindo de entretenimento nas mãos dela. Potter assentiu com a cabeça, lançando a Black um olhar de "Eu te avisei, espertalhão?".

"Qual é essa? Foram tantas..." — indagou Remus também soltando um anel de fumaça.

"Ninguém que valha a pena ser lembrada..."

Os três grifinórios se prepararam também para dormir, vestindo os seus pijamas após escovarem os dentes. Quando Remus já se encontrava na sua cama de cortinado, ouviu Sirius lhe chamando do lado de fora. O rapaz de cabelos castanhos, rapidamente, escondeu um documento que lia sob o travesseiro e moveu o tecido para que o rapaz entrasse.

Depois dos cuidados de Madame Pomfrey, o nariz e costelas de Sirius não estavam mais quebrados. Ele conservava somente um tom ligeiramente arroxeado em um dos olhos e um curativo sobre o outro olho havia sido colocado por Remus para fechar um corte mais fundo.

Sirius se sentou na cama de Lupin, observando rapidamente o mundo que o outro ocupava quando queria imergir em seus pensamentos. Havia mais mapas de astronomia pregados no teto do que no período do segundo ano, seguidos também de anotações de feitiços mais elaborados. A página de um estudo de licantropia com a imagem de um lobo uivando também havia sido colada lá. Rapidamente, Sirius sentiu o perfume do rapaz de cabelos castanhos invadi-lo.

"Como tá se sentindo?" — indagou Sirius, fazendo um carinho em seu cabelo.

"Com muita raiva, mas sobreviverei. E você?"

"Idem."

Sirius se deteve alguns segundos, antes de prosseguir.

"Remus, eu queria pedir desculpas pra você..."

O rapaz de cabelos castanhos fitou o outro sem entender. Baixando consideravelmente o tom de voz, Sirius prosseguiu.

"...Por ter te envolvido nessa situação! Eu só queria defender o meu irmão e a Olivia. Eu não pensei que fosse te trazer tantos problemas!"

Sirius parecia realmente pesaroso enquanto evitava olhar Remus. O rapaz de cabelos castanhos sacudiu o rosto e retorquiu, baixando também a voz.

"Não é assim que funciona, Sirius! O que tem a ver com você tem a ver comigo. Eu não me sinto mal por poder dar uma lição nos Doyles. E além disso..."

Aproximando-se mais do ouvido do outro rapaz, Remus cochichou, tocando com os lábios em sua orelha.

"...Não gosto que se envolva em brigas, mas obrigado por me defender..."

Sirius envolveu a cabeça do outro rapaz por alguns segundos com as mãos, fazendo com que seu rosto permanecesse próximo ao dele.

"Eu sempre vou te proteger, lobinho..."

Remus permaneceu muito quieto. Depois, fez uma careta ao se recordar da maneira que Davos Doyle o segurou pela gola, inspecionando o seu corpo com o olhar enquanto lhe sorria com a boca ensanguentada. De seu hálito, emanava um cheiro amadeirado familiar.

"Eu fiquei enojado com toda essa história."

Sirius assentiu, dando um beijo curto em Remus. O rapaz de cabelos castanhos estudou o namorado diante de si, ajustando os óculos sobre o nariz de um modo um tanto inseguro.

"Quando a Davies tentou te beijar, ficou com vontade de beijar ela?"

Black pareceu surpreso com a pergunta.

"Claro que não, Remus! Eu não tenho interesse nela!"

Remus esboçou um sorriso.

"Petttigrew disse que acha ela gostosa e que você é doido por rejeitá-la."

"Pfff, ele que fique com ela então." — e, curvando-se para sussurrar no ouvido de Remus, beijando a sua orelha a seguir, Sirius complementou — "Acho você mais gostoso do que ela, lobinho..."

Remus, fechando os olhos, deixou o outro rapaz estender a carícia até o seu pescoço.

"A propósito, eu fiquei muito feliz com o seu convite para irmos a um encontro... Acha que precisamos adiá-lo depois do que houve?"

Sirius ruborizou um pouco.

"De forma alguma! Não perderia isso por nada! Precisa me dizer onde quer que eu te leve..."

"Me leva a algum lugar que você ache que possa ser divertido. Você cuida da parte da manhã e eu cuido da parte depois do almoço. Podemos combinar assim?"

"Podemos fazer como preferir, lobinho." — assentiu Sirius, envolvendo Remus e beijando o outro rapaz.

Lupin freou as mãos afoitas de Black. Potter e Pettigrew estavam no quarto e qualquer intimidade ali era inadmissível. O rapaz de cabelos castanhos sentia que se não desse limite ao outro rapaz, a regra do dormitório seria esquecida por Sirius totalmente durante vários momentos do dia.

Black se limitou, então, a encostar a cabeça no ombro do outro rapaz, acariciando os botões do seu pijama como se lamentasse não poder abri-lo. Os dois garotos ouviram pouco depois o ruído de James saindo do banheiro e se movendo pelo dormitório.

Sirius se espreguiçou, então, jogando o corpo para trás e se esparramando um pouco mais na cama de Remus. Ele afofou os travesseiros e se virou ao constatar um envelope branco escondido.

"O que é isso?" — indagou ele, tomando em suas mãos o invólucro com o brasão de Hogwarts, olhando a frente e o verso.

Remus se adiantou, recuperando o envelope e o colocando atrás de si. Depois, ele ajustou os óculos no rosto com o seu tique característico.

"Não é nada demais! É só um documento da monitoria que preciso dar uma olhada."

Sirius reconheceu o ar um tanto ansioso de Remus e o interpelaria um pouco mais sobre aquele documento se a voz esganiçada de Pettigrew não chegasse aos seus ouvidos, após uma tossida forçada:

"Black, Lupin, vocês não tão se pegando aí dentro, não é? Lembrem-se de que nada de treparem no dormitório!"

Sirius girou os olhos nas órbitas e se levantou da cama de Remus, abrindo o cortinado e calçando os chinelos. Pettigrew tinha um ar zombeteiro e James olhava de soslaio na direção dos amigos.

"Não enche o saco, seu rato safado! Você tá parecendo um bruxo de cem anos e fofoqueiro! As pessoas não pensam só nisso!"

Pettigrew retorquiu, exibindo os seus dentes grandes.

"As pessoas SÓ pensam nisso, Black! E eu tecnicamente não posso ser um rato safado porque no treinamento de Animagus, eu vou de mal a pior..."

"Então, você é o bruxo fofoqueiro!"

"Tua mãe, Black!"

Sirius e Pettigrew começaram a discutir do lado de fora. No interior da sua cama de cortinado, Remus respirou aliviado e avaliou o documento que Sirius havia achado.

No papel que havia sido entregue por Parker no dia da festa do pijama, estava escrito:

INFRAÇÕES GRAVES COMETIDAS POR DAMON E DAVOS DOYLE DE 1969 A 1975 NA ESCOLA DE MAGIA E BRUXARIA DE HOGWARTS

Em letras miúdas, estava registrado o pior das atitudes dos gêmeos em Hogwarts. A agressão contra Sirius, James e Remus haviam aparecido escrito por meio de magia no último espaço em branco da página. Logo abaixo de nomes conhecidos que fizeram o rapaz de cabelos castanhos se sentir mal com a presença dos Doyles na Escola.

Falando, então, com aquela parte sua que se mantinha há meses em silêncio, Remus procurou o Lobo dentro de si por um hábito antigo e sussurrou:

"Agora sei que nem sempre era você que queria que algumas pessoas morressem. Acho que, no fim das contas, não somos tão diferentes assim, Lobo..."

Remus se permitiu afundar nos seus cobertores, após um quarto de hora quando as luzes do dormitório finalmente se apagaram. Antes, a sua concentração se deteve por alguns instantes na figura escura do Lobo uivando para a lua, pregada no teto da sua cama como algo nostálgico e tão pessoal como a própria carne.

O rapaz de cabelos castanhos murmurou, então, retirando os óculos de lentes grossas.

"Sinto a sua falta..."

Os olhos do grifinório se fecharam pesados, então, para se abrirem novamente em uma sala ampla de onde a luminosidade tremeluzente vinha unicamente do lustre aceso e da claridade da lua prateada que adentrava as portas francesas escancaradas. A friagem noturna do outono tomava todo o ambiente feito a névoa de uma floresta.

Remus caminhou descalço pelo carpete malcuidado e sua atenção se concentrou no estado lamentável das paredes arruinadas, da mobília e da chaise long com o estofado cortado em riscos transversais, expondo espuma e molas. Depois, ele olhou em direção à lareira apagada.

Sentado de costas, alguém aguardava naquela sala fria, afiando as unhas no braço da cadeira de estilo clássico, e arrancando lascas de madeira do móvel. Ao lado dos pés do visitante calçados em tênis escuros com a etiqueta do 'The Winner', uma mochila estava abandonada.

"Olá..." — chamou Remus, dando um passo à frente.

Não obtendo resposta, Remus fez uma segunda tentativa, mas ele se calou e prendeu a respiração quando uma outra figura rompeu pela sala com passos pesados e com os braços sujos de sangue até a altura dos cotovelos. Fenrir Greyback ostentava os seus cabelos desgrenhados e a expressão selvagem de sempre, mas algo nele inspirava algo próximo da preocupação. Seu olhar estava abatido.

A visita que esperava pelo licantropo caçado pelo Ministério da Magia em todo o Reino Unido se mexeu na cadeira. Depois, cruzou as pernas e acompanhou Fenrir, movendo um pouco o rosto. Finalmente, indagou:

"Como ela está?"

Remus franziu o cenho, percebendo o sotaque forte na voz masculina e jovem. Por cima do espaldar da cadeira, o cabelo comprido havia o feito acreditar que o visitante se tratava de uma mulher. Os pelos da sua nuca se arrepiaram, sentindo algo de familiar naquele tom de voz.

"Indo. Manteremos Hallow longe das vistas do Lorde até ela ficar forte de novo. A pedra quase a matou antes que eu a resgatasse..." — Fenrir ergueu as mãos ensanguentadas e continuou — "A Magia Negra a manteve viva. Felizmente, ela sabia o que fazer."

O rapaz permaneceu quieto por um tempo e perguntou, após respirar fundo:

"Sangue de unicórnios de novo?"

"Sei que não gosta disso, mas não havia outro jeito."

Houve um silêncio e o visitante de cabelos muito escuros voltou a arranhar o braço da cadeira com um tique das suas unhas.

Fenrir se aproximou do assento do rapaz e se inclinou sobre ele.

"...Espero que aquela maldita Escola de Bruxos do Brasil não o tenha deixado sentimental demais..."

"Não! Eu fiz uma escolha!"

Do lugar em que se encontrava, Remus pode ver o olhar duro de Fenrir examinando o jovem de cima a baixo. Ele apoiou as mãos ensanguentadas sobre as mãos do visitante e se inclinou um pouco mais sobre ele.

"Ótimo! Então, sabe o que tem que fazer!"

"Voltar para a mansão dos Meadowes e fingir obediência àquele nojento que diz ser um filantropo, mas gosta de foder bruxos menores de idade."

"Os sobrinhos dele vão te atrapalhar?"

"Não. O mais novo tá sendo cuidado por uma tia. E as meninas tão em Hogwarts e em Durmstrang."

"Ótimo!"

"E depois?"

Houve um silêncio entrecortado por duas respirações pesadas.

"E depois, poderemos varrer essa raça maldita de bruxos do nosso caminho."

Remus observou a mão ensanguentada de Fenrir acariciar os cabelos compridos do jovem, acobreando as mechas escuras. Com uma voz macia, o jovem perguntou com o seu sotaque muito marcado.

"Posso dormir em St. Claire hoje?"

"Tem certeza de que o desgraçado do Meadowes não vai suspeitar de você?"

O rapaz soltou uma risada divertida.

"Eu consigo enganar aquele idiota direitinho."

Havia uma estranha intimidade entre os dois homens e as mãos de Fenrir deslizaram pelo ombro do rapaz.

"Sim, quem poderia resistir a você?"

Então, com um movimento um tanto bruto, Fenrir se curvou ainda mais e beijou o outro na boca, segurando o queixo do jovem em direção ao seu.

Remus viu as carícias se intensificarem quando o rapaz puxou o cabelo de Fenrir. Então, o grifinório deu um passo para trás.

O rapaz de cabelos castanhos estava em um sonho novamente! Estava vendo o quartel dos lobos. Aquilo o afligiu.

Um rosnado ansioso chegou aos ouvidos de Remus e ele olhou para o canto. Somente naquele instante, ele percebeu a presença que o conectava àquilo tudo. Sentado como um cão obediente, o Lobo de Remus observava também a cena. Ele parecia um aluno aplicado assistindo a uma aula com suas pupilas amarelas se movendo lentamente e os pelos escuros brilhando sob a luz.

"Lobo!" — chamou-lhe Remus, mal podendo se conter de alegria.

Lentamente, a criatura das trevas moveu a sua cabeça estreita com o focinho comprido e falou do único modo que podia conversar com Remus. O rosnado silenciou qualquer outro pensamento e se elevou de um modo muito claro no centro da consciência do grifinório.

"Acorda, Remus! Não deve andar por aqui. Deixa que eu cuido de tudo, garoto! Vai embora!"

O rapaz de cabelos castanhos despertou como se sentisse que estava caindo da cama e abrindo os olhos, atordoado. O sol pálido adentrava o dormitório e os galos de Hagrid anunciavam a nova manhã, cantarolando nos terrenos ermos da Escola. Com a testa úmida, Remus levou a mão ao peito, sentindo o seu coração bater acelerado a ponto de fazer a sua caixa torácica doer.

 

 

Após a punição da diretoria, os Marotos descobriram que a Davies e os Doyles não haviam sido expulsos de Hogwarts, mas a monitora fora desligada de sua função; houvera significativas perdas de esmeraldas no contador da Sonserina; detenções até o final do mês agendadas para os três; passeio a Hogsmeade do fim de semana suspenso e havia sido estabelecido um feitiço sobre os três sonserinos que não permitia que eles se aproximassem a uma distância de três metros de Black, Lupin e Potter. Toda vez que os grifinórios passavam perto deles, eles eram empurrados para longe.

Sirius se divertiu muito com esse feitiço de proteção, indiferente aos olhares estuporantes de Damon, Davos e Emily. Se eles se divertiam humilhando os outros, era bom experimentarem um pouco do seu próprio veneno, pensava o grifinório. Além disso, Black havia conseguido interpelar finalmente Regulus e Olivia sobre a conduta dos sonserinos e os dois, com uma expressão disposta, garantiram-lhe que não estavam mais sendo importunados. Isso deixou Sirius ainda mais confiante das punições exercidas sobre o trio.

Remus e James, no entanto, espreitavam os seus desafetos da mesa da Grifinória, perguntando-se intimamente até quando eles se manteriam na linha.

"Acho que isso ainda não acabou." — disse James, limpando a lente dos seus óculos no suéter do uniforme.

"Quem bom que não sou só eu que pensa assim!" — respondeu Remus, bocejando.

James recolocou os óculos na vista e observou o amigo por um instante.

"Você tá bem?"

"Digamos que eu já estive melhor..."

"Tá chateado ainda pelo que aconteceu com os Doyles?"

Remus retirou do bolso um bombom, desembalou o papel prateado e jogou o chocolate dentro do café quente, adoçando-o.

"Não, não é isso. É que sonhei essa noite com o Lobo. Acho que Fenrir Greyback e alguém mais tavam lá também..."

James fitou o café que o amigo não costumava tomar e esperou que ele acabasse de bocejar para dizer:

"Você contou sobre isso para Madame Pomfrey?"

"Foi a primeira coisa que fiz de manhã. Mas não foi de muita ajuda porque eu já não me lembro bem do que aconteceu. Do que adianta ter esse tipo de sonho se eu não posso me lembrar dos detalhes?" — respondeu Remus, dando de ombros.

Na verdade, a única coisa boa daquela experiência maluca foi a emoção que Remus sentiu quando viu o Lobo. Ele ainda sentia o calor, a familiaridade e a proximidade da criatura das trevas e isso, de algum modo, o acalentou.

Remus remanchou um pouco para acabar o café, observando Sirius conversando com Regulus e Olivia na ponta da mesa da Sonserina, e obrigando Damon, Davos e Emily a ficarem de pé enquanto comiam para não serem atirados longe com o feitiço protetivo. Black tinha um jeito peculiar de se vingar.

Quando voltou a fitar James, Remus observou o amigo lendo um livro sobre a arte de Animagus enquanto um grupo de meninas cochichava e dava risinhos perto, olhando para ele.

Remus cruzou os braços e indicou com o queixo as quartanistas da Lufa-Lufa.

"Você anda muito calmo ultimamente, James Potter..."

James olhou na direção do grupo de garotas, sem muito interesse, e virou uma página do livro.

"Isso te incomoda?"

"Nem um pouco. Desde que esteja bem."

James estreitou os olhos, lendo uma informação no capítulo sobre como fixar a forma de Animagus.

"Tô mais preocupado com isso aqui." — disse ele, baixando consideravelmente a voz — "Não consigo entender porque a gente não tá conseguindo fazer o feitiço completo."

"Porque é uma magia complexa, James. Deve ter algo de que estamos nos esquecendo. E é bem ruim não poder perguntar isso a nenhum professor..."

Remus inclinou um pouco a cabeça, tentando enxergar o título do subcapítulo que o amigo lia quando um grupo de grifinórios do sétimo ano passou por seu lugar na mesa. Peter Olsen estava com eles e, com as mãos nos bolsos, virou-se para trás, dizendo com um sorriso largo:

"Bom dia, monitor Lupin..."

Remus respondeu de modo vago, mas Olsen continuou olhando para trás, milagrosamente não quebrando o pescoço.

Quando Remus voltou a sua atenção para James, o jovem de cabelos rebeldes o espreitava por sobre o livro com uma expressão interessada:

"Você tem chamado bastante a atenção. Acho que já pode fundar o seu fã-clube." — comentou James com uma sensação estranha, lembrando-se de sua mãe que naquela mesma mesa, no terceiro ano, havia profetizado que Lupin um dia quebraria corações.

"Que nada!" — respondeu Remus, dando de ombros — "Esse Peter Olsen é meio perturbado, isso sim! E ele fica me encarando o tempo todo!"

Contudo, era bem verdade que o rapaz de cabelos castanhos se sentia estranhamente um pouco mais confiante ultimamente, melhorando até a sua postura, segundo Sirius. Olsen não tirava os olhos dele e Remus refletia que se tivesse que enumerar uma única coisa boa da ausência do Lobo, era constatar que nem sempre quando atraía garotos era a criatura das trevas criando as suas faíscas. Então, assim como uma criança bruxa voa em sua primeira vassoura e grita, afoita, para os pais: "Olhem só, sem as mãos!", Remus olhava para si mesmo e pensava: "Vejam só, sem o Lobo!"

Infelizmente, a comemoração durava pouco e o grifinório sentia falta daquele lobo rabugento e trambiqueiro, que, nos seus piores dias, o mandaria para o inferno e num bom dia, diria que de todos os bruxos soltos no mundo, Fenrir Greyback havia mordido o mais parvo deles.

Remus sorriu com os seus pensamentos e o seu olhar se concentrou em James Potter que o encarava enquanto despenteava um pouco mais o cabelo. Do outro lado da mesa, ele parecia muito absorto em Remus e ruborizou um pouco quando o rapaz de cabelos castanhos indagou:

"O que foi?"

James sacudiu o rosto, desviando a sua atenção para o grupo das Morganas que chegava para o café da manhã no Grande Salão. Lily estava entre elas com os cabelos flamejantes cobrindo um pouco as faces sardentas feito um cortinado de cobre.

E, fixando o seu olhar na jovem, James Potter tentou se agarrar naquele ponto vermelho, sanguíneo para não voltar a olhar para Remus.

Durante a tarde, os alunos foram notificados dos dias das partidas de Quadribol. Grifinória e Corvinal iam abrir a temporada de jogos no sábado, seguidas pela Sonserina e Lufa-Lufa na semana seguinte.

De modo que, no sábado de manhã, os Marotos se sentaram juntos, vendo a algazarra que se instaurava no Grande Salão. O ambiente se coloria com bandeirinhas e adereços das cores vermelho e dourado e também, azul e bronze. Alunos trajando broches; chapéus e cachecóis com as cores das duas Casas circulavam, vez ou outra, assoprando cornetas e estourando tímpanos.

No ano anterior, a Corvinal, invicta, havia conquistado a Taça das Casas e a Grifinória permanecera em segundo lugar, mesmo se mantendo vencedora nas partidas subsequentes à sua derrota. A disputa entre as Casas era esperada, após a troca do Capitão da Grifinória e a entrada do reserva da artilharia Dempster no lugar de Longbottom. No time da Corvinal, também houvera uma mudança entre os jogadores, mas Michael Carlson, monitor de sua Casa, mantinha-se Capitão da equipe na agressiva posição de batedor.

O acidente de Sirius e a discussão dele com Carlson no ano anterior ainda eram vivos na memória dos alunos e acirrava os ânimos.

"Seus fodidos!" — gritou subitamente Pettigrew para um grupo de corvinos que soprou uma corneta forte ao seu lado e o assustou enquanto comia torrada com geleia.

Remus, trajando o seu cachecol com as cores da Grifinória, mexeu nos óculos, dizendo:

"Calma, Pettigrew!"

"Um caralho!"

"Você é bem boca suja, hein!" — comentou Regulus, se pendurando no espaldar da cadeira de Sirius, após ter ido se aprumar na mesa da Grifinória.

"Ah, é? O seu irmão, então, é um poeta!" — provocou Pettigrew.

Winnie, que havia vindo se sentar também ao lado dos colegas junto com as outras Morganas, disse, fitando a algazarra com preocupação:

"Apostei uma grana no time da Grifinória. São meus últimos galeões desde que gastei dinheiro no parque perto de Hogsmeade. Por favor, não percam!"

"A gente não vai perder, Winnie! Que parque é esse?" — indagou Sirius se servindo de cereal.

As meninas falaram para os Marotos que havia um parque trouxa itinerante perto de Hogsmeade e que Lily havia levado as amigas lá no último passeio. Winnie disse que gostara principalmente de brinquedos como a roda gigante e o carrossel e que, apesar de serem diferentes dos parques bruxos, divertira-se muito e que as máquinas trouxas pareciam magia. Remus ficou interessado e perguntou mais detalhes da atração.

"Comemos pipoca. É assim que se fala? E aquela outra comida... Como era o nome mesmo, Lily?" — falou Parker derramando suco de laranja em seu copo.

"Cachorro-quente?"

"Não, aquilo que parecia uma nuvem..."

"Algodão doce!"

"Isso! A gente tem que tentar fazer aquilo na próxima festa do pijama."

"Nunca fui a um parque trouxa e não conheço ninguém da minha turma que tenha ido. Os meus colegas são meio jecas." — disse Olivia Stone, testando seus óculos de sol em formato de coração e com as cores da Grifinória.

"Na Sonserina, ninguém gosta de trouxas!" — falou Pettigrew, espetando um garfo na sua salsicha.

"Não é bem assim." — disse Lily, levando a mão à boca. Ela estava sem aparelho, mas pelo visto, havia adquirido o hábito de cobrir o rosto ao falar — "O pai de Severus é trouxa e ele foi escolhido por Slytherin."

Olivia Stone moveu o seu rosto sardento, retirando os óculos e falando ao guardá-los na sua bolsinha tricotada de franja.

"Severus Snape? Ele anda com o Malfoy. Acho que eles são amigos e concordo que nem todos devam ter problemas com mestiços ou nascidos-trouxa na minha Casa."

Lily franziu o cenho, indagando:

"Severus e Malfoy têm andado juntos?"

Olivia assentiu, aceitando a tortinha de abóbora que Sirius partia ao meio e entregava a ela e ao irmão. Os elfos domésticos das cozinhas de Hogwarts haviam feito fornalhas e mais fornalhas de doces de confeitaria como um mimo para os alunos.

"Mas Bellatrix não gosta dele! Ouvi ela dizendo que o Snape é sonso e é pobre!" — complementou Regulus, após mastigar a massa doce com creme de abóbora.

Lily permaneceu muito quieta envolta em seus pensamentos.

"Ei, rapazes, ainda não recebi a escala do time da Grifinória para narrar o jogo de hoje. Em que posição vão jogar?" — perguntou Raven após um tempo, testando seus binóculos.

"Vou jogar na Artilharia!" — falou Sirius, rodeado por Regulus e Olivia como uma pata com os seus filhotes — "Quero ver como a Corvinal vai se sair sem a prima do Carlson na posição de apanhadora!"

Lily ergueu o rosto, trocando um olhar com Parker.

"A Rebbecca não vai jogar mesmo? Quando a visitei na enfermaria, ela disse que queria participar da partida..."

"Não." — disse James —"Depois que alguém azarou ela, o ombro dela foi deslocado e ela não tá conseguindo ainda voar pelo que nos contaram."

A notícia havia percorrido os alunos há mais de um mês. Rebbecca Liljeberg ficara acamada na ala hospitalar e o acidente, aparentemente, havia ocorrido em Hogsmeade por conta de algum veterano.

A expressão de Lily que já estava séria se tornou pesada, assim como a de Parker, Raven e Winnie. Remus, levantando o olhar do jornal, espreitou brevemente o ambiente e disse, trazendo alguma leveza:

"Mas Madame Pomfrey disse que ela vai ficar bem e que deve jogar na próxima partida. Madame Pomfrey nunca erra!"

Ao finalizarem o desjejum, Black e Potter se levantaram da mesa para se dirigirem ao vestiário. Remus fez um carinho na mão de Sirius, dizendo que os encontraria depois. As Morganas se direcionaram para as arquibancadas, mas Lily e Parker, ao verem Carlson se retirar também do Grande Salão foram conversar com ele algo em privado. James observou o monitor sussurrar algo no ouvido de Evans enquanto ela parecia olhar a multidão ao redor.

Chegando ao vestiário perto do campo, Sirius e James foram advertidos que deveriam retirar os seus uniformes de dentro do armário e se dirigirem para o vestiário da Corvinal. Aparentemente, Pirraça, o poltergeist de Hogwarts que se divertia atazanando um pouco a vida dos alunos e professores, havia quebrado os canos do local e inundara o banheiro de água. Alguns comentavam que Mary Macdonald havia dado uma dura feia em Pirraça e ele se vingara, destruindo o vestiário da Grifinória, o que foi confirmado quando os rapazes viram o fantasma sobrevoando uma pia quebrada, praguejando: — "Aquela necromante bobona! Quem ela pensa que é?!".

Madame Hooch, que encaminhou os jogadores para o vestiário do time adversário, lembrou a todos do espírito de Fair Play e que o imprevisto não era uma justificativa para os jogadores se agredirem dentro do local. Que deveriam guardar a sua ferocidade para o jogo que aconteceria logo mais.

Sirius sentia grande vontade de poder falar com James. A inundação e a alteração de vestiário pareciam não trazer bons presságios para a partida daquela manhã. Impossibilitado de discutir aquela questão com o seu amigo, o rapaz de cabelos compridos xingara algumas vezes, afundando o pé na água para pegar o seu uniforme e vassoura de dentro do armário e entrando no vestiário corvino, logo a seguir.

Bastou que Sirius adentrasse o lugar para se deparar com Michael Carlson, sem camisa, conversando com outro artilheiro do seu time. Sirius rolou os olhos dentro das órbitas com desagrado.

James, ignorando o rapaz sueco e, pegando um armário ao fundo do corredor, começou a trocar de roupa. Black também se despiu de suas vestes, fazendo questão de exibir as suas tatuagens.

Os jogadores da Grifinória não trocaram nenhuma palavra com o time adversário. Os corvinos, por sua vez, mantinham-se fechados conversando entre si. As garotas dos dois times não estavam presentes, visto que ocupavam os vestiários femininos do outro lado do estádio.

Sirius, apesar de saber que enfrentaria Michael Carlson na partida daquele sábado, tentara não pensar muito a respeito. Na última vez que a Grifinória jogara contra a Corvinal, o capitão do time adversário confessara, enquanto voavam, o seu interesse por Remus, confrontando Black e ocasionando, inclusive, a sua fratura, após uma queda de vassoura. Depois, o monitor investira ainda mais em Remus e o acabou conquistando.

Na época em que Remus havia namorado o monitor corvino, Sirius se sentia como se parte do seu mundo estivesse sendo levado embora. Talvez seu maior temor fosse que Carlson se tornasse o Amor de Remus e isso lhe causava um ciúme tão violento que seus destroços ainda o mordiam de vez em quando.

Black viu Michael Carlson cruzar a sua frente para pegar a vassoura em seu armário antes de bater a porta e sair. James também, terminando de se vestir, cruzara logo em seguida a porta do vestiário. Os outros corvinos, pouco a pouco, iam deixando o lugar, seguidos dos grifinórios. Sirius se viu sozinho e já ia pegar a sua vassoura depois de trocar de calçado quando olhou em direção à porta do armário de Carlson, que se abriu sozinha.

Demorou um tempo para que Sirius se percebesse na situação e identificasse nitidamente o rosto de Remus em uma foto. Aproximando-se, o rapaz viu naquela superfície plana, naquele recorte, o rapaz de cabelos castanhos sorrindo em um retrato seu. A imagem estava presa na parte interna da porta do armário de Carlson. Ao lado, um texto com a caligrafia inclinada de Remus fora colado.

Um pouco mais acima do pedaço de pergaminho, pregada também, havia uma sequência de fotografias 3x4 em que Remus e Carlson não se moviam. Sirius deduziu que essa imagem fora produzida por uma câmera trouxa. Em continuidade, nessas fotos pequenas, os dois sorriam para a foto; em seguida, faziam careta; depois, Carlson beijava o rosto de Remus; os dois se miravam e na última foto, os dois se beijavam.

Sirius sentiu as suas pernas fraquejarem um segundo. Sentiu o que sentira quando vira o corvino beijando a testa do rapaz na fonte da Escola no quarto ano; roubando um beijo seu antes do jogo da Corvinal contra a Lufa-lufa; tocando-o durante a noite em frente à entrada da Sala Comunal da Grifinória. Era um ciúme que não remexia somente a sua raiva. Remexia também a sua ferida.

Com a mão, Sirius tocou o rosto que se movia na fotografia diante de si e se arriscou a ler a caligrafia de Remus, que já lera tantas vezes em questionários e anotações de aula em que nenhuma gota do romantismo dos seus versos podia ser percebida.

 

 

Se por acaso me veres

próximo ao Lago congelado do inverno

na ponte com o carpete das folhas de outono

na grama ressecada do verão

ou contando as flores do freixo

Não desvia o olhar, meu Amor

Deixa que ele se demore em mim

Acostumando-te um pouco com o que antes não via

Descansa um pouco o teu olhar em mim

Encontrando a paz que teus dias em ti não te trazem

Se por acaso me veres

sob a luz da lua

ou sob a água da chuva

Deixa o teu olhar se demorar em mim

Antes que volte a olhar para o sol

Deixa o teu olhar me ver

Porque, talvez, enxergue

Que existe beleza também nas coisas invisíveis

E que o Amor também é invisível

Mas a tudo toca

Assim como o meu olhar te toca

Quando tu buscas o amor

Em todos os corpos

Menos no Lago congelado,

Menos na ponte com folhas,

Menos na grama seca,

ou no freixo florido

Menos sob a luz do luar

ou sob a água da chuva

Menos em mim

Que sou invisível

Feito o Amor

R.J.L.

 

Sirius sentiu seus olhos arderem sem que conseguisse impedir seus sentimentos de o alcançarem. Lembrou-se de todas as vezes que Remus confessou se sentir insignificante para os Marotos. De quando ele havia beijado garotas ou James diante do rapaz de cabelos castanhos, realmente, sem conseguir enxergar a dimensão do sofrimento que causava nele. Lembrou-se dele e de Potter contando as suas aventuras amorosas no dormitório enquanto Lupin, quando indagado, mexia nos óculos, dizendo: "Não sou popular como vocês" ou "Ninguém nunca me convidou pra sair".

Black havia sentido ciúmes quando vira o rapaz com Carlson, mas quantas vezes Remus havia aguentado calado a sua própria dor, trancando-se em bibliotecas; no cortinado de sua cama; permanecendo sozinho olhando o Lago congelado; na ponte; deitado sobre o gramado num dia de sol ou meditando sozinho próximo ao freixo da Escola, parecendo sempre tão distante e incompreensível para os seus amigos.

Sirius levou rapidamente a mão aos olhos quando ouviu um ruído na porta do vestiário. Michael Carlson voltava e, parando agora diante do rapaz de cabelos compridos, olhava da porta do seu armário aberta para ele.

"Tá mexendo nas minhas coisas, Black?" — indagou o corvino, parecendo bastante desconfortável e se adiantando para fechar a porta do armário.

Os dois garotos se olhavam e Sirius tentou se explicar.

"Não mexi em nada seu. O armário abriu sozinho e vi a foto do Remus pregada na porta. Não pude deixar de ver. Desculpa."

Talvez tenham sido os olhos vermelhos de Sirius e o constrangimento de Carlson que tenham dissolvido um pouco a animosidade entre aqueles dois rapazes que se detestavam. Carlson, meio que timidamente, abriu novamente a porta do seu armário.

"Eu não devia mais ter as fotos dele aqui, mas ainda não consegui guardar essas no fundo do malão. Me trazem muitas lembranças boas. Olhar pra elas me acalmam..."

Sirius moveu a cabeça, assentindo. Subitamente, ele percebia que invadira não somente o passado de Remus, mas do rapaz diante de si que se acostumara a ver como o seu arqui-inimigo.

"Tudo bem, Carlson. Não me deve explicação alguma..."

No entanto, parecendo querer se explicar ainda, o rapaz prosseguiu.

"Remus terminou comigo. Eu sei que vocês dois tão juntos. Ele me contou tudo e confessou que estiveram juntos quando a gente deu um tempo. Ele me ofereceu a amizade dele, mas eu disse que precisava me afastar totalmente para esquecê-lo... Só que tá demorando um pouco mais do que imaginei que demoraria."

Sirius moveu a cabeça, sentindo que observava algo demasiadamente íntimo e que não lhe pertencia.

"Certo... Não precisa se explicar mesmo, Carlson..." — retorquiu o rapaz, desejando deixar o vestiário urgentemente.

Sirius já se movia em direção à porta quando o rapaz corvino voltou a falar.

"Eu acho que sempre soube que ele gostava de você, Black! No início, fiquei em dúvida se era de você ou do Potter que ele gostava. O modo como ele defendia vocês dois de qualquer crítica ou comentário que eu fizesse, o modo como ele sempre tentava entender o lado de vocês dois..., mas quando vi a forma como ele te olhava, tive certeza! Era óbvio, não era?"

Black permaneceu calado, fitando o outro rapaz. Não, para ele nunca havia sido óbvio. Talvez para o mundo inteiro fosse, mas para Sirius não. Carlson continuou:

"O irônico disso tudo é que eu notei o Remus de verdade na festa de despedida dos intercambistas em abril e depois, após aquela brincadeira idiota que você e o Potter fizeram no Lago, beijando ele na frente de todo mundo. Eu, a princípio, pensei só em acenar pra ele, dizer que eu também gostava de garotos, que ele não estava sozinho em Hogwarts se esse fosse o caso dele e que tava tudo bem." — Carlson respirou fundo, ganhando fôlego — "Mas, quando comecei a olhar pra ele, não consegui mais parar de olhar. Ele parecia tão corajoso, lidando com aquilo tudo sozinho que eu quis chamá-lo pra sair, quis conhecê-lo melhor. Quando voltei de Hogsmeade do nosso primeiro encontro, tive certeza de que tava gostando dele... O que eu quero dizer é... Porra, Black, como não pode enxergar o Remus antes de mim?! Vocês eram, tipo, melhores amigos... Como não pode notar o quão ele era especial?"

Sirius remoeu um sentimento amargo feito bile dentro de si.

O rapaz corvino se adiantou, abrindo mais a porta do armário e apontando a foto bruxa em que Remus sorria.

"Esta aqui, eu pedi que ele me desse do álbum dele. Ele ficou com vergonha de me dar a foto e precisei insistir bastante. Acredita que ele não se acha bonito?!" — depois, apontou para as fotos 3x4 trouxas — "Essas foram das férias de verão. Remus tinha curiosidade de fazer programas trouxas. Essa foi a época em que a gente tava bem, realmente bem. Ele costumava mandar uma coruja antes do fim de semana e dizia: 'Mike, se não tiver enjoado ainda dos programas trouxas, tem um lugar que podemos ir! Tenho uma surpresa pra você!'... Eu achava ele tão bonitinho! Eu não conhecia muito das diversões trouxas, mas ele falava com tanto entusiasmo que eu ficava curioso pra ir. Acabava sendo divertido. Era importante pra ele."

O rapaz de cabelos compridos respirou fundo antes que se propusesse a falar.

"Eu senti muito ciúme dele enquanto vocês tavam namorando. Eu te odiei, Carlson! Morri de medo! Acho que ainda tenho ciúme..."

O rapaz corvino franziu o cenho.

"Está com ele agora... Remus chorou muito no término e disse que entenderia se eu o odiasse, que não era justo o que havia feito comigo e que sentia vergonha das atitudes dele. Eu fiquei muito chateado uns dias, mas passou... Ele nunca disse que era apaixonado por mim e eu percebia um distanciamento nele. Acho que eu também quis me iludir, achando que o faria se apaixonar por mim..."

Sirius fungou. Carlson olhou a foto de Remus que ainda sorria e disse, mirando a seguir o outro rapaz de um modo significativo:

"Você precisa cuidar dele, Black! Sabe disso, não é? Ele é especial! Precisa cuidar dele aqui em Hogwarts!"

Os garotos se fitaram um instante antes que batidas na porta do vestiário fossem ouvidas. Madame Hooch os chamava.

"Black, Carlson, dez minutos para o início da partida! Os outros jogadores já foram para o campo. Espero que não estejam se matando aí dentro!"

"Certo, professora, estou indo!" — retorquiu Carlson, enxugando algo em seus olhos antes de pegar os óculos do uniforme que esquecera no seu armário e que o fizera retornar ao vestiário.

Sirius, meio atordoado ainda, tomou a sua vassoura para deixar o local. Aproximava-se da porta quando Carlson o interrompeu novamente.

"Espera, Black!" — chamou-lhe o corvino enquanto despregava o pedaço de pergaminho da porta do seu armário— "Acho que isso é seu!"

Estendeu-o a Sirius, dizendo:

"...Pedi pro Remus me mostrar um dia o que tanto ele escrevia. Eu li e achei bonito, mesmo ele dizendo que eram só bobagens. Acho que era importante pra ele ouvir o quão profundo isso tudo era... Mas acho que era pra você que ele escrevia!"

Sirius pegou o pergaminho em sua mão, sentindo que não conseguiria segurar seus sentimentos por muito tempo.

"Faz ele feliz, Black!" — disse-lhe, então, resoluto, o rapaz corvino partindo e batendo a porta atrás de si.

Sirius releu o texto novamente. Guardando o pergaminho dobrado no bolso das suas vestes, ele enxugou os olhos antes de deixar o banheiro.

O grifinório subia o gramado quando ouviu a voz de Remus o chamando. O rapaz de cabelos castanhos estava sentado em uma mureta de pedra próxima a algumas árvores. O mesmo local que esperava sempre ele e Potter quando iam jogar Quadribol para lhes dizer palavras de incentivo e desejar "boa sorte".

Remus caminhou em direção a Sirius e o rapaz de cabelos compridos viu o vento com a garoa da manhã mover os seus cabelos, o seu cachecol. Viu-o se aproximar sorrindo. Os dois se olharam por alguns segundos. Talvez, percebendo os olhos vermelhos de Sirius, Lupin se alarmou.

"Tá tudo bem?"

Black o abraçou, então, puxando-o próximo ao seu peito. Beijou a sua cabeça e, em silêncio, manteve-se assim por incontáveis segundos. Remus abraçou o rapaz de volta, ouvindo-o fungar. Aturdido, o rapaz de cabelos castanhos arriscou-se a olhar o outro. Sirius, então, se manteve em silêncio o fitando. Parecia estudar o rosto de Remus entre as suas mãos.

"O que tá olhando, Sirius?"

"Eu tô olhando você, Remus. Você, meu Amor. Eu enxergo você."

Black o beijou e Lupin se perguntou se o fato de alguém os ver não incomodaria o outro rapaz.

Sirius não se importava. Após partir o beijo, abraçou novamente Remus e, segurando a sua mão, caminhou com ele até o estádio.

Parecendo um pouco confuso ainda, Remus desejou boa sorte a Sirius quando Madame Hooch disse que o grifinório deveria seguir para as arquibancadas.

Black se posicionou, então, junto ao seu time. Montou em sua vassoura e esperou que a voz de Raven, que já iniciara a narração do jogo, anunciasse os nomes dos jogadores da Grifinória. Ao seu lado, Wood se mantinha concentrado. James, no entanto, olhou Sirius por alguns segundos. Talvez, ele tivesse percebido os olhos vermelhos do seu amigo, que não falava com ele, mas ainda era o seu amigo.

Nas arquibancadas, as torcidas começavam a gritar consoante ao rugido do leão e o grasnar dos corvos entoados com magia. O chão tremia enquanto os alunos das Casas de Godric Gryffindor e Rowena Ravenclaw batiam com força os seus pés no chão, arrepiando, como sempre faziam, os jogadores que sentiam a adrenalina da disputa em cada célula e fibra dos seus corpos.

 

 

A vitória da Grifinória veio após mais de uma hora e meia de jogo com James Potter alcançando o pomo de ouro antes que o jogador substituto de Rebbecca o fizesse. Nesse meio tempo, a artilharia havia se mantido equilibrada e, apesar de não se falarem ainda, Sirius e James fizeram uma dobradinha impecável em campo como se nada entre eles estivesse estremecido.

A arquibancada da Casa de Gryffindor estourou em comemoração com Remus, Pettigrew e as Morganas gritando. Regulus e Olivia, que haviam acompanhado o jogo, pulavam em seus assentos em meio aos rugidos de leão da Casa na qual eram visitantes vestindo verde e prata.

Finalizada a partida em campo, os jogadores dos dois times se cumprimentaram e Black e Carlson apertaram as suas mãos com respeito, muito diferente da última partida em que pareciam querer quebrar os dedos um do outro. Com as emoções exaltadas, os dois rapazes haviam entrado em campo e, como os bons jogadores que eram, conseguiram manter as suas cabeças frias durante a partida. Os dois nunca seriam grandes amigos certamente, mas talvez não fossem mais inimigos. Eles queriam bem a uma pessoa em comum e isso zerava os rancores.

A Torre da Grifinória se coloriu com serpentinas douradas e as festividades atravessaram madrugada a dentro. No meio da comemoração, Nick-Quase-Sem-Cabeça se aproximou de Mary MacDonald que bebia uma caneca de cerveja amanteigada com os seus colegas do quarto ano e pediu que ela fosse acalmar Pirraça na Torre de Astronomia, antes que o Barão Sangrento intervisse. A menina, passando a mão por seus cabelos crespos e longos, se levantou e deixou a Sala Comunal um tanto aborrecida.

Momentos depois, ela voltou sendo seguida pelo poltergeist que se posicionou na lareira, fitando a quartanista com olhos injetados e magoados ao sacudir os pés. Sua passividade durou apenas alguns minutos, antes que ele surtasse novamente e começasse a atirar objetos pela Sala Comunal e nos alunos.

Enquanto usava uma bandeja de prata para se proteger de uma garrafa de cerveja amanteigada atirada, Pettigrew esbravejou:

"Qual é o problema desse fantasma de merda?!"

Remus havia conjurado um escudo em torno de sua mesa e ajustou os óculos, vendo Mary correr na direção do poltergeist e os dois começarem a discutir antes que a festa fosse encerrada.

"Por que tá fazendo isso com você mesmo?" — interpelava-o Mary.

"Por que tá fazendo isso com você mesmo?" — emendava-a o fantasma com uma careta.

Era desgastante. Muitos viam Pirraça como o espírito de uma criança que morrera prematuramente e que gostava de pentelhar os alunos e professores em Hogwarts. Mas ninguém sabia muito bem há quanto tempo ele estava no castelo, sendo os seus acessos de raiva tão devastadores quanto o seu senso de diversão. Mary MacDonald interagia com ele como interagia com os outros fantasmas de um modo diferente. Aquilo era parte de seu dom. Mas de uns tempos para cá, Pirraça parecia sempre querer chamar a atenção da quartanista cuja paciência, com razão, se esvaía.

Pensando bem, havia algo de assustador no espírito morto de uma criança com roupas coloridas de guinzo tilintando, querendo brincar eternamente e vendo outras crianças crescerem e partirem século após século. Como ele havia morrido afinal?

 

 

Os Marotos foram dormir depois das uma da manhã, mas, independentemente disso, Remus e Sirius acordaram cedo para o passeio a Hogsmeade.

Eles tomaram café junto dos outros alunos e se arrumaram um pouco longe um da vista do outro, a fim de manterem o mistério que um encontro envolvia. Os dois rapazes haviam combinado de se encontrarem diante do freixo do pátio às nove. Sirius, chegando dez minutos antes, consultava o seu relógio a cada minuto. Outras vezes, ele olhava a foto em sua carteira. Ele se sentia nervoso com um novo sentimento em sua garganta.

Remus se atrasou um pouco porque voltara para buscar algo em sua escrivaninha no dormitório. Antes de descer, no entanto, ele ergueu a vista para o teto da sua cama de dosséis e cortinado. Rabiscado com a sua letra inclinada, ao lado da imagem do lobo, estava escrito as palavras "PARA SEMPRE", assim como as Morganas tinham tatuadas no corpo o seu contrato silencioso de amizade.

Naquela noite, Remus havia sonhado com o Lobo somente e seu coração se acelerou em uma euforia dolorida. O grifinório se viu em um dia de sol forte na ponte de Hogwarts, caminhando em direção à criatura das trevas que se voltou para ele como se o esperasse para um encontro marcado.

Com dedos ansiosos, Remus tocou o pelo macio do animal que baixou a cabeça suavemente, permitindo-se ser acariciado. Olhos amarelos se fincaram em pupilas canídeas e, quando Remus abraçou o Lobo, sentiu os seus corações colidirem, batendo do único modo que era possível: em uníssono. As sombras progressivamente devoraram o céu, as árvores e a claridade alva de Hogwarts, atirando-os à escuridão que era indissolúvel em um licantropo. Os dois respiraram aliviados no conforto daquele amplexo.

O rapaz de cabelos castanhos acordou com lágrimas nos olhos, tendo a mão em seu peito. Ele ainda se lembrava da respiração pesada do Lobo em seu ouvido e da sensação de tê-lo em seus braços.

De modo que, de manhã, Remus se colocou de pé na sua cama e escreveu o 'PARA SEMPRE' na página que colara ali com a imagem de um lobo. Pouco importava se ele e o Lobo não se falavam ou se não se viam com a constância de sempre. Ele ainda estava lá.

Não houvera uma declaração clara da criatura das trevas, respondendo aos apelos de um adolescente emocionado porque o Lobo era o que era. Mas estar lá era o suficiente. Ainda que hibernando, ele descansava na carne, no sangue e nos ossos de Remus com a sua simplicidade complexa. Em seu inconsciente, alma e magia. E isso era íntimo e precioso. Secreto e misterioso. Inteiro e selvagem. Remus estava inteiro. E estaria pronto quando ele voltasse. Esperar era ainda estar junto.

 

 

O sonho que não se desvaneceu preencheu o rapaz de cabelos castanhos com uma energia renovada. Ele olhou no espelho e sorriu antes de partir.

Enquanto descia as escadas do dormitório, apressado, Peter Olsen, da Grifinória, assoviou quando ele passou e tentou engatar em uma conversa com ele, sem sucesso.

O rapaz de cabelos castanhos sentiu o seu coração acelerar quando viu Sirius, de pé, próximo à árvore do pátio. Quantas vezes ele não havia desejado aquele momento?

Com o rosto um pouco ruborizado, Remus caminhou na direção de Sirius, que, por sua vez, tinha o rosto ainda mais vermelho. Black estava com o cabelo preso em um meio rabo e usava um terno trouxa escuro bem alinhado. Ainda tinha o piercing em sua sobrancelha, mas a elegância de suas roupas o fazia parecer um adulto e não um estudante. Remus usava roupas trouxas também e trajava o seu casaco e cachecol novos. Diferente de Sirius, os tons das suas vestes eram branco e creme. Os dois se fitaram por alguns segundos, parecendo admirar as imagens que viam.

"Bonito... Está bem bonito, Remus..." — elogiou-o Sirius, ruborizando um pouco mais.

"Você também está bem, Sirius... Muito bem." — sorriu Remus, parecendo tímido.

O rapaz de cabelos compridos se curvou para beijar o rosto diante de si, dando a sua mão para que o outro rapaz a segurasse. Ele sentiu, ao se aproximar de Remus, o seu perfume e, imediatamente, Sirius se sentiu feliz pelo dia que teriam pela frente.

Os garotos soltaram as suas mãos quando caminharam junto da massa de alunos, descendo os gramados da Escola. Algumas vezes, os dois jovens entrelaçavam os seus mindinhos e sorriam enquanto, com muita naturalidade, conversavam um com o outro.

Muitas garotas olhavam em direção a Sirius e o rapaz de cabelos castanhos sabia o impacto que ele causava sobre elas. Cochichando entre si, as garotas viravam o pescoço para olhá-lo com uma expressão de adoração. Talvez não percebessem que ele estava em um encontro com Remus por verem os dois rapazes desde o primeiro ano andando juntos.

Black passou o braço pelo pescoço de Lupin, divertindo-se com aquela nova intimidade, aquela felicidade de se sentir como um adolescente de dezesseis anos vivendo o frescor da sua idade. Os dois grifinórios riram, passando por um dos postes com luminárias que ficavam diante dos portões da Escola. Uma coruja estava empoleirada em uma das hastes de madeira que indicava Hogsmeade. Abaixo, um cartaz com a foto de Darci Tyrone desaparecido há meses se movia com as cores desbotadas, opacas observando os alunos passarem por ele em alegria indiferente.

Alguns cartazes de Tyrone já haviam sido substituídos por informativos da região ou haviam voado em meio à ventania dos dias de chuva para algum lugar distante. Darci Tyrone seguia desaparecido e, em meio aos esforços dos seus pais e das autoridades para encontrá-lo, o mundo do qual ele não fazia mais parte ia se esquecendo dele mais e mais.

Sirius e Remus seguiram a trilha com algumas pedras soltas e não perceberam a figura sombria que os espreitava de uma das torres norte da Escola. Severus Snape estreitou o olhar, observando os dois rapazes entrelaçarem os seus dedos discretamente e os acompanhou até que sumissem na massa de alunos.

Snape estava muito aborrecido. Na verdade, ele estava bem puto. No dia anterior, os Marotos haviam jogado um feitiço de fogo nele como retaliação pelo Sectumsempra. Potter era o cabeça da vingança, mas Black se mantivera ao lado dele dando cobertura enquanto Pettigrew se divertia com risadas esganiçadas.

Isso só se somava aos outros problemas que se empilhavam nos dias do rapaz, mas, sem dúvida, a sua vida sem os Marotos seria melhor, acreditava o sonserino. Para ele, o maior problema era eles.

Snape havia desistido do passeio a Hogmeade, perdendo a vontade de deixar o castelo. Havia muitas matérias para estudar, apesar de a sua concentração estar dispersa ultimamente. Além disso, um fato havia deixado o rapaz intrigado.

Mais cedo, no Grande Salão, Severus observou Potter conversando com Lily e as amigas dela. Ele estava sentado de costas, apoiando os cotovelos na mesa da Grifinória com o seu jeito libertino e relaxado, um pouco inclinado para trás. Lily sorria e isso chateou Snape. O sonserino tentou, então, adentrar um pouco a mente do grifinório com o seu poder de Legilimência. Ele precisava saber o que estava acontecendo entre os dois.

Havia algo de viciante em se poder descobrir coisas sobre as pessoas invadindo as mentes delas. Snape sabia que era errado, mas não se esforçou para resistir ao impulso. A sua vontade de estar um passo à frente de Potter sempre falava mais alto.

Ele podia ler claramente a atração de James por Lily como um sussurro insistente, o olhar do rapaz grudado em seus cabelos cor de bronze e em sua silhueta um pouco distante. Ele gostava da covinha que se formava em um canto da bochecha da menina.

"Gosto do perfume da Evans. Gosto dos olhos dela e de como ela sorri. Mas por que o sorriso dela parece sempre tão triste?"

Severus engoliu em seco. Potter estava gostando de Lily? Da sua Lily?

Os pensamentos de James, no entanto, se desviaram quando Remus cruzou o Grande Salão indo para o pátio. Nesse instante, o olhar de James escorregou do rosto sardento de Lily e se grudou na imagem clara de Lupin partindo. E as lembranças surgiram como o afluente de um rio primeiramente até se tornarem uma torrente levando os pensamentos serenos embora feito destroços. Severus viu James beijando Remus e, depois, beijando Sirius em uma mesma cama.

A lembrança pegou Snape tão de surpresa que ele deixou cair o garfo da sua mão, estando de boca aberta.

Aquilo havia acontecido mesmo? A pele de James Potter se aqueceu e o sorriso confiante em seu rosto vacilou, antes que ele se forçasse novamente a olhar para Evans e Remus desaparecesse.

"Sinto falta de vocês, Remus e Sirius." — murmurou o coração de James Potter enquanto o rapaz ria de alguma piada de Parker na qual ele não havia prestado realmente atenção.

Severus olhou o seu entorno em um sobressalto como alguém que vê algo inusitado e procura apoio de outras pessoas ao redor. Mas não havia ninguém. Só ele podia ver a mente de James Potter. Ele tinha a boca escancarada ainda quando o seu olhar cruzou com o do grifinório.

Ainda sentado com o seu jeito relaxado e confiante, James fitou o sonserino, erguendo as sobrancelhas e fazendo um movimento com as mãos, como se perguntasse: "Tá me achando bonito, Ranhoso?".

E até aquele gesto debochado, James performava com o seu jeito que cativava as meninas. Havia uma sedução natural nos seus trejeitos como se ele tentasse conquistar todos ao redor com qualquer movimento natural do seu corpo. Severus sacudiu o rosto e juntou o garfo do chão. James Potter era estranho pra cacete, assim como os seus amigos delinquentes.

Então, ele, Black e Lupin tinham aquele tipo de relação? Lupin também fazia parte disso? Snape sacudiu o rosto, largando o garfo na mesa com mau-humor. Ele sentiu um pouco de nojo de Remus pela primeira vez. Ele era o petisco dos bullers?

E Lily? Ela mantinha alguma distância de James Potter, mas parecia muito mais próxima dele do que jamais esteve. Até mesmo a amiga genial de Snape era vulnerável ao charme de James Potter? Se ela não tomasse cuidado, o grifinório ia quebrar o coração dela como fazia com quem cruzasse o seu caminho.

Depois do café da manhã, Severus remoeu a sua raiva na torre norte por bastante tempo e partiu, arrastando-a consigo até a Sala Comunal da sua Casa como uma bagagem pesada e, ao mesmo tempo, confortável. O rapaz de cabelos negros, ao se encontrar no ambiente de luz relaxante e tons verdes que tanto apreciava, sentou-se próximo à lareira com o seu livro de Poções. Quase uma hora depois, ele viu Lucius Malfoy; Damon e Davos Doyle; Emily Davies; Bellatrix Black e Walden Macnair se reunirem em uma mesa próxima para conversarem aos cochichos.

Aparentemente, a proibição dos Doyles e da Davies de deixarem o castelo como punição inspirou outros colegas a permanecerem na Escola. Severus trocou um olhar com Malfoy e desviou a sua atenção. Ele havia afastado o veterano no dia anterior, após dormirem juntos algumas boas vezes. Severus virou a página do seu livro, focando as intrincadas fórmulas, mas apurou os ouvidos quando entreouviu um pouco do conteúdo da conversa.

Manuseando, então, discretamente a sua varinha, Snape sussurrou Maximum Auditus, ampliando a sua audição em direção aos colegas. Aquele era um feitiço bastante útil ensinado por Eileen quando queria verificar se Tobias, ao subir a rua da Fiação, estava chutando as coisas no caminho bêbado ou não. Severus fingiu se concentrar em seus estudos, sem prestar realmente atenção em uma linha sequer.

"Vocês foram muito imprudentes, puxando briga com o Black, o Potter e aquele mestiço. Existem formas mais cuidadosas e eficazes de se vingar." — advertiu-os Malfoy, com uma voz fria enquanto tomava água de gilly de seu cálice.

Os Doyles e a Davies pareciam demonstrar respeito pelas palavras do veterano, mantendo-se de cabeça baixa.

"Por culpa de vocês três, o nosso contador tá atrás até da Lufa-Lufa e vocês tão servindo de chacota, sendo atirados para longe todas as vezes que o Black e os amigos dele se aproximam." — pronunciou-se Macnair com alguma impaciência.

"Também, o que adianta ter um diretor de Casa como o Slughorn que prefere ficar do lado da escória grifinória do que do lado dos sonserinos?" — interveio Bellatrix com um tom ácido.

Damon se pronunciou.

"Eu não imaginei que eles iam contar o que falamos para o Dumbledore..."

Malfoy respirou fundo com irritação.

"Esperava o quê, Damon? Que Black e os amigos, orgulhosos do jeito que são, iam aguentar calados vocês os ameaçarem sem irem correr contar para a McGonagall? Sinceramente... Se queriam dar a eles uma lição, deviam tê-los pegado desprevenidos, sem dar a eles chance de revide. Deviam agir, não ameaçar!"

Davos se aproximou do seu gêmeo, sussurrando algo em seu ouvido. Damon transmitiu aos outros a informação.

"A Emily que disse que queria dar uma sondada no Black e que a gente devia provocá-lo pra saber se ele tá apaixonado mesmo por aquele mestiço. Ela tá a fim dele. Mas o Black tá mesmo com a cabeça virada por aquele sangue-ruim, amigo dele."

Emily Davies, ouvindo o seu nome ser mencionado, moveu os seus olhos com enfado.

"Quero mais que o Black se dane agora, depois de ter me prejudicado o tanto que prejudicou..."

Macnair riu-se.

"Nada como o orgulho ferido de uma mulher pra trazer mais drama. Rejeitada pelo Black por ele preferir um garoto sangue-ruim. Os negócios vão mal, hein, Davies!"

Bellatrix falou com desdém.

"Meus tios vão saber do envolvimento do Sirius com esse sangue de merda. Ele mata a família de vergonha e essa é a derrocada dele. Ele e esse tal de Lupin vão ter o que merecem..."

"O Black não desgrudou ontem da mesa da Sonserina só pra humilhar a gente! Eu tô sentindo uma raiva tão grande que eu preciso fazer alguma coisa." — falou Davies, bebendo um gole da sua cerveja amanteigada.

Damon vociferou.

"Eu quero quebrar a cara do Black, do Potter e do Lupin!"

Macnair riu, batendo na mesa em provocação.

"Você não consegue nem se aproximar deles. Como vai fazer alguma coisa além de gritar?"

Nesse momento, a entrada da Sonserina se abriu e Regulus, acompanhado de seus colegas do primeiro ano, direcionou-se para o dormitório.

"Aquele irmão mais novo do Black podia levar uma surra no lugar dele. Duvido que ele ficasse de boa, vendo o irmão apanhar sem conseguir se aproximar." — riu-se Damon, sendo acompanhado pela gargalhada anasalada de Davos.

Bellatrix interveio com uma voz áspera.

"Ele é um Black e é da nossa Casa! Não vão encostar nele... Façam o que bem entender com o Sirius, mas Regulus não tem nada a ver com isso."

Malfoy respirou fundo antes de prosseguir com a voz baixa e pausada.

"Doyles, acho que vocês estão perdendo o tempo de vocês com problemas irrelevantes. Já basta aquela confusão que criaram no hotel em Hogsmeade, que quase colocou vocês em encrenca pelo que fizeram com aquela sangue-ruim. Lembrem-se que temos um propósito a cumprir até o fim do ano..."

Davies se deteve um tempo, olhando a janela da Sala Comunal de sua Casa, que se localizava no subsolo do Castelo e de onde era possível ver as profundezas do Lago Negro. Uma lula gigante seguida de um cardume de peixes de cores diversas atravessou a vidraça.

"Eu ainda não entendi muito bem como isso vai contribuir para o que Ele quer, mas vocês sabem que estou do lado de vocês... Principalmente, depois do meu pai perder o emprego e a minha mãe estar internada no St. Mungus, após aquela publicação no Profeta Diário."

"Faz bem em pensar assim, Emily. Ele não gosta de ser contestado, mas garanto a você que não se arrependerá de nos seguir e que os seus pais sentirão muito orgulho de você. Ainda mais depois do que a sua família tem passado, sendo o seu pai investigado pelo Ministério..." — retorquiu Bellatrix, brincando com a sua varinha.

Nesse momento, a entrada da Sonserina se abriu novamente e Olivia Stone cruzou a Sala Comunal com passos apressados, subindo também para o dormitório. Os seis jovens se entreolharam, mas nada disseram. Após alguns segundos, Davos sussurrou algo no ouvido de Damon, que assentindo com a cabeça, compartilhou o pensamento do seu gêmeo.

"Davos tá dizendo que precisa da poção. Eu também tô precisando. A minha cabeça parece que vai explodir o dia todo!"

Malfoy bebeu da sua taça, franzindo um pouco o cenho.

"Tenho no meu quarto e depois, arrumo pra vocês. Mas vão com calma! O preparo exige tempo e ela não é tão fácil de conseguir. O Ministério está investigando muito a circulação de poções ilícitas e o Ministro atual está comprometido em prender os bruxos que as preparam..."

"Esse Ministro atual é um filho da mãe e não é à toa que é amiguinho de Dumbledore! E aquela esposa dele é uma vadia que faz tudo o que ele manda no Departamento de Execução das Leis da Magia!"

Davos sussurrou algo no ouvido do irmão, que sorriu com um olhar malicioso.

"É, Davos, Jordana Johnson é uma puta de uma gostosa, mas escolheu o lado errado. O plano dela é uma pedra no sapato!"

Macnair soltou uma gargalhada ao falar:

"Adoraria meter na chefe dos Aurores e fazê-la se esquecer daquele marido frouxo dela..."

Bellatrix ergueu uma sobrancelha, fitando Macnair e os Doyles.

"Sempre falam assim das mulheres? Que coisa patética..."

Os sonserinos encararam a colega com algum desprezo. Tentando desfazer o clima ruim, Malfoy mudou o rumo da conversa.

"O Ministro está na mira Dele e é questão de tempo até ele renunciar. As coisas vão ficar mais interessantes daqui pra frente. O informante estará a postos quando precisarmos dele."

Macnair riu-se ao falar.

"Seria bom uma reviravolta antes do ano letivo acabar. Por ora, estamos sendo a vergonha de Hogwarts. Fracasso no Quadribol; fracasso nos contadores das Casas; uma monitora rebaixada e pelo caminho que as coisas vão, vamos levar uma surra da Lufa-Lufa na próxima partida se o time jogar como jogou contra a Grifinória no ano passado..."

"Vai tomar no cu, Macnair! O mundo pegando fogo e você se doendo por causa de Quadribol." — vociferou Damon, levantando a voz com agressividade.

"Quadribol faz parte do mundo! Nunca fui com a cara do Black e do Potter, mas preciso reconhecer que, ontem, eles jogaram como dois profissionais do Campeonato Europeu. Se não fossem da Grifinória, até eu teria dado os parabéns a eles."

Davies trocou um olhar com Bellatrix e as duas garotas rolaram os olhos em suas órbitas com tédio. Davos sussurrou algo no ouvido de Damon, que verbalizou a fala do irmão.

"É verdade... Davos tá me lembrando que foi estranho como o Potter puxou a nossa briga pra ele. Ele defendeu o Black e o sangue-ruim com unhas e dentes."

Bellatrix retorquiu:

"Os três andam juntos desde o primeiro dia de aula. São amigos. Nas últimas férias, Potter e o sangue-ruim tiveram a audácia de visitar Sirius na casa de meus tios enquanto eles tavam fora."

"Não, não... Tem algo ali... Vocês se lembram que os três se beijaram no Lago no ano letivo passado?"

Os alunos, pensativos, tentaram puxar o fato pela memória.

"Mas achei, na época, que eles tavam zoando com a cara do tal de Lupin. Não acho que aquilo foi sério..." — retorquiu Macnair, recordando da situação.

Damon insistiu.

"Não... Eu senti algo estranho naquela raiva de Potter quando partiu pra cima de mim. Davos e Emily também acharam estranhíssimo..."

O rapaz contou aos colegas o que havia dito sobre Remus e Sirius, tirando James do sério. Malfoy levou a mão à testa.

"Não foi bonito o que você falou que ia fazer com o tal de Lupin, Damon. Grifinórios têm esse orgulho idiota e pode ser que o Potter tenha só tomado as dores dos amigos."

"Não, não... Tem algo suspeito aí... Depois que perguntei se ele tava puto porque tava comendo também o tal de Lupin, aquele sangue-ruim lançou em mim um feitiço pra calar a minha boca... Eu só preciso ter certeza disso porque quando eu fizer eles pagarem pelo que fizeram, vou querer acertar o coração dos três..."

Snape, recostado ainda na poltrona de couro verde diante da lareira, olhando o fogo crepitar com o livro no colo, entreouvia com algum esforço a conversa dos seus colegas de Casa. Talvez tenha sido ainda os resquícios do ódio que o fizeram ter coragem para se levantar e caminhar até a mesa. Ele conhecia Malfoy e já fora apresentado a Macnair. Tinha um pouco de receio da agressividade dos Doyles e da instabilidade de Bellatrix. E Emily Davies, quando se tornou monitora, intercedera em alguns bullyings sofridos por Severus e os dois colegas sempre se cumprimentaram nos corredores com alguma cordialidade.

Com passos hesitantes, Severus avançou, parando diante dos colegas. Bellatrix semicerrou os olhos em sua direção. Seus cabelos estavam um pouco maiores, mas o sonserino se lembrava de quando ela aparecera vestida como um menino no início do ano letivo, criando um pouco de medo entre os garotos da sua Casa, ao vê-la caminhando pelos corredores com empáfia.

Os outros sonserinos se voltaram para Snape e ele arriscou falar.

"Desculpem... Não pude deixar de ouvir o fim da conversa de vocês. Falavam do Potter, do Black e do Lupin, não falavam?"

Os seis jovens se entreolharam. Davies, com algum nervosismo, interpelou-o.

"Snape, você tava ouvindo a nossa conversa?! Ouviu algo além disso?!"

"Não." — mentiu o sonserino— "Estava estudando e comecei a prestar atenção só quando falaram o nome do Potter..."

Malfoy fitava diretamente os seus olhos.

"O que quer afinal?" — indagou Bellatrix sem meandros, parecendo impaciente.

"Calma aí, Bella! Snape não é um estranho. É um de nós. Deixa ele falar. O que quer dizer, Severus...?" — interveio Malfoy.

O rapaz sonserino olhou de um colega para outro.

"Eu não posso dizer como eu sei. Isso não interessa. Mas Damon está certo. Tem algo acontecendo entre o Black, o Lupin e o Potter..."

O Doyle deu um murro na mesa com satisfação.

"Sabia!"

Macnair ergueu as sobrancelhas, tomando um gole da sua bebida.

"Moderninhos, esses grifinórios, hein! Depois dizem que é a nossa Casa que não vale nada. Mas será que isso tudo é verdade? Já vi o Black e o Potter ficando com muitas garotas. Já vi eles se agarrando nos corredores com algumas meninas, parecendo que tavam comendo a cara delas. Deu até inveja. Será que gostam mesmo de garotos tanto assim?"

Bellatrix ouviu a informação com desdém.

"Os homens são todos idiotas, egocêntricos e enfadonhos. Meu primo dá certo com eles."

Malfoy interveio antes que Macnair, apresentando uma expressão contrariada, respondesse à Bellatrix.

"Tem certeza disso, Severus?"

O rapaz de cabelos escuros assentiu, recordando-se dos pensamentos que interceptara de um beijo triplo.

Davos sussurrou algo no ouvido do irmão que riu-se.

"É disso que estou falando! Fica mais divertido planejar uma vingança que possa puxar os três pelos pés de uma vez só!"

"Calminha aí, Doyles! Lembrem-se que, por ora, temos coisas mais importantes com o que nos preocuparmos."

"Por que está nos contando isso, Snape?" — indagou Emily Davies, fitando o colega do quinto ano.

"Porque eu não suporto o filho da mãe do Potter e os amigos dele! Quero que eles morram!"

A garota moveu o seu rosto bonito, parecendo compreender a raiva do colega. Ela havia sabido do feitiço que fora lançado sobre Severus por James Potter no dia anterior, queimando a capa de seu uniforme.

Malfoy se adiantou.

"Snape, quer sentar com a gente?"

O rapaz aceitou o convite e, como Bellatrix pareceu um pouco incomodada, o rapaz de cabelos muito loiros, rapidamente, justificou-se.

"Severus apoia a Revolução e é inteligente. Escutem um pouco o que ele tem a dizer..."

O rapaz participou então da conversa e Davies lhe serviu água de gilly em uma taça. Severus percebia o olhar desconfiado de Bellatrix sobre si e o olhar cúmplice de Malfoy. Ele notou que, repentinamente, a sua invisibilidade não era mais um fato. Os poucos sonserinos que ocupavam a Sala Comunal, subitamente, olhavam Snape de uma forma diferente por ele estar em companhia de alunos populares ou intimidadores da sua Casa. O rapaz já havia presenciado aquele olhar desconfiado dos colegas da Sonserina e de outras Casas quando trocava algumas palavras com Malfoy.

O grupo, com exceção de Bellatrix, recebeu-o bem. Em um determinado momento, Damon se dirigiu ao garoto magricela de cabelos escorridos, dizendo:

"Ei, Snape... Se souber de mais coisas sobre o Black e os amiguinhos dele, pode contar pra gente. Prometo que vou fazer aqueles três filhos da mãe pagarem caro por tudo."

Severus sorriu para o outro rapaz, apoiando os braços no espaldar da cadeira e jogando um pouco o corpo para trás numa posição que julgava ser de autoconfiança.

"Deixem comigo. Posso descobrir mais..."

 

...

 

NOTAS DA AUTORA 

 

Na minha humilde opinião, acho que James Potter mente pra si mesmo. Igual ao filho dele.


Nunca gostei muito do casal Harry e Ginny. Porque além de eu achar forçado, cá entre nós, o Harry pensou no Draco 3678967 mais vezes do que na Ginny no livro 6. :P

Chapter 5: Primeira Vez

Summary:

Sirius e Remus vão finalmente ao seu primeiro encontro, e Black percebe uma atmosfera estranha ao redor do rapaz de cabelos castanhos.

Chapter Text

 

 

https://www.youtube.com/watch?v=k10HtOF-LSA

 

 

Naquela semana, Severus Snape havia fitado o contador da Casa da Sonserina com esmeraldas reduzidas. Alguns outros alunos sonserinos haviam se detido diante do local, cochichando entre si enquanto apontavam a ampulheta alterada.

Um pergaminho pregado ao lado do contador da Casa expunha os rostos mal-humorados da monitora Davies e dos Doyles com as penalidades aplicadas a eles. O motivo do castigo, no entanto, mantinha-se obscuro, sendo descrito apenas como “coação de alunos; ameaça criminosa; intimidação e conduta inadmissível”.

Severus olhou para a mesa da Grifinória, onde James Potter, Sirius Black, Remus Lupin e Peter Pettigrew tomavam o café da manhã entre risadas. Sentadas ao lado deles, estavam Lily Evans, Julian Parker, Winona Rivers e Raven Fraser. O rapaz de cabelos muito lisos e rosto pálido crispou os lábios com irritação e sussurrou:

“Delinquentes!”

A Escola toda havia tomado conhecimento que Black, Potter e Lupin haviam tido um desentendimento grave com a monitora Davies e os gêmeos Doyles no dia anterior e que tanto a Grifinória quanto a Sonserina haviam sido penalizadas. Por que o cenário mudava agora e todas as responsabilidades recaíam sobre uma das Casas apenas?

Snape olhou para o lado quando um rapaz alto e de cabelos muito claros, quase prateados, posicionou-se um tanto perto, fitando também o contador. Com uma expressão um tanto azeda, Lucius Malfoy sacudiu a cabeça ao ler o pergaminho preso à parede.

“Falta cabeça fria à Davies e aos Doyles para lidarem com os aborrecimentos. Existem formas de se resolverem as pendências sem envolver os melindres dos professores e de Dumbledore. Formas mais silenciosas.”

Snape olhou novamente a mesa da Grifinória e o seu olhar cruzou com o de Lily por alguns breves segundos. Ele viu Sirius também segurando a mão de Remus discretamente por baixo da mesa. Malfoy pareceu acompanhar o seu olhar e ele baixou o tom de voz, ao falar, para que ninguém o escutasse.

“O número de sangue-ruins só aumenta em Hogwarts. Enquanto a Grifinória, Lufa-Lufa e Corvinal ficarem permitindo que esse tipo de gente frequente os mesmos espaços de verdadeiros bruxos, a situação não vai melhorar. Minha vontade é enxotar um por um.”

Severus ouviu o comentário do outro rapaz, respirando fundo.

“Nesse caso, eu também vou ser enxotado, já que sou um sangue-ruim com um pai trouxa que vale menos do que o chão desta Escola.”

Malfoy ergueu rapidamente os olhos claros, verificando se ninguém ouvira a palavra dita por Severus. Os outros alunos ainda tinham a atenção retida pelo contador com esmeraldas reduzidas. O rapaz de cabelos claros tinha uma voz gentil quando se dirigiu ao outro.

“Não se nivele por baixo, Severus. Você não é igual a eles e sabe o que é correto. É inteligente e sensato. Se houvesse uma Revolução, saberia de qual lado deveria permanecer. Certamente, pessoas com o sangue mestiço com talentos como os seus podem ser de extrema ajuda numa nova ordem.” — Lucius colocou as mãos para trás e espreitou o ambiente por sobre o seu ombro — “Depois, é fácil dar fim aos dados do seu pai trouxa nos arquivos do Ministério e, se algum dia, casar-se com uma sangue-puro, esse detalhe pode sumir para sempre. Você me contou que preferia que seu pai não existisse... Podemos fazê-lo desaparecer dos seus registros.”

Severus assentiu, fitando novamente a mesa da Grifinória. Malfoy acompanhou o seu olhar, ainda que os dois rapazes conversassem daquela forma discreta que fazia parecer que os dois ocupavam o mesmo lugar por uma mera coincidência.

“...Não tenho o visto mais seguindo o monitor Lupin a cada segundo ou babando por ele como eu via antigamente. Desilusões amorosas?” — indagou Malfoy, fitando um pouco mais demoradamente a mesa da Grifinória.

Snape permaneceu em silêncio. Ultimamente, ele até conseguia apreciar a companhia de Malfoy e gostava da sua forma de pensar, mas não tinha certeza se deveria compartilhar com ele os seus sentimentos. Já era o suficiente Malfoy ter percebido o seu interesse por Lupin.

No entanto, era verdade que a admiração de Snape por Remus havia sofrido um abalo grande após o baque da descoberta que o monitor grifinório andava aos beijos com Black. Severus achava que a poção ilícita, que tomava escondido, oferecida por Malfoy, conferia-lhe coragem para admitir a sua raiva contida a ponto de quase querer vomitá-la.

Contudo, a fórmula parecia deixá-lo cada vez mais disperso durante as aulas e o Professor Slughorn, com uma preocupação quase paternal, indagara-lhe, ao fim da última aula de Poções, o motivo real de sua desatenção.

Snape fitou Potter se erguer na mesa da Grifinória para falar algo com Lily Evans. Viu a menina rir com a mão na boca enquanto ele mexia em seu cabelo, parecendo um pouco desconcertado. Evans seria a próxima diversão de Potter e a garota, parecendo empolgada com a atenção que o rapaz lhe dava, mostrava-se inclinada a isso.

“Começo a enxergar algumas coisas com mais clareza agora.” — limitou-se a dizer Severus diante dos questionamentos de Malfoy.

Malfoy, por sua vez, olhou novamente ao redor antes de se dirigir a Severus.

“Por que não foi ao meu quarto ontem? Sabe que não gosto de ficar esperando...”

Severus cruzou os braços diante de si.

“Resolvi parar com as poções. O Professor Slughorn me perguntou por que ando cochilando nas aulas.”

“Sabe que não tem como ele descobrir sobre ela, não é? A poção é nível 3 e não deixa rastros. Pelo cheiro, é imperceptível. Mas talvez você estivesse exagerando um pouco. É preciso saber degustar os prazeres da vida como eu faço e não chafurdar neles como os Doyles estão chafurdando...”

Malfoy se referia à poção que era considerada ilegal pelo Ministério e que ele fornecia de boa vontade a alguns colegas de confiança. De fato, o rapaz de cabelos claros parecia ter algum controle sobre si mesmo e parecia beber da poção só nas vezes em que o rapaz franzino ia ao seu quarto de madrugada. Snape, por outro lado, observava com alguma preocupação o modo que seu corpo começava a reagir ao elixir.

“Eu errei no último simulado de Poções fórmulas simples que sei de cor! Não posso seguir para o N.O.M.s com a mente distraída assim...”

Aparentemente, a poção ilegal mexia diretamente com as emoções de seus usuários, mas podia causar alguns sintomas como sonolência, distração e dificuldade de concatenação das ideias, após as primeiras semanas de euforia; anestesia e prazer.

“Justo...” — retorquiu Malfoy, assentindo antes de olhar novamente ao redor — “Mas pode continuar vindo ao meu quarto se assim quiser.”

Snape se moveu um pouco encabulado.

“Talvez isso também deva parar... Acho que, nas últimas vezes, pegamos muito pesado... Exageramos.”

Severus se lembrou da última vez que fizeram sexo. Os dois sonserinos não eram delicados quando obtinham prazer juntos no quarto individual de Malfoy. Não eram amorosos e tampouco, brincavam com o desejo como jovens descobrindo a si mesmos. Havia uma nítida violência e agressividade das duas partes e, intimamente, Snape se questionava se Malfoy se sentia à vontade para fazer com um mestiço mais jovem e insignificante da Escola o que não faria com um bruxo ou uma bruxa de sangue puro e de boa família.

“Não pareceu se incomodar com isso na hora...”

Snape moveu a cabeça, olhando para a mesa da Grifinória em que os Marotos e as Morganas riam efusivos e da qual Davies, ao se levantar para deixar o Grande Salão, fora repelida brutalmente. A garota, parecendo desconcertada ao ser forçada a andar de costas, quase caindo sobre a mesa da Lufa-Lufa por causa do feitiço de distanciamento que fora colocado nela por Dumbledore, recompôs-se, obrigando-se a fazer um caminho mais longo, contornando o Grande Salão até a saída.

“Mas acabou... Já se divertiu muito, Malfoy. Agora, chega!”

O rapaz de cabelos claros franziu o cenho por um breve momento. Depois, com elegância, ao ver alguns amigos da sua Casa e a pequena Narcissa ocuparem a mesa da Sonserina, retorquiu de forma lacônica antes de se retirar para se juntar ao seus.

“Como preferir...”

Severus deixou o Grande Salão, não sentindo apetite. Carregando o seu material escolar, ele se direcionou para a primeira aula do dia que era a de Feitiços.

Sentando-se na carteira ao fundo da sala, antes que os outros alunos e mesmo o Professor Flitwick chegassem, o sonserino apoiou a cabeça sobre o seu livro e sentiu aquela sonolência o tomar. Ele conhecia agora o efeito das poções sobre o corpo humano e, talvez, aqueles sintomas demorassem algum tempo ainda para deixá-lo. Logo no início que começara a ingerir aquelas poções, Snape se sentia disposto e ativo. No entanto, após algumas semanas, a substância lhe trazia estafa e desatenção.

O rapaz cochilou e acordou com a risadinha de alguns colegas corvinos que puxavam ruidosamente a cadeira da mesa ao seu lado. Pareciam achar estranho se deparar com o colega dormindo na sala vazia.

Aos poucos, outros alunos foram chegando e Snape percebeu que, especificamente, naquele dia, os seus inimigos pareciam satisfeitos. Com a empáfia que parecia acompanhá-los, os quatro grifinórios adentraram a sala de aula e, conversavam ainda animadamente sentados em suas mesas. As Morganas também entraram na sala depois e foram chamadas por Remus para que se sentassem perto. Por alguma brincadeira feita, todos pareciam rir e, apesar de Black e Potter não se falarem, davam atenção ao que cada um dizia.

O olhar de Snape se deteve sobre Lily, que, de pé, voltava a conversar, recostada à carteira de Potter. A garota, erguendo as suas retinas verdes, teve o seu olhar cruzado com o do rapaz ao fundo da sala. Com algum julgamento, o sonserino encarou a colega e após alguns segundos, parecendo um pouco desconcertada, ela retomou o seu lugar, sentando-se ao lado de Parker.

O Professor Flitwick, com as suas pernas curtas e simpatia habitual, adentrou a sala de aula, retirando de dentro de um grosso envelope os simulados corrigidos e distribuindo-os aos alunos com a magia de sua varinha. Snape levou a mão à testa com alguma frustração quando se deparou com um cinco rabiscado no pergaminho que voara até ele, seguido de um comentário escrito à mão pelo docente, que perguntava “Severus, o que está acontecendo com você?”

Snape percorreu a sala de aula com o seu olhar e viu Remus sorrir com o seu resultado. Viu o rapaz de cabelos castanhos bater a palma da sua mão com as de Sirius e de James, em um cumprimento, pouco após os outros dois garotos fazerem um movimento vitorioso com o punho ao conferirem seus pergaminhos. Até mesmo Pettigrew se voltara para trás, levantando o polegar.

Flitwick se pôs a falar.

“Acho que a grande maioria de vocês está levando o N.O.M.s a sério e estou muito satisfeito com os resultados do simulado. Tivemos uma média de dez e nove. Agora, os alunos que tiveram dificuldade, por favor, levem esse estudo com seriedade. Ainda há tempo de se prepararem e melhorarem até o dia do N.O.M.s. O quinto ano é muito estressante e entendo que talvez estejam passando por coisas. Caso precisem da minha ajuda ou queiram conversar, estarei na minha sala após o almoço.”

Snape sentiu o olhar do Professor Flitwick sobre si e, encabulado, deixou que os cabelos cobrissem o seu rosto. Ele não precisava da pena de alguém que não sabia o que era estar em sua pele.

A manhã se arrastava e as aulas se apresentavam sem grandes novidades. Um sol pálido e frio entrava pelas janelas e a hora do almoço chegou. O rapaz sonserino sentiu finalmente apetite e, sentando-se à mesa de sua Casa, viu Malfoy conversando com a Davies e os Doyles, olhando ao redor e baixando o tom de voz, muito provavelmente, para usar termos como “sangue-ruim” em sua fala, sem ser advertido. O olhar de Malfoy encontrou o de Snape e os dois rapazes se demoraram olhando por alguns segundos, antes que Severus voltasse a sua atenção para o seu suco de abóbora.

Snape viu também Sirius Black, numa postura afrontosa, cruzar o Grande Salão para falar com o seu irmão mais novo Regulus Black e a aluna Olivia Stone, que, encontravam-se almoçando na mesa da Sonserina. No momento em que o rapaz se aproximara, agachando-se ao lado das duas crianças, a Davies e os Doyles tiveram que parar de comer, sendo puxados para trás pelo feitiço. Por pouco, eles não tropeçaram ou caíram dos seus assentos. Precisaram, de pé, esperarem Black finalizar a sua conversa com os alunos do primeiro ano e voltar para a mesa da Grifinória.

Malfoy levava a mão à testa, talvez sentindo a humilhação dos três sonserinos. Outros alunos da Sonserina fitavam Sirius com um não disfarçado engasgo, visto que o rapaz e seus amigos, no mesmo dia, haviam confiscado esmeraldas do contador da Casa de Slytherin e, parecendo muito satisfeito consigo mesmo, Black ridicularizava um pouco mais os seus oponentes.

Toda aquela confusão havia começado com Olivia Stone, cuja mãe denunciou o pai de Emily Davies ao Ministério por estar envolvido com Magia Negra. Black, por alguma razão, tomara as dores da menina que sofria constantes bullyings na Sonserina, exibindo-se no Grande Salão ao lado de Potter e de Lupin, como se fosse um herói.

Mas Snape não via Black e Potter como heróis. Via-os como dois filhinhos de papai de sangue puro, empertigados e arrogantes que olhavam a Escola como uma extensão de suas casas. Era fácil Black defender uma garotinha do primeiro ano por alguma simpatia que tivesse por ela, mas o grifinório já prejudicara outras pessoas e isso pesava contra ele. Era fácil esconder Olivia Stone atrás de si, salvando-a das agressões dos colegas, mas quantas vezes Black não estivera no centro de outras confusões?

O dia de Severus Snape não seguia bem e tudo piorou à tarde. Parado em meio a um andar, conferindo as questões do simulado de Feitiços no qual fora mal, o rapaz sentiu algo se pregar em suas vestes. Ele sentiu calor e quando sacudiu a sua capa, tomada por um cheiro de queimado, Severus viu um pequeno cervo de fogo soltar uma risadinha e se colar em outra parte de seu uniforme.

Rapidamente, o rapaz de cabelos escuros removeu a capa em chamas e a jogou no chão. Ele a viu incendiar e tentou apagar as labaredas, pisando nelas até que cessassem. O cervo de fogo, do tamanho de um rato mais ou menos, correu pelo piso, dando meia volta. Depois, empinando-se sobre as duas patas traseiras, o cervo, com um estalo, subitamente, inchou de tamanho, tornando-se da altura de um cervo de verdade.

Voltando a galopar pelo chão em direção ao sonserino, o animal de fogo pulou, então, sobre ele. Severus gritou e, agachando-se no chão, ergueu os braços sobre si, temendo incendiar como as suas vestes. Mas o animal de fogo se desfez no ar antes que o tocasse, virando fumaça. Restavam agora somente os brilhos alaranjados, a fumaça e o cheiro de queimado como no fim de uma apresentação pirotécnica.

Alguns alunos que estavam perto de Snape desataram a rir. Outros, fascinados pela imagem do cervo de fogo, aplaudiam o feitiço com a boca aberta. Como alguns colegas olhavam para cima, o sonserino acompanhou o olhar.

Apoiados no balaústre do andar superior, James Potter; Sirius Black e Peter Pettigrew fitavam o rapaz da outra Casa, rindo de um modo mais contido enquanto ostentavam uma expressão desafiadora.

James segurava ainda a sua varinha, após lançar o seu feitiço Lacarnum Inflamarae, atrelado ao Obsessio, conjurado por Black. Com um gesto afrontoso ainda, o rapaz de cabelos rebeldes desenhou um risco em seu próprio rosto e apontou para Snape.

Aquela era a forma do grifinório dizer que agora estavam quites; que não esquecera que Severus usara um feitiço forte para cortar o seu rosto; que a sua forma de lidar com aquela desavença que começara no primeiro ano e se arrastava até o quinto, era combater fogo com fogo, surpreendendo o sonserino com um contra-ataque na pior hora e lugar. A raiva vencia e se Potter soubesse que o sonserino já havia visitado os seus pensamentos mais secretos, desobedecendo as leis do uso de magia, talvez não tivesse feito o seu cervo de fogo desvanecer no ar antes que acertasse o colega.

Snape, no banheiro, tentou consertar com magia as partes queimadas e chamuscadas de sua capa. No fim, sem sucesso, guardou-a dentro da mochila e se dirigiu para a aula de Herbologia. No caminho, ele viu Remus, sentado na fonte do átrio da Escola, conversando com um casal de alunos do segundo ano da Grifinória.

Um menino moreno e gordinho estendia para o rapaz uma caixa de quadrados cor-de-rosa de sorvete de coco.

“Minha mãe mandou como agradecimento, monitor Lupin. Minhas notas melhoraram muito graças às aulas de reforço e meus pais tão muito felizes. Muito obrigado!”

O rapaz de cabelos castanhos, um pouco encabulado, aceitou o presente, dizendo não haver necessidade e que todo o sucesso alcançado era fruto do empenho dos dois alunos.

A menina, uma garotinha de cabelos crespos e loiros, talvez desconcertada por não ter um presente para oferecer ao monitor que lhe era querido, murmurou:

“Eu esqueci o seu presente no dormitório, professor Lupin. Depois, eu entrego.”

“Não se preocupe com isso, Claire. E não precisa me chamar de professor. Ainda sou um aluno de Hogwarts como vocês dois.” — sorriu Remus com gentileza.

Snape seguiu para as estufas e olhou com azedume durante a aula para os Marotos. A Professora Sprout cobrou do rapaz de cabelos negros o uso da capa como parte do uniforme, mas ele, mal-humorado, não deu atenção à diretora da Lufa-Lufa.

Severus viu Sirius Black, durante a aula, brincar com o rapaz de cabelos castanhos, sussurrando algo em seu ouvido, arrancando um sorriso sincero de Remus. Viu também James Potter ajudar Lily a controlar a planta carnívora atiradeira que prendera um dedo da garota de cabelos ruivos.

Depois, houve a aula de História da Magia e o fato de Remus, levantando-se, pedir ao Professor Binns para ir ao banheiro após jogar um bilhete na mesa de Sirius, não passou desapercebido ao sonserino. Após um tempo, Black se levantou e, aparentemente, dizendo estar se sentindo mal, conseguiu a permissão do fantasma que lecionava a matéria para ir à enfermaria.

Lupin e Black demoraram um tempo considerável para voltarem. Próximo ao fim da aula, o rapaz de cabelos compridos tomou o seu lugar e um minuto depois, Remus retornou. Para a maioria dos colegas, talvez, passasse desapercebida a camisa para fora da calça dos dois garotos e as suas ausências. Os dois trocaram um olhar ainda antes de voltarem as suas atenções para a explanação do Professor Binns.

Snape experimentou a sua Legilimência em Black. Ele tentara já entrar nos pensamentos de Remus, mas o rapaz de cabelos castanhos parecia selar muito bem a sua mente. Sirius, por outro lado, gostava de deixar a sua consciência vagar durante a aula às vezes.

Atravessando aquela cortina de fios negros, Severus viu Sirius e Remus em uma cabine do banheiro masculino. Viu o rapaz de cabelos compridos, após estimular Lupin com a boca, erguer-se sobre os seus calcanhares, vendo o amante se apoiar contra a parte interna da porta, movendo o seu corpo ainda, tomado por um verdadeiro prazer. Sirius sorriu para Remus com uma malícia, uma cumplicidade singular e recebeu do outro rapaz um beijo apaixonado.

O modo como os dois rapazes pareciam combinar um com o outro e se sincronizarem em algo que Snape não conseguia identificar bem, fez com que ele fitasse com algum desprezo Lupin. O sonserino sentia novamente asco pelo grifinório apreciar ser tocado por Black daquele jeito a ponto de arrastar o outro com um bilhete para fora da aula. Aquilo era nojento!

Severus, durante muito tempo, atraíra-se pelo rapaz de cabelos castanhos por ver um semelhante, mas talvez pelo efeito da poção que ainda afetava o seu corpo ou por algo que crescia dentro de si, experimentava nos últimos dias, o seu ódio tocar Remus.

Onde Lupin estava quando os seus amigos o pegaram desprevenido, usando um feitiço de fogo que queimou as suas vestes? Onde ele estivera todos aqueles anos em que Black e Potter tornavam a sua vida um inferno em Hogwarts? Onde ele estivera durante as férias, senão andando com os dois como sempre o fizera? O dia do sonserino estava sendo péssimo e onde Lupin estava, senão no banheiro se pegando com Black, feito um bruxo de baixa estirpe?

Se as emoções pudessem ser analisadas, assim como a química das poções, seria possível ver que os elementos do amor e do ódio seguem semelhantes até um determinado ponto em que tomam caminhos opostos. O ego, a vaidade e a rejeição eram os componentes que azedavam os sentimentos, transformando-os em energias indigestas. Que Remus se danasse junto aos seus iguais, então, se precisava tanto deles e se ficaria do lado deles sob qualquer circunstância.

Snape arrastou todos aqueles sentimentos indigestos consigo até o dia seguinte. Com virulência em seu coração, ele remexeu um pouco mais as memórias de James Potter; observou Remus e Sirius partirem de mãos dadas para Hogsmeade e, num ato que julgou corajoso, aproximou-se dos seus veteranos sonserinos que bufavam violências e ódios contra Black, Lupin e Potter.

Havia algo de debochado nos irmãos Doyles e de contemporizador em Emily Davies. Severus observou Damon esbravejar palavrões e ameaças contra os grifinórios enquanto Davos ria com a sua risada anasalada característica.

Quando Bellatrix se retirou para voltar para o dormitório, parecendo ainda incomodada com a presença do quintanista, e Malfoy conversava com Macnair, Severus viu Emily Davies com os seus cabelos muito escuros amarrados em um rabo de cavalo alto se voltar para os Doyles enquanto lhes servia mais água de gilly. Com uma voz hesitante e um tanto fina, a jovem falou:

“Damon, você não tava falando sério, não é mesmo?”

O rapaz voltou os seus olhos muito azuis e álgidos para a monitora do quinto ano.

“Tá falando do que, Emily?”

A menina se endireitou em seu assento e Snape teve certeza de que ela verificava se os outros sonserinos estavam prestando atenção na conversa. Sanpe fingiu acompanhar o bate-papo de Malfoy e Macnair.

“Tô falando do que você disse que ia fazer com o Lupin. Aquilo não era verdade, não é mesmo?”

Houve um momento de silêncio em que os gêmeos se entreolharam e uma euforia despontou na escadaria do dormitório masculino em que um grupo de alunos do primeiro ano corria para o almoço que já deveria estar sendo servido no Grande Salão.

Depois, fitando a jovem de cima a baixo, Damon estalou a boca e tomou um gole da água de gilly.

“Claro que era mentira, Emily! Eu só queria assustar o sangue-ruim. Deixa de ser boba e tira essas coisas da sua cabeça.”

Emily Davies pareceu um pouco receosa e pestanejou os seus cílios longos, antes de inclinar a cabeça e insistir um pouco mais. A sua voz se tornou um sussurro.

“É porque depois do que aconteceu em Hogsmeade, eu...”

“Qual é, Emily?!” — explodiu Damon— “A gente já te disse que o que aconteceu em Hogsmeade foi um mal-entendido! Aquela sangue-ruim vivia atrás de mim e do Davos e inventou umas histórias pra não ficar mal falada!”

Damon havia alterado a sua voz e isso atraiu a atenção de Malfoy e Macnair.

Malfoy interferiu, parecendo querer desfazer o clima tenso.

“Discussões de família?”

Emily Davies exibia o rosto muito vermelho, cruzando os braços e se jogando no encosto da cadeira. Damon disse com uma voz brincalhona:

“Minha prima dramatiza demais as coisas. Só isso! Emmy, qual é? Você me conhece desde criança! Alguma vez eu já menti pra você?”

A atmosfera demorou um pouco para se dissolver, mas as coisas pareceram voltar ao normal quando Damon e Davos envolveram o pescoço da monitora do quinto ano como faziam desde sempre e seguiram com ela para o Salão Principal.

Não demorou muito para Snape inventar uma desculpa para se retirar também da mesa, após receber tapinhas nas costas dos gêmeos. Ele estava sem apetite e se limitou a comer uma maçã da mesa do almoço. Depois, ele se encaminhou para a biblioteca onde, em vão, tentou estudar um pouco. Seus pensamentos se mantinham desconexos ainda.

Havia algo de misterioso e velado nas conversas dos veteranos. Por que ele não conseguia deslizar para dentro de suas cabeças como podia fazer com o idiota do James Potter? Observar os pensamentos deles era como tentar enxergar um cenário caótico por trás de uma cortina de fumaça...

Snape foi naturalmente repelido. Estranho.

Mas sentar-se à mesa com eles conferia a Snape um senso de importância que não sentia há muito tempo. Talvez fosse diferente de dormir escondido com Lucius Malfoy e saber que não passava de um entretenimento de colégio para um bruxo rico e noivo de uma criança de onze anos.

Snape estreitou a vista e se forçou a anotar a fórmula da Poção do Morto-Vivo em seu pergaminho que errara na prova e pensou na última vez que estivera no quarto de Malfoy. As coisas seguiram por um caminho que ele não havia previsto e, talvez, ele não pudesse julgar Sirius, Remus ou James em muitos aspectos.

Bom, mas Black e Potter eram escória. Estirpe de bruxos vagabundos e valentões. Lixo.

Quando deixou a biblioteca, carregando pesados livros, Snape encontrou Malfoy sozinho no corredor que levava à Sala Comunal da Sonserina. Aparentemente, não havia nada para o veterano fazer ali em um fim de semana e tudo indicava que ele esperava por Severus.

Nos gramados do castelo, alguns alunos que não haviam ido para Hogsmeade, escutavam a música trouxa Guitar Man da banda Bread, estirados em toalhas sobre o chão no fim de domingo à tarde. O vento trazia as palavras com o sotaque norte-americano pontuado por guitarra elétrica.

“Estudando mesmo nos fins de semana?”

“Preciso exceder as expectativas no N.O.M.s.” — respondeu Severus laconicamente.

Malfoy o observou atentamente e sacudiu a cabeça, concluindo:

“Sei que tentar ser o melhor aluno do quinto ano é importante pra você.”

“Eu sou o melhor aluno do quinto ano! Só preciso de um tempo pra dar um jeito nas coisas!”

“E, junto com as poções, você resolveu dar um tempo também em mim para ajeitar essas coisas!”

Snape observou o rapaz diante de si com alguma desconfiança. O que Malfoy queria afinal? Dando de ombros, ele disse:

“Não sei o que pensar sobre o que aconteceu nas últimas vezes.”

Essa era a resposta de Severus porque ele não poderia mandar a frase clássica de “Não sou disso” depois de tudo que já havia experimentado com Malfoy sem soar hipócrita. Modéstia à parte, ele tinha se saído bem naquele quesito de dar e receber prazer. Fazer sexo com outra pessoa era divertido, mas outras pessoas nem sempre eram agradáveis. Snape não sabia onde aqueles encontros com o veterano podiam levá-lo. Ele não queria, por acidente, cair num ninho de escorpiões.

“Talvez não devesse pensar tanto...”

Snape contraiu o canto de sua boca. Era por falta de raciocínio que as pessoas se ferravam. Pensar era o diferencial no mundo do qual vinha.

“Eu não vou voltar para as poções...” — declarou Snape de uma forma categórica.

A poção dada por Malfoy era perigosa. Os Doyles sempre haviam tido a alcunha de estourados em Hogwarts, mas, quando se sentara com eles mais cedo na Sala Comunal, Snape pode ver mais de perto a agressividade inconstante dos garotos e alguns tiques que eles começavam a desenvolver. Não pareciam sonolentos, o que sinalizava que talvez estivessem em outra etapa do consumo da poção.

“Não estou propondo isso. Podemos voltar para o que tínhamos sem as poções...”

Snape ponderou. Ele era tão bom assim?

Ou faltava a Malfoy colhões para expor seu gosto por homens para seus amigos puristas e ciscar em outras cercanias? Responder um “Vou pensar no seu caso”, poderia soar arrogante e cavar uma inimizade que ele não desejava ter com os veteranos.

Bom, talvez Snape pudesse se permitir algum prazer naqueles dias conturbados em Hogwarts em que a adolescência parecia infinita e desastrosa.

Era difícil para Snape ser ele mesmo naquela época. Várias vezes, ele desejou poder ter nascido como outra pessoa em uma família abastada de sangue puro. Ele desejava poder ter recursos e ser respeitado pelas pessoas que ele não respeitava.

Snape preferia não ter um pai trouxa que empurrava a sua mãe quando estava chateado ou que lhes chamasse de “aberração” quando estava alcoolizado. Ou que Eileen tivesse partido com o filho todas as vezes que ameaçara o marido, e não desistido, alegando que não havia lugar para onde irem. Por Snape, eles poderiam morar nas ruas do Beco Diagonal e isso não seria pior do que viver no inferno da Rua da Fiação.

Às vezes, sentir raiva era melhor do que não sentir, por mais cansativo que isso fosse.

Sem encarar o outro rapaz, mirando um ponto distante de um grupo eufórico de alunos que voltava de Hogsmeade, subindo as escadas, Severus murmurou:

“Ok...”

Então, o rapaz magricela ergueu o seu olhar desconfiado para o veterano e não recuou quando este deu dois passos em sua direção. Os dois sonserinos se encararam por significativos segundos até Malfoy, com algum incômodo, estreitar um pouco o olhar na parte final da canção do Bread em que o vocalista dizia: “Ele pode te fazer amar/ Ele pode te deixar chapado/ Ele vai te derrubar/ Então, ele vai te fazer chorar”.

Lucius não gostava de músicas da cultura trouxa. Snape o achou um pouco estúpido por desprezar uma das poucas coisas que valia a pena no mundo trouxa de letras cafonas, viscerais e brilhantes. No entanto, o rapaz não desviou quando o outro tocou o seu rosto com alguma impulsividade e fez menção de beijá-lo.

Foi Mary Macdonald surgindo no corredor, conversando com o Professor Binns que fez Malfoy se afastar, aprumando-se como se tivesse escorregado do seu eixo, da sua postura como um bruxo despenca da vassoura.

Snape sentiu vontade de estalar a boca diante do descuido de Lucius. O que estava acontecendo com ele? Quem era o veterano ali afinal?

“Eu passo no seu quarto de noite.” — limitou-se a dizer Snape, dando as costas, partindo e deixando um Malfoy que ainda não havia acabado de falar no corredor com uma expressão um tanto parva.

Para Snape, dormir com Malfoy era abandonar um pouco os sonhos juvenis de amor e cuidado.

O rancor se transformava em um lar.

Era fácil para Snape projetar o olhar intimidador do seu pai em Black; a sua expressão desdenhosa em Potter e a sua rejeição em Lupin para poder odiar os três garotos melhor. E também poder se esforçar para detestar um pouco mais Tobias, fundindo-os numa escuridão só.

Contudo, na verdade, havia muitas semelhanças entre Severus, Sirius, Remus e James e isso evidenciava que existe muito de nós mesmos não somente nos nossos amigos, mas também nos nossos inimigos.

Se a vida tivesse se feito de outro modo, talvez os garotos também escolhessem não serem inimigos.

Mas isso seria outra história.  

 

Quando o grupo de alunos dispersou na estradinha que levava ao vilarejo de Hogsmeade, Remus pediu para Sirius acompanhá-lo até a Dedosdemel, a fim de repor o seu estoque de chocolates, bastante afetado desde a festa do pijama.

O rapaz de cabelos castanhos escolheu também alguns dos recém-lançados pirulitos de sabor artificial de sangue para consumir em seu ciclo e Sirius adquiriu também alguns doces, que era sempre bom ter, principalmente no período de simulados e provas. Quando os dois rapazes se aproximaram da caixa registradora, uma bruxa jovem de tranças e sardas os atendeu, demorando o seu olhar sobre Sirius.

“Cem galeões e cinco cicles pra você.” — calculou a garota, se voltando para Remus— “Cinquenta galeões pra você.” — murmurou ela, erguendo os olhos para Sirius, sorridente.

“Pode passar tudo junto.” — determinou Sirius, puxando a carteira de dentro do seu paletó.

Remus tentou intervir, abrindo a sua própria carteira, mas Sirius fora irredutível.

“No nosso encontro, é por minha conta. Não há o que discutir.”

Sirius contava com a mesada que os seus pais lhe enviavam mensalmente por uma coruja. Os Blacks não mandavam dinheiro ao filho mais velho porque gostavam das suas atitudes ou porque visavam beneficiá-lo de alguma forma. Faziam-no porque não queriam que, nos gastos diários, Sirius passasse por apertos que sugerissem aos professores e colegas que os Blacks passavam por alguma dificuldade financeira.

Aquela era uma família orgulhosa e rica que preferia ceder, endereçando uma mesada considerável a Sirius do que ouvir fofocas sobre a sua fortuna. Os Blacks não tolerariam um filho esfarrapado ou que precisasse mendigar dinheiro aos colegas, envergonhando-os.

A funcionária da Desdosdemel, percebendo que os dois garotos estavam juntos, pareceu um pouco envergonhada por jogar charme para Sirius. Sorrindo para os dois garotos, acrescentou para o rapaz de cabelos compridos.

“Se você for estudante de Hogwarts, tem um desconto.”

Durante toda a manhã, os dois grifinórios entraram e saíram de lojas bruxas, divertindo-se. Quando passaram pela frente da Casa dos Gritos, Remus demorou o seu olhar na arquitetura do lugar, apoiando-se na cerca. Um grupo de alunos do terceiro ano conversava perto.

“É a casa mais assombrada da Grã-Bretanha! Dizem que os gritos na lua cheia são terríveis e que não parecem humanos...”

Sirius beijou a testa de Remus quando o grupo de terceiranistas se afastou, percebendo uma discreta melancolia perpassar o rosto do outro rapaz.

“Sabe que estamos planejando que não passe mais por isso sozinho, não é?”

“Não sei se essa é uma boa ideia ou uma péssima ideia, Sirius... Tenho medo de que, quando eu estiver fora de mim, faça algo terrível contra algum de vocês... Sério, eu não conseguiria viver com isso...”

“Não vai acontecer nada de ruim. Somos os Marotos e sabemos fazer as coisas. Lobisomens não atacam animais e nosso estudo de Animagus está avançando. Consegui, nas últimas vezes, fixar a minha forma de cachorro por cinco minutos. Foi o tempo mais longo até agora... Eu só preciso estender esse tempo por umas vinte e quatro horas...”

Remus se lembrou de, quando estavam praticando na Torre de Astronomia, ver Sirius correndo e latindo em torno do próprio rabo na forma de um cachorro preto e grande. Tendo as orelhas acariciadas por Remus, ele havia encostado a cabeça no colo do rapaz de cabelos castanhos.

James e Peter também fixaram as suas formas de Animagus durante esse treino. Um belo cervo de chifres pontiagudos pateava o chão enquanto um rato gordinho escalava uma viga de madeira, colocando-se de pé enquanto movia o focinho, farejando o ar.

Lupin, havia enrolado os respectivos cachecóis grifinórios ao redor do pescoço do cão e do cervo. Amarrou também o tecido com as cores vermelho e dourado na viga que Peter ocupava. Após isso, Remus tirou uma foto com a sua Polaroid trouxa de si mesmo com os três amigos, antes que eles, involuntariamente, mais ao menos ao mesmo tempo, voltassem para as suas formas humanas.

Remus sentiu vontade de pendurar essa foto no mural sobre a sua escrivaninha, mas, depois, julgou aquela exposição perigosa.

“Certo... Descobriremos uma forma de estender esse tempo então...” — sorriu Remus.

Sirius, piscando para o outro rapaz, fez a magia para que orelhas caninas surgissem sobre a sua cabeça. Remus riu, puxando o grifinório pela mão enquanto o feitiço se dissolvia.

Na hora do almoço, Sirius tirou um pedaço de pergaminho de dentro do seu casaco, consultando instruções em um mapa desenhado à mão.

“Vamos ao Três Vassouras ou prefere ir ao Madame Puddifoot, que é mais reservado?” — indagou Remus.

“Não vamos a nenhum dos dois. Vamos a um restaurante bruxo de verdade. É por aqui.”

Remus se deixou ser levado por uma rua mais elegante de Hogsmeade em que os estabelecimentos eram constituídos por joalherias, antiguidades e artigos de luxo. Os dois rapazes caminharam até uma casa de dois andares, que lembrava os sobrados comerciais mais sofisticados e caros do Beco Diagonal. Uma música ambiente suave preenchia o local e, na entrada, um funcionário, trajando uniforme os recebeu. Alguns bruxos, vestindo roupas chiques, entravam também no lugar para almoçar.

Os dois foram conduzidos a uma mesa reservada no segundo andar. O rapaz de cabelos castanhos, segurando a mão do outro rapaz, deixou-se ser guiado por Sirius, que puxou a cadeira para ele.

O restaurante era bem decorado e refinado. Talvez fosse um dos lugares que a família Black costumava frequentar. Havia um lustre com pedraria de diferentes cores e mulheres com casacos suntuosos e fumando em cimitarras conversando no balcão com cavalheiros trajando ternos parecidos com o que Sirius vestia.

“Você já tinha vindo aqui antes, Sirius?”

“Não, mas já tinha ido a um restaurante do mesmo dono em Londres. Espero que goste da comida. Eu gosto bastante e já que você morou um tempo na França e em outros países, deve gostar da variedade de acompanhamentos.”

Quando o garçom trouxe o cardápio, Remus aceitou as sugestões de Sirius. O rapaz de cabelos castanhos não frequentava a alta sociedade bruxa e não se incomodou de ser ajudado pelo outro rapaz. Black era de uma família abastada e, por mais que ele tentasse se esquecer desse fato no seu cotidiano em Hogwarts, em meio a brincadeiras e condutas vulgares que ostentava com rebelde orgulho, não podia se desfazer do seu conhecimento e do seu refinamento quando pronunciava para os garçons, o nome dos pratos caros com um francês fluente.

“Este é um lugar muito elegante, senhor Black.” — comentou Remus, erguendo a sua taça com cerveja amanteigada para brindar com Sirius.

“Fico feliz que tenha gostado... Está gostando da comida?”

“Sim. Muito. Tava tentando me impressionar quando decidiu me trazer até aqui?”

“Tava...” — retorquiu Sirius um pouco vermelho enquanto bebia o seu hidromel.

“Bom, tá conseguindo...” — sorriu-lhe Remus, ruborizando também.

Durante a sobremesa, Sirius escorregou para o lado de Remus, aproveitando para lhe dar um beijo rápido. Depois, ele acendeu um de seus cigarros com o truque de estalar os dedos e o rapaz de cabelos castanhos verificou que ele parecia, de fato, um dos cavalheiros adultos e confiantes próximos ao balcão e à sacada. Ninguém os interpelou por ele fumar, achando, possivelmente, que Black era maior de idade.

“Está com gosto de chocolate o seu beijo, Remus...” — comentou o rapaz de cabelos compridos, saboreando os próprios lábios com a língua.

Remus sorriu com as palavras de Black que os remetia à primeira vez que se beijaram na Floresta Proibida. O rapaz de cabelos castanhos se recordou também, nesse momento, do que lhe fizera, de manhã, voltar correndo até o dormitório.

“Sirius, você se lembra quando eu disse que tentei, durante o segundo ano, contar o que sentia por você e desisti porque descobri que você havia engatado um namoro com Samantha Jones?”

O rapaz de cabelos compridos pareceu tentar puxar o acontecimento pela memória.

“Quando você tentou falar comigo exatamente?”

“A gente tinha acabado de voltar do recesso das festas de fim de ano. Eu te chamei pra conversar a sós no Grande Salão quando távamos passeando pela Escola. Foi no dia em que treinamos a dança trouxa dos meus pais.”

“Eu me lembro disso! Você ficou falando pra mim sobre a nossa amizade e fomos interrompidos. Depois, quando te perguntei sobre o que queria falar, você disse que não era importante e que havia esquecido um livro que te emprestei em Londres. Achei estranho na época, mas quando você se fechava, era muito difícil conseguir arrancar algo de você.” —Sirius complementou, meio contrariado— “E você e o James, naquela noite, dormiram na sua cama de cortinado e não me deixaram entrar pra conversar com vocês. Fiquei puto de verdade. O que vocês fizeram afinal?”

“Nada, Sirius. Tínhamos só doze anos. Ficamos conversando e rindo, relembrando de coisas engraçadas do ano anterior. Praticamos também beijo com a mão na frente, mas isso foi antes de você voltar para o dormitório.”

Sirius cruzou os braços ainda mais contrariado.

“Sabia! A gente já não tinha parado de brincar assim? Você adorava subir na gente... Subiu nele também?”

Remus respirou fundo. De vez em quando, o rapaz de cabelos castanhos precisava relembrar ao outro que passado era passado e que não existia fidelidade retroativa ou um vira-tempo de namoro. Precisava lembrá-lo também que ele contabilizava algumas faltas graves.

“Não queria que você ficasse perto de mim depois de ter se agarrado com a tal de Samantha Jones durante a noite toda. Na época, você tava beijando ela e não ia deixar você me beijar nem de brincadeira. Mas não quero lembrar de águas passadas ou brigar. Eu mencionei esse fato porque tenho algo pra você...”

Remus, como fizera no segundo ano, apalpou o envelope da carta dentro do seu casaco. Sabia agora que não seriam interrompidos. O pergaminho da correspondência estava com a textura um pouco mais amarelada pelo tempo e a grafia do rapaz de cabelos castanhos se apresentava um pouco mais infantil.

“Eu escrevi esta carta com a minha avó trouxa na semana em que estive na casa dela. Na época, ela não sabia que eu gostava de garotos, mas sabia que eu gostava de alguém da Escola. Quando voltei pra Londres, escrevi o seu nome e complementei o texto com outras coisas que queria te dizer. Era essa a carta que eu pretendia te entregar naquele dia do segundo ano. Não foi possível, então a guardei todos esses anos. É sua.”

Remus deu a carta ao outro rapaz, que, parecendo desconcertado, indagou.

“Posso ler?”

“Se não achar bobagem a declaração de um menino de doze anos...”

Sirius retirou o papel de dentro do envelope e desdobrou a carta. Tinha o perfume de Remus.

 

 

Querido Sirius,

Como você está?

Eu estou feliz por voltar para a Escola e espero que você esteja tão animado quanto eu. Fiquei muito feliz por você ter visitado a minha casa em Londres e espero que possamos fazer isso outras vezes. Talvez, um dia, possa visitar a casa dos meus avós trouxas também. Acho que eles gostariam de você.

Você sempre é muito legal e gosto de quando conversamos e estudamos juntos. Gosto quando você explora também o Castelo com James e me chama pra ir com vocês. Você tem sido um ótimo amigo e agradeço por todas as vezes que me defendeu ou brigou por minha causa na Escola.

Quando você descobriu sobre a minha licantropia, eu fiquei com muito medo de que você não gostasse mais de mim ou não quisesse mais ser meu amigo. Mas foi muito legal também tudo o que você disse de bom para mim e gosto quando você me chama de “lobinho” por dizer que não deve ser tão ameaçador um lobisomem da minha altura e tamanho. Você descobriu um dos meus segredos e agradeço por guardá-lo.

No entanto, tenho outros segredos e espero poder confiar em você dessa vez também...

O segundo segredo que eu tenho é que eu acho que gosto de garotos. Não como amigos somente, mas, talvez, da mesma forma que você e o James gostam daquelas garotas que vocês beijam e com quem ficam. Por isso que quando me perguntam o meu tipo de garota, eu fico calado. Não sei se vocês achariam estranho se eu dissesse que gosto da ideia de namorar garotos ao invés de garotas. Tomara que você possa me entender e tomara que possa guardar esse segredo também.

O terceiro segredo, do qual tenho mais medo de que saiba, mas resolvi contar é que gosto de você. Não consegui evitar! Todas as vezes que você foi legal comigo e gentil, eu sentia cada vez mais que acabava gostando de você. Não é um gostar só de amigos. Eu queria ir a um encontro com você.

Se não achar estranho ser convidado por um menino e um amigo, podemos, nas férias, tomar sorvete juntos na Florean Fortescue ou numa sorveteira trouxa, se tiver curiosidade. Ou podemos, na primavera, olhar juntos as flores do freixo da Escola se não achar muito sem graça para um encontro. Gosto também de olhar a lua crescente e podemos espiar as estrelas do gramado de Hogwarts numa das vezes que explorarmos a Escola de noite. Acho que deve ser divertido ir a um encontro com você e podermos conversar e rir juntos como já fazemos. Acho que gostaria de segurar a sua mão também. Você já ficou com garotas e deve ter segurado a mão delas. Eu nunca segurei a mão de ninguém dessa forma. Deve ser bom andar de mãos dadas com alguém, principalmente quando se gosta de verdade dessa pessoa.

Eu também nunca beijei ninguém, exceto nas vezes com a mão na frente que você e o James me ensinaram. Sei que já beijou garotas e já me disse que gostou muito. Não sei se você já beijou um garoto antes, mas se achar estranho fazer isso quando sairmos, podemos só conversar e, se quiser sair comigo de novo, podemos tentar. Só acho importante dizer pra você que nunca fiquei com ninguém porque não sei muito bem o que esperar e o que fazer em um encontro, exceto pelos filmes (as imagens trouxas que se mexem e são reproduzidas como numa história).

Mas se você achar tudo isso estranho e não quiser sair comigo, acho que vou ter que me conformar. Vou ficar bem triste, mas tudo bem. Minha avó disse que, nesses casos, deve-se seguir em frente e se torcer para a pessoa ser feliz enquanto se tenta ser feliz, vivendo uma outra história. Espero que, de qualquer forma, possamos continuar sendo amigos e que não se afaste de mim. Mas peço, por favor, que pare de me perguntar sobre o meu tipo de garota porque eu gosto de garotos. O meu tipo de garoto é o seu: corajoso, amigo, inteligente, legal e muito muito lindo. Eu queria que você fosse o meu namorado, mas se quiser ser só o meu amigo e guardar os meus segredos, serei também o seu amigo pra sempre.

Com amor,

Remus

 

 

Havia um coração desenhado ao lado da assinatura de Remus. Antes que o rapaz de cabelos castanhos pudesse falar algo quando Sirius terminou de ler a carta, ele foi puxado para um abraço e recebeu uma chuva de beijinhos.

“Bonitinho, devia ter me entregado a sua carta no segundo ano. Poderíamos ter começado a namorar naquela época...”

Remus ergueu os seus olhos para Sirius.

“Você já tava namorando nesse período. Acho que me daria um fora bem doloroso.”

Sirius se indagou internamente se, com aquela idade, teria os mecanismos e maturidade para acolher os segredos e declaração de Remus. Na época, Sirius não sabia que gostava também de ficar com garotos. Sabia que gostava de brincar de beijar com a mão na frente com Remus e que, no fundo, apreciava bastante quando o rapaz de cabelos castanhos subia nele.

Mas como era um ano mais velho do que o outro garoto e se assustava com as respostas do seu corpo, Sirius decretou o encerramento da prática, não querendo tirar vantagem do seu amigo. Nessa época, ele também se flagrava olhando Remus distraidamente nas aulas. No início, ele achou que isso se devia à licantropia do outro rapaz e que, por uma curiosidade natural, observasse como o fenômeno se manifestava no dia a dia do amigo. Mas seu olhar não o abandonou, mesmo quando a curiosidade passou.

“Acho que eu fui muito cego e levei muito tempo pra perceber que fazíamos sentido juntos.”

Remus sorriu, apoiando a cabeça em seu peito.

“As coisas acontecem na época que devem acontecer. Se tivéssemos começado a ficar juntos antes, talvez não tivéssemos aqui hoje e eu não gostaria de, neste momento, estar em nenhum outro lugar.”

Sirius, com o rosto ruborizado e um sorriso meio bobo, guardou a carta dentro do seu casaco. Depois, ele tirou de dentro da sua carteira o poema escrito por Remus que lhe fora dado por Carlson antes da partida de Quadribol da Grifinória contra a Corvinal. Narrando ao rapaz de cabelos castanhos o que se sucedera, Lupin pareceu um pouco encabulado. No fim, ele falou.

“Michael foi sempre muito legal comigo e eu me arrependo pelos meus erros com ele. Na época, eu tava muito confuso e não fui uma boa companhia. Espero que ele possa ser feliz junto de outra pessoa. Achei que esse poema tivesse se perdido e é estranho vê-lo em sua carteira. Por que o guardou?”

“Carlson achou que esse poema havia sido escrito pra mim e que era justo que eu ficasse com ele. Nunca havia lido nada produzido por você, Remus. Eu achei lindo... e me emocionei de verdade... E eu já falei antes, mas preciso repetir. Você nunca foi invisível pra mim. Sempre foi importante. Eu só não te olhava da maneira certa.”

Remus baixou o rosto um pouco ruborizado.

“Fico feliz que tenha gostado... Se tiver interesse, tenho outros poemas que escrevi e posso te mostrar também...”

Sirius tirou a franja do rosto do outro rapaz.

“Claro que tenho, lindo! Quero ver tudo o que quiser me mostrar...”

Remus prosseguiu.

“Você tem uma foto minha também na sua carteira.”

“Claro que tenho! Adoro essa foto! Coloquei ela na minha carteira desde o dia que começamos a namorar.”

Os dois rapazes, após algum tempo, desceram as escadas do estabelecimento, mas antes Sirius pediu uma bandeja com pequenos doces de chocolate como mais uma sobremesa, que levara até a boca de Remus como um amante devoto. Remus comia o chocolate dos dedos de Black, retribuindo ao gesto carinhoso até que Sirius consultou o seu relógio, observando dois cavalheiros sentados próximo, e avisou que precisavam ir.

O roteiro da segunda parte do encontro havia ficado ao encargo de Remus e ele, voltando-se para Sirius, anunciou:

“Prepare-se para diversão trouxa!”

Os dois garotos foram ao banco de Hogsmeade trocar dinheiro bruxo por dinheiro trouxa e quando saíram do local, Remus esticou a sua varinha para fora do meio-fio. Imediatamente, um ônibus de três andares roxo surgiu, cortando uma ruela e estacionando, com um arranco, diante dos dois garotos.

“Wow, vamos de Nôitibus Andante!? Que legal! Meus pais nunca deixaram eu subir em um porque dizem que ele foi inspirado em veículos trouxas. Mas sempre tive curiosidade!”

“Vamos para a cidade vizinha de Hogsmeade e é muito longe pra irmos caminhando.”

Os dois garotos se sentaram no terceiro andar em um banco, passando por três cabeças encolhidas penduradas.

“Se segurem, garotos! Vamos pra qualquer lugar desde que seja neste mundo.”

“Ou não!” — gargalhou a outra cabeça diminuta.

Rapidamente, Sirius e Remus sentiram o sacolejo do transporte que os moveu para os lados, atirando-os como moedas dentro de um pote. Rindo, eles preferiram tentar se equilibrar de pé.

Uma bruxa com a filha pequena e um bruxo idoso, parecendo mais familiarizados com o transporte, usavam um feitiço para levitarem no ar toda vez que o ônibus parava ou acelerava bruscamente. Quando um dos funcionários do trem, ofereceu chá de gengibre para os garotos, a fim de prevenir os enjoos que a viagem poderia proporcionar, Remus se antecipou. 

 

 

“Melhor não aceitar, Sirius! Fiquei, certa vez, encharcado com um desses por causa do sacolejo no Nôitibus.”

Quando os dois garotos chegaram à cidade vizinha e desceram do veículo bruxo, Sirius se viu diante de um parque trouxa enquanto o ônibus já arrancava, desaparecendo na esquina.

“É o parque itinerante ao qual as Morganas foram. Não é como um grande parque de Londres, mas acho que deve ser divertido. Vamos!”

Sirius, olhando tudo com curiosidade, deixou-se ser guiado por Remus. Ele nunca havia entrado em um parque trouxa. Certa vez, quando estava em Praga, ele viu uma família trouxa com os filhos pequenos parecendo muito animada ao entrar em um parque de diversão. Na ocasião, Orion fizera um comentário purista e desdenhoso.

“Quando sorriem, trouxas parecem ainda mais feios. Vamos andando porque não suporto esse fedor.”

Sirius se entristecera na ocasião, respondendo ao “tchau” que a menina trouxa lhe dava e recebendo, em resposta, um forte tapa no braço, dado por Walburga.

“Eu já disse pra não falar com eles! Quando você vai aprender a fazer o que eu digo?!”

O que falariam os Blacks se soubessem que o seu filho mais velho entrava num parque trouxa ao lado de seu namorado mestiço e que a diversão era financiada com o dinheiro deles? Sirius sorriu discretamente, guardando esse pensamento só para si. A vingança podia ser retroativa.

Os dois garotos, naquela tarde, foram a várias atrações. Sirius gostou em especial do “chapéu mexicano” por ser um brinquedo de voo. Foram também na xícara maluca e no trem fantasma, cujos sustos fizeram Sirius gargalhar, mesmo as outras pessoas ao seu redor gritando.

Degustando uma maçã do amor, Black puxou Remus em direção à roda gigante.

“Vamos naquele! Sempre vi esse em Londres e nunca pude subir.”

Remus ponderou.

“Podemos ir, mas não sei se você, que gosta de voar rápido com a vassoura, vai achar tão divertido.”

“Não importa. Quero experimentar tudo.”

Lá de cima da atração, os dois garotos puderam ver a cidade e Remus usou a polaroid trouxa para tirar algumas fotos dele ao lado de Sirius.

O rapaz de cabelos compridos beijou o seu rosto e beijou a sua boca, deixando que esses momentos fossem registrados. Depois de experimentarem pipoca e algodão doce, Remus se deteve na atração de tiro ao alvo em que se podia ganhar prêmios de acordo com o alcance da mira.

Sirius, olhando para o outro rapaz, observou os brinquedos de pelúcia na prateleira, recordando-se da foto que viu na casa dos Lupins em que Remus, com um ano de idade, sem conseguir controlar a própria magia, fazia os ursinhos dentro do seu berço flutuarem. Sirius sorriu com a lembrança e disse para o outro rapaz.

“De qual você gostou?”

Remus contemplou os brinquedos de pelúcia. O senhor que cuidava da atração, informou-lhe:

“Os ursinhos e os coelhos de pelúcia têm muita saída, filho...”

Mas o rapaz de cabelos castanhos já escolhera o brinquedo de que mais gostou. Apontando para ele, ao sorrir, retorquiu para Sirius.

“Gostei daquele!”

Sirius ergueu uma sobrancelha e se posicionou com a atiradeira na mão, fazendo uso da boa mira que a artilharia do Quadribol lhe conferia.

“É seu então!”

Dez minutos depois, os garotos deixaram o parque e Remus levava em seus braços um enorme cachorro de pelúcia preto.

Sirius havia achado o parque de diversão trouxa muito empolgante e caminhava de mãos dadas com Remus ainda. Com o rosto um tanto afogueado, ele não parava de falar.

Quando Remus começou a cantarolar uma canção trouxa francesa, Sirius pediu que o rapaz de cabelos castanhos cantasse mais alto, apreendendo as palavras.

“Comme les garçons et les filles de mon âge. Connaîtrais-je bientôt ce qu'est l'amour? Comme les garçons et les filles de mon âge
Je me demande quand viendra le jour...”

Aparentemente, a música falava de alguém que via os casais apaixonados e se perguntava quando poderia experienciar a alegria de amar e ser amado. No término da música, havia a promessa de se viver um momento feliz quando o amor viesse.

“...É Françoise Hardy, uma cantora trouxa. Quando meus pais e eu passamos pela França, minha mãe disse que um pouco de cultura trouxa não ia nos fazer mal. Frequentamos muitos cafés, teatros, museus, cinemas e ouvimos muita música trouxa naquela época... Eu sempre gostei dessa canção e quando escutava ela nas férias da Escola, pensava em nós dois.”

“Você e seus pais são tão legais por terem viajado por vários lugares do mundo! Sabe que admiro muito os Lupins, não sabe?”

“Eles também gostam muito de você, Sirius... Podemos ir juntos à França quando estivermos de férias, por uma semana talvez. Deve ser divertido viajar com você...”

“Eu quero ir, lobinho... Pode me apresentar outras atrações trouxas... Pode me ensinar coisas que eu não sei. Acho que nunca perguntei a você isso, mas como é ter o lado bruxo e o lado trouxa dentro de você? É como fazer parte de dois mundos?”

“Acho que sim... Talvez seja um pouco como falar uma língua estrangeira muito bem. Eu me sinto muito feliz no mundo bruxo, mas, quando vejo coisas do mundo trouxa, quero entendê-las e transitar por elas também. Minha mãe disse pra mim uma vez que não conseguiria escolher entre um mundo e o outro. Acho que sou um pouco como ela. O mundo bruxo e o mundo trouxa são os meus mundos.”

Sirius beijou o rosto de Remus e lhe disse:

“Nesse caso, esse mundo também faz parte do meu agora. Precisa dar um jeito de me mostrar essa canção trouxa. Gostei muito dela.”

O sol começava a se pôr e os garotos subiram no Nôitibus Andante novamente a caminho de Hogsmeade. Sirius perguntou a Remus se tinha outro lugar ao qual ele gostaria de ir e o rapaz de cabelos castanhos afirmou que o encontro não havia ainda acabado.

Os dois rapazes desceram um ponto antes do Três Vassouras e Sirius se deixou ser guiado por um conjunto de ruelas estreitas até que chegassem diante de uma casa grande de três andares. Remus se localizava também por um mapa feito à mão. Diante da porta da casa, estava escrito Vassoura Viajante e Remus se deteve, instruindo Sirius.

“Vamos fazer o seguinte: o dono deste lugar se chama Trevo e ele é um duende que negocia quartos para viajantes.” — Remus olhou ao redor, vendo alguns bruxos passarem na frente do casarão — “Trevo aluga quartos também para quando os alunos querem se reunir para conversarem em privado ou darem aulas particulares fora do serviço da monitoria, durante o passeio a Hogsmeade. Ouvi dizer que ele também alugava quartos para festinhas de alunos do último ano, mas eram reuniões clandestinas e o Ministério abriu uma investigação. Eu vou dizer que você é o meu aluno particular e vou alugar um quarto para a gente. Só concorda com tudo o que eu disser, ok?”

Sirius ergueu uma sobrancelha.

“Como sabia desse lugar?”

“Eu sou monitor, esqueceu?! Sei de muitas coisas que acontecem em Hogwarts. Nunca estive aqui antes, mas vamos torcer para que Trevo acredite na nossa história.”

Os dois rapazes entraram na casa sem estarem com as mãos dadas. A recepção era um lugar não muito amplo, mas bem decorado com um carpete e vasos de flores. Havia algumas estantes com livros e um sofá em que uma bruxa, sentada, lia o Profeta Diário. O papel de parede de bom gosto trazia um ar elegante para o lugar.

Os dois garotos esperaram um bruxo segurando uma mala de viagem terminar de conversar com Trevo, antes de sair pela porta e desaparatar do lado de fora.

Trevo era um duende de cabelo muito escuro, com cara rabugenta e uma expressão sisuda que não lembrava em nada o rosto delicado de Winnie. Trajava um terno verde do seu tamanho e mexia em alguns pergaminhos dentro de uma pasta. De sua cadeira alta, ele olhou os dois rapazes que entraram no Vassoura Viajante e esperavam serem atendidos.

“Boa tarde, eu sou Remus Lupin, monitor do quinto ano da Grifinória, e gostaria de alugar um quarto para dar uma aula de reforço ao meu colega.”

Trevo apoiou a mão em seu queixo e espreitou os dois garotos por trás do balcão.

“Varinhas e distintivo de monitoria pra você.”

Rapidamente, os dois garotos colocaram as suas varinhas sobre a mesa e Remus, de dentro da sua mochila, tirou o distintivo de Monitor, apresentando-o.

O duende colocou todos os itens dentro de um cálice grande de níquel revestido de arabescos gravados e o objeto pareceu fazer algum tipo de leitura enquanto emitia uma fina fumaça. Após um minuto, uma tira de pergaminho foi expelida do cálice e ele devolveu os itens aos garotos.

“Remus John Lupin, monitor do quinto ano da Grifinória e Sirius Black, aluno do quinto ano da Grifinória. Certo! O que vão estudar?”

Remus, que parecia ter se preparado para aquela pergunta, retirou de dentro da sua mochila o livro de Defesa Contra as Artes das Trevas, mostrando-o ao duende.

“Defesa contra as Artes das Trevas, senhor. É uma aula intensiva para o simulado do N.O.M.s.”

“E isso aí?” — apontou Trevo para o cachorro de pelúcia que Remus segurava.

“Fui a um parque trouxa mais cedo antes de vir dar aula. Minha mãe é nascida trouxa. Eu ganhei o bicho de pelúcia em uma atração do lugar.”

O duende, com alguma desconfiança, pegou uma chave com uma fita fina e verde amarrada em sua fenda para entregar a Remus. Antes, no entanto, indagou-o com um olhar inquisidor:

“Vocês não são como aqueles estudantes que fizeram uma zona no meu hotel e trouxeram essa investigação para os meus negócios, não é? Sempre ganhei a vida honestamente e estou pagando caro por causa de alguns delinquentes da Escola de vocês!”

“Não, senhor... Não queremos criar nenhum tipo de transtorno...”

“Até ameaçado eu fui por um colega seu do sétimo ano! Como eu poderia proibi-lo de se hospedar aqui com os amigos se ele me deu uma carteirada, falando do pai influente dele? Sabia que algo daria errado na última vez que tiveram aqui e não deu outra!”

Remus se manteve em silêncio, observando com compaixão marcas de preocupação se desenharem no rosto de Trevo. Ele parecia estar tendo um momento difícil. Por fim, o duende passou a chave a Remus.

“...Pode acertar agora. É 40% do valor da aula.”

Conforme o combinado, Sirius se manteve em silêncio, deixando que Remus resolvesse as negociações. Ele observou que, mesmo Trevo, um duende dono de um hotel com alguma experiência, parecia confiar no rosto angelical de Lupin. Black não achou errada a situação porque eles não desejavam depredar o patrimônio do duende ou prejudicar ninguém. Só queriam ter um momento a sós e poderem trocar carinho sem precisarem se esconder em algum lugar ermo da Escola, feito dois criminosos.

Antes de se retirarem, Remus fez um gesto de agradecimento para Trevo e disse, remanchando um pouco:

“Sinto muito pelo que aconteceu, senhor. Espero que esses alunos do sétimo ano paguem.”

Os dois rapazes subiram dois lances de escada e procuraram o 205, seguindo a numeração romana entalhada nas portas de madeira até, finalmente, os dois entraram no quarto, fechando a porta atrás de si.

O lugar tinha uma cama de casal grande com lençóis limpos. Havia uma mesa de estudo grande no centro do quarto com pergaminhos, tinteiro e penas disponíveis. Havia a lareira e um aparador. As velas do lustre já haviam sido acesas.

Sirius viu Remus fechar a porta atrás de si à chave e se recostar nela com as mãos para trás com uma entrega singela. O rapaz de cabelo compridos se aproximou dele.

“Não imaginei que houvesse um lugar assim em Hogsmeade e você me surpreendeu mais uma vez, lobinho...”

Remus tinha o rosto ruborizado.

“Queria que isso também fizesse parte do nosso encontro. Nos meus sonhos, você pedia para eu dormir com você no fim do dia, e eu aceitava porque eu sempre quis estar com você...”

“Remus...”

Sirius abraçou o rapaz diante de si, beijando o alto de sua cabeça. Remus prosseguiu, segurando a mão do outro rapaz. Seu olhar amarelo se mantinha em um ponto distante.

“Podemos ser um pouco mais ... gentis hoje? Quero o seu carinho, a sua gentileza, a sua doçura, Sirius Black... Quero que me toque como se toca alguém em um primeiro encontro.”

Sirius sussurrou com a boca próxima do outro.

“Claro que podemos. Isso me faz lembrar da primeira vez que ficamos juntos na Floresta Proibida. Eu tava tão nervoso por estar com você. Preciso também do seu carinho, Remus. Preciso do seu amor, como naquele dia...”

Foi com delicadeza que Sirius beijou o rapaz de cabelos castanhos, replicando a forma que havia lhe beijado na primeira vez em que estiveram juntos. Beijou-lhe os olhos fechados primeiro, desenhando um caminho com os lábios até a sua fronte. Depois, com uma carícia suave, encostou a boca em sua bochecha. Por fim, os lábios dos dois rapazes se encontraram e eles se demoraram nos beijos, sem pressa. Abraçaram-se e Remus se sentou sobre os joelhos de Sirius. Quando os dois partiam os beijos, os dois garotos mantinham as suas frontes unidas, os olhos semiabertos, as almas entrelaçadas.

Remus, envolvido pelo momento, involuntariamente deixou que a magia escapulisse do seu corpo sem a varinha, acertando o cachorro de pelúcia que ganhara de Sirius no parque itinerante trouxa. Sobre a mesinha de centro, o objeto começou a levitar e Sirius se adiantou para puxá-lo para baixo, depositando-o novamente sobre o móvel com um sorriso discreto.

“Posso tirar a sua roupa, Remus?”

O rapaz de cabelos castanhos assentiu, e, enquanto Sirius ainda o beijava, suas vestes foram removidas com mãos delicadas. Sirius também tirou as suas roupas de alfaiataria: o paletó, os sapatos, o colete, os suspensórios, as calças...

E, nu, ele estalou o dedo para acender a lareira do quarto. Rapidamente, o ambiente se aqueceu e o frio do outono foi convidado a se retirar do recinto.

Sirius se permitiu beijar com doçura os arranhões cicatrizados do corpo do rapaz de cabelos castanhos enquanto ele o envolvia com seus braços. Deixou seu corpo ser acariciado e beijado também por Remus, conforme o rapaz erguia os olhos para se conectar às pupilas cinzentas de Black.

A boca do rapaz de cabelos castanhos percorreu os mamilos de Sirius, descendo pela sua barriga, contornando os desenhos feitos com magia até alcançar a extensão do seu sexo, que despontava excitado por seus toques. Com a perícia que já obtinha, Remus estimulou longamente o outro rapaz, sentindo as mãos em sua cabeça se moverem imersas em um sincero prazer.

Remus se surpreendeu um pouco quando percebeu que Black forçava a sua cabeça mais para baixo, conduzindo a sua boca até o seu esfíncter enquanto elevava um pouco os quadris. Os gemidos do rapaz de cabelos compridos, que já não estavam baixos, elevaram-se rapidamente. Remus se lembrou de usar a sua varinha para isolar os sons do quarto, murmurando um feitiço.

Parecendo um pouco encabulado, Sirius ficou de pé na cama, apoiando-se com as mãos na parede. Remus se ajoelhou e voltou a proporcioná-lo prazer daquela forma.

Nas últimas vezes, Sirius havia estimulado Remus daquela forma, mas se esquivava da retribuição, parecendo um tanto ressabiado. No fim, Remus foi um pouco além e aproveitou um momento de entrega do amante para deslizar a sua língua até aquele ponto circundado de tabus.

Aparentemente, Sirius havia gostado muito da anilíngua praticada por Remus, mas, com algum preconceito, parecia pedir aquela forma de carícia com alguma vergonha, temendo que o outro o questionasse. Remus não questionou. Ajoelhado, usava a sua língua, estimulando-o da mesma forma que Sirius o estimulava tantas vezes, levando-o às alturas. Remus sentiu a mão do outro rapaz em sua cabeça, conforme Sirius esticava o braço para trás. Os gemidos de Sirius aumentarem e o rapaz de cabelos compridos estimulou o seu próprio membro, bastante excitado.

Em um determinado momento, Sirius, finalmente, deteve-se e estimulou também o outro rapaz com a sua boca. Percorreu com a sua língua a extensão do seu sexo e se demorou naquela carícia que Remus gostava muito também. De quatro, o rapaz de cabelos castanhos agarrava com os dedos os lençóis sob si e derrubou um quadro da parede com a sua magia fugitiva.

Quando foi penetrado, Remus se posicionou sob Sirius, sustentando o seu olhar. Remus apoiou as pernas nos ombros do rapaz de cabelos compridos e manteve seu olhar fixo, mesmo quando Black começou a invadi-lo com os seus dedos. Depois, quando o rapaz o penetrou com o seu sexo, Remus apertou os olhos por alguns segundos, antes de fitar novamente Black. Sirius murmurou em seu ouvido.

“Tá gostoso pra você assim?”

Remus assentiu enquanto tinha o seu olhar conectado ao de Black. Conectado como, no segundo ano, não conseguiram se conectar durante a dança trouxa ensinada por Remus. Sirius também não desviou o seu olhar. Ele beijou o outro rapaz, sentindo-se de um modo que nunca havia se sentido antes. Sentindo-se nu de algo que ia além das suas roupas. Black se sentia vulnerável enquanto penetrava o corpo de Remus, como se algo o penetrasse também.

Black esperou que Lupin se movesse, sinalizando que já estava confortável. Sirius, então, investiu contra ele, penetrando-o mais e sentindo aquele prazer indômito alcançá-lo.

“Como na primeira vez...” — murmurou Sirius, fixando as retinas do outro rapaz.

Controlando a respiração, Remus arquejou:

“Eu lembro. Não me esqueceria nunca...”

Sirius enterrou a cabeça no pescoço de Remus algumas vezes, conforme o rapaz o puxava mais para si. No entanto, ele não pode deixar de voltar a fitar os olhos do rapaz de cabelos castanhos que não apenas o olhavam, mas pareciam enxergá-lo em uma dimensão maior, mais profunda, como ninguém antes o fizera.

De fato, Lupin via no outro rapaz todos os encontros e desencontros que os conduziram até aquele momento. Enxergou como o amor era delicado para Black e como, feito o cachorro que corria atrás do próprio rabo, ele perseguira o que já existia nele. A capacidade de amar o diferenciava de sua família e nisso, residia a sua força. Sirius viu os olhos de Remus se avermelharem e uma lágrima escorrer por uma de suas faces. Achou que pudesse ter machucado o outro rapaz de alguma forma, mas entendeu de onde aquela emoção brotava quando o rapaz de cabelos castanhos murmurou:

“Eu te amo, Sirius...”

Sirius fechou os olhos, sentindo que aquelas palavras alcançavam os pontos mais claros, mais acidentados, ermos ou sombrios da sua alma. Sentiu a criança dentro de si que esperara a vida toda um gesto de carinho dos Blacks ser acarinhada pelos braços delicados de Remus. Sentiu o garoto inseguro, desprezado pela família, sentado sozinho no expresso de Hogwarts, ser achado por um garoto de cabelos castanhos que perguntava se podia se sentar com ele.

Sirius experimentou em si o rapaz que era admoestado por Filch durante uma Detenção no quarto ano após ser flagrado fumando no banheiro, e ouviu que era um “caso perdido”, ser acalentado por Remus, a melhor pessoa do mundo, que lhe escrevia cartas. Eles haviam andado de mãos dadas em Hogsmeade e isso era um mundo novo para um menino quebrado como Black.

O rapaz de cabelos compridos sentiu que as lágrimas alcançaram os seus olhos também, conforme sentia que Remus entrava ainda mais fundo em seu coração a uma distância que não era mais reversível. Sirius se sentiu a pessoa mais vulnerável do mundo e isso, pela primeira vez, não o assustou.

“Eu também te amo, Remus...”

Com os olhos conectados, os dois rapazes fizeram amor e ouviram a gaveta de um dos móveis abrir e fechar ruidosamente. Remus, com uma expressão profunda, movendo os olhos, analisou o poder retido dentro de si.

“Não saiu de mim...”

Sirius sorriu, enxugando as lágrimas dos seus olhos.

“Acho que fui eu... Nunca havia acontecido antes. Como faço pra parar?”

Remus acariciou o rosto do outro rapaz, beijando-o profundamente.

“Espera, a magia vai perder força naturalmente até se dissolver no ar...”

De fato, após mais ou menos um minuto e meio, a gaveta que era cuspida e engolida pelo móvel cessou o seu movimento. Sirius sentiu Remus sob si então, abrindo-se mais para ele conforme era penetrado. Ele se afastou um pouco, vendo o rapaz de cabelos castanhos se estimular com a mão conforme ele se movia com mais rapidez. Entre gemidos, Remus anunciou que ia gozar e Sirius, apertando os olhos sentia aquele prazer derradeiro o alcançar também.

Após gozar dentro do corpo do rapaz de cabelos castanhos, sendo movido por espasmos; euforia; oxitocina e vida, Sirius murmurou em seu ouvido novamente que o amava. Black sentia que o amor era uma magia tão maravilhosa que podia ser progressiva. Ele sentiu que amaria Remus para sempre.

O rapaz se perguntou intimamente se o olhar de Remus o amarrava com algum feitiço, visto que se sentia preso a ele de uma forma quase servil e ao mesmo tempo, mágica.

Os dois rapazes se beijaram e se mantiveram abraçados com os corpos úmidos e os corações palpitando nas caixas de ossos em seus peitos. Quando Sirius acendeu um dos seus cigarros, Remus pediu que o rapaz expelisse a fumaça em sua boca como fizera certa vez na ponte coberta de Hogwarts.

“Quando foi que percebeu que tava apaixonado por mim?” — indagou Sirius, tirando a franja do rosto do rapaz de cabelos castanhos, após expelir um anel de fumaça.

Remus respondeu, sorrindo um pouco timidamente.

“Desde a primeira vez que a gente se viu. Foi engraçado porque quando terminamos na mesma Casa, eu pensei que era sorte. Quando fomos escalados para o mesmo dormitório, achei que era uma sorte dupla. Quando começamos a andar juntos e nos tornamos amigos, eu comecei a achar que não era mais por acaso... Aí, fui te conhecendo melhor e a paixão se misturou com o carinho da amizade; aí virou algo mais e o resto da história, você conhece...”

Sirius sorriu um pouco melancólico.

“Você escondeu bem. Eu chegava a achar algumas vezes que eu te irritava ou que meu jeito de ser te incomodava.”

“Você não me incomodava. Eu queria muito ficar do seu lado, mas, no segundo ano, quando você começou a namorar Samantha Jones, eu precisei me proteger. Se se lembrar bem, vai se recordar que foi a época que mais mergulhei de cabeça nos estudos e cobri todos os meus horários com eletivas. Praticamente, voltava para o dormitório para dormir e estudava horas na Sala Comunal. Eu não queria ouvir as suas histórias.”

Sirius se recordou da época em que Remus se mantinha mais tempo na biblioteca do que na companhia dos amigos. Naquele ano, houvera uma Olimpíada entre as Casas, voltada para o conhecimento acadêmico e Remus obtivera vários rubis para a Grifinória, respondendo a perguntas difíceis elaboradas pelos professores em disputas intelectuais. Sirius e James achavam que o amigo, na época, era um gênio e que o estudo era a coisa mais importante na vida dele. Saber que agora Remus fugia um pouco da proximidade com Sirius nessa época, escondendo-se atrás das matérias, deixou-o um pouco encabulado.

“... Mas depois que eu tive uma crise de estafa mental, após um período de lua cheia estressante, fiquei um tempo na enfermaria e eu entendi que não podia fugir a vida toda. Percebi que eu que devia talvez mudar a minha forma de gostar de você. Comecei a gostar de longe, desejando que você fosse feliz e sendo feliz por ser seu amigo. Eu consegui viver assim durante um tempo e as suas histórias não me machucavam mais tanto. Daí, você e o James me beijaram no Lago e isso bagunçou tudo. Quando vocês dois começaram a ficar, tudo piorou. Eu perdi o controle da situação...”

Sirius bateu um pouco da cinza do cigarro no cinzeiro.

“Quando você fala assim, dá pra perceber bem o quanto eu fui um idiota com você.”

Remus tocou o seu rosto com o tique de sempre.

“Você foi!” — e, com um olhar profundo, Remus falou com uma pontada de dor mascarada com a advertência — “Não ouse me magoar de novo, Sirius Black...”

O rapaz de cabelos compridos envolveu o rosto do outro com as mãos e lhe disse, fitando-o nos olhos.

“Eu não vou mais te magoar, Remus Lupin. Eu juro!”

Os dois garotos seguiram para o chuveiro que era diferente dos de Hogwarts por ser uma banheira com ducha. Nela, Sirius e Remus fizeram amor mais uma vez com o rapaz de cabelos castanhos sentado sobre o outro rapaz, movendo-se com delicadeza enquanto o outro o beijava. Partindo o beijo, Sirius murmurou em seu ouvido.

“Queria poder ficar com você aqui pra sempre...”

Remus beijou o rosto diante de si como beijara Sirius, certa vez, no quarto ano, na enfermaria. Beijara-o como fora beijado na Floresta Proibida e como fora beijado também naquele quarto.

Depositando os seus lábios nos olhos fechados do rapaz de cabelos compridos, ele estendeu os beijos até a fronte, a bochecha. Antes que alcançasse a boca de Sirius, Remus murmurou com os olhos enevoados.

“Fica comigo pra sempre então...”

Quando deixaram o quarto, os garotos tomaram o cuidado de usarem o ar quente da varinha em seus cabelos para os secarem. O cabelo de Sirius, que era comprido, demandou um tempo considerável. Os dois arrumaram também a cama a fim de não parecer que a usaram e foi bom porque Trevo, ao receber a chave de Remus, pediu a uma funcionária, uma bruxa de idade, que inspecionasse o quarto antes de liberá-los.

Os dois rapazes, de mãos dadas, caminharam pela estrada que levava a Hogwarts, sem encontrarem outros estudantes no caminho. O sol já se punha há tempo e o céu noturno soprava uma brisa fria. Quando chegaram ao portão de Hogwarts, Hagrid, cercado como sempre de seus cachorros, abriu o portal para eles, que, logo após ser fechado, cobriu-se com um fino véu de magia.

“Senhor Black e senhor Lupin, olhem esse horário! Por que não voltaram com os seus amigos? Potter e Pettigrew já chegaram há muito tempo! Vocês foram os últimos a chegar!”

Os dois garotos se desculparam formalmente com o guarda-caça da Escola e subiram os gramados. Sirius, segurando ainda a mão de Remus, enquanto a beijava, murmurou:

“Foi o melhor encontro da minha vida!”

“Foi o meu também...”

Remus permaneceu um tempo em silêncio, escolhendo as palavras adequadas. Havia algo que ele queria perguntar a Sirius, mas não havia encontrado o momento oportuno quando os dois conversavam na cama do hotel. Ele tentaria forçar o assunto agora no tempo remanescente.

“Sirius, ... por que você tá com tanta raiva do James ainda?”

O rapaz de cabelos compridos parou de caminhar, detendo-se um pouco. Depois, ele cruzou os braços e levou trezentos e noventa e oito segundos para responder:

“Não estou mais com raiva dele...”

“Então, por que vocês não se falam?”

Os dois garotos se encontravam próximo ao Lago e voltaram a caminhar com passos vagarosos.

“Não é assim tão simples, Remus... Teve algo que eu falei pra ele e do qual sinto muita vergonha. Não sei se ele vai me perdoar algum dia... E também, uma parte minha tá magoada com ele...”

Dessa vez, foi Remus que cessou o seu caminhar, mantendo-se abraçado ao cachorro de pelúcia que havia ganhado de Sirius.

“Tá magoado porque ele terminou com você?”

Sirius também parou, fixando o gramado sob os seus pés. Com as mãos nos bolsos, retorquiu:

“Eu não sou bom com términos...”

“Terminou com muitas garotas já, Black...”

“Mas James não é elas! Escuta, Remus, o que aconteceu em Londres tava muito recente naquela época... Não foi só você que ficou confuso, a gente ficou confuso também... Eu tava com o Potter; nós o traímos; ficamos os três juntos e depois, eu descobri que amava você... Daí ele me deu um chute.”

Remus se concedeu algum tempo antes de dizer com uma certeza velada:

“Você não queria deixar o James. Não da forma como foi obrigado a deixar...”

O rapaz de cabelos compridos franziu o cenho e moveu a sua cabeça.

“E por acaso você queria deixá-lo?”

Remus ponderou. Era egoísmo demais eles entrarem em consenso sobre como o amigo satisfazia uma parte dos dois profundamente porque James Potter era, antes de tudo, alguém que os dois amavam. Afastá-lo? Talvez essa nunca tenha sido a intenção. Mantê-lo perto? Os dois mal se lembravam de como era a vida antes dele.

“E por que você tá magoado com o James ainda?” — indagou Remus.

“Eu fiquei com raiva por ele nos abandonar por conta dessa garota de quem ele gosta!”

Remus baixou o rosto, não deixando aquele ciúme que era como uma coceira se alastrar por seu coração. Pigarreando, ele respondeu:

“Não é o afastando assim que vai melhorar as coisas.”

O rapaz de cabelos compridos franziu o cenho, olhando para os próprios pés.

“Nossa amizade nunca mais vai ser a mesma...”

“Não vai ser se você não deixar ele se aproximar. James Potter ama você. Ele apanhou por sua causa e por minha causa! Não é justo afastá-lo dessa forma... Dói quando eu vejo ele andando atrás de você em silêncio, tentando ser o seu melhor amigo de longe, Sirius.”

Remus se lembrava, nesses momentos, da imagem do senhor Black indo ao King’s Cross buscar, no recesso de Natal do segundo ano, Sirius. O rapaz arrastava o seu malão atrás do pai, sentindo-se humilhado, sem contar com um olhar de carinho sequer. Refletindo, o rapaz de cabelos castanhos concluiu que, se não houver atenção, mesmo as pessoas boas podem se tornar aquilo que as feriram ou o que mais detestam.

“James parece ter tirado essa história toda de letra. Ele não parece nem ter sofrido. Apesar de sermos amigos, eu sempre o achei enigmático e, muitas vezes, não sei como ele vai reagir a uma situação nova. James é muito mais maduro do que eu... Ele tá bem.”

Remus sacudiu a cabeça, levando a mão ao queixo.

“Isso me preocupa. A gente sempre falou que achava o James muito maduro e o senhor e a senhora Potter incentivaram ele a ser assim pelo que ele conta. Mas James só tem quinze anos. Quando eu pedi desculpas a ele, esperei que ele fosse agir com raiva ou rancor, mas ele pareceu até muito compreensivo. Não é estranho?”

Sirius permaneceu calado e Remus insistiu.

“...Fala com ele!”

Sirius permaneceu quase um minuto inteiro pensativo com as mãos em seus bolsos. O vento gelado avermelhava o seu nariz e bochechas. Por fim, ele assentiu com uma expressão grave e um olhar injetado. Abraçando Remus, ele perguntou:

“Lobinho, eu posso te contar o que eu disse de tão terrível pra ele na nossa briga? O que me faz sentir muita vergonha?”

Remus assentiu e deixou que Sirius sussurrasse em seu ouvido, as palavras que mais lhe causariam vergonha em sua vida. O rapaz de cabelos castanhos teve a sua expressão, rapidamente, endurecida quando aqueles elementos verbalizados alcançaram a sua compreensão. Engolindo em seco diante do que ouviu, ele se deixou ser abraçado por Sirius e que o rapaz chorasse em seu ombro. Chorasse como um menino que fizera algo demasiadamente feio e a vergonha era maior do que tudo o que tinha dentro de si. Remus acariciou o seu cabelo enquanto enxugava as próprias lágrimas com as costas das mãos.

“Você precisa pedir perdão a ele, Sirius...”

“E se ele não me perdoar?”

“Precisa continuar tentando. Ele é o seu amigo de verdade. Você precisa falar com ele.”

Sirius assentiu, recompondo-se. Ele que não chorava nunca, se esforçava para engolir o choro. Acomodar a dor e a vergonha em si.

“Eu vou falar. Só me dá um tempo, tá bem? Alguns dias... Mas prometo que vou falar com o Potter...”

“Certo... Faz isso. Você vai se sentir melhor. E ele também...”

Remus viu Filch atravessar o pátio de Hogwarts, fazendo sinal para que os dois jovens se aproximassem. Em breve, a Escola seria fechada.

Quando os dois rapazes atravessaram a Sala Comunal da Grifinória, depararam-se com Potter, Pettigrew e as Morganas sentados próximos à janela. Aparentemente, os grupos haviam se esbarrado em Hogsmeade e se juntado. Eles haviam jantado juntos no Grande Salão e seguiam com o papo pela noite adentro. Remus e Sirius foram chamados para se unirem aos amigos, mas o rapaz de cabelos compridos pediu um tempo a Remus e subiu até o dormitório. Ele estava com os olhos um pouco vermelhos ainda.

“Tá tudo bem?” — indagou James a Remus, olhando Black subir a escada.

“Acho que agora as coisas vão melhorar...” — retorquiu Remus, sorrindo.

Abrindo a sua mochila, o rapaz de cabelos castanhos distribuiu bolo de caldeirão e bombons explosivos que havia trazido para os amigos. Ele ganhou também sapos de chocolate de James e varinhas de alcaçuz de Parker.

“Que bonitinho!” — murmurou Winnie, acariciando o focinho do cachorro de pelúcia que Remus depositou sobre a mesa.

Pettigrew, ao olhar para o brinquedo, ergueu uma sobrancelha, cochichando próximo a James com desagrado:

“É a cara do Black! Como se um Sirius só no dormitório já não fosse uma porcaria...”

Lily, olhando a etiqueta do boneco de pelúcia, indagou:

“Não é produto bruxo. Foram a algum lugar fora de Hogsmeade?”

Remus contou sobre o parque itinerante trouxa e ocultou, em sua narrativa, o hotel de Trevo em que estivera com Sirius. Nessa hora, Black desceu as escadas e se juntou ao grupo. Winnie, vendo o rapaz com as roupas alinhadas e elegantes, murmurou, fitando-o:

“Está bonitão, Black! Se não fosse pelo Lupin, eu investiria em você.”

Um rubor feroz subiu no rosto dos dois rapazes. James olhou de um amigo para o outro e Pettigrew se limitou a sorver a sua cerveja amanteigada. As Morganas pareciam também não saber o que dizer, mas, no fim, Parker interveio, tentando tirar o foco do assunto.

“Winnie, não seja invasiva com os nossos colegas! Rapazes, estávamos combinando com o Potter e o Pettigrew de jogarmos Quadribol um dia. Não precisa ser algo ultrapassado feito garotos contra garotas. Podemos mesclar as equipes... O que acham?”

Remus, um pouco atordoado ainda com a menção do seu nome por Winnie, respondeu:

“Eu não voo tão rápido. Prefiro apitar o jogo se não houver problema...”

Raven assentiu com o seu sorriso largo e gentil enquanto piscava para a Winnie.

“Tudo bem. Podemos ver com o Dayal se, de repente, ele não joga como goleiro de uma das equipes.”

Winnie, imediatamente, levou as mãozinhas ao rosto com um olhar sonhador diante do qual, Raven complementou:

“...Ela tem uma quedinha pelo goleiro da Grifinória.”

“Estão pensando em jogar quando?” — indagou Sirius, distribuindo também entre os amigos caramelos cor de mel e diabinhos de pimenta, que comprou na Dedosdemel. Para James, além desses doces, ele distribuiu inúmeros sapos de chocolate, esqueletos doces, quadradinhos de chocolate, bombons explosivos, chicles de baba-bola e tortinhas de abóbora que se uniam em um montante diante do rapaz de cabelos rebeldes.

James mexeu nos óculos, tentando entender por que ganhava tantos doces de Sirius. Remus, entendendo a situação, achou alguma graça na forma do rapaz de cabelos compridos tentar uma reaproximação. Talvez tenha faltado infância para Black.

Parker, olhando com curiosidade também o rapaz de olhos cinzentos tirar uma infinidade de coisas do seu saco de Dedosdemel e amontoar diante de James, falou:

“No próximo domingo, já que no sábado, tem jogo da Lufa-Lufa contra a Sonserina...”

Remus consultou o seu calendário mental e percebeu que o sábado coincidia com o dia em que deveria ir para a Casa dos Gritos esperar a chegada da lua cheia. Não haveria forma de estar na Escola no domingo. Trocando um olhar cúmplice com os amigos, ele respondeu:

“Desculpem... Acho que não vou poder estar em Hogwarts no próximo domingo. Como sabem, a minha mãe faz um tratamento de saúde e ela precisa que eu cuide dela, já que o meu pai não pode faltar ao trabalho...”

Essa era a desculpa que Remus contava naqueles anos para os colegas, a fim de justificar a sua ausência no período lunar.

“Nossa, sem problema! Podemos adiar para outra semana então.” — falou Lily.

Nesse momento, um grupo de grifinórios atravessou a entrada do quadro da Mulher Gorda e entre eles, encontrava-se Peter Olsen. Sorrindo, ele acenou para as Morganas e se aproximou da mesa.

“Ai, não...” — murmurou Remus já com algum enfado pela abordagem do veterano, que, durante a manhã, tentara lhe reter em uma conversa. Lily deu uma risadinha quando viu Remus levar a mão ao rosto.

“E aí, quinto ano?” — saudou-os o rapaz do sexto.

Olhando para Lupin, que tentava se tornar invisível na mesa, Olsen acrescentou:

“... E aí, Remus? Vai dar ou não vai dar...?”

Lupin ergueu uma sobrancelha enquanto Sirius fitava o outro rapaz com não disfarçada ira.

“...Pra passar no N.O.M.s?” — riu-se o grifinório da própria piada. Parker mordeu os lábios e James retirou os óculos, não querendo ver aquela cena.

Olsen filou um dos doces de Lupin que estavam sobre a mesa.

“Você gosta mesmo de um chocolate, hein, Remus! Pra onde vai todo esse açúcar?”

Até Pettigrew pareceu incomodado, respirando fundo diante da abordagem do outro rapaz. Quando Olsen esticou a mão para pegar outro chocolate de Remus, Sirius lhe deu um tapa na mão com força.

“Para de comer os doces dele! O que diabos você quer afinal?”

“Calminha aí, Black! Um docinho não vai fazer falta! Olha quantos o Potter tem! Ainda dizem que os jogadores de Quadribol controlam a alimentação. Passei pra dizer um oi. E pra dizer para o Remus que o convite ainda tá de pé se ele quiser ir ao dormitório se matar comigo de tanto...” — o rapaz erguia as mãos no ar teatralmente, instaurando suspense — ...estudar!”

Peter Olsen tinha uma risada espontânea que o fazia rir ao fim de cada frase. Sirius achou que ele parecia um idiota e que o Chapéu Seletor estava variando das ideias já.

“Não estou interessado.” — retorquiu Remus sem se importar em ser educado.

“Tenho chocolate de Dedosdemel no meu quarto. Acho que o negócio é te atrair com comida então, garoto... Tenho pirulito também.”

Raven tomou um gole da sua bebida, parecendo sentir ondas tensas no ar. Winnie acompanhava tudo com bastante interesse. Sirius, finalmente, levantou-se e chamou Peter em um canto. O rapaz, roubando um último docinho, seguiu Black.

“Escuta aqui, Olsen, o Remus é muito educado pra te falar isso claramente. Mas ele não tá a fim de você e você tá sendo bem inconveniente.”

Olsen ergueu as sobrancelhas.

“Eu tô sendo chato?”

“Pra caralho!”

O garoto pareceu refletir durante alguns segundos.

“Você tá com ele, Black?”

“Tô! E para de dar em cima dele!”

Olsen cruzou os braços, ponderando.

“Mas você tá mesmo com ele ou vocês dois tão só se pegando? Porque eu também não quero compromisso. Só quero dar uns pegas no Remus. Daí, se a gente se organizar, tem diversão garantida pra todo mundo...”

A risadinha final de Olsen o fez parecer ainda mais estúpido. Sirius se sentiu inflamar, mas tentou não usar uma linguagem agressiva. Ele havia tido um dia muito bom com Remus e ainda estava abalado com a conversa que tiveram próximo ao Lago da Escola.

“Eu sou o namorado dele! Parte pra outra, Olsen!”

O sextanista, com uma expressão de entendimento, moveu as mãos diante do outro rapaz, fazendo parecer que o assunto estava encerrado. Mas quando Sirius deu as costas, ele falou:

“Se vocês terminarem, me avisa, tá?”

Black voltou para a mesa, revirando os olhos e recebeu em retribuição um olhar apoiador de Remus. Como Sirius já havia percebido antes, Lupin vinha chamando a atenção de outros rapazes já há um tempo e, apesar de ele entender o encanto do namorado, sentia-se além de enciumado, zeloso.

Não somente na Escola, mas até mesmo no restaurante bruxo ao qual foram, ele viu dois cavalheiros bem mais velhos fitarem Remus quando perceberam que os dois estavam juntos, medindo-o da cabeça aos pés enquanto conversavam. Remus não pareceu perceber e talvez os dois bruxos tivessem tomado Sirius, devido às suas roupas, por um bruxo mais velho que se divertia com um estudante e não um garoto quase da mesma idade.

Um deles murmurou quando Remus foi ao banheiro: “Que rostinho lindo! Adoraria vê-lo com o uniforme de Hogwarts. Ou sem...”.

Colocando o braço ao redor de Remus, Black olhou feio para os dois bruxos, constatando que a alta sociedade bruxa era composta por pessoas daquela estirpe que se dizia purista e superior, mas era sórdida e podre, quase devorando um garoto de quinze anos que havia ido a um restaurante almoçar. Sirius encarou de uma forma tão irritada os homens que um deles, puxando o outro bruxo pelo braço, disse:

“Vamos embora, Meadowes. Ele parece já ter dono hoje.”

Remus não havia notado nada. No entanto, Sirius percebeu a movimentação no restaurante e percebeu também que as investidas de Olsen se tornavam cada vez mais alusivas. Com a sua cara de bobo, o sextanista se manteve com as mãos nos bolsos no meio da Sala Comunal, observando Remus comer sem pressa os seus chocolates ainda por um tempo.

Quase o estudando com uma estupidez perigosa.

Era necessário Black proteger Lupin de lobos mais cruéis, mais vorazes do que o lobo que Remus carregava dentro de si. Lobos que podiam ser predatórios com o garoto que não desconfiava do fascínio que exercia agora sobre as pessoas e se movia pelo mundo com alguma ingenuidade, que também era atraente.

 

Chapter 6: Animagus

Summary:

Remus corre risco de vida e isso obriga os Marotos a realizarem a difícil arte de Animagus sem garantias de que tudo dará certo.

Chapter Text

https://www.youtube.com/watch?v=X1owwqR0ac8

 

"Sorte tua conseguir dar uma escapada da Escola e se livrar de todos esses testes chatos para o N.O.M.s." — comentou Pettigrew para Lupin enquanto os dois amigos desciam uma das escadas que levavam ao Grande Salão.

"Você acha? Quer trocar de lugar comigo ou me fazer companhia?" — retorquiu Remus, ajustando os óculos sobre o rosto.

"Pau no cu! Enquanto a minha transformação de Animagus continuar miserável, passo nem perto de ti, cara! Tu vai ficar virado no lobo e eu vou estar aqui comemorando a vitória da Lufa-Lufa."— depois, com um sorriso debochado, revelando os dentes grandes, Pettigrew acrescentou — “Mas se tu quiser levar o mala do Black, eu acho uma boa.”

Remus fez uma careta de desgosto e respondeu:

“Não fala assim do Sirius! E enquanto a transformação dele não se fixar também, prefiro que ele fique bem longe de mim nesses dias.”

Naquele sábado, Remus deveria seguir antes do fim da tarde para a Casa dos Gritos, trilhando a passagem do Salgueiro Lutador, que se situava na orla da Floresta Proibida. Sirius, por sua vez, deveria passar a próxima semana de lua cheia longe de Lupin como sempre acontecia desde que os dois haviam ingressado em Hogwarts. Black esperava, durante aqueles dias, conforme havia se comprometido com Remus, poder conversar com Potter e restabelecer a amizade entre os dois. Esperava também conseguir pedir perdão.

Durante o café da manhã, o Grande Salão se apresentava coberto por enfeites verdes e amarelos devido a partida de Quadribol entre as Casas de Salazar Slytherin e Helga Hufflepuff. Os sonserinos desfilavam com broches e chapéus verdes enquanto, na mesa da Lufa-Lufa, eram sacudidas bandeirolas amarelas. A grande maioria dos grifinórios expressava a sua simpatia pelo time lufano, usando adereços amarelos, assim como os colegas da Lufa-Lufa deixavam claro o seu apoio quando a Grifinória jogava contra a Sonserina.

Na mesa da Grifinória, no entanto, Regulus falava com Sirius, parecendo contrariado.

"Sacanagem! Eu fiquei do lado da tua Casa quando vocês jogaram contra a Corvinal..."

Sirius, que usava uma echarpe amarela, escondendo as mordidas de Remus, retorquiu:

"Regulus, pede o meu fígado que é mais fácil eu te dar. Mas se algum dia você jogar no time da Sonserina, eu prometo que vou reconsiderar. E olha essa boca, pirralho! Já falei pra parar de falar palavrão."

"Na Sonserina, não tem só pessoas ruins. Tem algumas pessoas legais que você talvez gostasse..."

"O tio Slug é legal." — comentou Parker, folheando rapidamente o Profeta Diário enquanto derramava com a varinha leite em seu cereal."

"Por que você chama o Slughorn de 'tio'?" — indagou James.

"Porque ele é o meu tio mesmo. É meio-irmão da minha mãe."

"Não sabia disso! Winnie é parente do Flitwick e você é parente do Slughorn... Se alguém aqui for parente da McGonagall e da Sprout, já podem se unir e dirigirem uma escola." — riu-se Sirius.

"Talvez na sua família, Black, que é muito antiga, haja algum parentesco com as diretoras..." — comentou Raven.

“Quem dera! Na minha família, com raras exceções, só têm bruxos cafonas. Todos têm essa mania de darem uns aos outros nomes de estrela porque só olham mesmo pro passado e já devem ter existido uns quarenta Sirius antes de mim."

Regulus olhava um pouco sem jeito o irmão falar com desdém da própria família.

"Nossa família não é cafona..."

"É cafona sim... Você já viu cabeças de elfos domésticos e correntes penduradas por Hogwarts? Só em casa mesmo que vemos essas aberrações."

Olivia Stone, que se apoiava na cadeira de Sirius, tendo um livro consigo e se mantinha em silêncio até então, indagou:

"E se eu jogar no time da Sonserina, você vai torcer por mim também, Sirius?"

O rapaz olhou a garota como se fosse forçado a tomar um remédio amargo.

"Eu torço pra você e para o Regulus, o que não quer dizer que eu torça para o time todo!"

Dayal, que estava sentado perto e era fitado por Winnie, dirigiu-se ao rapaz de cabelos compridos.

"Black sabe ser diplomático. Tem talento para ser Ministro."

"É porque você nunca viu ele com raiva. Tem talento pra bandido também." —riu-se Pettigrew.

James mordeu os lábios por trás do seu copo de suco de laranja, sufocando uma risada. Remus, que lia o Profeta Diário, moveu a cabeça em concordância sem nada falar. Não se sabia se ele interagia com alguma notícia lida ou com a fala de Peter.

Sirius ia iniciar uma discussão com Pettigrew, mas foi interrompido por Lily, que desceu para o café da manhã, juntando-se às suas amigas ao cumprimentar os colegas. A garota estava com uma camisa da Lufa-Lufa e uma calça preta. Usava também rímel amarelo. Potter sorriu para ela e Sirius comentou com sarcasmo.

"Vai dar Sonserina hoje, Evans?!"

A garota riu e retorquiu.

"Não fala isso nem brincando, Black! Apostei um dinheiro que não... Raven, com muito esforço, vai tentar parecer neutra hoje na narração esportiva, né, Raven...?"

Antes que a amiga sentada no lado oposto da mesa respondesse, Lily foi cortada por uma voz masculina que se dirigiu a ela. Elliot Thomas, um rapaz do sexto ano da Lufa-Lufa, estava de pé ao lado da garota, usando o seu cachecol amarelo e preto. Em sua companhia, estava o seu amigo Noah Brown da mesma Casa.

"Oi, Evans. Tá bonita com as cores da Lufa-Lufa!"

A menina agradeceu um pouco sem graça por ser abordada diante de seus amigos. Noah, rapidamente, deslizou para o lado de Parker, puxando conversa com a monitora do quinto ano da Grifinória enquanto ela comia o seu cereal.

Sirius observou a cena com curiosidade e James fitou o rosto de Lily quando ela foi convidada pelo lufano para sair com ele no próximo passeio a Hogsmeade.

"Desculpa, Thomas. Eu estou muito focada no N.O.M.s e, no momento, prefiro ficar sozinha. Agradeço o seu convite de qualquer modo."

O rapaz insistiu um pouco antes de se resignar. Brown, que conversava com Parker, levantou-se e acompanhou o amigo de volta à mesa da Lufa-Lufa. Os dois deram uma olhada ainda para trás antes de se sentarem.

Lily pareceu meio encabulada e só depois de algum tempo, James percebeu que ainda fitava o seu rosto ruborizado. Sirius quebrou o silêncio com algum sarcasmo.

"A Lufa-Lufa já começou dando bola fora e se, no Quadribol, jogar assim, já era! O N.O.M.s tá sendo uma boa desculpa para se dar o fora em alguém nesse ano letivo."

"Tem sido um motivo válido! Quem tem tempo para pensar em namoro com tantos simulados a cada semana?" —defendeu-se Lily.

Nesse instante, uma garota lufana com o braço dado a uma amiga passou pela mesa, lançando olhares na direção do grupo grifinório. As Morganas identificaram as duas como integrantes da torcida organizada de Black e Potter. As duas também se incluíam no grupo dos alunos que, no primeiro ano, praticavam bullying com Winnie, pendurando-a na árvore do pátio de cabeça para baixo.

"Sirius Black e James Potter, torçam pela gente!" — gritou uma delas entre risinhos, vestindo uma saia amarela xadrez particularmente curta.

Os garotos levantaram o olhar, mas não responderam.

"Torçam pela gente..." — emendou-as Winnie com uma voz fina e enjoada, demonstrando algum rancor.

Remus, por trás de seu jornal, comentou:

"É um saco né, Winnie. Desde o primeiro ano sempre foi assim..."

"Eu não sei é como o Sirius e o James resistem..." — murmurou Pettigrew, acompanhando as garotas com o olhar.

Sirius, que ria ainda da imitação de Winnie, falou olhando em direção ao jornal aberto de Remus.

"Já falei pra todas que estou namorando."

Regulus franziu o cenho, parecendo surpreso com a informação antes de olhar para o irmão.

"Você tem namorada? Por que não me apresentou ela?"

Sirius pigarreou.

"Ela é da Grifinória ou é de outra Casa? Ela é bonita...?" — indagou Olivia, parecendo um tanto decepcionada.

Black se fechou em mistérios e quando as duas crianças do primeiro ano quiseram saber mais detalhes sobre a namorada secreta, o rapaz se limitou a desconversar.

Winnie indagou Parker.

"O Brown também te convidou pra sair, Julian?"

"Não. Na verdade, ele foi um pouco grosseiro e ficou dizendo que eu não fazia o tipo dele antes porque eu parecia superficial por andar com o pessoal mais velho, mas que, como virei monitora, ele começou a me achar interessante e que eu pareço uma garota direita agora. Achei ele bem babaca na verdade." — retorquiu a garota com azedume.

Sirius respirou fundo.

"Duas goles foras para a Lufa-Lufa."

"Quatro, se somarmos as suas fãs, Black..." — lembrou-lhe, Raven.

Pettigrew, que não lidava muito bem ainda com o fora que a monitora grifinória lhe dera, replicou meio que resmungando.

"A Parker é muito exigente! Vai acabar sozinha! Só pensa no tal de Galahad, que é vocalista do Avalon..."

A monitora deu de ombros, parecendo não se importar.

Winnie voltou a falar.

"O Brown, apesar de bonitinho, manda mal. O Thomas, apesar de ser gentil, tem cara de canalha. Minhas amigas merecem bons garotos. Eu também mereço um bom garoto, mas ninguém me convida pra sair na droga dessa Escola!"

Passados aqueles momentos iniciais em que Winnie permanecia tímida na frente de Dayal, a sinceridade da garota parecia ter se acostumado com a presença do seu crush. Dayal a fitava do outro lado da mesa agora com um olhar curioso.

Remus, dobrando o jornal e tomando um gole do seu suco de abóbora, fitou os seus amigos e percebeu que Potter estava estranhamente silencioso. Seus olhos muito amarelos encontraram os do rapaz de cabelos rebeldes.

James sorriu de volta para Remus, reparando que o canino do rapaz parecia maior e que ele evitava interagir tanto com os colegas devido ao seu humor pela proximidade da transformação em lobisomem. Os dois rapazes, desde o incidente da ponte em que foram imprudentes em suas conversas, não caminhavam mais por terrenos pantanosos em sua interação e era raro permanecerem a sós.

"Tá tudo bem, Potter?" — indagou Remus, servindo-se dos ovos e da carne malpassada em seu prato.

"Tá. E com você?"

Remus assentiu e os dois grifinórios se fitaram ainda por alguns segundos. Movendo a boca sem emitir som, Lupin fez outra pergunta ao amigo. Pela leitura labial, Potter deduziu que o outro indagava se ele estava chateado com algo.

Com a sua gentileza habitual, Remus era bem perceptivo. James estava, de fato, chateado com o fato de Elliot Thomas convidar Lily Evans para sair. A garota, felizmente, rejeitara a investida do rapaz, mas isso relembrava Potter de que ela também não aceitava o seu convite para que saíssem juntos. Os dois colegas vinham conversando bastante e a garota de cabelos cor de cobre se mostrava receptiva com a sua amizade, mas não havia entre os dois nenhum outro tipo de aproximação romântica, apesar de eles já terem trocado um beijo meses atrás. James gostaria de conhecer Evans melhor. Achava curioso o modo como a garota, em alguns momentos, permanecia distante e com um olhar triste. Respirando fundo, James se limitou a sacudir a cabeça para Remus.

Quando terminaram o café da manhã, os Marotos e as Morganas rumaram para o estádio, com exceção de Remus, que seguiria para o dormitório. Na mesa da Sonserina, os Doyles, a Davies, Malfoy e Snape fitavam o grupo de amigos com desagrado. Damon, Davos e Emily, um pouco mais acostumados com a magia que fora colocada neles por Dumbledore, após inúmeros tropeços e quedas, levantaram-se imediatamente, tomando distância de Black e Potter quando os dois garotos se retiraram do Grande Salão, sem se importar com a proximidade da mesa sonserina.

Na subida da escada, Sirius fez um carinho discreto na mão de Remus. Peter Olsen pediu licença ao casal para passar pelos degraus. O rapaz grifinório, após a advertência de Sirius, parecia resignado e não abordava mais Lupin com convites de duplo sentido.

"Tem certeza de que não quer vir ao jogo com a gente? Se preferir que eu fique com você, sabe que, pra mim, também não é problema algum."

"Tá tudo bem! É importante pra você, como artilheiro, ver a Lufa-Lufa e a Sonserina jogando hoje para as próximas partidas. Eu vou ficar bem e espero poder adiantar os deveres e trabalho da monitoria antes do almoço."

Os dois garotos se despediram e Sirius viu Remus subir os degraus, passando perto dos fantasmas da Dama Cinzenta e do Frei Gorducho que batiam papo com Mary Macdonald. No caminho, Remus foi interceptado pela sua aluna do segundo ano, Claire, que, de dentro da mochila, retirava algo e lhe entregava.

No estádio, o céu se apresentava limpo, ensolarado e o vento fresco da manhã soprava favorável para os jogadores. As arquibancadas também se coloriram das cores verde e amarela e, como acontecia em todos os jogos, as torcidas organizadas se estranhavam.

Black se sentou ao lado de Potter, Winnie e Lily. Pettigrew, com um olhar ainda desconfiado para a colega, sentou-se na frente ao lado de Parker, que se mantinha em silêncio, espreitando os céus com os seus binóculos. Raven seguiu para a cabine de narração e já podia se escutar a voz dela, falando das expectativas do jogo de Quadribol daquele dia.

Na primeira parte da disputa, a equipe sonserina voou melhor, defendendo os seus aros e emplacando alguns gols. O seu apanhador também sobrevoava o céu com destreza em busca do pomo de ouro. O time lufano conseguira também marcar pontos, mas a sua defesa apresentava problemas sérios de organização. Sirius viu, na arquibancada oposta, Regulus e Olivia pularem junto com os alunos do primeiro ano da Sonserina quando um dos artilheiros de sua Casa marcou um gol em sequência.

Sirius observou também Dayal, com a cabeça próxima a Wood e Zhang, tomar notas em um pergaminho enquanto eles estudavam os times adversários. Potter também estava concentrado e Black constatou que, possivelmente, o rapaz de cabelos rebeldes compartilhava de uma análise parecida com a sua. A Sonserina que entrava em jogo não era a mesma que o time grifinório havia visto até então.

Visivelmente, o time treinou bastante, preparando-se para aquele embate e a Lufa-Lufa, aparentemente surpreendida, não havia organizado tão bem a sua defesa, o que, num duelo, era a base para uma vitória. Raven, no entanto, em sua narrativa esportiva, parecia encorajar os colegas lufanos, lembrando-os de que, diante de um jogo difícil, a equipe não podia se dar por vencida e alterações no time podiam ser realizadas.

No intervalo da partida, a torcida de cor amarela permanecia silenciosa enquanto a torcida verde explodia em gritos, soprando cornetas ou assobiando. Parker guardou os seus binóculos e parecia aborrecida. Winnie e Lily também estavam silenciosas diante da provocação da torcida sonserina, que lançava agora explosivos verdes no céu e serpentinas. Como que para aliviar as tensões, Winnie puxou de dentro da sua mochila alguns doces de Dedosdemel, distribuindo-os aos amigos e a alguns colegas lufanos sentados perto, que pareciam próximos das lágrimas. Também puxou de dentro da bolsa um livro que entregou a James.

"Tô com ele pra te devolver desde o início da semana, mas sempre acabamos conversando sobre outras coisas e eu acabo me esquecendo dele dentro da minha mochila. Obrigada por ter me emprestado, James Potter. Foi uma leitura bem esclarecedora sobre a arte de Animagus."

Aquele exemplar se tratava do livro que Winnie havia pegado emprestado de James quando visitou o seu dormitório no dia da festa do pijama. Mexendo nos seus óculos redondos de aro grande, ela acrescentou.

"Não é uma magia fácil você ser algo diferente de quem você é..."

James e Sirius trocaram um olhar. De fato, os garotos ainda estavam com problemas em relação a fixarem as suas imagens de cervo e de cachorro por muito tempo. No último treino, conseguiram estender o tempo de transfiguração até dez minutos e registraram novamente o momento com as fotos que gostavam de tirar na Torre de Astronomia. Todavia, rapidamente, eles e Pettigrew foram forçados a retomarem a sua forma humana, sem conseguirem transfigurar novamente.

James, folheando rapidamente o livro, indagou Winnie:

"Quando você diz que é difícil ser algo diferente de quem você é, fala da dificuldade da magia para conseguir assumir a forma de um animal?"

"Me refiro ao processo além da técnica. Eu gosto muito de animais e lidar com eles em Trato de Criaturas Mágicas é sempre uma alegria imensa. Os animais, com exceção do Hipogrifo e algumas outras espécies, não possuem a mente egóica humana. Não vivem as suas vidas por meio da racionalidade, mas através do instinto e da intuição. Não é fácil para um bruxo deixar de lado a ideia que possui de si mesmo e se tornar um ser tão evoluído do dia pra noite..."

Sirius olhou a garota perto de si falando e observou nela uma agudeza mental que o fez lembrar de Remus. O rapaz de cabelos compridos se incluiu na conversa.

"Mas, com a Poção Polissuco, um bruxo pode assumir a forma de outra pessoa por horas..."

Winnie sacudiu a cabeça.

"Pessoas podem assumir somente a forma de alguém da mesma espécie e a Poção Polissuco age numa instância química. Animagus depende integralmente da magia de um bruxo e da sua capacidade de se fixar naquela forma. O bruxo precisa se harmonizar com a sua forma animal."

Black e Potter novamente se entreolharam. Subitamente, o conhecimento da menina sobre magia e animais, que a tornou uma campeã olímpica júnior na categoria, parecia aproximá-los da sensação de algo que incidia luz sobre as suas dúvidas.

"O que você acha que poderia impedir um Animagus de se fixar na sua forma, Winnie?" — indagou James.

A menina mexeu novamente em seus óculos gigantes.

"O autor não aborda esse tópico, mas fiquei depois pensando que feitiços assim demandam um pouco do desprendimento da sua própria imagem. É preciso acreditar que se é um animal quando se está na forma de Animagus. Se você volta a se prender de alguma forma à sua versão humana ou questiona a sua forma animal, isso deve gerar uma ruptura com a magia. Feitiços que mexem nas crenças dos bruxos costumam ser os mais difíceis não por acaso..." — e, após alguns segundos, observando os lufanos voltarem para o campo cabisbaixos, parecendo acreditar em sua derrota perante os sonserinos, ela acrescentou— "As crenças são poderosas."

Sirius refletia sobre as palavras da colega e sabia que James também estava intrigado com algo. Por uma sincronia fortuita, a iluminação daquela questão se deu quando Lily tirou de dentro da sua bolsa a câmera trouxa para tirar uma foto do jogo que recomeçaria. A menina mirou os jogadores de Quadribol sobrevoando o céu e registrou o momento em uma imagem. Logo em seguida, a Polaroid cuspiu a foto que, após ser sacudida por Lily, foi mostrada a Parker.

James tinha também os olhos fixos no momento registrado dos jogadores, trajando amarelo e verde, posicionando-se no céu e sendo vistos agora por Parker, sentada à sua frente. Sirius voltou a se dirigir à Winnie.

"Segundo a sua teoria, um espelho, por exemplo, poderia atrapalhar a transfiguração de Animagus?"

A menina voltava a olhar para o céu conforme os jogadores da Lufa-Lufa e da Sonserina tornavam a se mover em função da goles, balaços e pomo dourado.

"Talvez! Que impacto seria para uma mente que está se acostumando com a ideia de ser outra coisa! Pelo hábito, ela teria o ímpeto de querer voltar a se agarrar ao que era. No primeiro ano, eu e as outras Morganas costumávamos nos divertir, mudando com magia a cor do cabelo e dos olhos. Muitas vezes, quando eu me olhava no espelho, por mais que eu gostasse do meu cabelo escuro, ele, imediatamente, voltava a ficar loiro. Me acostumei a tê-lo claro há tanto tempo que a minha mente esperava ver essa imagem refletida. Nisso, a magia da cor escura do meu cabelo se dissolvia... Muitos bruxos acham que feitiços são só um conjunto de técnicas, mas se você não lida bem com a sua mente, ela vai se colocar um bocado no caminho toda vez que você precisar fazer algo..."

Sirius entendeu naquele momento porque a pequena Winnie havia conquistado um troféu durante as férias, arrematando duzentos pontos para a Grifinória. Sua vontade era de abraçá-la por seu brilhantismo. O rapaz de cabelos compridos se recordou também de sua dificuldade no primeiro ano de esvaziar a mente para executar feitiços com a varinha e como Flitwick trabalhou com ele a respiração para que deixasse um pouco a sua ansiedade e inquietação de lado. A câmera trouxa de Lily de revelação instantânea também fora derradeira para a compreensão de Black. James, que levava a mão à testa como se lamentasse a sua própria cegueira, certamente, havia entendido também.

Todas as vezes, os Marotos haviam sido fotografados nas suas formas de Animagus e viram a fotografia deles mesmos transfigurados, através da Polaroid de Remus. Sirius se lembrava de, na ocasião, pensar que era estranho ele se observar na forma de um cachorro com o cachecol das cores da sua Casa quando esperava ver a sua própria imagem registrada. Curiosamente, ele sentiu algo em si arrebentar nesse momento e pouco depois, voltou involuntariamente à sua forma humana. Potter e Pettigrew também foram forçados a saírem de seus estados de Animagus. Os três amigos ainda estavam aprendendo a aplicarem em seus corpos aquela magia complexa e a foto que viam de si mesmos, semelhante a um espelho, talvez estivesse atrapalhando o processo de fixação da forma animal, desviando as suas mentes para as suas constituições humanas.

"Preciso voltar ao dormitório para pegar algo que esqueci! Com licença, Winnie, Lily..."

James já havia dado passagem a Sirius e se os dois garotos estivessem se falando, certamente, ele teria seguido Black. O rapaz de cabelos compridos ansiava compartilhar aquela informação com Remus. Se a teoria de Winnie estivesse correta, os Marotos, sem o uso de espelhos ou câmeras, podiam se considerar já Animagus e estaria muito próximo o dia em que eles poderiam permanecer ao lado de Remus durante a lua cheia.

Pedindo licença a outros colegas, Sirius deixou as arquibancadas. Disparando pelos gramados, ele adentrou a entrada da Escola, patinando pelo chão liso. O rapaz quase esbarrou em uma elfa doméstica que arrumava o Grande Salão para o almoço. Desculpando-se, o rapaz subiu as escadas, pulando os degraus de dois em dois. Havia poucos alunos fora do estádio e quando ele alcançou a Sala Comunal da Grifinória, Sirius constatou que ela estava vazia.

O rapaz de cabelos compridos subiu as escadas do dormitório e quase trombou com Peter Olsen, que perambulava pelo corredor com a sua expressão habitual de tonto. Pedindo desculpas, Sirius viu o grifinório desaparecer nos degraus que levavam à Sala Comunal, parecendo aturdido. Com a chave então, Black abriu a porta do seu quarto.

"Remus, são as fotos! O problema que impede a magia de Animagus são as fotos que tiramos de nós mesmos e vemos quando ainda estamos transfigurados! Winnie é brilhante e desvendou o mistério!" — gritou Sirius, mal entrando no quarto.

O rapaz de cabelos castanhos estava de pé, olhando a paisagem através das vidraças. Como ele parecia distraído, demorou um tempo para fitar Black. Sirius reparou que o seu olhar amarelo estava desfocado. Com passos lentos, ele começou a se mover em silêncio.

Remus passou por Sirius, ignorando o que o outro rapaz havia lhe dito. Sirius chamou o seu nome mais uma vez, mas ele, movendo-se de cabeça baixa e parecendo desconsiderar a presença do namorado, limitou-se a tentar alcançar a porta do quarto. Black segurou o seu pulso com visível estranheza.

"O que há com você, Remus? Aonde vai?"

O rapaz pestanejou com o olhar ainda desfocado.

"Vou ao quarto de Peter Olsen. Eu o amo."

Sirius se mostrou tão atordoado com o que o rapaz de cabelos castanhos lhe disse que afrouxou a sua mão, permitindo que Remus escapulisse. Alcançou-o quando ele cruzava já a porta.

"O que tá dizendo, Remus?!"

"Eu amo Peter Olsen. Preciso encontrá-lo e dizer isso. Eu o amo de verdade."

Sirius arregalou os olhos. Puxando Remus para dentro do dormitório, ele verificou mais de perto que o rapaz conservava uma expressão ausente, quase abobada.

"Não pode estar falando sério! Olsen é um idiota e você me disse que se incomodava com o modo que ele dava em cima de você."

Remus tentou se desvencilhar das mãos de Sirius com visível raiva.

"Não fala assim de Peter Olsen! Eu o amo e ele é o melhor homem do mundo!"

Com incredulidade, Sirius mirou o outro rapaz. Depois, analisando o quarto, Black, com alguma suspeita, fitou uma caixa de doces aberta sobre a escrivaninha de Remus. Aquele jeito de falar e de se comportar não parecia com Lupin e Sirius, que já havia sido enfeitiçado antes, deduzia a causa daquela conduta estranha.

Segurando o pulso de Remus ainda com uma das mãos enquanto o rapaz esticava o braço em direção à porta, Sirius examinou a caixa. Na embalagem, estava escrito o nome de Claire Phoenix, que era uma das alunas de Remus do segundo ano da Grifinória. Na lixeira próxima, havia dois papeis amassados de bombons explosivos, possivelmente, recheados de poção do amor. Sirius se lembrou de ver Claire dando algo para Remus na escadaria que levava ao Grande Salão. Remus, certamente, estava enfeitiçado e chamava o nome de Olsen. Teria o rapaz grifinório convencido Claire a dar doces com poção para Lupin?

Respirando fundo, Sirius levou a mão à cabeça enquanto Remus fazia força para se libertar da outra mão que segurava ainda o seu pulso.

"Maldito Olsen! Eu vou dar uma lição nele! Mas antes, vamos procurar o Professor Slughorn pra te dar um antídoto para seja lá qual poção do amor esse idiota te deu!"

Sirius forçou Remus a andar até a entrada do dormitório, mas quando já alcançavam a maçaneta da porta, com um movimento muito forte, o rapaz se libertou. Ele se jogou contra Sirius, tentando abrir a porta sozinho. Black estranhou aquela força física extrema vinda de Remus e quando olhou o rapaz, viu que seus olhos pareciam imensamente amarelos e seus caninos, extremamente pontiagudos.

"Foda-se, Sirius Black! Sai da minha frente! Eu quero sair! Quero achar Peter Olsen!"

Sirius tentou segurar Remus, mas o rapaz, com vigor renovado, empurrava-o.

"Fica quieto, Remus! O que há com você?!"

Nisso, os olhos amarelos fitaram os seus. A vista de Lupin não estava mais desfocada. Ao invés disso, mirava diretamente as retinas cinzentas de Sirius.

"Olá, Sirius Black! Sabe como eu fiquei puto, muito puto, pelo Remus quebrar a nossa promessa? Você é como uma doença na vida dele! O garoto não consegue ficar longe de você! Eu sinto isso!"

Antes que Sirius respondesse, Remus se jogou contra ele, beijando-o com fúria. Foi parado por Black, que o segurou pelos ombros. As irises amarelas ainda o fitavam. Aquilo estava ficando fora de controle. Pelo que Sirius já vira e pelo que Remus havia lhe contado, ele deduziu que era o Lobo que falava através do rapaz de cabelos castanhos. Mas aquilo não fazia sentido algum, visto que o Lobo estava hibernando ou algo parecido. No entanto, lá estava ele, parecendo extremamente agressivo, dispondo de uma força sobre-humana.

Bastou Sirius deixá-lo escapar para Remus começar a gritar e arranhar com ferocidade a porta que Sirius se adiantou em trancar.

"Me deixa sair desse maldito quarto, Black! Talvez eu deixe Peter Olsen me foder antes de eu cortar o pescoço dele! Ou melhor, talvez eu o mate e foda o cadáver dele!"

"Remus, para!"

Lupin soltou algo semelhante a um rosnado canino e, diante da impossibilidade de sair, começou a arranhar o rosto e o próprio corpo com as unhas. Sirius tentou contê-lo mais uma vez.

"Podemos pendurar a cabeça do Olsen aqui que nem os Blacks fazem com os elfos domésticos que os serviram. Podemos matá-lo juntos. Me deixa sair da porra desse quarto! Eu odeio quando me prendem, escória de bruxos malditos!"

Sirius levou a mão à varinha quando viu que Remus, desvencilhando-se mais uma vez, corria para a janela com movimentos que não pareciam humanos. Teve medo de que ele ousasse pulá-la.

"Petrificus totalus!" — conjurou Sirius o feitiço que fez com que Remus tombasse paralisado no chão.

Ajoelhando-se sobre o carpete perante o rosto petrificado de Remus, Sirius murmurou:

"Desculpa por isso, meu amor! Eu vou buscar o Slughorn pra trazer você de volta!"   

Black sentiu um mau pressentimento. A presença do Lobo em Remus, com aquela agressividade toda, não era um bom sinal. Faltava algumas horas somente para a transformação de Remus em lobisomem e se ele não tomasse o antídoto para a poção do amor, seria difícil ele ir com tranquilidade para a Casa dos Gritos.

Sirius disparou, com ainda mais rapidez do que o fizera na ida, pelas escadarias do dormitório, Sala Comunal, corredores, Grande Salão e gramados. Chegando ao estádio, ele procurou por Slughorn na arquibancada sonserina. O Professor não estava lá. Ele, então, indagou por seu paradeiro a Regulus.

"Parece que o Professor Slughorn foi para Hogsmeade hoje de manhã cedo resolver uns assuntos. Tá tudo bem?"

Black não respondeu ao irmão. Seu olhar se fixava em James, que, na arquibancada oposta, fitava-o com estranheza. Ele sabia que algo estava errado. Sirius desceu rapidamente as escadas e alcançou a arquibancada lufana. Sem pedir licença, correu ao encontro de Potter. Os dois se olharam e foi Black que quebrou o silêncio.

"Vem comigo, por favor!"

Pettigrew se virou para trás, olhando os dois rapazes que voltavam a se falar. Sirius se curvou sobre o assento de Peter e sussurrou em seu ouvido.

"Procura a McGonagall e traz ela até o dormitório! Depressa! Remus tá agindo feito um lobo! Parece que ele tomou uma poção que despertou o lobisomem nele!"

Pettigrew, sob o comando do outro rapaz, saiu correndo pela arquibancada, pulando sobre as pernas de Parker. Sirius também deixou o local acompanhado de James, que não se deteve para informar às Morganas o motivo da agitação.

No caminho, Sirius explicou de forma atrapalhada a situação para James, que corria ao seu lado. Quando chegaram à porta do dormitório, os dois rapazes ouviram o barulho de coisas se quebrando e caindo. Entrando no quarto, os dois garotos viram que Remus fazia força para romper o feitiço que Sirius havia lançado sobre ele. A magia escapava também indômita por seu corpo e ele derrubou quadros, abria e fechava a água das torneiras do banheiro e sacudia as portas do guarda-roupa com violência. Aquilo estava ficando cada vez pior.

"Acha que pode usar seus truques de mágica com um lobisomem, Sirius Black?! Acha que pode paralisar uma criatura das trevas com feitiços de estudante? Seu filho de uma puta! Se algo acontecer com Remus, a culpa é sua!”

Remus, além de poder falar, já movia as suas mãos, arranhando o chão e a si mesmo. Só as suas pernas ainda se mantinham paralisadas. Potter lançou o feitiço Incarcerous com a sua varinha para prender as mãos do amigo. Sirius olhou com gravidade a situação.

"A poção do amor parece que deixou o lobo de Remus fora de si!"

"Peter Olsen me deu a porra desse veneno bruxo! Eu vou matá-lo! Eu vou matar todos dessa Escola!" — vociferou Remus entre gritos.

Sirius se adiantou, tocando o rosto do rapaz de cabelos castanhos.

"Remus, olha pra mim! Sou eu, Sirius. James tá aqui também. Pede para o Lobo ter paciência. Vamos trazer o antídoto."

O Lobo se deteve um tempo, fitando James.

"Olá, James Potter! Ainda quer gozar na minha boca? Eu deixo! Remus também quer, apesar de se sentir culpado por gostar de Sirius Black mais do que tudo no mundo..." — vociferou o Lobo com um movimento vulgar feito com a língua. Por fim, ele disse com uma pontada de dor — “Remus quebrou a nossa promessa...”

Arrebentando o restante do feitiço lançado por Sirius, o rapaz de cabelos castanhos movia agora as suas pernas. Sirius as segurou, olhando meio envergonhado o amigo. Para atenuar a situação, James se dirigiu a Sirius.

"Esse não é o Remus mesmo! É a forma lobo dele e ela é muito forte! Nossos feitiços parecem brincadeira pra ele e o meu talvez não dure muito tempo também. Acho que eu sei o que houve. Se lembra quando a Parker disse que outras raças reagiam mal à poção do amor e que podiam entrar em colapso?"

"Lembro! Ela contou a história da elfa doméstica que desmaiou ao beber poção do amor e da garota meio veela, que tentou incendiar a Sala Comunal..."

Os olhos de Black demonstraram entender o que James quis sinalizá-lo, antes que o outro rapaz o dissesse.

"Remus tem sangue bruxo, trouxa e é um lobisomem. Ele tá entrando em colapso! Tá agindo feito o Lobo e não tá conseguindo reter a magia no corpo dele."

"ME DEIXA SAIR! EU PRECISO VER PETER OLSEN!" — vociferou o rapaz, explodindo algo no quarto e conseguindo mover as suas mãos livremente. James se jogou sobre as pernas de Remus também para que ele não se levantasse.

"Eu devia deixar o Lobo matar o Olsen, antes de trazer Remus de volta!" — comentou Sirius, segurando entre dentes os pés de Remus enquanto o garoto de cabelos castanhos começava a arranhá-lo.

"Querem me foder, Black e Potter?! A gente pode reviver o nosso segredinho. Vamos nos foder e fingir depois que nada aconteceu e que somos pessoas civilizadas, que somos somente bons amigos. É isso que querem, não é? Acabar com a porra deste mundo!”

"CHEGA!" — vociferou Sirius, perdendo finalmente a paciência com a intimidade vivenciada pelos três que era trazida à tona sem qualquer cuidado ou respeito.

James, com o rosto vermelho, também suportava os golpes e mordidas de Remus, que era extremamente forte em sua forma lupina. Os dois garotos não suportariam muito tempo e sentiam Remus escorregar de suas mãos sobre o carpete. Nesse momento, a porta do dormitório se escancarou e Pettigrew, acompanhado da Professora McGonagall, surgiu.

"Afastem-se!" — determinou a diretora da Grifinória, apontando a sua varinha.

Os garotos a obedeceram de prontidão e enquanto Remus permanecia acocorado, farejando o ar, McGonagall lançou o feitiço Immobilus nele, fazendo com que ele desmaiasse. Sirius achou a cena grotesca por ver Lupin ser alvejado como um lobo que tentava identificar, através do olfato, o seu inimigo.

"Não se preocupem! O senhor Lupin vai preferir ficar desacordado nessa situação."

Sirius e James, com um arrepio desagradável, tocaram no garoto, analisando os seus olhos mais amarelos do que nunca, que se mantinham vítreos. Remus, inconsciente, parecia morto.

McGonagall, rapidamente, colheu informações. Ela foi comunicada pelos alunos que o grifinório havia bebido poção do amor e analisava, com uma expressão preocupada, o estado do quarto quando Pettigrew se adiantou até os banheiros para fechar as torneiras das pias, cuja água já inundava o carpete.

"Podemos conversar abertamente já que sabem sobre a licantropia de Remus, não é? Remus é muito meticuloso como aluno e monitor. Está a par da circulação de poções do amor e que não deve aceitar comidas ou bebidas de pessoas que não sejam de extrema confiança." — pontuou McGonagall.

"Sim! Ele sempre é cuidadoso, mas, como recebeu o embrulho de uma aluna do segundo ano, deve ter achado que não haveria problema. Os alunos do primeiro e do segundo ano não sabem preparar poção do amor. Remus chamou o nome de Peter Olsen durante todo o tempo e, quando entrei no quarto mais cedo, vi ele perambulando pelo corredor. Acho que ele devia estar esperando que Remus o procurasse."

Sirius ponderou, sem mencionar para a Professora, que Remus não demonstrava muita preocupação em ser enfeitiçado. Era muito cuidadoso com Black e Potter pelos dois amigos serem populares e por se tornarem alvos constantes das garotas de Hogwarts, mas se auto negligenciava, acreditando que ninguém quisesse tanto estar com ele a ponto de drogá-lo com uma poção do amor.

McGonagall, diante da menção a Olsen, franziu o cenho, comentando:

"Bom, sabemos então quem está por trás dessa confusão. Peter Olsen está longe de ser um expert em Poções e me preocupa a quantidade de poção do amor que ele usou em cada bombom. Vocês entendem a gravidade do que temos aqui, não?"

Sirius, James e Pettigrew se entreolharam.

"...Remus, além de ser bruxo, é parte trouxa e é um lobisomem. Há um motivo para nós, diretores, pedirmos que os monitores sejam tão vigilantes com poções do amor além das razões referentes aos riscos conhecidos que elas trazem. Temos muitos alunos mestiços e nascidos trouxa em Hogwarts. As poções do amor, em particular, são feitas para um organismo bruxo. O modo como outros organismos processam essas poções pode ser bem imprevisível. O senhor Lupin tem certamente conhecimento de uma lista de poções que ele não pode ingerir por causa da sua licantropia. Poções do amor são altamente tóxicas para ele."

James hesitou antes de indagar a diretora da sua Casa.

"Professora, quando a senhora diz 'altamente tóxica', refere-se ao que exatamente...?"

"Me refiro à risco de vida, senhor Potter! O Lobo dele está entrando em colapso porque foi envenenado. Precisamos agir imediatamente!"

James sentiu as suas pernas enfraquecerem e viu que Sirius chegou a precisar se apoiar no dossel da cama de Remus.

"Risco de vida...?"

"Pettigrew, traga rapidamente a senhorita Parker e a senhorita Evans! Vocês dois, aguardem aqui enquanto eu vou chamar os diretores das outras Casas e Dumbledore!"

Sirius se manteve tão abalado que só percebeu que estava a sós com Remus e James após um tempo. Rapidamente, ele segurou a mão do rapaz que fora deitado em sua cama. James se manteve ao seu lado com um rosto pálido, sentindo que o dia havia se transformado num pesadelo. Ele viu Remus durante o café da manhã sorrir para ele com o seu canino característico, perguntando se estava tudo bem. Como o rapaz de cabelos castanhos, por uma poção de amor, era arrastado para aquela calamidade?

McGonagall foi extremamente ágil e, em poucos minutos, entrava novamente no dormitório, acompanhada do Professor Flitwick, da Professora Sprout e Dumbledore.

"Pedi já a um elfo doméstico de confiança que chamasse Horace em Hogsmeade. Albus, pode examinar o senhor Lupin. Pomona e Filius, os bombons são esses."

Dumbledore se aproximou da cama onde Remus estava deitado e examinou as retinas do rapaz. Examinou também o seu pulso e com a varinha, tocou a sua cabeça por alguns segundos.

"Minerva, você usou um feitiço forte e ele está preso em um sonho agitado. Mas creio que isso não será o suficiente para mantê-lo calmo por muito tempo. Ele irá despertar em breve."

"Não podem colocá-lo para dormir novamente até ele tomar o antídoto? O ciclo lunar dele começa hoje."

Dumbledore olhou Sirius com profundidade.

"O senhor Lupin precisa de três antídotos. Um para a parte bruxa dele; outro, para a parte trouxa que é mais suscetível a poções do amor e outro que desintoxique a instância lupina dele. Não podemos utilizar um feitiço forte como o Immobilus nele continuamente. O corpo do senhor Lupin é o de um bruxo de quinze anos, apesar de ser um lobisomem. Há um limite de feitiços que ele suporta."

Nesse momento, Pettigrew escancarou a porta, acompanhado de Lily e de Parker. As meninas levaram a mão a boca quando viram o colega desacordado na cama, cercado pelos amigos e diretores da Escola. Iam indagar o que aconteceu quando a Professora McGonagall se adiantou:

"Haverá tempo para as devidas explicações se o senhor Lupin achar prudente dá-las. Preciso que mantenham o que está acontecendo aqui em sigilo, entenderam bem, senhorita Evans e senhorita Parker?

Trocando um olhar com os colegas, as garotas assentiram com as mãos ainda tapando as suas bocas.

"Senhorita Parker, ache o senhor Olsen imediatamente! Traga-o até aqui, mas não deixe que ele entre no quarto. Senhorita Evans, Pomona e Filius vão precisar de uma assistente para preparar dois antídotos, que dependem da química utilizada pelo senhor Olsen no preparo da poção do amor ingerida pelo senhor Lupin. Você é uma excelente aluna de Horace, é amiga de Remus e será essa assistente. AGORA, VAI, PARKER!"

A monitora do quinto ano da Grifinória disparou pelo corredor com a alça de seu binóculos ainda pendurada no pescoço e, depois de algum tempo, retornou com Peter Olsen. Bateu na porta e esperou o diretor e professores virem falar com o rapaz.

Olsen estava com uma expressão abatida e seu rosto também estava pálido.

"Desculpa! Eu não queria causar mal ao Remus. Eu só queria passar um tempo com ele e convencê-lo de que eu poderia ser uma boa companhia..."

Sirius, quando ouviu a voz do rapaz, não se conteve e, saindo do quarto, pulou sobre Olsen, segurando-o pelo colarinho das vestes.

"Seu canalha filho da puta! Você ia tirar vantagem do Remus enquanto ele tava drogado! Isso é estupro! Eu vou acabar com você! Se algo acontecer com ele, eu te mato!"

James e Pettigrew tiraram Sirius de cima do rapaz do sexto ano que não revidava. Apenas defendia-se dos golpes.

"Desculpa, Black! Eu não pensei nisso... Só queria que ele me desse uma chance. Eu não quis machucá-lo!"

"Eu te falei que ele tava comigo e que não queria nada com você... A vontade dele não conta?" — indagou Sirius, sem se importar com a presença dos professores e das colegas.

"Senhor Black, entendo a sua indignação e o senhor Olsen responderá por esse ato junto à Escola. Ele não ficará impune! Mas, no momento, temos coisas mais urgentes para resolver." — interferiu o Professor Dumbledore, colocando a mão no ombro de Sirius.

"Exatamente! Senhor Olsen, qual é o nível da poção que utilizou para injetar nos chocolates dados ao senhor Lupin?" — indagou a Professora Sprout.

O garoto, com um olhar desconcertado, olhou ao redor.

"Eu preparei uma poção Amortentia de nível 5 porque Remus é bom aluno e fiquei imaginando que, se ele, como monitor, sentisse qualquer cheiro ou sabor diferente nos chocolates, ia perceber que estavam adulterados e não ia comê-los."— os olhos do grifinório se avermelhavam, conforme ele verbalizava a gravidade de seu ato — "Eu tava em dúvida se havia preparado a poção direito porque Poções não é o meu forte e poções do nível 5, que não deixam rastros, são muito complexas. Mas vi, ontem, a Claire do segundo ano se queixando com um amigo que queria poder dar um presente ao Remus porque ele é um bom professor particular e tá ajudando muito com as disciplinas. Por isso, eu me aproximei da Claire e disse que tinha uma caixa de chocolates que comprei em Hogsmeade sobrando e que poderia dá-la se quisesse. Que grifinórios sempre se ajudam. Pensei que Remus nunca desconfiaria de uma aluna dele do segundo ano e resolvi testar a poção... Eu sinto muito..."

James também sentiu raiva pela sordidez de Olsen, a quem, até então, via apenas como um aluno sem noção e inconveniente. Estava explicado então o porquê do Lobo de Remus não farejar o doce adulterado. O modo como o grifinório utilizou uma das crianças próximas ao rapaz de cabelos castanhos para ludibriá-lo era vil.

O Professor Flitwick, que levara a mão à testa com preocupação diante da informação de que os bombons haviam sido adulterados com uma poção Amortentia de nível 5, voltou-se para Olsen:

"Quanto de poção injetou em cada bombom?"

"Eu não medi, mas... coloquei bastante porque fiquei com medo de não funcionar. Retirei todo o licor do bombom e o substituí por poção..."

Sirius vociferou:

"Seu animal! Poderia tê-lo matado com uma alta dosagem! Qualquer bruxo sabe disso, seu imbecil!"

O diretor Dumbledore interveio com gravidade.

"Como suspeitei! Estamos lidando com uma poção forte, mal preparada e administrada em alta dosagem. Senhorita Evans, ajude Filius e Pomona no que precisarem. Leve a senhorita Parker também com você para o caso de necessitarem de ajuda. Minerva, fique com eles. Eu preciso avisar Lyall e Hope. Senhor Olsen, por ora, está liberado, mas o seu ato contra o colega é sério e criminoso. Está proibido de sair do dormitório a não ser para as refeições até uma segunda ordem."

O garoto murmurou ainda antes de voltar para o seu quarto:

"Mas o Remus vai ficar bem, não vai? Eu não queria machucá-lo..."

Os garotos, no dormitório, e a Professora se mantiveram em um silêncio sepulcral. McGonagall estava de pé ao lado da cabeceira da cama. Sirius segurava ainda a mão de Remus, que dormia profundamente. James, inquieto, andava de um lado para o outro no quarto. Foi Pettigrew que, grudado à janela vigiando os gramados, anunciou após um tempo que pareceu eterno.

"Slughorn chegou!"

O diretor da Sonserina, após entrar no dormitório, parecendo já a par do que aconteceu, examinou Remus com uma expressão tensa.

"Minerva, eu nunca preparei um antídoto para um lobisomem! Precisamos contar com um pouco de intuição e instinto hoje. Quantas horas faltam até o senhor Lupin se transformar?"

"Estamos no outono. O sol se põe cedo. Temos em torno de quatro horas."

"Tenho que me apressar! Permita-me só levar algo do senhor Lupin. Desculpe, meu jovem. É necessário..."

Slughorn retirou um pequeno frasco vazio de seu bolso e, com a varinha, fez um corte no braço do garoto. Colheu algumas gotas de sangue antes de fechar o ferimento com magia.

"Filius, Pomona, a senhorita Evans e a senhorita Parker estão em sua sala preparando o antídoto bruxo e trouxa. Confiamos em você, Horace!"

O Professor Slughorn bateu a porta atrás de si e, após alguns minutos, Sirius sentiu Remus mover a sua mão. Em seguida, verificou que o rapaz movera a sua perna e semicerrou os seus olhos. Uma voz suave deixou os seus lábios.

"Meu corpo dói, mas eu preciso procurar Peter Olsen... Por favor, me ajuda a me levantar, Sirius. Ele é o homem da minha vida..."

O rapaz de cabelos compridos se debruçou sobre o outro rapaz.

"Não, lobinho! Ele não é! Está enfeitiçado e ninguém que te deixasse nessa situação seria uma boa opção pra você."

Aparentemente, era a parte bruxa de Remus que havia acordado, o que era menos ruim. Um quadro caiu da parede e a vidraça rachou por conta do descontrole da sua magia, mas nada sério. Depois, a parte trouxa se apresentou, cantarolando baixinho em um sussurro a música francesa que o rapaz de cabelos castanhos cantou para Sirius durante o encontro que haviam tido na semana anterior. Black fechou os seus olhos, sentindo vontade de chorar ao se lembrar do sábado em Hogsmeade e no parque trouxa em que estavam felizes.

"Preciso cantar essa música para Peter Olsen... Eu o amo..."

"Não, Remus. Essa é a nossa música. Você cantou ela pra mim."

"Mas eu amo ele, não você..."

"Não... Isso é mentira..."

Foi James que teve a ideia de não argumentar com o rapaz.

"Peter Olsen está a caminho, Remus. Fica quietinho que ele daqui a pouco vai vir te ver..."

"Sério? Ele vai vir me ver? Tomara que ele goste de mim... Tomara que não se importe com os meus arranhões..."

Sirius percebeu que a temperatura de Remus se elevara muito e, tocando em seu coração, verificou que ele batia acelerado. As pupilas do rapaz estavam dilatadas e ele parecia respirar com alguma dificuldade. Chamando James para perto, Black olhou o outro rapaz com preocupação.

Quando, finalmente, a Professora Sprout e o Professor Flitwick retornaram com Lily e Parker em seus calcanhares, traziam cálices com os antídotos fumegantes. McGonagall abriu espaço, pedindo que os outros dois garotos se afastassem. O primeiro a dar o antídoto foi o Professor Flitwick, que cuidaria da instância trouxa de Remus capaz de prolongar o efeito da poção do amor por ser mais suscetível a ela.

"O que é isso?" — indagou o rapaz com olhos sonolentos.

"É suco de abóbora. Vai se sentir melhor para encontrar o senhor Olsen depois."

Remus aceitou beber o antídoto. Após alguns segundos, seus olhos se tornaram mais despertos. A Professora Sprout se aproximou então com o seu cálice.

"Mais suco de abóbora?"

"Sim. Beba tudo, filho. Vai se sentir melhor."

Remus fechou os olhos, mas apertou os lábios, dessa vez, selando-os. Com as mãos, ele bateu no braço da Professora Sprout e o cálice com antídoto só não entornou no chão porque a Professora McGonagall parou a taça e o antídoto no ar com a sua varinha, fazendo com que o líquido retornasse para o recipiente.

O rapaz de cabelos castanhos começou a mover os seus pés e mãos com a mesma violência de outrora e Sirius, James e Pettigrew precisaram segurá-lo. Um choro agoniado deixou os lábios do grifinório quando foi forçado a abrir a boca para engolir o antídoto, engasgando-se um pouco antes que a sua boca fosse fechada novamente à força. Black se lamentou pela truculência que era usada com o rapaz, mas não havia outra forma, visto que a sua força lupina parecia voltar. Lily e Parker gritaram quando algumas gavetas foram cuspidas pela escrivaninha e, com as suas varinhas, pararam os objetos no ar antes que acertassem alguém.

"Sirius, a força de Remus tá voltando e ele não tá conseguindo controlar a magia dele. Acho que o Lobo tá acordando!" — sussurrou James.

Black olhou com pavor para Potter, que foi chutado pelo rapaz de cabelos castanhos. Remus estava sendo segurado por três bruxos adolescentes e três bruxos adultos poderosos e ainda assim, conseguia se desvencilhar."

"Eu vou apressar o Professor Slughorn!" — anunciou Lily, saindo do dormitório em disparada.

Parker continuou bloqueando os objetos que eram atirados pelo quarto com magia, a fim de não permitir que acertassem alguém. Nesse ínterim, o diretor Dumbledore retornou. Com a voz ainda grave, ele anunciou:

"Lyall e Hope não estão em casa, nem no trabalho e nem na loja da família por ser sábado à tarde. Não estamos conseguindo localizá-los, mas mandei nosso elfo de confiança atrás deles. Não podemos contar com a vontade dos responsáveis nesse momento, então, a Escola se torna responsável pelo senhor Lupin. Senhor Black, senhor Potter e senhor Pettigrew, como amigos dele e conhecedores da personalidade do jovem Remus, podem nos ajudar a deliberar a melhor decisão antes que o sol se ponha. Temos três opções, sendo uma delas um crime perante o Ministério."

Sirius, James e Pettigrew se entreolharam após um vaso voar na direção dos garotos e ser bloqueado por Parker.

"A primeira opção que temos é levar o senhor Lupin para o St. Mungus. Lá, ele poderia ser tratado com eficiência após tomar o antídoto preparado por Horace. Mas, certamente, a informação de um aluno dando entrada no hospital pouco antes de se transformar não passaria desapercebida e isso seria notificado ao Ministério. Creio que a matrícula na Escola do senhor Lupin seria cancelada, visto que, no contrato estabelecido e renovado anualmente, é rigorosa a posição de que ele não ofereça risco a nenhum aluno da Escola e mantenha o seu ciclo lunar sob absoluto controle."

Os garotos perceberam que Parker, discretamente, olhava para trás a fim de fitar Remus. Certamente, ela já vislumbrava do que se tratava o estado do grifinório.

"Remus sofreria se não pudesse mais frequentar Hogwarts! Todo o esforço que os pais dele fizeram para que ele estudasse aqui seria em vão! Ele ama a Escola e isso seria acabar com a vida dele! Não podemos deixar que isso chegue aos ouvidos do Ministério então." — posicionou-se Sirius, segurando com firmeza os pés do amigo.

"Ótimo, senhor Black! Estamos alinhados em nossos pensamentos. A outra opção é tentar levá-lo à Casa dos Gritos, após ele tomar o terceiro antídoto e esperar que o corpo dele se recupere com os cuidados matutinos do Professor Slughorn e de Madame Pomfrey. Mas creio que será angustiante para os senhores não poderem permanecer ao lado dele e acompanhar cuidadosamente o seu estado. É necessário ressaltar que estaríamos todos agindo contra o que foi pontuado para os Lupins pelo Ministério e seria de extrema necessidade o nosso sigilo."

Os três garotos se olharam.

"Qual é a outra opção?" — indagou James.

Dumbledore respirou fundo e, dessa vez, foi ele que trocou um olhar com os três diretores da Casa.

"Sacrifício quando ele assumir a sua forma lupina. Os responsáveis têm autonomia para exterminar um filho lobisomem se ele apresentar periculosidade, ameaçar mordê-los ou tentar fugir."

"NÃO!" — gritaram Sirius e James ao mesmo tempo, abraçando as pernas de Remus.

"Não esperaria dos senhores outra reação. Não é a nossa intenção e somos contra essa barbárie autorizada pelo Ministério contra pessoas nessa condição. Chegamos ao consenso da segunda opção, então! Falta poucas horas para a transformação do senhor Lupin e a tendência é que a parte lupina dele se torne mais forte. Precisamos levá-lo para a passagem secreta com discrição."

Uma batida na porta foi ouvida e o Professor Slughorn entrou, acompanhado de Lily.

"Tentei fazer o meu melhor. Vamos torcer para dar certo."

Foi necessário mais energia e bastante tempo para forçarem Remus a beber o terceiro antídoto. O gosto parecia amargo porque mal o rapaz engoliu o elixir, começou a tossir, gritar e direcionar a todos os presentes insultos que Lupin, em sua plena consciência, nunca diria. Após alguns breves minutos, o rapaz permaneceu bastante quieto até que uma convulsão o assolasse. Os amigos ficaram com medo, mas Slughorn os tranquilizou ao medir-lhe o pulso e tocar a sua testa.

"É um sintoma do envenenamento. Ele deve sofrer espasmos também. Leva um tempo até o antídoto agir, mas a febre dele parece estar diminuindo. Arrumem algo para que ele não morda a língua e não deixem que se machuque."

A Professora McGonnagal, com a varinha, cortou um pedaço da ponta fina do dossel de madeira da cama de Remus e, com um fio, amarrou-o na boca do rapaz.

Slughorn intercedeu.

"Creio que não poderemos usar o feitiço Immobilus ou qualquer outro feitiço com o senhor Lupin para imobilizá-lo enquanto o organismo dele estiver processando o antídoto. Esse procedimento todo já está exigindo demais do corpo dele. Ele é só um adolescente no fim das contas. Poderia piorar tudo."

"Precisamos levá-lo até o Salgueiro Lutador imediatamente. Senhor Potter, vamos precisar da sua Capa!" — instruiu-lhes Dumbledore.

Sob os olhares surpresos de Parker e de Lily ainda, James abriu o seu malão com um chute e, apressadamente, tirou a sua Capa da Invisibilidade. Sirius se ofereceu para carregar Remus em suas costas e a ideia era os dois se cobrirem com a Capa da Invisibilidade para passarem pelos alunos sem serem notados. Contudo, Remus convulsionava fortemente e não parava quieto. Toda a vez que ele se mexia, as pernas de Sirius ficavam à mostra.

Pettigrew correu para a janela, a fim de olhar os gramados da Escola, que se encontravam cheios num sábado de sol à tarde. Aparentemente, a Sonserina havia vencido o jogo e várias bandeirolas verdes tremulavam e fogos de artifício eram lançados. O rapaz disse:

"Assim não vai dar! Todos vão ver o Black carregando o Remus! Precisamos distrair os outros alunos para que os dois possam passar sorrateiros!"

Lily se pronunciou com alguma timidez.

"Podemos criar uma confusão! Tá uma loucura lá fora mesmo por causa da derrota da Lufa-Lufa. Winnie e Raven podem nos ajudar também. Não contei a elas o que houve, mas elas estão preocupadas, esperando na Sala Comunal. Elas viram os diretores e o Professor Dumbledore entrarem no dormitório e sabem que aconteceu algo com um dos meninos."

James pareceu se lembrar de algo.

"Pettigrew, você tem ainda aquelas bombas de bosta?"

Quando todos saíram do dormitório, Lily e Parker correram na frente para orientarem Raven e Winnie sobre o que elas deveriam fazer. Sirius carregava Remus em suas costas coberto pela Capa da Invisibilidade. James, andando ao lado dos Professores e de Pettigrew, carregava a mochila de viagem que Remus sempre deixava preparada para a sua ida para a Casa dos Gritos.

Quando chegaram à Sala Comunal praticamente vazia, Sirius viu Winnie e Raven fitarem os seus pés quando Remus se moveu com um forte espasmo sob a Capa da Invisibilidade. Fingindo ignorar a estranheza do fato, Raven, ao lado de Parker, aproximou-se de Pettigrew, falando de modo afobado com o garoto enquanto o puxava pelo braço.

"Vamos na frente e vamos deixar o Salão Principal limpo pra vocês!" — tranquilizou-os Parker, adiantando-se pela saída do quadro da Mulher Gorda junto de Raven e Pettigrew. As garotas davam instruções ainda ao rapaz.

Os corredores se apresentaram vazios devido ao dia ensolarado que convidava os alunos a aproveitarem os gramados da Escola. Sirius caminhava rapidamente, mesmo carregando Remus e desceu as escadas sem se importar com os movimentos bruscos que o rapaz de cabelos castanhos produzia. Como previsto, o Grande Salão estava cheio. Todavia, todos olhavam em direção a gritos que vinham da mesa da Grifinória.

Um raio de cabelo claro e cheio se movia nervosamente.

"VOCÊ ERA A MINHA AMIGA! COMO FICOU COM PETER PETTIGREW, SABENDO QUE EU GOSTAVA DELE?!" — vociferava Parker, chorando teatralmente numa discussão acalorada com Raven.

Pettigrew se mantinha no meio das duas colegas com um sorriso tonto.

"ACONTECEU, JULIAN! ESSAS COISAS NÃO SE CONTROLAM. "— defendia-se Raven, levando também teatralmente as mãos ao peito, deslizando-os depois por seus dreadlocks.

Pettigrew abraçou Parker, fingindo consolá-la.

"Julian, você sabe que é a minha garota! Com Raven, foi só sexo, mas com você é amor verdadeiro! Me dá um beijo, meu docinho de abóbora!"

Parker se afastou, percebendo que Pettigrew tirava proveito da encenação.

"TÁ PODENDO HEIN, PETTIGREW!" — gritou alguém de dentro da multidão que espreitava a briga.

"COMO OUSA QUERER BEIJAR ELA DEPOIS DE DIZER QUE EU ERA A MULHER DA SUA VIDA E QUE GOSTAVA DE GAROTAS ALTAS!" — vociferou Raven, sacando a sua varinha e atirando um feitiço em Parker e Pettigrew que, obviamente, nunca os acertaria.

"BRIGA DE MULHER! BRIGA! BRIGA! BRIGA!" — gritou outra pessoa da multidão.

"FICA COM AS DUAS, PETTIGREW!"

“PARTAM ELE AO MEIO!”

Parker também sacou a sua varinha e as duas garotas performaram um duelo. Os Professores, Winnie, Lily, James e Sirius, invisível carregando Remus, passaram aparentemente sem serem notados pelo Grande Salão.

Fora da Escola, alguns alunos haviam entrado para verem a confusão do lado de dentro, mas muitos se mantinham ainda espalhados pelo gramado. Lily retirou a mochila de suas costas e, ao lado de Winnie, abriu caminho. Antes, as duas garotas olharam para o grupo e disseram: "Boa sorte, garotos! Vai dar tudo certo!"

Evans tinha bomba de bosta em sua mochila suficiente para criar uma grande confusão. Os alunos que celebravam ainda a vitória da Sonserina não perceberam quando as duas garotas começaram a lançar os artefatos que, após alguns segundos, estouraram, exalando um odor fétido. Winnie usou a sua varinha para acrescentar mais fumaça ao local. O Professor Flitwick e a Professora Sprout, vendo que alguns alunos remanescentes se demoravam nos gramados, deram ordem a todos para entrarem, conduzindo-os para dentro do Castelo.

O grupo avançou então até a orla da Floresta Proibida. O sol começava a se por.

"Imobilus!" — vociferou o Professor Dumbledore, jogando um feitiço contra o Salgueiro Lutador, que se antecipava em atacar os intrusos de seu território.

Sirius e James entenderam, então, a potência do feitiço que a Professora McGonagall havia lançado contra Remus, capaz de paralisar uma árvore gigante e compreenderam também a explicação dada de que havia uma tolerância de feitiços que o rapaz de cabelos castanhos poderia suportar.

Era um túnel largo a passagem até a Casa dos Gritos e o caminho tinha cheiro de terra. Os professores iluminavam a passagem com as suas varinhas e Sirius permitiu que James removesse a Capa para que ele e Remus respirassem melhor. Todos caminharam por significativos minutos.

O quarto reservado a Lupin se apresentava arrumado e limpo, talvez pela organização do rapaz de cabelos castanhos. Havia um banheiro bem cuidado e o espaço não era pequeno. Algumas poucas molas e espuma saíam do colchão de sua cama, talvez pelos golpes deferidos pelo Lobo, mas não chegava a ser um leito desconfortável.

Sirius deitou Remus na cama e, como as suas convulsões melhoravam, McGonagall removeu a madeira de sua boca que o protegia de morder a própria língua. O rapaz de cabelos compridos fez um carinho no rosto desacordado do outro. A febre havia melhorado e os seus batimentos e respiração pareciam normalizados.

"Precisamos prendê-lo!"

Sirius viu a Professora lhes mostrar o que até então os garotos não haviam percebido. Segurando a coleira presa a uma pesada corrente que era fixada na parede, ela fez menção de envolver o pescoço de Remus com o objeto. Black a impediu.

"Professora McGonagall, isso é mesmo necessário?"

A bruxa respirou fundo, parecendo lamentar a situação.

"Entendo o seu receio, senhor Black, mas, durante todos esses anos, aqui e em Londres, o senhor Remus se prende dessa forma, a fim de não fugir do seu esconderijo. Existem feitiços nessa coleira que impedem um lobisomem de arrebentá-la. Não é algo bonito de se ver e sei que para o senhor deve ser muito difícil presenciar isso, mas não há outra forma..."

James também interveio.

"Professora McGonagall, Remus está desacordado! Ele não vai tentar fugir."

Slughorn também se pronunciou.

"Ele deve acordar quando anoitecer se o antídoto estiver, de fato, desintoxicando-o."

A contragosto, Sirius deixou que a diretora da sua Casa prendesse Remus. A coleira e a corrente pareciam pesar uma tonelada no pescoço delicado do rapaz de cabelos castanhos.

"Sei que isso é extremamente doloroso para os senhores e não pensem que estamos felizes com essa situação." — contemporizou Dumbledore, respirando fundo — "Mas precisamos confiar agora nos antídotos administradas ao senhor Lupin e à sua vontade de viver. Remus é um dos jovens mais fortes que conheço e precisamos acreditar nele. Devemos ir. Falta menos de meia hora para o sol se pôr completamente e o que viram até aqui não foi nem um quinto da força de um lobisomem transformado. Seria impossível contê-lo sem o uso de magias muito fortes."

James apertou a mão do rapaz de cabelos castanhos uma última vez e viu Sirius beijar a testa de Remus, após sussurrar algo em seu ouvido. Black, sem dar explicações, usou um cobertor que se encontrava num canto do quarto para cobrir um espelho de corpo inteiro que se localizava no lado oposto, recostado à parede.

Os dois garotos ainda deram uma última olhada para trás, vendo o amigo desacordado sobre a cama com a pesada coleira ao redor do pescoço. Quando o grupo deixou a passagem do Salgueiro Lutador, o sol acabava de se pôr. Os gramados estavam vazios e todos rumaram para o Castelo, em silêncio.

Os professores e os garotos, mergulhados em seus pensamentos, desejavam que Remus ficasse bem. Dumbledore ainda disse palavras encorajadoras para Sirius e James na entrada do Castelo. Possivelmente, até o fim da noite o senhor e a senhora Lupin seriam localizados e na manhã seguinte, eles, acompanhado dos Professores e de Madame Pomfrey visitariam Remus. Os amigos seriam mantidos informados.

Sirius, com um lampejo, sugeriu ao diretor da Escola que entrasse em contato com os avós trouxas de Remus que viviam em Cotswolds. Ele sabia por Remus que os Lupins, de vez em quando, viajavam para se encontrar com a parte trouxa da família nos fins de semana.

Quando os professores entraram no Castelo, Sirius e James trocaram um olhar. O rapaz de cabelos rebeldes se pronunciou então:

"Você não quer esperar uma semana para se encontrar com o Remus, não é mesmo?"

"Não! Preciso ficar do lado dele e saber que está bem."

"Podemos treinar um pouco de Animagus na Torre de Astronomia antes de voltar lá. Vai indo na frente que eu vou achar o Pettigrew!" — instruiu Potter, entregando a Capa da Invisibilidade a Sirius. Ele sabia que o dia exigira muito do rapaz e que ele não sentia vontade de falar com mais ninguém.

Sirius assentiu, jogando a Capa da Invisibilidade sobre os ombros, após olhar para os lados enquanto James seguia para o Grande Salão em busca de Pettigrew. Uma hora depois, os garotos se encontravam na Torre de Astronomia e todas as superfícies que podiam refletir suas imagens foram cobertas, viradas do avesso ou embaçadas com magia.

Consultando o relógio de ouro de Sirius, Pettigrew, escondido na escada para não lembrar também Black e Potter das suas formas humanas, contou os minutos. O garoto comia algumas tortinhas de abóbora que havia trazido do jantar e viu os minutos se transformarem em uma hora. Ele precisou ir ao banheiro e voltou após algum tempo. Depois, manteve-se em silêncio, repassando o dia na cabeça até que caísse no sono.

Pettigrew acordou, então, com um sobressalto, minutos após o relógio apontar duas horas decorridas. Voltando à Torre, ele observou que havia ainda um cachorro e um cervo deitados no assoalho de madeira. Pettigrew se apresentou diante dos amigos e ainda assim, eles não voltaram para as suas formas humanas. Voltaram só quando assim o quiseram.

Tempos depois, Sirius e James, quando conversassem sobre esse dia, não saberiam dizer se haviam obtido sucesso na Transfiguração de Animagus tão rapidamente devido às palavras de Winnie, que lhes apontou uma falta gigante que lhes havia passado desapercebida, ou se encontravam na urgência daqueles acontecimentos uma força motriz. Sirius sentia uma dor no coração quando pensava em Remus, e James sentia um vazio.

Quando voltaram para o dormitório, Sirius e James se mantiveram escondidos sob a Capa da Invisibilidade por não quererem falar com ninguém ainda. Os dois garotos viram as Morganas sentadas na sua mesa habitual na Sala Comunal da Grifinória, aguardando notícias. Bastou que elas vissem Pettigrew para irem em sua direção, perguntar-lhes se tudo correra bem.

Sirius e James achavam as garotas brilhantes e gostariam de agradecer a todas elas pela preocupação e ajuda que prestaram sem questionarem. Envergonhavam-se do pré-julgamento que tinham das colegas antes de as conhecer melhor. Lamentavam-se por, em algum momento, terem visto as Morganas como pessoas que não eram dignas de atenção e os dois grifinórios tinham agora plena certeza de que já haviam sido bastante idiotas.

Contudo, Sirius e James não podiam se deter naquele momento e precisavam agir com rapidez. Haveria tempo, se tudo desse certo, de se reunirem todos novamente, como haviam feito na semana anterior após o encontro de Sirius e Remus, e dizerem entre si as devidas palavras de gratidão.

No quarto, Sirius arrumou a sua mochila, emborcando os livros na sua cama e a enchendo de coisas que podiam ser úteis em sua empreitada. Ele precisou tomar um banho para, através da água, colocar os pensamentos em ordem. Quando retornou, ele viu que James também havia trocado de roupa e fechava o zíper do seu casaco. Percebendo que era fitado pelo outro rapaz, ele argumentou.

"Não achou que eu ia ficar aqui só olhando você se arriscar sozinho, não é? Eu vou com você, Black!"

Sirius baixou os olhos um pouco sem graça. Ele nem havia pedido desculpas ainda a James e o grifinório se mostrava disposto a qualquer coisa como sempre havia se mostrado.

"É muito perigoso, Potter! Eu vou me encontrar com o Remus na forma dele de lobisomem e posso ser morto se a magia de Animagus falhar! Além do mais, eu posso ser expulso da Escola e até mesmo, interrogado pelo Ministério por praticar magia ilegalmente se alguém me descobrir."

James girou os olhos com impaciência.

"Não me diga! Sirius, é você! É Remus! Não me importo com os riscos e nem com porra nenhuma. Eu vou!"

Pettigrew retornou pouco depois ao dormitório e antes que Sirius e James descessem pelas janelas com as suas vassouras, Potter advertiu o garoto que se Dumbledore e os pais de Lupin os procurassem, ele precisaria despistá-los, dizendo que os dois amigos estavam muito abalados e haviam tomado uma poção para dormir. Sirius olhou mais uma vez a foto de Remus próximo ao freixo em sua carteira, sentindo os seus olhos arderem, antes que montasse em sua vassoura.

Os dois rapazes sobrevoaram os gramados de Hogwarts quando já passava das onze e, ao alcançarem a orla da Floresta Proibida, pararam o Salgueiro Lutador com o truque que Remus lhes ensinara, apertando um nó da árvore. Antes que entrassem na passagem secreta, Sirius e James se olharam mais uma vez.

"Se não der certo, Potter, obrigado por tudo! Perdão por eu ter dito que..."

James encostou a mão na boca do outro rapaz o silenciando.

"Não diz essa palavra! Deixa pra pedir perdão por isso quando estivermos todos reunidos de novo. Deixa algo pra ser consertado porque isso se torna mais um motivo pra todos voltarmos..."

Sirius, sentindo todos os medos que conseguiu afastar durante o dia, fungava.

"Vocês são os meus melhores amigos. São a minha família. Sempre foram..."

"Vocês também são os meus. E eu acredito no que Dumbledore disse. Remus é muito forte. Nós também. Afinal, somos os Marotos! Um dia, invariavelmente, precisaremos partir desse mundo, Black. Mas não será hoje e não será pelas mãos de Remus."

Sirius percebeu que os olhos de James se tornavam completamente negros e sobre a sua pele, surgiam pelos marrons, assim como, sobre a sua cabeça, cresciam galhadas. O rapaz se transformou no cervo, convidando o outro a tomar a sua forma canina.

Quando os dois Animagi desceram pela passagem, James deixou que Sirius, farejando o encalço que deixaram mais cedo, guiasse-os enquanto ele fazia uso da sua apurada audição. Eles caminharam por muitos minutos até que os dois pararam. No escuro com forte odor de terra, ao ouvirem o ruído de corrente, detiveram-se. Parecia um som perto, mas, na verdade, os dois avançaram ainda por alguns minutos. Até que ouviram o uivo.

O lamento do lobo parecia sofrido e vinha de alguma instância ferida da alma. Aproximando-se mais, sempre avançando mais, os dois garotos deixaram que os uivos lupinos os guiassem. Finalmente, eles chegaram à sala iluminada por velas que deviam ter sido enfeitiçadas para que se acendessem durante a noite. Os dois garotos viram um grande vulto pular de um canto a outro. Remus estava vivo! Os antídotos preparados por Slughorn e pelos outros diretores funcionaram! Sirius, num ímpeto de felicidade, tomou a dianteira, correndo sobre as suas quatro patas até que entrasse no quarto.

Black estava errado quando havia imaginado Remus transformado como um lobo pequeno. O lobisomem não tinha o tamanho e a estatura de Remus. Não era um lobinho. Era um animal grande que se equilibrava em duas patas. A sua coluna era curvada e Sirius se lembrou de Remus quando carregava muitos livros dentro da mochila. Havia pelos em todo o seu corpo, diferente do rapaz de cabelos castanhos que tinha muito poucos e exibia uma pele lisa. Os olhos amarelos eram os de Remus e seus caninos e unhas cresceram, transformando-se em armas letais.

Quando o lobisomem viu o cachorro e o cervo entrarem em seu recinto, a besta rosnou e, movendo ruidosamente a corrente sobre o chão, pulou sobre eles com um grunhido. Sirius precisou se lembrar mais uma vez que lobisomens não se alimentavam de animais, mas somente de carne humana.

Como havia feito já no quarto ano, o lobisomem os farejou. Sentiu através do olfato os seus cheiros e as suas histórias. Tocou com o focinho os pelos e chifres do cervo. Depois, demorou-se no cão, cheirando o seu pescoço e focinho. Não havia dúvidas para o Lobo. Eram os amores do garoto Remus, que, burlando regras e criando portas, haviam encontrado uma forma de se tornarem outra coisa, sincronizando-se com o rapaz de cabelos castanhos. O Lobo não sentiu vontade de morder a jugular do cervo e nem a do cão. Não sentiu vontade de despedaçar ou matar. Sirius e James não eram mais humanos e, ao seu modo, haviam encontrado um modo de silenciar o instinto do Lobo.

Remus uivou mais uma vez e lambeu o rosto de James. Em seguida, encostou a sua cabeça na cabeça de Sirius, fixando o seu olhar cor de âmbar.

"Funcionou!", pensou Sirius, sabendo que o pensamento alcançava também James porque ele era o seu gêmeo, a sua extensão, o seu amigo. Havia dormido com ele tempos atrás, mas não precisavam do sexo para serem parte um do outro. Juntos, eles instauravam mais uma subversão em suas vidas.

Sirius latiu após outro uivo dado por Remus. De algum lugar de dentro de si, o cachorro se lembrou das palavras de Michael Carlson no vestiário da Escola que dizia que quando se ama uma pessoa de verdade, deve-se tentar entendê-la. Naquele dia, foi Black e Potter que atingiram um ponto irreversível no coração de Lupin. Naquele dia, eles conquistaram a afeição do Lobo.

 

 

Chapter 7: Amortentia

Summary:

Remus sobrevive aos efeitos da poção do amor, e Sirius vê na proximidade com o Lobo uma possibilidade de convencer a criatura das Trevas que ele é a melhor opção para o seu hospedeiro.

Chapter Text

https://www.youtube.com/watch?v=TV0kr-SASzM

 

 

Nas primeiras semanas do quinto ano, quando a relação dos Marotos estava estremecida e Sirius digeria o seu sentimento recém-descoberto por Remus, ele costumava matar as aulas da manhã. Caminhar pelos gramados do Castelo lhe fazia bem. Os passos dados na relva e o cheiro fresco da floresta lhe ajudavam a entender os seus sentimentos e aceitá-los.

Naquela terça-feira, na hora do almoço, Sirius arrastou os pés até o átrio, e, viu sem dar muita atenção, a sua colega de turma, Lily Evans, conversando com Damon Doyle, um rapaz que conhecia por meio da alta sociedade bruxa, mas que lhe inspirava profunda antipatia. Chegando ao Grande Salão, sem se explicar, Black se sentou ao lado dos amigos. Pettigrew lhe falou então com alguma desconfiança:

“McGonagall tá furiosa contigo! Ela sabe que tu não tava na enfermaria e que tava matando aula...”

Sirius não respondeu a Peter e começou a se servir do ensopado. James e Remus o olhavam em silêncio. Foi o rapaz de cabelos castanhos que quebrou o gelo com a sua habitual preocupação gentil.

“Escrevi todo o conteúdo das aulas. Se depois quiser copiar das minhas anotações, tudo bem. Mas para de matar aula, Sirius... Vai ter o N.O.M.s no fim do quinto ano e sei que você também quer se sair bem...”

Sirius assentiu, desejando poder acabar a sua refeição em paz. Felizmente, Carlson não havia se plantado ao lado de Remus na hora do almoço e somente Julian Parker, acompanhada de Winona Rivers, vieram rocar uma palavra com Lupin sobre uma ou outra função da monitoria.

A aula após o almoço era de Poções e Sirius acompanhou os amigos. No centro da sala, o Professor Slughorn cozinhava algo em seu caldeirão, pedindo que a turma se aproximasse.

“Eu estava ministrando durante a manhã, a aula para o sexto ano. Aprendemos sobre poções perigosas, muito perigosas e temos nesse caldeirão poção suficiente para se começar uma guerra. Quero que se aproximem e sintam o cheiro dela. Não falem nada. Apenas, apreciem o momento.” — falou o professor, convidando os alunos.

Sirius se aproximou do caldeirão de cobre e verificou que alguns alunos, parecendo inebriados, puxavam a fumaça com as mãos para mais próximo das suas narinas e bocas escancaradas. Pareciam drogados.

Black permitiu que o cheiro da poção alcançasse o seu olfato. Rapidamente, a fragrância das árvores úmidas da Floresta Proibida; o cheiro do sol na pele quando ele sobrevoava o estádio da Escola, montado em sua vassoura; o cheiro fresco da água; fumaça; roupa limpa e o perfume de Remus foram percebidos.

 Sirius achou que Lupin estivesse ao seu lado, tamanha a força do seu cheiro, mas o rapaz estava no canto oposto, puxando com as mãos a fumaça para perto do seu rosto também, inebriado como os outros alunos.

Black achou curioso o cheiro da poção, principalmente por seu caráter extremamente agradável. Ele amava aqueles cheiros e seu coração se enchia de uma genuína alegria. Foi somente quando Slughorn tapou ruidosamente o caldeirão, ao perceber que Winnie havia colocado a mão dentro da poção, tentando bebê-la, que Sirius percebeu que se encontrava também inebriado, farejando de olhos fechados a poção como um cachorro. Ele usava ambas as mãos para trazer a fumaça para perto de si.

A grande maioria dos alunos se dava conta também, com algum constrangimento do seu próprio comportamento. James havia chegado a se debruçar sobre o caldeirão de olhos fechados, como se quisesse mergulhar nele.

“Meus caros alunos, sabem o que é isso?”

Um longo silêncio se fez. Finalmente, Remus, com os olhos baixos, levantou a mão antes de responder.

“Poção do amor!”

“Muito bem, senhor Lupin. Dez pontos para a Grifinória! Como podem ter percebido, com alguma estranheza, os cheiros combinados são extremamente agradáveis, mas eles se apresentam para cada um de vocês de modo diferente. Como descobriu de que poção se tratava, senhor Lupin?”

“Eu já havia lido sobre as poções de amor na biblioteca, Professor. Senti o cheiro de chocolate, tinta nanquim e... outros perfumes.”

Remus ruborizou e, diante da explanação, a turma toda parecia um pouco inquieta.

“Sentiu o cheiro da pessoa pela qual é apaixonado, não é mesmo, senhor Lupin? Ora, não é preciso se envergonhar, meu jovem! A poção do amor vai exalar para cada um a fragrância das coisas que mais ama. Todos os senhores devem ter sentido uma sensação muito peculiar.” — riu-se Slughorn.

Raven levantou a mão.

“Professor, não tenho vergonha de dizer que não estou interessada em ninguém no momento. Mas senti cheiros de coisas muito queridas pra mim como sorvete de framboesa braba e o cheiro das montanhas. Quando não se está apaixonada por alguém, é normal isso?”

“Completamente normal, senhorita Fraser! O amor-próprio é uma forma de amor também e talvez, a mais importante. É natural sentirem cheiros de coisas que os circundam e amam. Caso tenham sentido só o perfume da pessoa amada, tomem cuidado para não se esquecerem de si mesmos.  O amor é uma magia poderosa. Essa poção evoca esse sentimento em vocês, mas lembrem-se que, se ingerida, ela não cria amor real. Somente a ilusão dele. Lembrem-se também que forçar alguém que não retribui os afetos dos senhores a beber a poção para lhes corresponder reflete uma forma distorcida de amar.” — Slughorn se movia pela sala— “O amor é poderoso por ser espontâneo e incontrolável. Não tentem dominá-lo porque isso o torna feio e o envenena.”

Remus ergueu a mão no ar mais uma vez.

“Professor, por que disse que a poção poderia começar uma guerra?”

“Se a turma toda ingerisse mesmo um cálice bem pequeno dessa poção, teríamos não mais alunos, mas uma horda de zumbis. Permaneceriam acordados, mas as almas dos senhores dormiriam. Não se importariam com nada a não ser o seu objeto de amor. Poderiam se jogar pela janela ou se afogarem no Lago, sem medirem os riscos. Vejam que bastou sentirem o cheiro da poção para quererem mergulhar nela sem nem se darem conta. Acreditem, se a tomassem, o efeito seria muito pior... Não por acaso, poções do amor, fora do preparo em aula, são terminantemente proibidas em Hogwarts.”

“Trata-se da poção Amortentia?” — indagou Julian Parker.

“Sim! Essa é uma poção Amortentia do tipo 1. Uma poção do nível 5, quando finalizado o preparo, seria completamente inodora e insípida até para os sentidos mais aguçados, o que é bastante perigoso. Mas o seu preparo é extremamente complexo e mesmo eu precisaria de muito tempo e cuidado para fazê-la. Aliás, senhorita Rivers, é melhor ir lavar a sua mão. Não leve os dedos à boca no caminho. Acompanhe-a, senhorita Evans. Pode ser perigoso.”

Sirius não havia conseguido mais prestar atenção à aula voltada para o preparo de outra poção que fazia parte da grade curricular do quinto ano. Muitos alunos se apresentavam igualmente dispersos. A poção do amor trazia uma realidade inegável para muitos. Sirius havia sentido o cheiro de Remus. Isso significava que o amava. O sentimento era claro e inegável.

Remus, diante do seu caldeirão de cobre, preparando a poção instruída pelo Professor Slughorn, mantinha-se calado também. Diligentemente, ele cumpria o que lhe era pedido sem encarar os colegas enquanto consultava o seu livro e pesava os ingredientes. Ele sentiu os cheiros que sabia que amava. E sabia o motivo.

Mas James, que havia sentido o cheiro do xampu de maçã verde de Lily, da colônia de Sirius e do cheiro do sabonete de Remus ao mesmo tempo na poção do amor, permaneceu confuso. Ele chegou a cogitar indagar Slughorn sobre o fato, mas, no fim, sentiu vergonha.

‘Que estranho!’— pensou ele — ‘Foi só um beijo...’

Sirius e Remus também eram apenas os seus amigos. Ainda que eles tivessem estado juntos, não poderia amá-los dessa forma, não é mesmo? Amava-os desse jeito?

O rapaz de cabelos rebeldes encarou os rostos dos dois amigos e sentiu um arrepio percorrer a sua espinha enquanto ruborizava. Ele os olhou por incontáveis minutos, mas Black e Lupin pareciam imersos demais em si mesmos.

Depois, ele fitou Lily mexendo a poção em seu caldeirão com o cenho franzido. Seus olhares se cruzaram por breves segundos, mas a menina se voltou para o líquido borbulhante como uma bruxa devota por seus afazeres, com as bochechas coradas pelo vapor.

Talvez, o que tenha mexido com James foi o fato de, na noite anterior quando ele deixava a Torre de Astronomia fumando e remoendo os seus próprios demônios, Lily, esbarrando com ele no corredor, ao ver a sua expressão, ter lhe perguntado se estava bem.

 “Obrigado por perguntar, Evans. Faz muito tempo que ninguém me pergunta isso.” — respondeu o rapaz, sentido Sirius e Remus cada vez mais distantes, mas sendo maduro o suficiente para guardar as suas dores sob a Capa da Invisibilidade.

James havia ficado tão surpreso com a abordagem da jovem que esqueceu de lhe devolver o elástico de cabelo guardado no bolso, antes de Filch surpreendê-los e ordenar que voltassem para a Sala Comunal. 

Três cheiros distintos. Três pessoas tão diferentes entrelaçadas em fumaça. Talvez, dentro do coração, havia também um Chapéu Seletor que sentia dúvidas e empurrava os afetos para Casas, sem muita certeza. Preocupava James também o fato de, fora o cheiro de Lily, de Sirius e de Remus, ele ter sentido somente o cheiro do fogo dos castiçais da Escola. O fogo que queimava em sua mão com a mágica que fazia produzir criaturas de labaredas. Seres de fogo que pateavam o chão, corroendo o entorno com a fúria que não se permitia sentir. Era o fogo o seu próprio coração ardendo entre os feixes da caixa torácica?     

 

 

Remus acordou, sentindo o seu corpo dolorido. Demorou um tempo para ele se localizar onde estava até que identificasse os móveis arranhados da Casa dos Gritos. Apoiando-se nos seus cotovelos, o grifinório constatou que o sol entrava pelas frestas das janelas vedadas e se percebeu usando um pijama limpo. Ele estava também de banho tomado e havia curativos em seus ferimentos. Ao seu lado, repousava o cachorro de pelúcia que Sirius lhe havia dado no parque itinerante trouxa durante o encontro que tiveram.

Levantando-se, Remus se deparou com uma bandeja de café da manhã em cima da escrivaninha que tinha em seu esconderijo. Sentindo falta de algo, ele se dirigiu até a sua mochila de viagem e procurou por sua varinha. Encontrou-a dentro do seu estojo, intacta, junto de todas as coisas que sempre trazia consigo para aqueles dias de lua cheia. Encontrou os seus óculos e a sua lente de contato reserva. Que horas seriam? Pelo sol, talvez já passasse das uma da tarde.

O rapaz apalpou também o seu pescoço, percebendo-se sem a coleira que, mensalmente, afivelava em si mesmo. Com fome, Remus decidiu se alimentar e escovou os dentes, percebendo, diante do espelho recém-descoberto, que não estava com tantos arranhões como já o tivera em outras ocasiões. Mas o que havia acontecido?

A sua última lembrança era de estar trabalhando nos deveres de casa no dormitório e comer alguns dos bombons dados por Claire, a sua orientanda. Depois disso, ele se lembrava de algumas imagens confusas e de pessoas ao seu redor lhe segurando.  

Do seu ciclo lupino, no entanto, Remus tinha lembranças nítidas de grama sob os seus pés, do cheiro da resina das árvores, do orvalho e da água do Lago, da qual bebera. Mas como era possível ter vivenciado essas imagens?

Remus levou um susto quando ouviu vozes no corredor que desembocava na entrada da Casa dos Gritos. Rapidamente, o rapaz segurou a sua varinha diante de si, dando um passo para trás. Esperou que as pessoas se revelassem, mas, ainda quando a porta se escancarou, ninguém apareceu. Foi com surpresa que Remus viu Sirius tirar a Capa da Invisibilidade de cima de si e correr até ele, abraçando-o.

“Remus! Que bom que você finalmente voltou! Senti tanta saudade de você!”

O rapaz de cabelos castanhos viu James também surgir sob a Capa e abraçar os dois amigos com bastante força.

“A gente tava preocupado e queria tá aqui quando você acordasse. Por isso, fomos almoçar e voltamos correndo...”

Remus, com uma expressão confusa, olhava de um amigo para o outro.

“O que aconteceu?”

Os três garotos se sentaram sobre a cama e Sirius e James contaram para Remus os episódios ocorridos há uma semana. Relataram sobre os bombons com poção do amor que haviam sido preparados por Peter Olsen e dados ao rapaz de cabelos castanhos por intermédio de Claire. Eles narraram sobre a intoxicação do Lobo, os três antídotos e a ajuda conjunta de Dumbledore, os diretores das Casas, os Marotos e as Morganas para que Remus fosse levado até a Casa dos Gritos antes que o sol se pusesse.

“Seus pais chegaram na madrugada do sábado passado. Eles tão hospedados em Hogsmeade e devem vir aqui daqui a pouco. Eles não sabem que a gente tá te visitando, mas já conversaram com a gente e disseram que tomamos a atitude correta em trazer com os Professores você pra cá...”

Sirius e James viram, durante a manhã do primeiro dia de confinamento do Lobo, sob a Capa da Invisibilidade, Dumbledore acompanhado de McGonagall, Slughorn, Madame Pomfrey e o senhor e a senhora Lupin adentrar a Casa dos Gritos para examinar Remus. Os garotos entenderam o porquê de o diretor esperar o período da manhã para tratar do rapaz.

 Aparentemente, durante o dia, o lobisomem caía em um sono profundo e não parecia perceber as pessoas ao seu redor. Era a hibernação solar. Graças a isso, fora possível Slughorn e Madame Pomfrey administrarem poções e vitaminas ao lobo adormecido, sem que ele reagisse ou os ameaçasse. O senhor e a senhora Lupin acarinhavam o focinho e a cabeça da fera, chamando-a de “meu bebê”, enxergando nada além do filho único, o qual amavam.

Remus pareceu um pouco encabulado por haver criado tanta confusão ao seu redor por ter ingerido poção do amor. Sirius, no entanto, tranquilizou-o.

“Todos gostam muito de você, lobinho, e estavam torcendo para que se recuperasse logo. A culpa não é sua. É do idiota do Olsen! Minha vontade era fazer ele engolir todos aqueles bombons, mas McGonagall sumiu com a caixa antes que eu pudesse me vingar...”

Black e Potter se entreolharam. Eles omitiram em sua narrativa o fato de terem cercado Peter Olsen na Sala Comunal durante um dia da semana e ter cada um dado pelo menos um soco no rapaz. Não se tratava de falta de nobreza ou de compaixão dos dois rapazes, mas haviam sentido um medo genuíno de perderem o amigo. A cara de bobo de Olsen transmutava o medo para a raiva.  

“Eu sinto muito, mas o Remus também é muito molenga para um bruxo. Nunca conheci alguém que quase morresse por conta de uma poção do amor. Qual é o problema dele?” — justificou-se Peter Olsen, dando dois passos para trás.

“Não chama ele de fraco! Ele é mais forte do que você, seu idiota! Qual é o problema com você, isso sim!” — vociferou Sirius com o punho fechado ainda após derrubar Olsen e dando passagem para James também descontar a sua fúria.

Remus coçou o queixo.

“Nunca pensei que tentariam me enfeitiçar.  Mas há algo que não entendi. Como vocês ficaram me visitando esses dias todos. Correram risco com o Lobo porque eu...”

“Essa é uma notícia legal que távamos ansiosos pra te contar!” — interrompeu-o James, sorrindo.

Remus viu galhos crescerem na cabeça de James e os seus olhos se tingirem de um negro profundo. Olhou para Sirius e viu, muito rapidamente, um monte de pelos negros pularem sobre si, após um latido. O cachorro começou a lamber o rosto de Remus e a abanar o rabo, feliz. O rapaz de cabelos castanhos levou a mão à boca, observando as formas de Animagus de Potter e de Black.

“Vocês conseguiram! Mas como?”

Os dois rapazes, voltando para as suas formas humanas, narraram a conversa que tiveram com Winnie, e Remus compreendeu por que o espelho do quarto e do banheiro estavam cobertos. Ouviu também sobre o treino que fizeram na Torre de Astronomia poucas horas antes de se arriscarem a irem até a Casa dos Gritos.  

“Mas... tem mais uma coisa que não entendo...” — murmurou Remus, segurando a coleira que achou jogada em um canto...— “Quando eu acordei, não tava preso. Vi que a fivela não tá arrebentada e os feitiços estão ativos... O que houve?”

Novamente, Black e Potter se entreolharam antes de esclarecem o fato para Remus.

Na primeira noite em que desceram a passagem secreta do Salgueiro Lutador até o esconderijo na Casa dos Gritos, o cachorro e o cervo se deitaram próximos ao lobisomem. A criatura parecia ainda sentir dor talvez pelo feitiço lançado por McGonagall ou talvez pela agonia do mal-estar causado pela poção do amor. Uivando e choramingando como se procurasse uma posição para poder descansar, o Lobo ficou muito quieto em alguns momentos. Em outros, andou pelo quarto, derrubando coisas e, nessas horas, o cachorro lambeu o seu focinho até que ele se acalmasse.

Sirius e James combinaram de se manterem acordados durante a madrugada porque tinham medo de voltarem às suas formas humanas durante o sono. Eles observaram com apreensão, após os raios alaranjados da manhã adentrarem as frestas da janela, o lobisomem se encolher e dormir profundamente na cama. Os dois rapazes voltaram às suas formas humanas e constataram, com alívio, que ele só estava adormecido. Ouvindo vozes no corredor, os dois se cobriram rapidamente com a Capa da Invisibilidade, grudando-se a um canto da parede. Os pais de Lupin, acompanhados de Dumbledore, McGonagall, Slughorn e Madame Pomfrey chegavam. Examinando o lobisomem, Slughorn, sorrindo, declarou:

“O jovem Remus vai ficar bem. Sobreviveu à noite e o antídoto limpou o organismo dele da poção do amor. Vocês dois têm um filho muito forte!”

 Sirius e James, sob a Capa da Invisibilidade, apertaram um a mão do outro ao respirarem fundo e viram o senhor e a senhora Lupin, abraçados, chorarem com desafogo. Até mesmo Dumbledore e a Professora McGonagall se sentaram no sofá da Casa dos Gritos, parecendo que, finalmente, tiravam o mundo inteiro das suas costas.

Sirius e James, após conversarem com os pais de Remus na sala de Dumbledore, fingiram nada saber e se permitiram se abraçarem com alegria ao ouvirem que o rapaz de cabelos castanhos ficaria bem. Abraçaram-se e riram como não podiam ter feito sob a Capa da Invisibilidade sem chamarem a atenção.

 Naquele domingo, os garotos dormiram a tarde inteira em suas camas antes de se aventurarem pela segunda noite consecutiva.

Dessa vez, Black e Potter perceberam que o Lobo não gemia mais com angústia, mas parecia ter recuperado bastante da sua força. Irritado, ele arranhava as paredes com as unhas, removendo o papel; lacerava o assoalho e quebrava coisas. Ocasionalmente, a criatura das trevas forçava a corrente como se quisesse arrebentá-la e, por fim, desistindo, arranhava a si mesmo. O cachorro e o cervo viram, atordoados, as gotas de sangue se acumularem no chão e mancharem os lençóis. Lembraram-se dos ferimentos de Remus com algum desconforto.

Durante a manhã, Sirius falou com James quando, na primeira hora do dia, os dois deixavam o esconderijo antes dos pais de Remus, Dumbledore, Madame Pomfrey e os diretores das Casas chegarem.

“Sabe no que tô pensando, não sabe, Potter?”

 “Sei. Mas essa pode ser a melhor ideia do mundo ou a pior. McGonagall disse que ele sempre se prende durante os ciclos lunares. E se ele se enfurecer e tentar fugir dos terrenos da Escola? E se ele não quiser voltar para o esconderijo?”

“Imagina ficar sete dias acorrentado daquele jeito há sete anos! Não me surpreende o Lobo ser tão agressivo e querer viver a vida de Remus sempre que pode. É por isso que ele se arranha e se morde! Que criatura toleraria viver assim? Ele é um lobo! Precisa correr; precisa respirar ar puro; precisa ver a noite!”

James assentiu, olhando a Floresta Proibida atrás do rapaz.

“O Lobo gosta da companhia do cervo e do cão. Talvez pudéssemos atraí-lo pra lá...”

Sirius olhou as árvores de troncos e raízes grossas.

“A gente precisa chegar mais cedo hoje pra soltá-lo antes que ele acorde. Não vou conseguir fazer isso na forma de cachorro. Você tá comigo nessa?”

James assentiu, acendendo um cigarro e oferecendo um ao outro rapaz. Com o seu truque das mãos, ele acendeu o fogo.

“Tava sentindo falta de ser inconsequente com você, Black. Mas é bom a gente tratar de fazer a droga desse plano funcionar direito...”

Os garotos, conforme combinaram, soltaram o lobisomem pouco antes de ele acordar. Sirius, desfivelando a coleira, sorriu para James e o outro rapaz, sorrindo-lhe de volta, teve certeza de que eles eram completamente loucos. Com desprezo, Sirius atirou a correia longe, apalpando com mãos delicadas o pescoço do Lobo.

“Vamos levar você pra passear, lobinho. Mas, por favor, colabora com a gente...”

Os dois rapazes não podiam soltar o lobisomem, no entanto, antes que a Escola fosse trancada e Hagrid se fechasse com os seus cachorros em sua casa. Quando o lobisomem acordou e se descobriu livre, ele rodou o quarto inteiro, explorando lugares que, até então, nunca havia estado. Farejou, intrigado, os rodapés e tábuas em que os Professores e Dumbledore pisaram. Farejou novamente o cachorro e o cervo. Farejou a coleira jogada num canto, esboçando um rosnado. Ele não parecia tão nervoso e se acostumava com a novidade de andar sem estar preso a nada.

Quando o despertador que os garotos haviam deixado escondido embaixo da cama deu o sinal, Sirius, erguendo-se em suas duas patas traseiras, empurrou finalmente a porta.  Latindo e rodando em torno do lobisomem, ele disparou pelo corredor com cheiro de terra. James também, empinando-se sobre as suas patas traseiras, começou a correr. O lobisomem parecia perdido, mas seguiu com alguma hesitação os seus novos amigos. Correram até que saíssem pela passagem do Salgueiro Lutador e o cachorro se adiantou para tocar com a pata o nó da árvore, paralisando-a.

Muito tempo depois, Sirius e James sorririam ainda quando se lembrassem do momento em que aquela criatura das trevas viu a noite pela primeira vez. Aturdida, ela olhava a lua cheia no céu escuro. Fitava o Castelo a uma considerável distância.  Observando ao redor, ela farejou a grama e parecia puxar o ar para os pulmões como se ele tivesse lhe faltado a vida toda. O uivo que preencheu a noite era um grito de liberdade; de felicidade; de plenitude.

Sirius latiu e o cervo se empinou novamente sobre as suas patas.

Quando Black e Potter correram para a Floresta Proibida, o lobisomem os seguiu. Uma coruja branca os olhava com curiosidade do alto de um galho, mas não parecia estranhá-los. Sirius e James permitiram que os seus sentidos, que não eram mais humanos, também se manifestassem. Sirius farejou as suas próprias pegadas que percorreram os gramados de manhã e James conseguiu ouvir o ruído das folhas das árvores se desprendendo com o vento até tocarem o chão. 

Os três correram pela Floresta e o Lobo uivava cada vez mais alto, cada vez mais feliz. Explorava as novas sensações e gostava particularmente do vento da noite em seus pelos. Gostava dos sons das corujas e do farfalhar das árvores. Gostava de ter amigos e não se sentir sozinho. Sirius se lembrava de quando os Marotos eram crianças no primeiro ano e fugiam com as suas vassouras do dormitório para brincarem de esconde-esconde nos jardins durante a madrugada. Ainda eram os mesmos.

Quando faltava pouco para amanhecer, Sirius e James atraíram o lobisomem para o esconderijo. Alarmaram-se quando ele correu em direção ao Castelo, mas constataram que ele só queria beber a água do Lago antes de seguir o cão e o cervo. Sentindo a chegada da hibernação matutina, o Lobo percorria devagar o caminho subterrâneo. Alcançou a Casa dos Gritos e apagou poucos minutos antes do sol despontar no horizonte. Sirius prendeu a criatura das trevas com a coleira para que os outros visitantes não percebessem o que haviam feito. Durante todos os dias seguintes, os garotos repetiram a sua façanha.

“Somos os Marotos, porra! A gente não nasceu pra viver acorrentado ou seguir as regras. A gente nasceu pra fazer as coisas do nosso jeito!” — riu-se Sirius, após deixarem a passagem do Salgueiro Lutador, pegando a mochila que havia escondido atrás de uma pedra na Floresta Proibida.

James também pegou a sua mochila deixada atrás de uma árvore e retirou a sua varinha de dentro, guardando-a em suas vestes. Os garotos haviam combinado entre si de, caso fosse necessário, usarem alguns feitiços que estudaram para frearem o lobisomem se ele quisesse correr até a Escola. Planejaram criar a mesma parede invisível que Remus usara contra Damon e Davos para impedir o acesso do Lobo ao Castelo. Mas nada disso foi necessário. O lobisomem não demonstrara interesse pela arquitetura da Escola. A Floresta era o seu mundo e só ela lhe atraía.

Remus, na Casa dos Gritos, pestanejou nervoso ao ouvir o relato de Sirius e James.

“Vocês são completamente malucos!”

Sirius riu-se.

“Eu acho que o Lobo gosta da gente porque ele não quis desgrudar de nós um minuto sequer. Colapsando pela poção, ele é intratável, mas correndo pela Floresta Proibida, ele é bem legal. Adorei conhecê-lo melhor, lobinho.”

Remus mantinha a boca aberta.

“Pettigrew veio com a gente na quinta e conseguiu fixar a forma dele de rato, sem os espelhos também.” — contou James.

Sirius deu uma gargalhada.

“Parecia que o Pettigrew ia se borrar quando viu o Remus como lobisomem. Se escondeu atrás do Potter metade da noite. Depois, disse que ia querer se transfigurar de rato pra entrar no dormitório das meninas. Eu disse que ia contar pra Parker e que ia pedir pra ela dar uma boa vassourada nele.”

Remus, após ouvir tudo, baixou a cabeça com um aceno sincero.

“Eu nunca vou poder deixar de agradecer a vocês pelo que fizeram por mim. Eu tenho muita sorte de ter amigos como vocês e fico muito feliz também que tenham voltado a se falar...”

Remus olhou para Black, satisfeito por ele cumprir a sua promessa.

“Sirius falou comigo no meio da partida da Lufa-Lufa contra a Sonserina quando você começou a passar mal. Percebi que era algo muito sério...”

Black levou a mão à cabeça meio sem jeito.

“Na verdade, eu ia falar com você de qualquer jeito nessa semana, Potter. Só tava esperando o momento certo...”

Os dois garotos, preocupados com Remus durante aqueles dias, não haviam conversado ainda sobre aquela reconciliação. Mas percebiam que a amizade era algo mesmo mágico porque bastou voltarem a se falar para terem assuntos infindáveis e combinarem em quase todas as suas ideias. Quando eles entraram conversando na aula de segunda-feira, os colegas e os professores os olharam, percebendo a estranha ordem das coisas que voltam para o seu lugar mais cedo ou mais tarde. As colunas dos dois estavam mais eretas e ambos os garotos pisavam o chão com uma natural empáfia, um deboche demasiadamente elegante porque, de alguma forma, um dava uma estranha confiança, um estranho poder ao outro. Haviam se tornado Animagus juntos. Em breve, correriam pelo Floresta Proibida ao lado do lobo. O que poderia pará-los?

Aquela energia de potência, de reintegração que emanava dos dois rapazes cobiçados de Hogwarts não passou desapercebida pelas garotas que se insinuaram com insistência para Sirius e James naquela semana.

“Olha só, eu tô namorando. Não vai rolar.” — declarou Sirius após uma menina muito bonita de cabelos e olhos castanhos interceptá-lo no corredor e convidá-lo para sair diante dos olhares curiosos de Regulus e Olivia.

“Quem é ela?” — indagou a jovem com um profundo descontentamento desenhado sob os seus cílios de boneca.

“Não quero expor a pessoa por questões pessoais, mas eu a amo e eu tô sério com ela. Desculpa.”

James se esquivava das garotas também com a desculpa do N.O.M.s., mas os dois rapazes tiveram ainda naquela semana, uma surpresa que não haviam tido até então. Na quarta-feira, o monitor corvino do sexto ano, um rapaz de cabelo loiro sujo e olhos azuis se aproximou dos dois durante o almoço minutos depois das Morganas se levantarem.

Sorrindo, ele puxou conversa sobre as matérias do quinto ano e sobre os simulados. Black e Potter foram educados, mas ficaram surpresos quando o monitor, numa abordagem muito clara, perguntou-lhes se ficavam com garotos.  Esquivando-se, os dois não falaram nem que sim e nem que não. O corvino, então, sorriu e voltou para a sua mesa, cochichando algo com uma colega. Sirius olhou para o seu prato, pensando como Remus reagiria se visse aquela cena. James arriscou olhar por trás dos seus óculos rapidamente para o jovem que ainda lhe sorria.

Enquanto conversavam ainda na Casa dos Gritos, em um determinado momento, Sirius e James se cobriram com a Capa da Invisibilidade quando ouviram o barulho de passos no corredor subterrâneo. Eram os pais de Remus, acompanhados de Dumbledore, os diretores da Casa e Madame Pomfrey, que vinham verificar o estado de saúde do grifinório.

“Meu fofinho, que bom que já acordou!” — declarou Hope, abraçando o filho que ruborizou diante dos Professores, meio sem jeito pela mãe lhe tratar ainda como um menino na frente de todos.

Dumbledore e os Professores conversaram com Remus sobre a situação e o rapaz fingiu surpresa enquanto os acontecimentos lhe eram narrados. Depois, os Professores e Madame Pomfrey se retiraram, deixando os Lupins a sós e Sirius e James acharam de bom tom também saírem. Por trás do senhor e da senhora Lupin, Sirius, esticando a mão para fora da Capa, indicava que voltariam depois. Remus piscou de volta e declarou aos pais a informação que queria que os amigos ouvissem.  

“Mãe, eu tô ainda um pouco fraco. Será que posso passar a noite aqui e voltar só amanhã? Acho que prefiro descansar um pouco mais... Você e o papai trouxeram bastante comida e não preciso nem ir à Escola jantar se não quiser.”

Conforme o combinado, Sirius e James retornaram mais tarde e trouxeram para Remus doces de Dedosdemel seguros, que já estavam liberados na sua alimentação, segundo a avaliação de Madame Pomfrey. Quando escureceu finalmente, Potter, finalizando a conversa, abraçou o amigo e se despediu.

“Nos vemos amanhã então, Remmy. Boa noite, Sirius.”

 O rapaz de cabelos castanhos olhou o outro com confusão quando ele colocou a mochila nas costas, dirigindo-se até a porta.

“Aonde você vai? Não quer pernoitar aqui? Achei que você ficaria...”

O rapaz de cabelos rebeldes olhou de um amigo para o outro e sacudiu a cabeça.

“Melhor não. Acho que vocês dois devem querer ficar sozinhos e devem ter muito pra conversar. A gente se encontra amanhã.”

Sirius interveio.

“Também achei que você ficaria, Potter. Por que a pressa? Tenho no dormitório ainda o saco de dormir que usávamos para acampar quando a gente explorava os gramados de madrugada. Pode dormir nele se não se importar.”

“Minha mãe trocou os lençóis e podemos ajeitar o sofá também se preferir. Não é como a sua cama, mas não deve ser tão ruim. Fica, por favor...”

“Não, Remus. É melhor não...”

“Você tem algum compromisso?”

“Não, só não quero atrapalhar...” — finalizou o garoto, fazendo menção de caminhar até a porta, mas Remus segurou a sua mão.

“Você não atrapalha! James, você se arriscou com Sirius para me salvar e vocês dois passaram todas as noites ao lado do Lobo. Eu não estaria aqui se não fosse por vocês. Fica! Quero passar esse tempo com vocês dois...”

James mexeu em seus óculos com as juntas dos dedos e olhou para Sirius que reforçou o convite.

“Pettigrew cai no sono cedo e você dorme bem tarde. Vai ficar ouvindo os roncos dele enquanto comemos aqui embaixo o banquete que a senhora Lupin trouxe e jogamos conversa fora. Amanhã é domingo. Qual é...?”

O rapaz hesitou ainda um pouco, mas cedeu.

“Que horas eu volto então?”

“Volta na hora que você quiser. Pra que tanta formalidade?”

“Tá. Volto às nove então. Até mais...”

James bateu a porta atrás de si, mas antes, Sirius reforçou:

“Já emagreci de tanto que fiz o percurso daqui até o Castelo centenas de vezes nessa semana. Não faz eu voltar pra ter que te buscar, por favor. Às nove, Potter...”

Quando Sirius ficou a sós com Remus, foi coberto por uma chuva de beijinhos. O rapaz de cabelos compridos freou o outro, no entanto, quando sentiu que os beijos de Remus se tornavam mais intensos e ele escorregava a mão pela sua calça.

“Não, lobinho! Fica quietinho. Ouvi quando você disse para Madame Pomfrey que tava com dor no corpo ainda e quando ela mandou que você não fizesse esforço.”

Remus assentiu, mas provocou um pouco Sirius, levantando a blusa do pijama e mostrando os quão poucos arranhões tinha no fim daquele ciclo. Pediu que o outro rapaz beijasse os seus poucos ferimentos e deixou que a boca de Sirius se demorasse em seus mamilos. Depois, provocou Black subindo sobre ele.

Sirius fechou os olhos, sentindo o outro garoto mexer os quadris sobre os seus. Beijou-o e se deixou ser provocado até o limite. O rapaz de cabelos compridos esticou a mão e tocou o outro por dentro da calça do pijama um pouco antes que o freasse.

“Agora chega, fofinho. A gente faz isso quando você tiver melhor.”  

Remus, sorrindo um pouco ruborizado, beijou a fronte do rapaz e os dois começaram a conversar abraçados na cama. Remus perguntou a Black mais detalhes sobre a reconciliação com Potter.

“Como foi quando pediu desculpas para o James por aquilo que você disse?”

O rapaz de cabelos compridos levou a mão à nuca meio sem jeito.

“Então, eu meio que não pedi ainda desculpa. Eu ia pedir perdão no dia em que encontramos o Lobo pela primeira vez e achei que podia acontecer o pior. Mas James achou de mau agouro tocar nesse assunto e não quis me ouvir. Depois, continuamos a nos falar e não dizemos mais nada sobre isso...”

Remus olhou Sirius com uma expressão severa que o deixou encabulado.

“Quando ele voltar, você vai pedir perdão, Black! Você tem que resolver esse assunto!”

Sirius olhou para os lados, parecendo um pouco acuado.

“Talvez se você puxar o assunto com ele e...”

“Não, Sirius! Você tem que parar de usar o James e eu como ponte quando se desentende conosco. Você que vai falar! Todos esses anos, você nos conta que os Blacks são orgulhosos, que não admitem os erros deles e que a sua família se acha melhor do que todos. Você também não admite fácil, mas precisa aprender a fazer isso. Você esnobou James por mais de um mês, sendo que foi você que falou pra ele algo terrível.”

Sirius franziu o cenho, contrariado, e cruzou os braços.

“Ele falou coisas ruins pra mim também. Não briga comigo, Remus!”

“Não estou brigando, mas você ficou mal-acostumado com as garotas de Hogwarts te fazendo acreditar que é um príncipe. Você vai resolver isso hoje!”

Sirius mantinha os braços cruzados e o rosto emburrado.

“Você é o meu namorado e tem que ficar do meu lado!”

“Eu tô do seu lado, ainda que não pareça!”

Remus respirou fundo e foi abraçar o cachorro de pelúcia ao invés de abraçar Sirius. Black ficou um tempo calado, parecendo uma criança birrenta. No fim, assentiu com algum desconforto.

“Certo! Vou falar com ele. Como acha que ele vai reagir?” 

Remus, permanecendo um tempo pensativo, redarguiu:

“James sempre foi do tipo difícil de prever.”

Um longo silêncio se fez. Sirius pigarreou e trouxe outro assunto à tona.

“Tem mais uma coisa que você precisa saber, Remus. Conversamos com o Lobo.”

Remus moveu o seu rosto bruscamente e indagou:

“Como?”

“Quando você tava colapsando no dormitório, ele deu as caras.”

O rapaz de cabelos castanhos permaneceu com os lábios entreabertos e não percebeu que havia tocado com a mão o próprio peito.

“O que ele disse?”

Sirius sacudiu o rosto e se encaminhou para a janela, observando por uma pequena abertura entre as tábuas o sol se pondo no vilarejo de Hogsmeade. Um tom de azul cobria as ruas e as luzes das janelas das casas se acendiam. O vento se intensificava.  

“Ele parecia irritado comigo. Furioso, na verdade.”

“Por quê?” — perguntou Remus, sentindo o seu coração bater acelerado.

“Pela promessa que eu fiz você quebrar. Por ele, você devia ter ficado bem longe de mim e do Potter.”

Remus sentiu sua respiração engasgar um pouco na garganta, antes de dizer:

“Não sei por que isso é tão importante pra ele.”

Sirius se aproximou de Remus e tocou o seu ombro, massageando-o.

“Eu também não sei, mas eu não sou idiota, lobinho, e tenho também os meus truques. Quero ver o Lobo nos afastar de você agora. Ou melhor, afastar o cão e o cervo.”

Remus ergueu o rosto, fitando o namorado.

“Você deu um xeque-mate no Lobo, Black?”

Sirius esboçou o seu sorriso enviesado, dizendo:

“Somos os Marotos, baby. É nossa prerrogativa vencer sempre.”

Remus pestanejou, observando o grifinório sob uma nova luz. Sirius complementou:

“... Como disse o seu pai, lobinho, no amor e na guerra vale tudo. Não arquitetei tudo o que aconteceu, mas se as coisas podem ser usadas ao nosso favor e o prêmio é continuarmos juntos, por que não nos valermos do poder que temos?”

 

 

 

 

Chapter 8: Fogo

Summary:

James finalmente explode e expressa os seus sentimentos mais turbulentos para Sirius e Remus.

Chapter Text

https://www.youtube.com/watch?v=4KugpUDzXQw

 

 

 

Poucos meses depois de James Potter completar três anos de idade, a sua guarda foi reivindicada por seus verdadeiros pais e ele se mudou para uma casa bem menor em Londres, abandonando a mansão dos seus avós, cercada por gramados, lareiras, cisnes nadando em lagos profundos e criados que, desde que se lembrava, chamavam-lhe de “patrãozinho”. James deixou a floresta vizinha de onde surgiam raposas, esquilos, coelhos e cervos avançando sobre a propriedade.

Os primeiros anos foram confusos para o menino, que vivenciava constantes idas e vindas à casa dos avós quando os pais viajavam à trabalho, deixando-o sob os cuidados do casal de idosos. James se recordava de, inicialmente, entrar na lareira com hesitação ao tentar pronunciar corretamente o destino, a despeito do temor que sentia de que as chamas do fogo o queimassem. Ele atirava no ar todo o Pó de Flu que as suas mãozinhas conseguiam reunir e olhava para aquelas duas figuras diante de si antes que desaparecesse e escorregasse pela tapeçaria da casa em Oxford.

“O patrãozinho chegou!” — diziam os criados, ajudando-o a se levantar e batendo a cinza da lareira acumulada em seus joelhos.

James também se lembrava que a sua mãe esquentava o leite de dragão com a varinha e que, algumas vezes, errava a temperatura. O menino se queimava nessas ocasiões, levando a mãozinha à boca antes que a jovem senhora Potter, pedindo mil desculpas, consertasse o seu erro.

Havia momentos também em que James, com quatro ou cinco anos de idade, tomava banho com os seus pais na banheira e gostava quando Joanne esfregava os seus cabelos com xampu e o ensinava como se ensaboar. Também gostava quando soprava bolhas de sabão que Henry aumentava de tamanho com magia, fazendo que flutuassem gigantes até atingirem o teto. A risada de James se enchia de alegria nessas horas e o menino dizia:

“Irmãozinho e irmãzinha, quero mais bolhas de sabão!”

Os Potters se entreolhavam, antes de corrigi-lo.

“Não, Jimmy. Não somos seus irmãos. Somos os seus pais... Eu já conversei isso com você.”

“Mas a mamãe disse que você era a minha irmãzinha...”

“Euphemia não é a sua mamãe! É a sua avó. Eu sou a sua mãe!”

James olhava o casal diante de si e percebia pela expressão de tristeza deles que havia feito algo de errado de novo.

“Bom, vamos tirar o sabão e sair do banho.” — determinava a bruxa meio atarantada, enrolando-se em sua toalha.

James se lembrava daqueles dois jovens que o visitavam desde sempre em Oxford. Quando ele começou a aprender a dar os primeiros passos, os pais, trajando os uniformes de Hogwarts, horas antes de embarcarem no Expresso com destino à Escola, incentivavam-no a alcançarem-nos enquanto o menino se arriscava, sem firmeza, pelo gramado. Também se recordava da primeira vez em que, orientado pela avó, chamou a garota de uniforme de “irmãzinha”. Nesse dia, com olhos assustados, o menino viu a avó e a mãe terem uma briga feia. James sabia que havia feito algo de errado.

“Não sou a irmã de James! Sou a mãe dele! Você deveria tê-lo ensinado a me chamar do modo certo!” — vociferava Joanne se movendo pela sala de estar.

Euphemia, a avó de James, com um olhar austero, retorquiu:

“Você e o pai dele só veem o garoto no recesso de fim de ano e nas férias. Acha que isso é ser mãe?”

Joanne, levando as mãos às têmporas, retorquiu:

“O que quer de mim, mãe?! Pediu para eu continuar a Escola e eu voltei depois de ter que ter passado o quinto ano praticamente todo fora. Fui aprovada nas provas para o sexto ano e no N.O.M.s, que é tão importante pra você. Eu penso em James todos os dias e eu e o Henry sempre ficamos perto dele o máximo que podemos. Ele é o meu filho!”

A avó de James respirou fundo.

“Eu gostaria, Joanne, que você tivesse sido mais responsável, mais madura antes de engravidar de seu próprio primo e mudar a vida de todos nós drasticamente. Nos registros do Ministério, James consta como meu filho para não termos tido o escândalo de ter uma criança grávida de outra criança. Se seguir o seu sonho de trabalhar com leis no Ministério, pode ser que tenha que ser mandada para fora do país. Como vai ser mãe dele se ainda está arrumando a sua vida? E se o pai de Jimmy quiser ir embora? É melhor deixar James conosco em Oxford!”

“De jeito nenhum! É o meu bebê! Meu! Meu sonho era trabalhar no Ministério com legislação, mas tudo mudou. Não importa mais! Meu sonho agora é ser mãe e eu posso trabalhar nos negócios da família, administrando a minha parte! Henry não vai embora! Vamos nos casar quando terminarmos a Escola. Nós nos amamos!”

“Vocês são muito jovens, minha filha! São duas crianças! Como podem criar um filho se ainda estão na Escola, se ainda não enfrentaram o mundo de verdade?!”

Joanne se voltou para a mãe, movendo o seu cabelo escuro ao dizer com uma reatividade incontrolável enquanto os seus olhos faiscavam:

“Você tá com inveja de mim por ter tido um filho sem fazer esforço e você e o papai terem levado décadas pra conseguirem ter uma criança somente! Está com inveja por eu ser jovem e por poder ter quantos filhos quiser ainda e por vocês não poderem ter mais nenhum! É por isso que quer tomar o James de mim, não é?!”

James viu os olhos de Euphemia se encherem de água enquanto a bruxa apertava as próprias mãos. Viu uma gota grossa se formar no canto dos olhos da mulher idosa e escorrer por seu rosto triste.

“Como você é ingrata, Joanne! Pensa realmente isso de mim...? Pensa isso da sua própria mãe que foi até Hogwarts quando recebeu a coruja da enfermaria, dizendo que estava grávida? Que minha menina estava... grávida!”

O criado, um aborto de idade avançada e um pouco corcunda, colocou James no colo quando o menino, assustado, começou a chorar. Retirando-o da sala, ele dizia:

“Venha, patrãozinho. Está na hora do chá. A patroa e a patroinha precisam conversar a sós.”

James se lembrava de que Joanne e Henry, apesar de serem de uma família abastada, nos primeiros anos, trabalhavam muito e, por orgulho, preferiam viver dos seus ganhos a receberem ajuda. Mas dependiam muito dos avós de James ainda para tomarem conta do filho enquanto tratavam de negócios em lugares distantes. Isso não ajudou na confusão do menino que, às vezes, trocava as palavras e chamava os pais de irmãos e os avós de pais. Mesmo na Escola, essa confusão escapava ainda e Sirius e Remus, apesar de a perceberem, não interrompiam o amigo, entendendo o que ele queria dizer.

James, com sete anos, realizou o seu primeiro feitiço consciente. O menino, certa vez, sobrevoando os gramados da casa em Oxford, montado em sua vassoura, perdeu a direção, batendo no plátano da residência. Antes que tombasse no chão, no entanto, ele apoiou as mãos sob si e se manteve flutuando no ar até que descesse suavemente. Com as mãos na boca, Euphemia e seu avô, Fleamont, se aproximaram e tal fato foi muito celebrado, como sempre era celebrada com alegria nas famílias bruxas a constatação de que a criança tinha, de fato, poderes. Esperando Joanne e Henry chegarem, ansioso para narrar o que se sucedera, James permaneceu na escadaria da casa, sentado. Esperou um bocado antes que o criado corcunda lhe dissesse.

“A patroinha e o senhor Henry mandaram uma coruja, dizendo que não vão poder voltar hoje. Venha, patrãozinho. Está na hora do jantar.”

James se manteve ansioso para contar ao casal que conseguira flutuar sozinho, mas os pais também não puderam voltar no dia seguinte. No terceiro dia, James sentiu a sua ansiedade ser substituída por uma raiva aguda. Quando a expressou para os avós, que, nessa altura, já haviam restabelecido os bons termos com a filha e o genro, ouviu:

“James, não cobre muito dos seus pais. Eles são muito jovens. Seja um rapazinho maduro, sim?”

O menino olhou o avô com confusão.

“O que é maduro, vô?”

“Maduro é você tentar entender as pessoas e não criar problemas para elas. Eu errei sendo muito duro com a sua mãe e hoje me arrependo. Ela está tentando fazer o melhor que pode. Tente enxergar o lado dela, sim?”

Mas James não se sentiu maduro. Em vez disso, sentiu-se culpado por ainda ter raiva por esperar tanto tempo para contar algo aos seus pais. Algo que sentia em seu coração que perdia a importância. Ele começou a pensar se seus pais desapareceriam por estações inteiras como o faziam na época da Escola.

Quando após cinco dias, eles, finalmente, retornaram, James tentou vê-los caminhando sobre os gramados, aproximando-se da residência e percebeu que algo acontecia com a sua vista. O menino notou que o carpete verde que cobria os jardins, as flores, os troncos das árvores e o céu se embaçavam. Ele não distinguia mais as duas figuras diante de si ainda que apertasse ou esfregasse os olhos. Naquele dia, o astigmatismo de James se fez evidente e foi necessário que ele começasse a usar óculos imediatamente. Também, instaurou-se, definitivamente, a sua confusão ao se referir aos seus pais como irmãos e aos avós como pais quando se dirigiu à Euphemia, dizendo:

“Mamãe, não tô conseguindo ver direito.”

James também se lembrava da sua festa de aniversário de nove anos em que parentes que mal conhecia vieram lhe ver em Oxford. Não havia outras crianças nascendo na família e muitos dos seus tios e primos tinham idade avançada. Joanne, linda com um vestido branco de festa, recebia os convidados ao lado de Henry enquanto o menino, com uma postura já adulta, apertava a mão dos familiares.

“Ora, ora, veja como já está um rapaz, James! — elogiou-o um tio de cabelos grisalhos.

Durante o jantar, naquele dia, uma prima que viera de Manchester, dirigiu-se aos Potters.

“Vejo que estão criando bem o menino. É muito comportado. Deve ser um alívio depois de todos os problemas que tiveram...”

O senhor e a senhora Potter se detiveram enquanto tomavam a sua sopa.

“O que quer dizer com problemas, Mary Anne?” — indagou-a Joanne.

“Me refiro a todas as coisas que tiveram que abrir mão por terem um filho na época escolar. Nunca conheci nenhum bruxo que tenha passado por isso. Foi sorte terem errado e contado com tanta ajuda da família. Ele ainda chama vocês de irmã e irmão de vez em quando? Deviam deixá-lo de vez aqui em Oxford já que, para ele, os avós são os pais!”

“Meu filho não é um erro e o lugar dele é morando com os verdadeiros pais!” — vociferou a senhora Potter, batendo a mão espalmada na mesa.

Uma discussão acalorada se fez em que James, ajeitando o aro dos seus óculos, olhava cada pessoa sentada à mesa. Joanne havia se levantado e estava sendo contida por Henry. Ela exigia que Mary Anne fosse embora. No fim, James, espontaneamente, recolheu-se à cozinha como gostava de fazer de vez em quando e terminou a sua refeição ao lado do criado corcunda e da cozinheira, uma bruxa na casa dos cinquenta anos de risada espontânea.

Também se juntava a eles, de vez em quando, o jardineiro, que era um rapaz na casa dos vinte e poucos anos e que, aos cochichos, contava histórias tórridas sobre as tantas namoradas que tinha, achando que James não lhe prestava atenção. James sabia que os seus pais e os avós o estavam procurando após o ocorrido do aniversário, mas gostava do cheiro de fumaça dos castiçais e do fogareiro da cozinha. Gostava do calor que emanava dos caldeirões que cozinhavam sopas e guisados. Às vezes, a cozinheira e o jardineiro, por descuido, usavam palavras rudes entre si e mesmo alguns palavrões, diante dos quais, o menino, esboçando uma risada, repetia.

“Por Merlin, patrãozinho, não repita isso na frente dos seus avós! Eles não iam gostar nem um pouco. Não deve falar palavras assim. Perdoe o nosso descuido.”

James aprendeu a murmurar aqueles palavrões para si mesmo quando sentia raiva e permanecia quieto. No geral, Joanne e Henry lhe davam muita liberdade e não era comum censurá-lo ou brigarem com ele até porque o garoto não lhes dava motivos para ralharem. O casal incentivava a independência e autonomia do filho como se essa fórmula fosse quase um estilo de vida, uma regra de sobrevivência dentro do afeto dos Potters. James, que desejava o afeto, seguia o regulamento com diligência.

Os pais de James também contratavam instrutores do mundo bruxo para ensinar ao filho qualquer coisa que ele esboçasse o mínimo de interesse em se aprofundar. Foi assim que James aprendeu a nadar no lago da casa de seus avós e na piscina gigante que havia nas dependências da residência, sendo mantida coberta por falta de uso. Uma instrutora bruxa bastante jovem, admitida por sua mãe, ensinava-lhe a nadar com braçadas hesitantes no início e depois, como um peixe naquela imensidão oceânica. No verão dos seus nove anos, o garoto já conseguia, com braçadas rápidas, dominar a água. A sua instrutora, trajando um maiô trouxa e soprando um apito lhe dava comandos de respiração e ritmo.

“James tem um talento excepcional para o esporte e um ótimo condicionamento físico. Ele pode se tornar um atleta se investirem nele.” — conversou com a sua mãe, a professora que cobria o corpo com uma toalha após sair da piscina.

O rapaz de cabelos rebeldes se surpreendeu, nessa época, sem que conseguisse controlar, olhando de soslaio a curva do corpo de sua instrutora, o decote da sua roupa de banho e o cabelo claro e encharcado caindo por seus ombros atléticos. Chamava-lhe sempre de “senhora” por respeito e se envergonhava de se perder em seus pensamentos quando nadavam juntos na piscina. Mas ela era uma moça jovem e bonita que mexia com os seus sentidos. Quando ela precisou se mudar para a Austrália à trabalho, deu um beijo de despedida no rosto do aluno e lhe desejou boa sorte.

James, apalpando a sua bochecha, viu o seu primeiro amor partir para um país distante e febril. Murmurou, então, antes que a mulher mais bonita que vira até então desaparatasse diante de seus olhos:

“A senhora é muito linda. Eu a amo. Obrigado por tudo.”

A professorinha, olhando para trás, com surpresa, deteve-se. Depois, sorriu para o garoto antes que desvanecesse no ar com os cabelos encharcados e o cheiro da poção que usavam na piscina para manter a água limpa impregnada em seu corpo.

Após isso, os pais de James investiram em aulas de Quadribol para o filho e, enquanto sobrevoava os gramados, montado em sua vassoura, o garoto executava treinos pesados de artilharia, caçada ao pomo de ouro e rebate de balaços. O instrutor, um rapaz jovem, conversou com a sua mãe:

“Ele pode jogar em Hogwarts quando começar a frequentar a Escola. Ele tem muita força no braço, equilíbrio, rapidez e sentidos apurados, apesar da visão.”

O professor de James havia pertencido à Lufa-lufa, destacando-se no time de Quadribol da sua Casa. Também participava do time oficial de Oxford. O menino, após os treinos, permanecia sentado na escadaria da varanda de casa, conversando com o rapaz sobre técnicas e jogadores que admirava. Quando os treinos se estendiam, os avós de James convidavam o professor para jantar com eles. Potter gostava muito daquelas aulas porque ocupavam o tempo que tinha que permanecer em Oxford e sentia que a sua vida se expandia e se aprofundava com aqueles conhecimentos.

Após um ano, no entanto, o instrutor havia sido designado para ocupar uma vaga em um time oficial da Alemanha. James, novamente, precisou se despedir de alguém que o ensinara muito, vendo-o não aparatar, mas ir embora em sua vassoura profissional.

“Obrigado por tudo, senhor. Foi muito divertido e uma honra tê-lo como treinador.” — despediu-se James, apertando a mão do rapaz com solenidade e sentindo uma outra frase presa em sua garganta.

O professor sorriu de um modo jovial, despenteando o cabelo do garoto. Depois, presenteou-o com um chapéu do time oficial de Oxford.

“Sem essa de senhor e sem tanta formalidade, James! Quero ouvir falar de você quando voltar para a Inglaterra um dia. Você vai ser um ótimo jogador de Quadribol e tem fibra para se tornar profissional. Nos vemos por aí!”

James continuou a viver com aquela independência e autonomia inspiradas pelos Potters, mas, às vezes, quando tinha pesadelos, os seus pais permitiam que o menino, com dez anos então, ainda dormisse em sua cama. Entre o pai e a mãe, James adormecia, sentindo o perfume do xampu da senhora Potter e da colônia do senhor Potter.

Havia muitos anos, os três não tomavam banho juntos na banheira porque James já era um rapazinho, mas a noite inspirava medos e sonhos no garoto em que ele se via pairando em algum lugar, sem ter algo ao que se segurar. Sonhava que o seu primeiro feitiço consciente de levitar, movia-o sem que conseguisse controlá-lo ou alcançar o chão. Acordava com um sobressalto, achando que caía no vazio. Em outras vezes, James acordava, mas não conseguia mover um único músculo do seu corpo por incontáveis minutos. Angustiado, o garoto permanecia imóvel, fitando as sombras no teto.

“Posso dormir hoje com vocês?” — perguntava James na porta do quarto dos pais com a vista embaçada e o cabelo despenteado.

A mãe esticava o braço para acolhê-lo e o menino dormia entre o casal. Quando os avós paternos visitaram a família Potter nas festas de fim de ano, no entanto, Henry e Joanne foram duramente criticados pela matriarca.

“Não podem ficar deixando o menino dormir entre vocês dois. Precisam colocar limites. Ele já é um rapazinho...”

Joanne se dirigiu à tia-sogra, tentando explicar o seu posicionamento.

“Jimmy foi criado por meus pais até os três anos e passa muito tempo em Oxford ainda com os avós. Ele sente falta de mim e do pai quando estamos perto...”

O senhor Potter também complementou:

“Jimmy tem tido pesadelos. Não vejo mal em ele dormir conosco quando se sentir assustado. Ele tem só dez anos, mamãe...”

A matriarca Potter, no entanto, manteve-se irredutível.

“Levem-no, então, a um medibruxo do St. Mungus se tem pesadelos. Como vocês podem aprofundar os laços entre vocês dois se ficam colocando o menino no meio? Já terminaram a Escola com a responsabilidade de terem um filho e agora que vocês têm que fortalecer a base do casamento, não podem deixar James atrapalhar esse processo.”

Joanne respirou fundo e James, olhando de soslaio para a conversa enquanto preparava a mesa do café da manhã, viu a mãe retorquir com rispidez:

“Meu filho não atrapalha!”

James, após ouvir os pais conversando com a sua avó paterna, nunca mais pediu para dormir com o casal. Não queria atrapalhar. Quando tinha pesadelos, permanecia acordado de madrugada, brincando sozinho em seu quarto com os cartões de jogadores de Quadribol que vinham junto dos doces de Dedosdemel. Quando tal fato acontecia em Oxford, o garoto explorava a casa de madrugada até o sono voltar. Se a paralisia do sono acontecia, ele, com algum terror, esperava conseguir mover novamente as suas pernas.

James completou onze anos e poucos meses após o seu aniversário, recebeu a coruja de Hogwarts com o seu nome gravado na carta e a assinatura do Professor Albus Dumbledore. Seus pais batiam palma exultantes e falaram coisas maravilhosas sobre a Escola. Emolduraram a sua carta com orgulho e a penduraram na parede como um troféu que o filho ganhara, apesar de todas as crianças bruxas do Reino Unido com onze anos terem recebido cartas semelhantes.

Foi necessário fazer então as compras dos materiais escolares para o primeiro ano de James em Hogwarts.

A senhora Potter, usando saltos agulha e vestes trouxas, caminhava pelo Beco Diagonal, sacudindo o seu cabelo escuro preso em um rabo de cavalo e atraindo os olhares dos clientes e vendedores. Ela estava com vinte e seis anos apenas e muitos bruxos achavam que, de fato, ela era irmã do rapazinho de quem segurava a mão. Um homem chegou a abordá-la:

“Seria muito ousado da minha parte convidá-la para que tomasse comigo uma taça de licor de fadas, senhorita?”

James, apertando a mão da mãe, olhou do rosto do bruxo para o rosto bonito de Joanne.

“Sim, seria muito ousado e muito indelicado! Sou uma senhora casada e este é o meu filho. Por favor, não fale comigo.”

O bruxo, parecendo um pouco incrédulo, tirou o seu chapéu num gesto de desculpa e se afastou, dizendo:

“Perdão. Achei que o garoto fosse seu irmão.”

A senhora Potter respirou fundo e os dois caminharam até a loja Madame Malkin, onde tiraram as medidas e encomendaram o uniforme de James. O garoto olhou com alguma curiosidade outros alunos de Hogwarts que também tinham as suas medidas tiradas e conversavam entre risos sobre Casas, Quadribol, varinhas e expectativas sobre o primeiro ano. O rapaz não estava muito acostumado com crianças da sua idade e se aproximou. Rapidamente, começaram a conversar.

“Você tá aqui sozinho?” — perguntou-lhe uma menina sardenta e de cabelos castanhos.

“Não. Eu tô com a minha mãe. Ela tá ali.” — retorquiu James, apontando Joanne, que conversava com o vendedor.

“Nossa, a sua mãe é bonita e parece uma estudante! Eu tô com meus irmãos. Você já foi à Gambol & Japes - Jogos de Magia? A gente vai lá! Não quer ir com a gente?”

James olhou para a sua mãe, que consultava o livro do vendedor, apontando-lhe um tecido específico.

“Minha mãe disse que eu devia esperar aqui!”

“É rapidinho! Ela não vai nem perceber. Lá vende um monte de artigos engraçados.” — falou um menino moreno que já se adiantava em direção à saída da loja.

James acompanhou as outras crianças e se mostrou surpreso com a loja de brincadeiras e artigos mágicos. Adentrando o corredor, ele sorriu com a menina que lhe mostrava um chapéu que falava as horas todas as vezes que o tirava da cabeça para cumprimentar alguém, bombinhas que soltavam fumaça que desencadeava o riso, pentes que mudavam as cores dos cabelos e xícaras que mordiam o nariz. Quando deu por si, o menino já havia gastado quase uma hora na loja. James retornou, correndo, para a Madame Malkin, mas a sua mãe não estava mais lá. O vendedor, vendo-o, adiantou-se:

“Por Merlin, rapazinho! A sua irmã saiu daqui desesperada para procurá-lo em todas as lojas. Foi uma confusão dos diabos! Seu irmão aparatou há pouco lá fora e os dois chamaram as autoridades. Espere aqui que vou mandar Libby os procurar.”

O vendedor chamou a elfa doméstica que cortava alguns tecidos e lhe deu orientações para que encontrasse o senhor e a senhora Potter. Meia hora depois, eles apareceram na loja. O pai de James, respirando aliviado, abraçou o menino, mas a senhora Potter se manteve parada na entrada da loja, fitando o filho de uma forma severa.

James não entendia a chateação de Joanne, visto que fora um mal-entendido e ele havia permanecido numa loja perto, sem correr riscos. Além dos mais, ela e o seu pai sumiam o tempo todo e sempre estavam bem. O rapaz de cabelos rebeldes, em seu íntimo, estava muito feliz por ter conhecido alguns estudantes de Hogwarts e por eles terem o deixado participar daquela aventura. Estava feliz por, ao ter mostrado às outras crianças a varinha que o escolhera na Loja Olivaras, feita de mogno e com a corda de coração de dragão em seu cerne, terem dito que parecia uma combinação forte e que ele provavelmente se tornaria um bruxo poderoso.

James contou ao grupo que havia levitado em seu primeiro feitiço feito e o menino moreno, parecendo surpreso, dissera que já soubera de crianças que quicavam ou que aparatavam a uma distância bem curta, mas que voo sem vassoura era raro. James estava tão contente pela atenção recebida que, quando a família passou pela escadaria do Gringotes, ele resolveu se divertir mais um pouco, subindo e descendo os degraus da construção rapidamente como fazia na escadaria da casa dos avós.

“Jimmy, vamos indo! A mamãe tá chateada. Vamos logo pra casa!” — chamou-lhe Henry com as mãos nos bolsos no pé da escada.

James, no entanto, não se importou. Raríssimas vezes, ele veio ao Beco Diagonal e estava contente de deixar a sua casa em Londres e mesmo a casa dos avós em Oxford para transitar por aquele mundo bruxo do qual sempre ouvira falar. O menino continuou correndo, subindo e descendo a escada, ignorando os apelos do pai. Por fim, a mãe, irritada, gritou-lhe:

“CHEGA! SERÁ QUE VOCÊ NÃO PODE FICAR QUIETO? VAMOS PRA CASA! ESTÁ SATISFEITO AGORA?”

James se deteve em um degrau e, virando-se em seus calcanhares, fitou o rosto aborrecido de Joanne. Naquele momento, subitamente, ele sentiu a raiva lhe inflamar o estômago. Sentiu um desprezo profundo pelo rosto da mulher que mirava e chegou mesmo a lhe achar feia, tamanha a sua ira. Por que ela não o deixava em paz e satisfeito quando finalmente haviam prestado atenção nele? ela não podia deixar ele se sentir bem por achar que tinha feito a coisa certa, já que as outras crianças haviam gostado dele e disseram que esperavam poder reencontrá-lo na Escola? A mãe deveria estar com inveja dele por querer ir para Hogwarts e não poder mais. A raiva, então, explodiu:

“VAI SE FODER, SUA PUTA! VOCÊ NÃO É A MINHA MÃE!” — gritou James, batendo o pé no chão. Ele usava os palavrões que havia aprendido com os criados em conversas, as quais não deveria ouvir.

O senhor Potter arregalou os olhos e a senhora Potter deu um passo para trás como se alguém tivesse lhe jogado uma Maldição Imperdoável.

“JAMES, NÃO FALA ASSIM COM A SUA MÃE!”

“ELA NÃO É MINHA MÃE! EUPHEMIA É A MINHA MÃE. NINGUÉM ACREDITA QUANDO EU FALO MESMO! TODO MUNDO ACHA ANORMAL VOCÊS TEREM SIDO PAIS COM QUINZE ANOS! POR QUE NÃO ME DEIXARAM SER CRIADO COM OS MEUS PAIS DE OXFORD?”

A senhora Potter se manteve petrificada. Imediatamente, seus olhos se avermelhavam. Alguns bruxos e duendes que saíam do Gringotes olhavam a cena em que dois bruxos demasiadamente jovens encaravam um menino que lhes apontava o dedo da escada. James, sentindo a raiva ainda explodir em seu peito, desatou a correr, trombando em alguns bruxos que, levando os filhos para comprarem o material escolar, carregavam pacotes. O senhor Potter correu atrás do filho, mas ele se embrenhou na multidão, adentrando em ruelas e becos.

Naquele dia, James percebeu que a sua raiva, quando explodia, não passava facilmente. Percebia que as palmas das suas mãos ficavam muito quentes e que sentia vontade de derrubar coisas. Sem querer, a sua magia escapou de si e explodiu o lampião de uma loja. Também incendiou o letreiro de outro estabelecimento.

James andou sem rumo pelo Beco Diagonal por infinitas horas. Sentiu os seus pés começarem a doer e o seu estômago começar a roncar quando experimentou o cheiro do jantar, sendo preparado em algum restaurante bruxo. Viu algumas lojas encerrarem as suas atividades do dia e um funcionário da Sorveteria Florean Fortescue dobrar as cadeiras da calçada, colocando-as para dentro.

O menino, após caminhar por um longo tempo a esmo, retornou pelo mesmo percurso e se sentou na escadaria do Banco Gringotes. O céu já havia se tingido de azul escuro há horas e as estrelas despontavam no céu. A brisa fresca do verão lhe bagunçava os cabelos. Ele tirou os óculos para enxugar uma lágrima rebelde que lhe alcançava naquele momento impróprio. Permaneceu sem óculos, vendo o cenário embaçado diante de si.

James sentia que, muito cedo em sua vida, faltaram definições. Sua árvore genealógica não era complicada, mas as nomenclaturas e sentimentos, sim. Era estranho pensar em seus pais como pais não só pela idade, mas também por estarem longe em muitos momentos importantes da sua vida. Muitas vezes, James se questionara se eles, de fato, voltariam daquelas longas viagens à trabalho, que, em seu coração, duravam tanto quanto os anos letivos de Hogwarts. Será que eles, cedendo à pressão, não anunciariam ao filho que ele voltaria a viver definitivamente em Oxford? Que fora tudo um grande engano. Que deveria ser maduro e perdoar o mau jeito. Que não queriam ser pais e haviam se casado somente por orgulho e uma missão maluca que incutiram em si mesmos, achando que poderia ser divertido brincarem de ser adultos.

Existiam poções contraceptivas no mundo bruxo que podiam ser tomadas por homens e mulheres e eram extremamente eficazes. A maioria dos bruxos tinha filhos quando queria e não por uma escorregada amadora como a que os seus pais tiveram. Muitas vezes James pensara em perguntar à mãe, mas ficara envergonhado de saber se ela esquecera algum ingrediente na sua poção; se acreditou que Henry estava com a dele em dia ou se, inconsequentes, acharam que uma gravidez nunca poderia acontecer aos quinze e lhes roubar todos os planos de vida.

James sentiria, futuramente, outras indefinições muito marcantes em sua vida. Mas, no meio do caos que não verbalizava, conheceu Sirius e Remus no primeiro ano da Escola. Com eles, fora fácil definir rapidamente que eram os seus melhores amigos e que despertavam nele, dentre tantas coisas, a vontade de ser ele mesmo. De não precisar ser responsável sempre; de achar um tédio ser maduro e da necessidade de assumir um ar mais adulto somente quando precisava colocar juízo na cabeça dos dois.

No entanto, as indefinições alcançaram Black e Lupin quando James achou que não haveria problema em beijá-los porque a amizade que sentiam era mais forte do que os abalos que aquela curiosidade podia trazer-lhes. A indefinição os atingiu quando James trocou carícias com os seus melhores amigos, subvertendo ordens que existiam por um propósito. James chamava os seus avós de pais e os pais de irmãos. Tratou os seus amigos como amantes e se esforçava para não confundir mais a sua fala quando se referia aos dois, ainda que sentisse no caldeirão com poção do amor o cheiro de Lily misturado aos seus cheiros.

James se encontrava com a cabeça baixa ainda, sentado nos degraus do Gringotes, quando o empregado corcunda da sua casa em Oxford o achou.

“Patrãozinho James, os seus pais chamaram as autoridades e os seus avós pediram que eu viesse os ajudar a procurá-lo! Levanta daí, patrãozinho. Venha, vamos procurar os seus pais. Vamos voltar pra casa.”

No Caldeirão Furado, o senhor e a senhora Potter abraçaram James. Joanne, segurando o rosto do filho entre as mãos, chorava antes que o puxasse para o seu peito.

“Achei que tivesse perdido você de novo, Jimmy! Por favor, não faz mais isso...”

Os pais de James não mencionaram a fala agressiva do filho e o seu xingamento. Os dois, com a inabilidade dos vinte e seis anos, ainda que tenham sido forçados a amadurecerem muito jovens, sentiam medo da revolta do menino. Temiam, acima de tudo, que ele estivesse certo e que as suas escolhas, que torciam para que fossem acertadas, estivessem completamente erradas. E se James permanecesse realmente mais feliz em Oxford?

Após isso, dias antes de subir no Expresso no King’s Cross, James foi se despedir dos seus avós. A mãe e o pai, estranhamente quietos e não fazendo tantas brincadeiras como costumavam fazer, passaram um tempo em Oxford também. James viu, então, certa noite, Joanne chorando com a cabeça apoiada no colo de Euphemia na sala de estar. Seus pés estavam encolhidos e ela parecia uma garotinha assustada. James as observou, próximo à lareira, sem que percebessem a sua presença.

“Eu sou um fracasso! Devia ter deixado o Jimmy com você em vez de querer bancar a boa mãe...” — soluçava a senhora Potter, tendo o seu cabelo escuro acalentado pela bruxa idosa.

“Não, minha querida, não diga isso! Você não é um fracasso. Seu pai e eu ficamos muito preocupados no início, achando que você havia sido irresponsável, mas você e o seu marido assumiram o controle da vida de vocês. Fizeram o melhor que puderam...”

“Eu não vi o meu filho aprender a falar, nem a andar e nem a usar a magia pela primeira vez... Precisava ver a revolta com que ele falou comigo... Ele não acha que sou a mãe dele porque você foi mais mãe do que eu...”

“Não, ele disse isso porque estava com raiva. Ele adora você e o pai. E você fez questão de estar perto dele em vários momentos que podia. Estava do lado dele quando ele recebeu a coruja de Hogwarts; quis estar perto dele quando foram comprar o material escolar; estarão do lado dele quando ele subir no Expresso...”

James olhou a mãe chorar com a cabeça sobre o colo da avó e sentiu a vergonha alcançá-lo. Afastando-se, ele ia se retirar da sala, mas encontrou o seu avô no corredor. Fleamont era um bruxo de cabelos grisalhos e barba branca. Olhando a cena, o avô respirou fundo e murmurou para o neto:

“Não faz mais a sua mãe chorar desse jeito, James. Precisa ser um pouco mais responsável com as palavras, filho...”

“Eu não queria magoar ela, pa... vovô... Eu só senti muita raiva na hora.”

“A raiva deve ser controlada sempre. Senão ela destrói coisas que não podem ser consertadas ou remendadas. Sabe o que acontece quando magoamos tanto alguém com as palavras...?”

James sacudiu a cabeça se sentindo cada vez menor.

“Mais cedo ou mais tarde, a pessoa a que amamos deixa de gostar da gente. As palavras são mágicas, mas também podem ser uma maldição. Se ficar atirando xingamentos e ferindo as pessoas queridas, elas, uma hora, cansam e vão embora de vez...”

Potter se manteve grudado no chão, sentindo um medo profundo como nunca sentira antes. O que dissera fora terrível e, certamente, a sua mãe, a sua irmãzinha, amava-o menos, assim como o seu pai, o seu irmão, também. James esperou, nos próximos dias, que os pais fossem embora e deixassem que o criado corcunda o levasse ao King’s Cross. Mas os pais permaneceram e no dia que deveria subir no Expresso, o senhor e a senhora Potter o acompanharam.

Henry falava com o filho sobre Quadribol, empurrando os malões no carrinho, e a mãe, um pouco silenciosa, caminhava ao seu lado. Antes que atravessassem a parede da plataforma 9 ¾, James se deteve alguns segundos.

“O que foi, Jimmy?” — perguntou-lhe Joanne, ajoelhando-se perto do filho.

O rapazinho hesitou antes de falar. Fungou enquanto formulava as palavras:

“Desculpa ter falado aquelas coisas horríveis pra vocês no Beco Diagonal.”

Os pais trocaram um olhar tácito. O senhor Potter também se ajoelhou.

“Jimmy, você é o nosso filho. Nunca desistimos de você e a sua mãe e eu só pensávamos em terminar logo a Escola pra morar com você. Nós sempre quisemos ser os seus pais.”

A senhora Potter levantou os óculos escuros que usava.

“Sabe que eu amo você, não sabe?”

James assentiu, sem ter coragem de perguntar se a mãe o amava um pouco menos.

“Também amo você. E você também.” — retorquiu o garoto, segurando a mão do pai.

Após aquelas palavras, a família deu um passeio pela estação, falando e fazendo brincadeiras como era de costume. Riram-se e conversaram a ponto de se desligarem do horário e quando deram por si, atravessaram esbaforidos a parede mágica da estação. Esbarraram então nos Lupins e James conheceu um dos seus melhores amigos. Depois, no vagão, conheceu Sirius e os três partiram para o seu primeiro ano em Hogwarts.

James se descobriu no trato com os colegas uma pessoa sociável, que, rapidamente, conseguia se entrosar e despertar o respeito dos outros alunos. Descobriu-se com Sirius uma pessoa que gostava de fazer coisas erradas porque, longe da pressão de ser maduro, podia fumar escondido e falar palavrões sem medo de magoar ninguém. Podia matar aula e explorar o Castelo à noite porque ninguém seria culpado por ele ter somente onze anos e ser irresponsável. Não rechaçariam os seus pais, os seus irmãos, acusando-os de não terem sabido criá-lo direito. Era bom poder agir, primeiramente, como criança e depois, como adolescente, saboreando o que aquela liberdade da Escola podia proporcioná-lo.

Remus, por outro lado, lembrava James das responsabilidades e de que ele também era um jovem curioso, que gostava de aprender e que era bom manter o estudo em dia. Os dois conversavam com facilidade e quando o rapaz de cabelos rebeldes percebeu aquele desejo vago e consciente de ficar com Remus, que tinha um cheiro gostoso e lábios macios, descobriu-se gostando um pouco do jeito sonso do outro que atiçava os colegas sem parecer que o fazia. Gostava de como Lupin era inteligente o suficiente para criar um espaço de beijos com a mão na frente; flertadas com tom de brincadeira e danças com trocas de olhares em que a indefinição podia existir sem obrigações de nomenclatura.

Por outro lado, quando James dormiu com Sirius pela primeira vez, pode sentir em seu corpo as carícias que o amigo lhe confidenciava que proporcionava às garotas com quem ficava. Sentiu em sua pele os detalhes daquela explanação que, vez ou outra, despontava-lhe também uma pontada em seu baixo ventre. Sentiu a raiva conduzir os seus movimentos brutos nas vezes em que ficava com Black e sentiu o outro rapaz corresponder-lhe com mãos firmes.

Mas, após o início difícil do quinto ano, a raiva se instaurara. A raiva que James não verbalizava, temendo que os seus amigos lhe amassem menos. A fúria que esquentava as suas mãos e lhe inspirava nos últimos tempos a brincar com labaredas. A ira que explodiu um tinteiro seu e a munhequeira do seu uniforme de Quadribol. Fora com certa desmedida de sua agressividade que James atirou as goles nos aros durante a partida de Quadribol. Com a sua força, chegara a quebrar, sem intenção, um dos dedos do goleiro adversário. Com a mesma fúria e com intenção, brigara com Damon e Davos, batendo a cabeça dos Doyles no chão após eles ameaçarem Sirius e Remus.

A raiva talvez estivesse desde antes quando James ficava com garotas e, estranhamente, sentia um prazer repulsivo quando as magoava um pouco e elas não partiam. Quando as magoava muito e elas não partiam. Por fim, quando partiam, magoava-se e sabia que a raiva voltaria em dobro, sendo sufocada com todas as ferramentas de que dispunha.

Se interessar por Lily foi quase a sanidade que James precisava recuperar em si mesmo naqueles dias. Ainda que a garota não o correspondesse, ela aplacava um pouco a sua ira quando sorria com a mão diante da boca e falava de assuntos distantes do campo das emoções. As Morganas foram amigas que entraram na vida de James na hora certa porque ele se sentia muito sozinho. Contudo, ele nunca diria isso a ninguém e deixou que as garotas que, antes achava desinteressantes, revestido pela soberba da juventude, aproximassem-se de si quando Sirius havia dito que queria que ele morresse e só tinha olhos para Remus. James se percebeu tendo pela primeira vez amigas; garotas que, sordidamente, não tentasse beijar ou magoar em sua vida. Meninas, as quais queria bem e nas quais não descontava a sua raiva. Lembrou-se, então, da sua irmãzinha em Londres.

“Você é legal, James Potter. Por que não gostava antes da gente?” — indagou-lhe Winnie com a sua sinceridade característica no dia em que conversavam na Sala Comunal, pouco antes de Sirius e Remus voltarem do seu encontro em Hogsmeade.

“Winnie, deixa o Potter em paz!” — advertiu-lhe Parker, pousando a sua bebida na mesa.

O rapaz olhou um pouco desconcertado para as quatro garotas sentadas diante de si.

“Tudo bem, Parker. Eu não era uma pessoa muito legal, Winnie. Desculpa. Mas, hoje em dia, eu gosto muito de você. Gosto muito de todas vocês.”

Lily sorriu, assentindo.

“Gostamos muito de você também.”

Raven também interveio.

“Eu confesso que achava você e o Black dois grandes babacas até conhecer vocês melhor. Não entendia por que o Lupin andava com os dois. Bom, caí da minha vassoura, senhor Potter... Você é legal! Um brinde à amizade.”

James sorriu e se sentiu feliz, especialmente por Evans ter dito que gostavam dele. Mas sentia ainda falta de Black. Porque um amor não substituía o outro.

“Nossa amizade é pra sempre, Potter!” — dissera-lhe, certa vez, o rapaz de cabelos compridos quando exploravam o Castelo de madrugada.

“Tomara que você morra!” — dissera-lhe também certa vez Sirius com fúria nos olhos enquanto James se sentia como da vez em que permaneceu sozinho sentado na escada do Banco Gringotes. Sentia que o seu coração secava e que a raiva não poderia ser controlada para sempre. Sentiu-se, de fato, morrer um pouco também. 

 

 

Conforme o combinado, James retornou para a Casa dos Gritos às nove. Ele jantou com as Morganas e Pettigrew no Grande Salão, contando-lhes que Remus já estava bem e que voltaria no dia seguinte. James tomou banho, pegou o saco de dormir que Sirius lhe sugerira e, com a mochila nas costas, deslizou pela passagem do Salgueiro Lutador. Os relâmpagos e os trovões da tempestade que se formava, após um dia seco, podiam ser escutados conforme ele caminhava, invisível, pelos gramados. O ar frio estava úmido e, enquanto o rapaz atravessava o corredor subterrâneo, sentiu o cheiro de terra molhada e escutou o ruído sonoro das gotas de chuva na superfície.

Alcançando a entrada da casa, James bateu à porta, anunciando a sua chegada. Remus, girando a maçaneta, abraçou-o, puxando-o para dentro.

“Fiquei preocupado que não viesse por causa da chuva. Que bom que tá aqui!”

Lupin e Black haviam preparado o sofá, forrando-o com lençóis limpos e haviam arrastado o móvel para bem perto da cama. Os dois degustavam o banquete de comida caseira que a senhora Lupin havia trazido e deixado sobre a mesa.

Inicialmente, os três rapazes começaram a conversar novamente sobre os acontecimentos dos últimos dias. Sirius e Remus se mantinham sentados na cama enquanto James ocupava o sofá. Black sentiu o olhar de Lupin sobre si em vários momentos e sabia que o garoto cobrava uma atitude dele. Após permanecer alguns minutos em silêncio, tomando coragem, Sirius se propôs a falar o que para ele era tão difícil.

“Potter, tem algo que eu preciso dizer pra você... Algo que tem a ver com a nossa última briga.”

James que, até então, contava que todos os colegas na Escola acreditavam que Pettigrew tivesse um namoro paralelo com Parker e Raven depois da encenação que os três performaram para despistar os alunos no Grande Salão no dia em que Remus fora enfeitiçado, deteve-se, depositando a sua caneca de leite de dragão no chão. Subitamente, ele ficou de pé e perguntou se podia fumar.

“Não é um lugar muito arejado aqui, mas com a porta aberta do corredor, acho que não tem problema...” — respondeu-lhe Remus, olhando com certa tensão de um amigo para o outro.

James acendeu o cigarro, estalando com os dedos as labaredas. Fitou então Sirius.

“Fala.”

Black baixou a cabeça e fechou os olhos. Depois, respirou fundo antes de dizer:

“Desculpa pelo que eu falei naquele dia...”

James ergueu as sobrancelhas, após soprar um anel de fumaça.

“Pelo que exatamente?”

“Você sabe, Potter...” — retorquiu Sirius, levantando os olhos antes de voltar a baixá-los.

“Não, não sei. Preciso que diga de novo.”

Remus engoliu em seco. Sirius se demorou um bocado antes de voltar a falar.

“Não quero repetir o que eu disse naquele dia...”

O garoto de cabelos rebeldes o fitou, sacudindo a cabeça.

“Você falou com tanta certeza e agora tá com vergonha de dizer? Ficou semanas sem falar comigo e não pode fazer agora o que eu te peço? Fala, Black!”

Remus se moveu com desconforto sobre a cama e tinha a sua cabeça baixa também. James começava a punir Sirius.

O rapaz de cabelos compridos apertou os olhos antes de falar.

“Desculpa ter dito que eu queria que você morresse.”

Um relâmpago iluminou a noite através das frestas da janela vedada, sendo seguido de um trovão que sacudiu um pouco a estrutura de madeira da casa.

James fitou Sirius e, parecendo um pouco mais sádico, levou o cigarro à boca após falar.

“Seu ódio por eu não abanar o rabo pra você feito um cachorrinho enquanto você me fazia de idiota foi mais além, Black. Você não quis que eu morresse sozinho. Você desejou que outra pessoa também morresse, não foi?”

Black e Lupin tinham os olhos arregalados. Eles nunca haviam visto James daquele jeito. Sirius, um pouco perplexo, assentiu com a cabeça.

“Desculpa por ter dito que eu queria também que a menina de quem você gosta morresse, Potter. Eu não devia nunca ter falado essas coisas. Perdão...”

Sirius sentia o olhar de James sobre si.

“E você acha que é muito fácil, né, Black? Dizer as coisas e desdizer quando tiver vontade. Jurar amizade às pessoas e depois, quebrar a sua promessa. Acha que é fácil passar tanto tempo sem olhar na minha cara, após todos esses anos em Hogwarts, e voltar a falar comigo só quando precisou da minha ajuda. O que mais me irrita é que achei que sempre podíamos ser sinceros um com o outro. Eu sempre deixei claro que a sua amizade era o mais importante, independentemente de qualquer coisa.” — James respirou fundo e deslizou a mão pelo cabelo— “Mas você mentiu! Você me enganou por semanas com o Remus e quando eu quis cair fora, você fez parecer que o monstro era eu! Você me matou, me afastou, me esqueceu e foi ser feliz sem olhar pra trás! Isso não é amizade! É fácil pedir perdão depois de ter sido a pessoa mais escrota que conheci na minha vida!”

Sirius abriu a boca para retorquir algo, mas a fechou imediatamente. Ele se levantou, passando a mão pelos cabelos também. Remus interveio.

“James, calma...”

“Ah, e você, Remus?! A sua sorte é que sei lá por que eu nunca consigo ficar com raiva de você...”

Sirius se pronunciou.

“Remus não fez nada de errado! A culpa é minha. Deixa ele fora disso, Potter...”

James, com raiva, atirou o cigarro no chão, após apagá-lo na sola de seu sapato.

“Sério?! Vocês não tavam se pegando desde muito tempo?! Como ele não tem nada a ver com isso, Black...?”

Remus fechou os olhos, levando a mão à testa. Sirius assentiu e resolveu falar.

“Logo quando a gente começou a ficar, James, teve uma vez que eu beijei o Remus na Floresta Proibida. A gente ficou muito envergonhado e o Remus pediu pra eu não te contar nada. Ele começou a namorar o Carlson logo depois disso e acreditei que o Remus gostava dele. Que a gente tava confundindo as coisas.”

“Claro! Você não me deu o fora nessa época por causa de uma garota. Era o Remus o tempo todo.” — declarou James, movendo os olhos por trás das lentes enquanto ligava os pontos.

Sirius assentiu:

“Mas daí, teve aquela vez na Sala Comunal que eu e você conversamos quando távamos estudando... Eu me abri com você e disse que me sentia atraído pelo Remus. Você também disse que, na época, tinha vontade de ficar com ele. A gente se roía de ciúme do Carlson e o nosso namoro nunca foi algo convencional, James. A gente falava de garotas; a gente nunca definiu as coisas. Depois disso, quando eu e o Remus nos desentendemos, você foi conversar com ele na ponte e vocês tavam quase se pegando quando me aproximei. Eu não sou idiota e via o modo como davam um em cima do outro. As coisas entre nós três sempre foram estranhas, mas, naquela época, parecia que a gente ia pular um em cima do outro a qualquer momento. E eu gostava disso, tá bom? Gostava desse joguinho que a gente fazia um com o outro quando menos esperávamos!”

James levou outro cigarro apagado à boca com alguma ansiedade. Sirius prosseguiu:

“...Eu ficava puto quando vocês me excluíam, mas adorava quando a gente tava junto. Até que o Remus, na festa de aniversário dele, se declarou pra mim após eu o pressionar. No dia seguinte, sem que eu esperasse, nós três ficamos. O clima entre a gente tava tão tenso que ia acontecer a qualquer hora. Mas a nossa vida se tornou uma confusão! Quando começamos o quinto ano, não conseguia tirar o Remus da minha cabeça! Eu percebi que tava gostando dele de verdade, mas não queria te afastar... Não queria te magoar...”

James fechou os olhos antes de respirar fundo. Ele parecia se esforçar para controlar a sua ira que começava a entrar em erupção.

“E você achou, então, que a minha morte era a solução viável pra não me magoar?”

Sirius retorquiu, alterando a voz:

“Ah, qual é, Potter? Você também surtou e envolveu os meus pais na briga!”

James também aumentou o tom:

“Você que surtou quando eu disse que eu beijei uma garota na festa do Remus, mas você escondeu tantas coisas de mim! Tem ideia de como eu me sinto usado depois de saber disso tudo? Eu era só uma ponte pra vocês dois ficarem um com o outro sem culpa. No fundo, eu só tava atrapalhando vocês dois.”

Remus se levantou também e interveio.

“Não, James, você não foi uma ponte! Eu errei com você e você tem todo o direito de sentir raiva! Eu fiquei com você porque eu queria. Desculpa por ter escondido tantas coisas de você...”

James fechou os olhos enquanto ouvia as palavras do rapaz de cabelos castanhos.

“Eu detesto o jeito que não consigo sentir raiva de você, Remus! Sabe como me senti quando vi vocês dois deixando juntos a Floresta Proibida? Nem nessa época, pensaram em me contar?”

Remus sacudiu a cabeça.

“Quando eu terminei com o Michael, pensamos em contar pra você... Sabe disso! Eu só tava tentando achar o melhor momento...”

Remus baixava os olhos com uma expressão triste. James o fitou por um momento e retorquiu com sarcasmo.

“Obrigado pela consideração.”

Remus encarou os dois garotos um tanto hesitante.

“Você mexia também comigo, James. Eu também tava confuso.”

Sirius, que se movia pelo quarto, acendeu também um cigarro após estalar os seus dedos.

“Eu sinto um pouco de ciúme quando o Remus te fala essas coisas, mas a verdade é que... quando é nós três, mexe comigo. Você não era uma ponte, Potter! E já que estamos sendo depravados pra falar dessas coisas, eu digo que teria comido vocês dois feliz da vida por vontade e sem culpa no último verão.”

James levou a mão aos olhos, após tirar rapidamente os seus óculos.

“E quem disse que eu deixaria que você metesse em mim, Black? Olha só, você me ignorou por semanas porque me descartou assim que começou a namorar com o Remus. Tratou a nossa amizade como se não fosse nada e pelo visto, se saiu muito bem sem mim. Passou pela sua cabeça que eu tava me sentindo sozinho? Passou pela sua cabeça que eu vi você ir em direção ao Remus no início do quinto ano e esquecer que eu existia? Remus, você também! Você disse que queria dormir comigo nas férias em Londres, mas depois que se desentendeu com o Sirius, tudo girou em torno de vocês dois. Eu também tava lá, mas você me repeliu com a sua raiva do Black. Eu fui pra Oxford naquela época pra não pirar quando descobri que você tinha dado a sua preciosa virgindade para o Carlson! Vocês sofriam um pelo outro e eu sofria sozinho!” — outro cigarro de James foi atirado no chão e uma das tábuas da janela estalou— “Droga, eu também te fiz rir! Eu também beijei os seus arranhões! Eu também me envolvi e, pra mim, não foi só putaria de três adolescentes!”

“James, eu...” — Remus se aproximava do amigo, tentando acalmá-lo sem sucesso.

“Eu achei que seria só uma experiência; achei que nós três podíamos só nos divertir juntos, mas acabei preso na minha própria armadilha. Eu perdi o controle e me envolvi, tá bom?! Eu tava lá também! Meu coração tava lá. Não só o de vocês dois! E depois, na ponte, quando você ficou me atiçando, eu fiquei com muito ódio, Remus! Porque eu não sou uma coisa com a qual você pode se excitar e esquecer depois que existe. Você me provocou e eu acabei falando coisas que não devia. Parece que você só queria ter certeza de que ainda podia me afetar. Você voltou depois para o seu namoro dos sonhos e me deixou confuso de novo, vazio de novo, usado de novo! Só porque se sente um lixo pelos seus arranhões, Lupin, não pode fazer os outros também se sentirem um lixo! E só porque a sua família finge que você não existe, não pode me ignorar, Black! Droga, eu odeio vocês! Odeio!”

James chutou com força o encosto do sofá, levando depois as mãos ao rosto. A magia escapou do seu corpo junto à raiva. Rapidamente, a porta aberta que dava para a saída do corredor começou a abrir e a fechar ruidosamente. Um dos lampiões também explodiu.

Remus se sentou em sua cama, trêmulo. Sirius se manteve de pé com o cigarro nos lábios. Demorou para perceberem o ruído da porta e foi Sirius que a parou, fechando-a e virando a chave. James, no entanto, pegou a sua mochila e a Capa da Invisibilidade.

“Eu não devia ter vindo...”

Sirius o segurou pelo braço, mas ele se desvencilhou.

“Me solta, Black! Eu sou um idiota por ainda querer ser amigo de vocês dois.”

O rapaz de cabelos compridos insistiu. Seu rosto estava triste. O cigarro dele também foi descartado.

“Potter, desculpa por ter causado tanto mal! Eu não sabia que você tava sofrendo tanto! Eu sou tudo o que você me disse. Eu sou um filho da puta mimado, egoísta e imaturo! Mas eu não te magoei por mal. Você sempre foi um enigma pra mim. Nunca sei como você vai reagir às situações e pra mim, você sempre pareceu maduro, lidando com tudo o que houve melhor do que nós dois. Por que não me disse nessa última semana que tava tão triste? Por que não se abriu comigo?”

James mantinha os olhos baixos ao dizer:

“Porque eu não queria atrapalhar. Não queria criar problema pra vocês. E porque eu não tenho que sinalizar pra vocês o tempo todo que eu existo pra me enxergarem. Acha que eu não escutava coisas? Acha que eu não vi vocês trocando sorrisos e olhares na semana em que rompemos? Parou pra pensar que eu também tenho sentimentos, Sirius? Que eu fiquei meses sem me aproximar de ninguém quando tava com você? Que apesar de ser indefinido o que tivemos, era importante definir pra mim o que você tava sentindo? Eu não sou maduro e não quero ser responsável o tempo todo! Eu sou um ano mais novo do que você. Mas chega disso! Abre a porta e me deixa sair.”

Remus também se aproximou de Potter.

“James, não vai! Tá uma tempestade lá fora! Desculpa por tudo. Eu não sabia que tava agindo tão errado com você. Você tem toda a razão... Eu suspeitei que quando eu te pedi perdão e você disse que tava tudo bem, tava se forçando a não transparecer a sua chateação. Mas eu também não sabia como fazer você falar. Você sempre se blindou e escondeu as suas coisas. Não precisa guardar tudo com você o tempo todo, James! Tá tudo bem sentir raiva de mim e do Sirius! Não precisa ter tudo sob controle sempre! Eu nunca usaria você e nunca te trataria como um lixo. Eu me descuidei com as palavras na ponte porque nunca consegui esquecer o que aconteceu entre nós três em Londres. Você também me afetou...”

James fechou os olhos, sentindo-os arderem. Ele tentou novamente alcançar a maçaneta da porta atrás de Sirius. Lembrou-se de quando gritou com a sua mãe na frente do Gringotes e queria desaparecer para sempre. Quis morrer depois de tanto arrependimento porque sabia que as palavras descuidadas barbarizavam o amor.

“SAI DA FRENTE, BLACK! ME DEIXA SAIR!”

“Você não vai sair assim daqui, James! Não vou deixar você fugir! Coloca tudo pra fora! Anda! A gente aguenta!”

Os dois garotos começaram uma luta corporal em que James tentava alcançar a porta, mas Sirius o empurrava. Por fim, James jogou a sua mochila no chão com fúria.

“Vão se foder vocês dois! Vocês foram dois filhos da puta comigo e eu odeio vocês! Odeio! Sou um idiota por me arrastar atrás de vocês, querendo ser amigo de vocês dois! Que bom que gosto de outra pessoa e não preciso mais fazer parte dessa confusão toda! Que bom que não trepamos! Que bom que estão juntos e não faço mais parte disso! Maldito o dia em que beijei vocês dois no Lago da Escola! Maldito o dia em que te puxei pra ficar com a gente, Remus! Maldito o dia em que me sentei com vocês dois no Expresso! Eu ia ser muito mais feliz se vocês dois não existissem! Não preciso da pena de vocês dois e podem viver longe de mim se preferirem assim! Vocês não foram meus amigos de verdade e são dois erros na minha vida! E eu quero mais é que vocês se fodam! Vão se foder!”

James levou as mãos ao rosto no mesmo momento em que a magia e a fúria se misturaram, ricocheteando no espelho de corpo inteiro encostado num canto da parede. Rapidamente, a superfície rachou e os pedaços estilhaçados que refletiam o quarto começaram a cair no assoalho. As lágrimas finalmente não puderam ser contidas e o garoto começou a chorar. Sirius se mantinha diante da porta, fitando-o. Remus tinha os olhos vermelhos.

A chuva fora da casa ecoava pelo espaço junto aos soluços de James.

Foi o menino de cabelos castanhos que ousou se aproximar. Com a mão estendida, ele tocou a cabeça, o rosto de James e, mesmo o outro tentando afastá-lo, abraçou-o.

“Me solta, Remus!”

“Não.”

James parecia desconfortável sob o abraço do outro garoto e fazia força para se desvencilhar. Sirius, finalmente, afastou-se da porta e o abraçou também.

“Saiam de perto de mim, vocês dois! Não quero machucar vocês...”

“Não tem importância se me machucar, Potter...” — retorquiu Sirius, sentindo o outro esmurrar o seu peito e o seu ombro com o punho fechado, mas se mantendo firme em seu abraço.

“Me deixem em paz...” — murmurou finalmente James, rendendo-se aos seus soluços.

Remus, apertando-o, replicou:

“Não vou te deixar. Perdão por ter cometido tantos erros com você, James. Você é um dos meus melhores amigos no mundo e eu amo você, mas eu errei porque tava muito triste e muito perdido naquela época. Nenhum de nós três soube se comunicar.”

Os soluços de James ocupavam a Casa dos Gritos.

“... Às vezes, mesmo quando as pessoas se amam, elas se ferem. Não porque queiram, mas porque ainda tão aprendendo. Eu tenho milhões de defeitos e agi errado em muitos momentos. Mas eu sempre vou te amar, independentemente de qualquer coisa. Sempre vou querer ficar do seu lado, independente de se arrepender de ter me conhecido. Sempre vou querer o seu bem, independente do que me disser... Porque eu te amo e sempre vou lembrar com alegria do dia em que meus pais esbarraram nos seus no King’s Cross.”

James sentia que Remus também chorava e se incomodava ainda com o rapaz de cabelos castanhos o abraçando. Por que a raiva contra ele se dissolvia tão rápido? Por que Lupin tinha aquele estranho poder de harmonizar as coisas ao seu redor?

Sirius, após olhar para o teto, criando coragem também falou:

“Não sou muito hábil com as emoções, Potter, e estou tentando aprender a lidar melhor com elas no convívio com o Remus. Você tem razão. Na minha família, todos preferiam que eu não existisse e fingem que não estou lá, mesmo quando eu estou. Acho que meus pais preferiam que só o Regulus fosse filho deles. Mas eu não me sinto assim em relação a você. Eu fiquei em silêncio porque tava com raiva e com ciúme. Porque achei que você tava nos abandonando quando falou da menina de quem você gosta. Depois, comecei a ficar muito envergonhado pelo que havia dito pra você.” — conforme falava, Black sentia que uma tonelada ia sendo retirada de seu peito— “Mas eu fiz questão que você ficasse perto e tentei te alcançar da forma que eu sabia. Fiquei puto quando o Ranhoso jogou aquele feitiço em você e quis te ajudar a revidar. Bati nos Doyles com força quando vi que você tava se atracando com eles. Te forcei a ir à festa do pijama das Morganas porque não queria te excluir. E lá, pude entender os seus sentimentos. É a Evans, não é? A garota de quem você gosta...”

James enxugou as suas lágrimas enquanto olhava Sirius com surpresa. Como ele havia percebido isso se os dois não se falavam e se Lily e ele nunca haviam transparecido nada, já que a menina não aceitava nada além de sua amizade?

“É Lily?” — indagou Remus também com surpresa e uma estranha pontada em seu coração.

Sirius prosseguiu.

“É claro que é ela! No início, eu cheguei a pensar que poderia ser a Parker. Mas vi você tentando desenrolar o lance do Pettigrew com ela e pensei que tava indo pelo caminho errado. Você tava recusando o convite pra sair de todas as garotas e a menina que você gostasse tinha que ser diferente do seu fã-clube, Potter. Raven e Winnie não foram à festa de aniversário do Remus e não podia ser nenhuma das duas. Lily é muito na dela, mas você não para de olhar em direção a ela. Pra mim, se tornou óbvio.”

Remus estava muito quieto e Sirius coçou o queixo, arriscando um sorriso.

“... Acha que não presto atenção em você, mas eu sou o seu amigo também, James. Acha que eu não saberia qual garota estaria mexendo com a sua cabeça? Quando descobri que era a Evans a tal menina misteriosa, pode imaginar como me senti envergonhado de ter desejado tanto mal pra ela quando tava com raiva de você? Quando ela foi assistente do Flitwick, da Sprout e do Slughorn para preparar os antídotos que salvaram a vida do Remus, eu percebi o quanto a vida tava me ensinando que eu preciso melhorar. Lily sabe que o Remus é um lobisomem, mas não nos perguntou nada. Nem vai perguntar. Só quer notícias de que ele tá bem e que deu tudo certo. Ela tem um bom coração. Todas as Morganas têm. Entendo agora por que você gosta dela.”

James se mantinha com a cabeça baixa, absorvendo as palavras de Sirius. Remus sacudiu a cabeça, finalmente ligando os pontos. Seus olhos se tornaram por um momento distantes como se pensasse em algo, mas ele não compartilhou as suas elucubrações com os amigos.

As palavras de Black recuperaram uma estranha calma no ar. Os três garotos se sentaram na cama e James sentia ainda os braços de Remus ao redor do seu pescoço. Suas têmporas latejavam e quando o rapaz de cabelos castanhos ofereceu o seu colo para que ele encostasse a cabeça, aceitou um pouco constrangido.

“Deita, James! É a sua vez de ser cuidado.”

Remus tinha mãos delicadas e macias que acariciavam o seu cabelo. Sirius se mantinha sentado em silêncio. Após longos minutos em que o carinho doce de Lupin o tranquilizava, James, finalmente, falou com uma voz cansada:

“Eu acho que peguei muito pesado com vocês dois. Não devia ter sido tão reativo. Me desculpem!”

Black retorquiu.

“Falou o que tava sentindo. Não foram as coisas mais bonitas de se ouvirem, mas que bom que falou! Nunca havia te visto com tanta raiva antes. Não devia guardar tanta dor no seu coração por muito tempo. Quando eu não conseguia condicionar o feitiço à varinha no primeiro ano, Flitwick fez comigo uns exercícios de respiração. No início, achei que era bobagem de bruxos Nova Era, mas eu tava muito engasgado com a minha família na época e respirar fundo, aceitar que eu sentia raiva, que tava tudo bem ficar chateado, me ajudou, estranhamente, a parar de sentir aquele peso todo. Daí, comecei a conseguir usar a varinha sem problemas. O que você sente é importante pra nós... Erramos feio com você. Podemos ter a chance de agir diferente daqui pra frente.”

James olhava para o papel de parede arranhado, através da vista embaçada. Os seus óculos haviam sido guardados em suas vestes.

“Eu não me arrependo de ter conhecido vocês dois e nem de nada do que tenhamos feito juntos. Eu não odeio vocês. Só tava com muita raiva na hora...” — falou o rapaz de cabelos rebeldes.

“Claro que não! Alguém que se arrependesse de nos ter conhecido não teria partido pra cima dos Doyles como você partiu. Não teria se colocado em risco com a magia de Animagus ou corrido ao lado do Lobo... Nós nunca nos odiamos, James. Só ficamos muito magoados uns com os outros.” — respondeu Remus com o seu olhar afável.

Sirius se arriscou a falar, fazendo também um carinho desajeitado na cabeça de Potter.

“Apesar de eu ser um trasgo com as emoções, eu posso garantir que amo você. Você é o meu amigo e desde que voltamos a nos falar, Hogwarts, pra mim, é o melhor lugar do mundo de novo. Senti a sua falta. Senti muito mesmo. Sabe que você e o Remus sempre foram a minha família.” — pronunciou-se Sirius.

James fungou, sentando-se na cama. As palavras demoraram para sair, mas saíram embargadas.

“Também amo você, Sirius. E você também, Remus.”

Lupin sorriu o seu sorriso gentil com o canino torto. James se deteve um tempo, escolhendo as palavras.

“...Mas precisamos parar de misturar certas coisas com a nossa amizade. Eu também gostei do que aconteceu em Londres entre nós três e fazer tudo o que fiz com vocês dois foi bom...., mas a situação mudou e vocês estão juntos. Eu gosto da Lily, ainda que ela não me dê esperança. Talvez esse seja o equilíbrio que precisamos depois daquilo tudo ter nos trazido tantos problemas. Vamos ser só amigos a partir de agora, tudo bem?”

Remus assentiu, baixando os olhos que se avermelhavam. Sirius falou:

“É, talvez tenha razão... Aliás, me sinto um pouco idiota por terem mencionado, durante a briga, alguma coisa que rolou entre vocês dois na ponte quando eu e o Remus já estávamos namorando.”

O rapaz de cabelos castanhos se explicou.

“Foram só palavras, Sirius. Falávamos de outra coisa e acabamos mencionando a ocasião das férias. No fim, fomos interrompidos por Snape, que lançou aquele feitiço no James e pedimos desculpas um ao outro. Eu errei e não devia ter puxado assunto sobre coisas tão pessoais com o James. Foi escroto da minha parte com vocês dois.”

Sirius fitou Remus de cima a baixo por alguns segundos. Como suspeitava, havia desejo ainda entre aqueles dois. Sirius guardou os seus pensamentos só para si. Se Lupin estivesse tendo aquele tipo de intimidade com Carlson ou com o idiota do Olsen, Sirius sentiria ciúme e raiva o suficiente para reiniciar uma discussão tão violenta quanto a que se encerrara. Mas com James, não se sentia tão possessivo ou acreditava que o seu território havia sido invadido. Não tinha vontade de brigar. Ele se manteve em silêncio.

Os três garotos permaneceram calados e James, sentindo que a sua cabeça latejava ainda devido a virulência da discussão, anunciou que ia dormir. Os três escovaram os dentes e após James voltar do banheiro, trajando o seu pijama, deitou-se no sofá, cobrindo-se com o cobertor. Os dois amigos, parecendo exauridos pela intempestividade do conflito, também se deitaram na cama e apagaram as luzes. James ajeitou-se e se virou para um lado. Depois, virou-se para o outro. O móvel, que parecia antigo, era um bocado desconfortável no fim das contas. Seu pescoço permanecia torto, apesar do travesseiro bem-posicionado. Ele tentou novamente se acomodar e sentiu dor nos ombros. Desistindo do sofá, James começou a desenrolar com a varinha o saco de dormir de Sirius no chão.

“O que foi, James?” — indagou Remus, acordando com o brilho da luz da varinha do amigo.

“Nada, Remus. Não tô conseguindo dormir no sofá e vou pro saco de dormir.”

Sirius também abriu os olhos, vendo James tentar se ajeitar no chão.

“Quer ajuda?”

“Não, eu me viro.”

Remus, sem as lentes de contato, pegou os seus óculos de lentes grossas que estavam na cômoda ao lado da cama.

“Tá chovendo ainda e tá muito frio. Quer dormir aqui com a gente?”

James se deteve, parecendo um pouco desconcertado, antes de retorquir:

“Não, tá tudo bem...”

Sirius também se apoiava sobre os seus cotovelos e levantou o cobertor.

“Vem pra cá, Potter. Tá um frio desgraçado. A gente já conversou. É só pra dormir e não vai acontecer nada. Fica no meio. Vem.”

Remus também precisou insistir um bocado, antes que desse passagem para que James se deitasse ao seu lado, posicionando-se entre ele e Sirius. Bastou sentirem o corpo do rapaz para perceberem que ele estava gelado. Os dois garotos o abraçaram e James se lembrou de quando dormia na cama de seus pais em Londres. Fechando os olhos, ele se sentiu seguro naquele espaço estreito, sentindo o calor que emanava dos dois amigos; sentindo o cheiro de sabonete e colônia. Sirius e Remus tinham os olhos fechados quando ele perguntou.

“Por que as coisas entre nós três são tão estranhas?”

Sirius, semicerrando os olhos, respondeu:

“Porque ser igual aos outros nunca foi a nossa meta de vida, Potter.”

James se virou para o rosto de Remus, que o fitava agora. O rapaz tinha os olhos um pouco pesados pelo sono.

“Eu tô feliz por vocês dois, apesar de tudo o que eu disse. Acho que vocês fazem bem um ao outro. Foi bom vocês começarem a namorar porque isso nos deu um chão...”

Remus retorquiu, murmurando:

“Vou ser cuidadoso a partir de agora, ok?”

Potter assentiu e se manteve olhando o teto da construção velha da casa. O rapaz de cabelos rebeldes percebeu que, como a maioria das residências bruxas, a Casa dos Gritos era fortalecida com feitiços contra os efeitos da natureza. De outro modo, o telhado não teria suportado o impacto forte da chuva que caía ainda lá fora. Respirando fundo, James voltou a falar:

“Eu gosto muito de garotas, mas vocês dois mexeram comigo de verdade. Vocês vão ser sempre os meus garotos, Sirius e Remus. Ainda que nada aconteça entre nós, vocês sempre vão ser os garotos com quem eu aprendi sobre o amor. Sobre o sexo. Aprendi sobre mim mesmo. Obrigado...”

Sirius apertou um pouco mais o braço que passava sobre o amigo.

“Você também vai ser sempre o nosso garoto, Potter. Quero que seja feliz com quem você ama de verdade, mas você também me ensinou um bocado e isso foi só nosso. Até você e Remus, eu nunca havia ficado com alguém que gostasse tanto. A minha primeira vez com um garoto foi com você. Obrigado por tudo.”

Remus, também abraçando James, manteve-se um tempo em silêncio, escolhendo as palavras antes de falar.

“Estaremos sempre aqui pra você para o que precisar. Sempre que ficar confuso ou se sentir sozinho, pode nos encontrar. Eu sempre vou tentar te entender. Não foi legal esses dias sem a amizade de você e do Sirius. Eu sentia tanta falta de vocês dois e mal podia esperar o momento de fazerem as pazes.”

James, um pouco ansioso, indagou:

“Não estão bravos? Não gostam menos de mim por causa de tudo o que eu falei?”

Sirius falou:

“Não, James. Fiquei bravo comigo mesmo por ter errado tanto com você. Tudo vai ficar bem, tá bom? Não se preocupa. Somos os Marotos. Somos mais fortes do que qualquer coisa. Vamos superar tudo isso juntos.”

James pestanejou e, com as mãos, tocou os braços dos dois garotos ao seu lado que pareciam alcançados pelo sono. A briga entre os três havia sido extenuante e Remus ainda tomava poções que lhe deixavam um pouco cansado. Sirius também dormira pouco naquela semana em que viravam as madrugadas nas suas formas de Animagi.

Talvez ele mesmo não percebesse que se sentia tão ferido. James Potter havia quebrado o coração de muitas garotas e era amado por muitos, mas foi quando amou e teve o seu coração partido que a vida se aprofundou em lições e ensinamentos como numa grande escola, e ele pode ver a si mesmo.

Sentindo-se abraçado pelos dois, James também adormeceu e não mergulhou em pesadelos em que caía no vazio ou que flutuava sem nunca alcançar o chão. Sonhou com perfumes suaves e raios de sol invadindo a Casa dos Gritos. Sonhou com a vez em que, pequeno, ergueu-se de pé sozinho no gramado, caminhando sem cair pela primeira vez, e os seus avós, os seu pais, sorriram.

James sonhou com a vez em que Joanne, a sua mãe, a sua irmãzinha, ensinou-lhe a deixar frutas e silagem de milho próximos à floresta vizinha da casa em Oxford para que a corça e o seu filhote viessem comer. De longe, os dois observavam escondidos os animais surgirem por trás das árvores, farejando os presentes que eram deixados há gerações. Lembrou-se de Henry, o seu pai, o seu irmãozinho, ensinando-o a se equilibrar de pé na vassoura a uma altura segura do chão. Sonhou com o senhor e a senhora Potter segurando a sua mão durante a viagem a Edimburgo em que viram alguns jovens com a lua crescente pintada em suas frontes seguirem, rindo, para as Fogueiras de Beltane. Alguns faziam feitiços com fogo no ar ou cuspiam labaredas. James queria seguir o fogo, mas a sua mãe, pegando-o no colo, havia dito: “Um dia quando for do tamanho do papai e da mamãe, pode segui-lo se assim o desejar.”

O grifinório viu o mesmo fogo queimando sob os caldeirões de cobre na cozinha em que ouvia as conversas dos criados e nos castiçais de Hogwarts quando ele, ao lado de Sirius e Remus, desbravava corredores, fazendo com eles o seu próprio mapa, o seu próprio norte, a sua própria história.

Por último, James sonhou com os três em suas formas de Animagi e lobisomem correndo pela Floresta Proibida (ou seria a floresta de Oxford?) sob o sol e sob a noite. James sentiu os seus pés, os seus cascos pateando a terra firme e o mato roçar o seu focinho. Sentiu, por fim, a água da chuva aplacando a raiva que sentira e, finalmente, viu-se boiando no lago em Oxford, dias antes de embarcar no Expresso em seu primeiro ano de Hogwarts.

Naquele momento, o rapaz experimentava a tristeza e a vergonha por ter magoado os seus pais, mas a água do lago o acalentava; apagava a sua raiva; lembrava-lhe que amava os Potters porque não havia o que se fazer senão amar e, às vezes, feria porque também não havia o que se fazer senão sentir. Enquanto dormia, uma lágrima escorreu pelo rosto de James.

Os três garotos acordaram tarde no dia seguinte e haviam se abraçado mais durante o sono. O sol havia aparecido e entrava pelos pedaços de vidro colorido parcialmente vedado das janelas. Eles não tocaram novamente no assunto da briga da noite anterior e acabaram com o que sobrou da comida que Hope havia trazido. Após isso, Sirius, com a sua varinha, limpou os estilhaços de vidro do lampião e do espelho caídos sobre o chão, dizendo:

“Pelo menos não vamos ter que o cobrir no próximo mês...”

Os garotos se arrumaram para deixar a Casa dos Gritos. Remus havia marcado um horário com os seus pais no Grande Salão. Vestidos e com as suas mochilas nas costas, os três se olharam antes de cruzarem a entrada. Ainda tinham os olhos um pouco inchados, mas pairava também uma serenidade agora em suas expressões.

Remus estava com a mão na maçaneta da porta e Sirius permanecia ao seu lado. James afivelou a alça da mochila de viagem em sua cintura e os três se olharam. Com o seu rosto gentil, Lupin sorriu. Sirius também.

James constatou, então, naquele momento, que palavras duras só vandalizavam o amor quando eram armazenadas, azedadas e as varejeiras colocavam ovos nelas. Quando apodreciam e eram jogadas em tudo o que podiam tocar da pior forma, corrompendo o seu entorno. Agradecido aos amigos por entenderem a sua natureza e padrões, James sentiu que o amor por eles crescia em seu coração. Crescia por terem visto a sua fragilidade, a sua monstruosidade, a sua feiura, a sua dor em carne viva e não terem fugido ou o abandonado. Crescia por terem insistido e ainda estarem ali. Crescia de forma irreversível. James precisava tanto do amor deles que não lutou com o sentimento de se jogar nos braços dos dois. Segurando os seus rostos com as mãos, murmurou:

“Uma última vez...”

James puxou Sirius para um beijo impetuoso em que o rapaz de olhos cinzentos, imediatamente, correspondeu-o, despenteando um pouco mais o seu cabelo. Depois, beijou a boca de Remus, que tinha lábios macios e acariciava os seus pulsos enquanto ele segurava o seu rosto. James puxou novamente Sirius e os três se beijaram ao mesmo tempo como haviam se beijado, certa vez, em Londres. Beijaram-se de verdade. Não como adolescentes inseguros ou temerosos do que estavam fazendo, mas com toda a entrega que conseguiam reunir em si. Abraçaram-se por um longo tempo antes de decidirem que era hora de partir. Remus murmurou enquanto girava a maçaneta da porta:

“Sabe que estaremos sempre aqui pra você, não sabe, James? Esse espaço é nosso. Só nosso. Você é sempre bem-vindo se precisar voltar...”

James assentiu, entendendo as palavras de Remus. Os três garotos partiram.

Quando saíram pela passagem do Salgueiro Lutador, os três grifinórios sorriam e sentiam o sol pálido em seus rostos. Caminharam pela orla da Floresta Proibida, pelo gramado, pelo Lago e alcançaram o átrio. Chegaram ao Grande Salão e Remus sentiu que parecia que fazia uma eternidade que não pisava na Escola. O senhor e a senhora Lupin vieram ao seu encontro. Também Pettigrew e as Morganas. A Professora McGonagall, Dumbledore e os diretores da Casa surgiram com sorrisos satisfeitos. Até mesmo Regulus e Olivia vieram. Com as suas personas de amigos que se reuniam para falarem de feitiços, exames e Quadribol, James; Remus e Sirius transitaram por todos.

Ninguém podia imaginar que os três rapazes carregavam dentro de si e entre si aquele espaço que estabeleceram na Casa dos Gritos. Aquele recinto amoroso no qual cabia a extensão de todo um universo e que instaurava mais uma subversão na Escola. Em suas vidas.

Afinal, todo amor possuía em si a sua própria vontade de viver, não importando a sua parcela nessa fórmula complexa chamada vida. Talvez não houvesse uma abdicação real e o afeto só se mantivesse encolhido atrás de uma porta, esperando uma brecha para escapar. Até que alguém abre essa porta.   

Chapter 9: Fantasmas

Summary:

O relacionamento de Sirius e Remus se intensifica e eles trocam algumas confissões.

Notes:

*Os capítulos 9 e 10 contêm hot. Se você não gosta desse tipo de conteúdo ou se não se sente bem lendo cenas explícitas, talvez, seja melhor evitar.
Eu gosto de abordar o hot nas minhas histórias como termômetro dos desejos e para enxergar melhor as camadas de intimidade de alguns relacionamentos. Acredito que tenha já conseguido deixar claro que nesta história, os Marotos não são anjos e chegam a buscar um pouco de corrupção no abraço de suas próprias sombras. Então, não tem como evitar passar pelo sexo, expressando esse canto escuro da mente deles.
Além do mais, como um fruto não cai longe da árvore e o Lobo saiu da minha mente, pode ser só que eu seja mesmo uma grande safada que gosta de ver o circo pegar fogo.

Chapter Text

 

https://www.youtube.com/watch?v=ylDrk50FqO4

 

Remus se recuperou bem após voltar da Casa dos Gritos para Hogwarts. Durante a semana, ele permanecia na Sala Comunal da Grifinória, como era de hábito, estudando o conteúdo do tempo de aula perdido e fazendo cópia da matéria. Por meio da magia, o rapaz replicava em pergaminhos em branco o que estava registrado nas anotações dos amigos com uma pena que escrevia no ar. Ao seu lado, Sirius e James conversavam sobre tudo e nada, rindo.   

Após o momento que os três garotos haviam tido na Casa dos Gritos em que Potter expusera as suas feridas e as suas mágoas, a serenidade havia voltado para o convívio dos três, a princípio, timidamente. Depois, de modo espontâneo e definitivo.   

Remus chegou a sentir que o quinto ano havia começado naquela semana, visto que, no início do ano letivo, estavam distantes uns dos outros e depois, estendera-se aquela fratura na amizade de Sirius e James.  

“O Professor Flitwick falou do Feitiço Indetectável de Extensão? Não acredito que perdi essa aula!” — lamentou-se Remus, lendo as anotações de Sirius e as comparando com as de James.   

“Na verdade, ele fez o feitiço somente pra nos mostrar como que era. Achei complicado. Mas todo mundo achou divertido quando Flitwick fez cinco mesas, seis cadeiras e uma lousa caberem numa bolsa de mão pequena, que ele carregou pela sala o tempo todo.” —retorquiu Sirius, se espreguiçando.    

James, que separava outros pergaminhos da aula para entregar a Remus, complementou:   

“A gente tentou fazer o Feitiço Indetectável de Extensão no dormitório depois e a minha mochila ficou parcialmente grande. Couberam as cadeiras, mas não as escrivaninhas...”   

“Usamos também na minha mochila pra levar e trazer o seu cachorro de pelúcia para a Casa dos Gritos, sem chamar a atenção. Mas esse feitiço precisa de bastante treino. A gente pode tentar praticá-lo juntos depois.”   

Remus assentiu e os outros dois rapazes continuaram conversando. Pouco depois, as Morganas cruzaram a entrada do quadro da Mulher Gorda em companhia de Pettigrew. Winnie subiu direto até o dormitório e voltou, logo após, com o seu gato felpudo no colo. Pettigrew protestou, tomando distância com a sua cadeira.   

“Qual é, Rivers? Não pode deixar esse bicho no seu quarto? Sabe que tenho alergia a gatos. Já tô sentindo o nariz coçando só de olhar pra ele...”   

O gato, com seus olhos vivazes, fitou Pettigrew e miou num protesto, movendo com irritação o seu rabo peludo.   

Winnie retorquiu com azedume:   

“Não, não posso. Ele já fica muito tempo no dormitório e precisa socializar, respirar outros ares. Deixei ele no quarto outras vezes que você se sentou com a gente, mas não posso fazer isso sempre, Peter Pettigrew.”   

Winnie fazia carinho nas orelhas do gato que, após um tempo, pareceu se acalmar. Seu ronronar reverberou e ele, pulando do colo da menina, esfregou a cabeça nos seus amigos, coletando afeto. Pettigrew, mantendo-se afastado, usava um lenço diante do nariz com notório mau-humor.   

Um grupo de alunos sextanistas da Grifinória que cruzou o quadro da Mulher Gorda olhou em direção à mesa com uma risada zombeteira. Um rapaz que conheciam de vista provocou os quintanistas, após um breve cochicho com os colegas:   

“Aí, Pettigrew, ficou mesmo com a Parker e a Fraser, hein! Boa, garanhão!”   

Raven tapou o seu rosto com a revista de Quadribol que lia e Parker levou a mão à testa. Pettigrew, por outro lado, sorria e levantou o polegar para o colega.   

Remus, Sirius e James repararam que Pettigrew parecia muito satisfeito com aquele boato que se alastrou devido à encenação de briga que ele e as garotas performaram no dia em que Remus precisou ser levado, sem chamar a atenção, para a Casa dos Gritos. Na confusão, Parker e Raven fingiram discutir por causa de Pettigrew e os alunos que presenciaram a desavença se divertiam com a ideia de todos continuarem amigos depois do conflito que fora encerrado com a intervenção de Filch.   

“Na hora do sufoco, foi o melhor que pude pensar, mas a minha paz acabou.” — lamentou-se Parker — “Até os alunos do primeiro ano, quando chamei a atenção deles ontem, perguntaram se Pettigrew, que me passou para trás com Raven, ainda é o meu namorado.”  

  Remus levantou a cabeça, tirando os olhos dos pergaminhos que estudava e falando um pouco sem jeito:  

“Sabe que nunca vou poder agradecer tudo o que fizeram por mim, não é?”   

Pettigrew ergueu as sobrancelhas.    

“Podia aproveitar o ensejo e namorar comigo, Parker.”   

A garota olhou o rapaz e sacudiu a cabeça sem nada dizer. A monitora do quinto ano havia confidenciado a Sirius e James, na semana anterior, que achou corajosa a forma como Pettigrew havia ajudado a segurar Remus quando ele estava enfeitiçado e o modo que se envolvera na trama elaborada para que o amigo deixasse a Escola sem chamar a atenção, mas que se chateara quando, em meio à briga simulada, o rapaz aproveitou a tensão para tentar lhe forçar um beijo.   

  Parker ainda estava chateada com Pettigrew e não lhe dava conversa. Ela enfatizou para os amigos que ele enterrara qualquer chance que viesse a ter com ela.  

Lily, usando o seu aparelho ortodôntico, dirigiu-se a Remus.   

“Como está se sentindo?”  

“Muito melhor. Aquela poção do amor estragada que o Olsen fez acabou comigo e não reagiu bem com a minha parte trouxa. Mas graças a ajuda de todos vocês, dos cuidados dos professores e de Madame Pomfrey, me sinto bem melhor.”  

Sirius e James mantinham os olhares fixos nos seus pergaminhos e as Morganas fingiam não prestar atenção. Havia o consenso entre todos de que a verdade não era falada. Evans e Parker, obviamente, sabiam agora da condição de Remus não só pelo que viram e ouviram no dia em que o colega havia sido enfeitiçado, mas pelo que Dumbledore e McGonagall lhes disseram em privado, pedindo extremo sigilo. Winnie e Raven desconfiavam que algum segredo circundava Lupin, que precisou sair da Escola escondido, mas, também, nada perguntavam.  

Havia uma discrição elegante no grupo grifinório e Remus, retornando da Casa dos Gritos, preferiu não expor claramente a sua condição para as amigas. Não por não confiar nelas ou por não se sentir extremamente grato, mas por não querer falar de algo que se acostumou a manter em segredo. Os Marotos sabiam que Remus era um lobisomem desde o primeiro ano em Hogwarts e, entre medos e inseguranças, ele se acostumou com a ideia. Agora, outras pessoas sabiam ou desconfiavam de sua licantropia, e Remus precisava do seu tempo também para elaborar aquela novidade.  

“É. E os professores quebraram a cabeça, preparando os antídotos da poção estragada que o Olsen fez. Poções do nível cinco são terríveis, ainda mais tendo sido malfeitas. É bom ficar atento para que isso não aconteça com outros alunos com o nosso sangue trouxa, que é mais suscetível.” — sorriu-lhe Lily.   

Na Sala Comunal ainda, a entrada da Mulher Gorda se abriu novamente. O grupo de amigos olhou em direção a Peter Olsen que, ao atravessar a passagem da Grifinória, deparando-se com os colegas sentados próximos à janela, baixou a cabeça e subiu para o dormitório em silêncio.   

“Ele me pediu desculpa...” — anunciou Remus aos amigos.   

Sirius ergueu uma sobrancelha.   

“E você aceitou?”  

Remus, que escrevia notas em seu pergaminho, diante do olhar dos amigos, descansou a sua pena no tinteiro.  

“Aceitei. Ele tá proibido de ir ao próximo passeio a Hogsmeade; está cumprindo detenções e o pai dele foi chamado na Escola. Todos os ingredientes dele de poções foram confiscados e ele pode ser expulso se preparar qualquer outra poção do amor dentro ou fora da Escola.”  

“E daí, Remus? Ele quase te matou e nos matou de preocupação.” — retorquiu Black com desagrado.   

O rapaz de cabelos castanhos deu de ombros.   

“Ele parecia realmente arrependido e, talvez, já tenha sido punido o suficiente. Falei pra ele que queria que ele se afastasse daqui em diante e é o que ele tem feito até agora. Isso, pra mim, já é o suficiente.”  

O grupo de amigos se entreolhou, encontrando alguma sabedoria na generosidade de Remus e o assunto se dispersou depois que uma coruja de penas escuras entrou pela janela da Sala Comunal, jogando um embrulho no colo do rapaz de cabelos castanhos. Lendo o remetente da carta, Remus disse, guardando a correspondência em sua mochila:   

“São só alguns tinteiros novos.”  

No decorrer da semana, Remus recebeu alta de Madame Pomfrey. O rapaz de cabelos castanhos constatou que, de fato, fora melhor ele manter a castidade naqueles dias, conforme Sirius impusera. A enfermeira, tocando em seu pulso e, apertando as suas costelas, indagou:   

“Sentiu dor no corpo depois de voltar à Escola?”  

“Sim. Mas, agora, estou me sentindo melhor.”   

“Fora a poção do amor, o feitiço da Professora McGonagall te pegou bem de jeito e sem nenhuma defesa. Espero que não tenha feito esforço ou voado de vassoura porque seu corpo ficou bem debilitado. Está liberado agora, senhor Lupin. Parabéns pela sua recuperação.”  

  O rapaz de cabelos castanhos, satisfeito, deixou a enfermaria e encontrou Sirius o esperando no pátio. Ele, rapidamente, animou-se em ir para o banheiro dos monitores durante a noite com Black. Remus sabia que Sirius sentia tanta falta quanto ele de ficarem juntos, mas o rapaz de cabelos compridos, respeitando o tempo do outro, em nenhum momento, demonstrou tal fato.  

“Sei lá, lobinho! Não quer esperar até amanhã? Você tá bem mesmo?”  

“Estou sim. É melhor irmos hoje, já que depois de amanhã, teremos simulado de Trato de Criaturas Mágicas no primeiro tempo e a gente vai ter que dormir cedo. Eu tô com tanta saudade. Se eu pudesse, iria agora.”  

Sirius sorriu e, verificando ao redor, se ninguém os espreitava, enfiou o seu polegar na boca do outro rapaz, que após chupá-lo um pouco, mordeu-o de leve.   

“Tá. Tô com saudade de você também, garoto. Sabe como eu fico quando tô com muita vontade, não sabe...?”   

“Sei. Eu também tô subindo pelas paredes e queria tá subindo em você, Black...”   

Sirius fez menção de beijar Remus, mas foi freado pelo rapaz que o puxou de leve pelo cabelo, segurando-o.   

“Dá pra ver a gente por algumas janelas do dormitório. Guarda esse beijo pra noite.”   

Sirius olhou ao redor novamente, vendo alguns alunos conversando à distância. Curvando-se, ele sussurrou algo no ouvido do outro rapaz. Perguntava-lhe se poderia fazer com ele aquele verbo com “f” até amanhecer. Remus, sentindo-se arrepiar com as palavras e a respiração de Sirius em sua orelha, retorquiu:  

“Faz comigo o que você quiser.”   

 Sirius, respirando fundo e olhando ao redor, murmurou:   

“Vou acabar te agarrando aqui na frente de todo mundo. Melhor parar.”    

Sirius e Remus sentiam a antecipação por estarem a sós e, deixando o dormitório após as dez da noite, os dois se dirigiram para o banheiro dos monitores. Eles usavam o Mapa do Maroto, testando a sua funcionalidade na aventura noturna. Andando pelos corredores mal iluminados, os dois já se beijavam no caminho e, em uma parte do percurso, Sirius chegou a erguer Remus, apoiando-o contra a parede de pedra com as pernas ao redor da sua cintura. Beijava-lhe o pescoço e explorava o seu corpo com as mãos.   

Remus parecia aceitar a perda de controle da situação e afrouxava a sua gravata, desabotoando a sua blusa do uniforme com mãos ansiosas.  

“Me fode aqui, Black...”  

O rapaz de cabelos compridos moveu os seus quadris, sentindo a excitação do corpo do outro sob a roupa. Abriu também o seu cinto e a sua calça.  

“Pode aparecer alguém.  Vamos. A gente tá quase chegando no banheiro...”   

Os dois grifinórios se arrastaram até a porta que buscavam, beijando-se e se esfregando no caminho até o último segundo. As figuras dentro dos quadros, com uma expressão sonolenta, murmuravam quando os via passar diante de si: “Arrumem um quarto, rapazinhos. Queremos dormir em paz...”  

  Remus, entregando o mapa a Sirius, procurou o distintivo da monitoria no bolso das suas vestes enquanto o outro rapaz o abraçava por trás, beijando o seu pescoço.  

Quando Remus aproximou o distintivo de monitor do leão entalhado da Grifinória na entrada do banheiro dos monitores, houve um estalo, mas a porta não abriu. Intrigado, ele encostou o seu distintivo novamente. O portal, no entanto, manteve-se sem se mover.  

“O que houve?” — indagou Sirius, tocando na porta e constatando que ela permanecia fechada.   

“Não sei. Pode ser que tenha alguém aí dentro tomando banho...”   

Remus fitou o brasão de Hogwarts em que as safiras ao redor da ave da Corvinal pareciam refletir um leve brilho. Observando o Mapa do Maroto, os dois rapazes viram seus nomes de pé diante do banheiro, mas não conseguiam ver quem estava do lado de dentro. Os dois colocariam naquela noite os feitiços de identificação do recinto no mapa.   

Remus e Sirius se olharam com algum desespero e estudavam a possibilidade de irem para uma sala vazia, quando a porta do banheiro dos monitores estalou com o ruído de um trinco, escancarando-se. Sirius, rapidamente, escondeu o mapa no interior do bolso da sua calça.  

De dentro do banheiro, surgiu Michael Carlson, que, deparando-se com Black e Lupin, ruborizou violentamente. Os dois grifinórios demoraram para ver a figura menor atrás dele que deixava o recinto também. Sirius o reconheceu como o rapaz da Corvinal que, na semana anterior, havia indagado a ele e a Potter se ficavam com garotos.   

O constrangimento ficou evidente entre todos, com exceção do rapazinho de cabelos loiros e olhos azuis que sorria.   

“Remus, Black... Oi, a gente tava tomando uma ducha antes de ir dormir.” — falou Carlson, levando a mão à cabeça meio sem jeito.  

Sirius viu o rapaz corvino que acompanhava Carlson o fitar diretamente nos olhos enquanto sorria. Ele era um jovem bastante bonito e que ostentava um piercing em cada canto do lábio inferior, o que, de um modo bem descolado, fazia-o parecer que tinha presas.  Segurando a mão de Remus, Sirius desviou o olhar.   

Lupin retorquiu à explicação de Carlson de forma seca.   

“Ok, Michael. Desculpa incomodarmos.”   

O rapaz loiro corvino, que tinha os cabelos molhados e se mantinha em silêncio até então, falou como se segurasse o riso. Seus olhos se detinham no cinto aberto de Black e na camisa desabotoada de Lupin.   

“Não tem nenhuma criança aqui, Michael, e, pelo visto, esses dois vão se divertir tanto quanto a gente. O constrangimento é você esbarrar justamente no seu ex, depois de ter feito comigo as coisas que fez.”   

Sirius viu o corvino passar os braços ao redor de Carlson, cujo rosto ficava cada vez mais vermelho. O rapaz de cabelos compridos, um pouco constrangido também, fechou a sua calça e afivelou o seu cinto. Remus redarguiu com azedume:  

“Oi, Pride. Olha só, sei que não é muito do seu perfil, mas podemos manter a elegância. Não me interessa o que estavam fazendo e não te interessa o que vamos fazer.”   

O rapaz de cabelos loiros sustentava o seu sorriso.   

“Nossa, Lupin, que frieza! Você é sempre tão gentil com todos. Se não te conhecesse, acharia que você não gosta de mim.” — depois, voltando a fitar Black, ele esticou a mão em sua direção— “Acho que não fomos devidamente apresentados ainda. Sou Joshua Pride, monitor do sexto ano da Corvinal.”   

Sirius aceitou o aperto de mão do rapaz e o sentiu passar o polegar por cima do seu em um carinho muito rápido. Black ia se apresentar, mas Pride o cortou.  

“Eu sei quem você é, Sirius Black.”  

Remus cruzou os braços com visível irritação.   

“Como você está, Remus?” — indagou Carlson com seus olhos de azul porcelana deitados em Remus — “Soube que esteve fora da Escola por causa de problemas de saúde. Está se sentindo melhor?”   

“Estou bem já. Obrigado por perguntar, Michael.”   

Pride riu-se.   

“Fomos avisados da sua ausência no encontro de monitores da semana passada. Mas não é novidade. Você sempre teve esses problemas de saúde, não é mesmo, Lupin? Quando te enfrentei nas Olimpíadas entre as Casas no terceiro ano e você desmaiou quando a gente tava empatado, cheguei a pensar que você tava fingindo pra fugir do confronto, mas, no fim, parece que você é assim mesmo. Fico feliz que esteja bem o suficiente pra vir até aqui. Cuidado só pra não desmaiar lá dentro e deixar o Black tendo que se virar sozinho...”   

Sirius ergueu as sobrancelhas. Pride era debochado e agora que ele mencionava as Olimpíadas entre as Casas, ele se recordou do rapaz corvino que era tido por todos como o maior rival de Lupin diante das perguntas intelectuais e quizzes formulados pelos professores. Por outro lado, todos ressaltavam o talento de Remus, que, apesar de ainda estar no segundo ano, conseguia fazer frente aos alunos terceiranistas da época.   

“Não tenho medo de você, Pride. Te enfrentei no segundo ano e te enfrentaria de novo. Estou bem agora e guarda as suas ironias pra você...”   

“Calma, Lupin! Eu tava só brincando! Monitores devem ser amigos e eu tava só quebrando o gelo. É uma pena a porta não destrancar quando tem gente já lá dentro. A gente já tava de saída, mas poderiam se juntar a nós se quisessem... É divertido jogar com as outras Casas como no Quadribol e nas Olimpíadas.”   

Remus ficou tão perplexo com a insinuação direta de Pride, que não conseguiu encontrar nada para dizer. Permaneceu de boca aberta, procurando internamente uma resposta à altura. Sirius, por sua vez, vendo que Carlson fitava Pride e o rapaz de cabelos castanhos como se estivesse enfeitiçado por um pensamento súbito, puxou Lupin para mais perto de si.  

O rapaz de cabelos loiros, por fim, disse:  

“Bom, rapazes, divirtam-se. A gente precisa descansar depois de ter mandado tão bem... É de vocês o banheiro. Boa sorte.”   

Sirius viu Pride buscar os seus olhos e, novamente, desviou o olhar. Por outro lado, Carlson parecia ainda afetado por Remus e fitava o garoto de cabelos castanhos de uma forma insistente. Deixou-se ser arrastado pelo outro corvino, murmurando:   

“Até mais, Remus!”   

Quando os dois rapazes sumiram na curva do corredor, Remus permaneceu com os braços cruzados, parecendo muito aborrecido. As safiras ao redor do corvo entalhado na porta jaziam, agora, opacas. Sirius fitou Remus por alguns segundos e após um tempo, indagou-lhe com uma voz desconfiada.   

“O que foi? Tá com ciúme pelo seu ex ter seguido em frente?”   

Remus, ouvindo a menção a Carlson, rapidamente, explicou-se:  

“Não, Sirius! Fico satisfeito que Michael busque ser feliz com outra pessoa, principalmente depois do modo como terminamos. Eu só não engulo o Pride. Nunca engoli. E, ou eu estou vendo coisas ou ele não tirou os olhos de cima de você bem na minha frente?”   

 Black suavizou a sua expressão diante das palavras de Remus. De fato, Pride parecia tentar capturar a sua atenção, mas Sirius não quis criar atrito com o rapaz de cabelos castanhos.   

“Sei lá, não fiquei reparando, Remus. Achei ele só um pouco atrevido pelo modo como falou com você e por ter insinuado que nos juntássemos a eles. Ele era a promessa de medalhas da Corvinal quando teve as Olimpíadas há três anos, não foi?”   

Remus respondeu ainda irritado.   

“Era. Achou que ia se fazer em cima de mim na disputa de Feitiços por eu ser do segundo ano e ele, do terceiro, na época, mas caiu da vassoura. Oferecido! Ele dá em cima de vários garotos e precisa ver como ele é insuportável nos encontros da monitoria. Francamente, Carlson arrumava coisa melhor! E você, nada de dar confiança pra ele, ouviu bem?”   

“Eu não dou confiança pra ninguém, lobinho! E você também, atenção com o Carlson! Aquele lá parece que não vai te superar nunca e ficou animadinho com o que o tal de Pride falou de se juntar a eles.”   

Remus sacudiu a cabeça.   

“O Pride só queria aparecer e me provocar. Ele já dava em cima do Michael quando a gente tava namorando e agora, não perdeu a oportunidade de se exibir. Ele vai tentar se aproximar de novo de você. Não quero você de papo com ele, Black!”   

“Eu que devia me preocupar com você! A gente tá sério, não tá? Não fico de papo furado com outros alunos. Só fiquei surpreso porque não sabia que havia tantos outros garotos que gostam de ficar com garotos na Escola.”  

Remus analisou Sirius por alguns segundos, antes de falar.  

“Existem muitos garotos como nós, Sirius, não só em Hogwarts, mas em todo mundo bruxo e trouxa...”   

Sirius pigarreou um tempo, parecendo escolher as palavras.   

“Não, lobinho. Quero dizer garotos como você que gostam, sabe, de que outros garotos façam com eles o que eu faço com você... Que gostam de ser penetrados por outros garotos... Aquele Pride deve ocupar o papel que você ocupava com o Carlson, né?”   

Remus abriu a boca para falar, tamanha a sua surpresa, mas a fechou. Depois, suas feições se endureceram e ele conseguiu organizar o seu discurso.   

“Garotos como eu?!”   

Sirius parecia sem graça diante do olhar do outro rapaz.   

“Não que eu não adore. Gosto do modo que a gente se pega e é bom pra mim que você goste da penetração tanto quanto gosta porque eu prefiro mesmo ser o homem da relação e também...”   

Remus esticou a mão, pedindo que o outro rapaz se calasse. Sirius se deteve em suas palavras enquanto Remus levava em seguida a mão à cabeça e respirava fundo.  

Homem da relação ? Você tá vendo alguma mulher diante de você? Por acaso, me acha menos homem por dar pra você? Sirius, eu sou o segundo garoto que você namora! Como pode dizer tantas baboseiras?”   

Sirius pareceu meio desconcertado.   

“O que eu falei demais?”   

“Tudo! Você namora comigo e dorme comigo. Você também gosta de garotos e, sim, é um rapaz que gosta da mesma coisa que eu, o Carlson e o Pride! Pode gostar de garotas também e tá tudo bem, mas escolheu estar comigo. E sexo não tem a ver com papéis. Tem a ver com o que se sente confortável fazendo. Você falou como se eu gostasse de garotos, mas você gostasse só de comer garotos e isso colocasse você num patamar diferente de mim. Não acredito que falou isso...”   

Remus cruzou os braços chateado e Sirius tinha uma expressão envergonhada.   

“Não... Eu não quis te ofender, Remus. Mas você sabe que eu me atraio também por garotas e o modo como a gente faz, eu acabei associando... Não acho que você é menos homem e gosto de que você seja um garoto. Amo você do jeito que você é, lobinho. Mas o Carlson fazia com você da mesma forma que eu faço, não é? Você se sente mais confortável sendo penetrado, não é mesmo? É como se fosse a garota da relação. Porque você sempre pede pra eu fazer com você e você sempre goza.”   

Remus esfregou os olhos.   

“Como sabe o que Carlson e eu fazíamos? Como tem tanta certeza de que não resolvemos inverter em algum momento pra eu experimentar como era estar na outra posição? Como tem tanta certeza de que não me sinto bem fazendo da outra forma também? Eu sou um garoto, Sirius! Gosto de ser um menino e os nossos corpos não são diferentes. E também, você fala da posição passiva como se fosse vergonhosa ou se fosse inferior. Devia achar inferiores as garotas com quem esteve por não disporem de um pau que pudessem sair metendo em qualquer lugar já que cogitou que só porque eu não tô te comendo não sou igual a você. Francamente, você parece um bruxo do século passado!”  

Sirius, ruborizando, baixou a cabeça.   

“Desculpa, Remus... Ninguém nunca conversou comigo sobre essas coisas. Não tenho uma avó como a sua avó trouxa que te falou várias coisas legais quando você contou que gostava de garotos pra ela. Meu pai diz que pederastia é uma vergonha, apesar de, na minha família, acontecer escondido. Ele dizia também que era sortudo por ter tido dois filhos homens porque podiam manter o sobrenome Black e que as garotas eram fracas e estúpidas com o trato de magia. Eu tento te agradar sempre e é injusto você dizer que acho as garotas inferiores, apesar de nem sempre tê-las tratado da forma que mereciam e eu ter sido um idiota. Estou tendo amigas pela primeira vez com as Morganas e estou tentando aprender. Mas, se você quiser me explicar algumas coisas, estou disposto a ouvir.”  

Remus descruzou os braços diante de si e fitou Sirius. O rapaz de cabelos compridos parecia realmente envergonhado de ter dito coisas que soaram tão mal. Os Blacks eram uma família de puristas que reuniam em si não só o preconceito do sangue, mas outras modalidades de ódio também. A mãe de Sirius nutria um relacionamento com a sobrinha Bellatrix, mas esse se mantinha velado. Quando se soubera entre os Blacks que Sirius havia beijado Remus e James no Lago no ano passado, o rapaz de cabelos compridos contou que o pai indagara, durante o jantar, se tinha embaixo do seu teto uma mulherzinha morando. Que quebraria a cara de Sirius se fizesse isso de novo.      

O rapaz de cabelos castanhos sentiu compaixão pelo outro rapaz que o olhava de soslaio. Ele parecia realmente perdido e Remus se esquecia que a família do amigo era muito áspera e bruta com os afetos.   

“Ok, desculpa, Sirius. Precisamos conversar sobre essas coisas. Talvez esteja um pouco confuso o seu entendimento. E eu não sou a garota dentro da nossa relação. Sou um garoto. Ser um garoto é muito mais do que meter em alguém, assim como ser uma garota é muito mais do que ser penetrada. Além disso, posso comer alguém se eu quiser, tanto quanto você. E garotas também podem comer se quiserem. Nossa, se você ouvisse as conversas das meninas da monitoria, descobriria que tem muitos atletas dos times de Quadribol que adoram os dedos das namoradas.”  

Sirius pareceu tentar visualizar a situação.   

“Homens que não gostam de garotos, mas que gostam que as namoradas os penetrem com os dedos?”  

“É, Sirius. Não tem um livro escrito com esse tipo de regras.”  

“Nunca ouvi entre os jogadores de Quadribol nenhuma conversa desse tipo.”  

“Talvez eles não queiram sair falando. Mas as garotas conversam entre si e parecem gostar de usar os dedos.”  

Black colocou a mão no queixo como se algo o ocorresse.   

“Deve ser a Parker! Ela adora enfiar aquela varinha nas pessoas. Viu como ela me torturou quando colocou o meu piercing ?”  

“Não é a Parker, e não vou expor as minhas colegas, mas quero só que você saiba que o mundo não é como os Blacks disseram e que você é livre para sentir prazer do jeito que quiser, desde que não machuque ninguém. Acho que consegui aprender pelo menos isso com o Lobo...”  

Sirius fitou Remus de cima a baixo por alguns segundos. Parecia querer lhe perguntar algo.   

“O que foi?”  

“Quando você tava enfeitiçado porque havia tomado a poção do amor, teve uma hora que o Lobo ameaçou comer o Olsen. Você comeu o Carlson mesmo?”  

Remus respirou fundo e ia responder, mas, subitamente, deu um pulo de susto quando viu Filch surgir atrás de Sirius com uma lamparina na mão. A cara mal-humorada do zelador estava emoldurada por luz bruxuleante. O rapaz de cabelos compridos também se assustou.   

“O que estão fazendo no corredor a essa hora?”  

Demorou algum tempo para Lupin se recompor e tentar falar com o seu habitual tom de rapaz direito.   

“Boa noite, Filch! Eu estava fazendo a ronda noturna antes de ir me deitar. Como fiquei estudando até tarde, me distraí com a hora de encerrar as atividades, mas já estava voltando. Sirius veio me acompanhar porque ainda estou me recuperando do problema de saúde que tive...”  

Como Remus mentia bem! Sirius sempre se surpreendia com aquele rosto delicado que conseguia enganar a todos. Tornava qualquer desculpa crível, a despeito da sua gravata frouxa e dos primeiros botões da camisa abertos. Filch estudou-o por um segundo e retorquiu:  

“Então voltem para a Sala Comunal da sua Casa. Vou segui-los para não se perderem no caminho.”          

Durante o percurso, os garotos se olharam com desalento, mas com um lampejo também de bom humor. A noite que se iniciara com uma excitação fulminante, avançava de um modo trágico.   

Quid Agis .” —falou Sirius diante do quadro da Mulher Gorda que, imediatamente, ouvindo a senha da Sala Comunal da Grifinória, abriu-se, dando passagem aos garotos.   

Remus viu que Filch esperou até o último segundo a porta se fechar atrás deles.   

“Podemos tentar voltar...”  

“Não sei, Sirius. Se Filch nos encontrar de novo no corredor, não tenho certeza se vai me ocorrer outra mentira. Podemos tentar usar o mapa, mas vamos esperar um tempo aqui...”  

A Sala Comunal estava vazia e os dois rapazes se sentaram no sofá diante da lareira, vendo o fogo trepidar. Sirius envolveu os ombros de Remus, encostando a cabeça dele em seu peito. Depois, beijou o outro rapaz e imergiu em seus pensamentos. Já havia algum tempo que, sem perceber, Black demonstrava com mais frequência toques carinhosos fora do sexo. Sua afetividade, não mais represada, avançava sobre o rapaz de cabelos castanhos que a acolhia com a sua delicadeza gentil.   

“Você não é como nenhuma garota ou garoto que conheci...” — falou finalmente Sirius, depositando um beijo na testa de Remus, após afastar-lhe a franja dos olhos.      

Lupin pestanejou, erguendo o seu olhar.   

“Por quê?”  

“Porque você mexe comigo de uma forma que ninguém mais mexe. Acho que sempre foi assim. Sei lá, você entra não só nos meus pensamentos, mas parece sempre que vai mais fundo em mim. Não sei explicar... Desculpa pelas bobagens que disse mais cedo. Você é o meu garoto e não acho que você é inferior a mim sob nenhum aspecto.  Não quero que você fique chateado comigo ou que briguemos.”  

Remus assentiu.   

“Tudo bem. Eu não devia ter sido tão ríspido com você. Podemos conversar mais vezes sobre assuntos como aquele. Também não quero brigar.”  

Sirius se manteve um tempo em silêncio, antes de falar:   

“Então, você e o Carlson... Vocês inverteram?”  

Remus assentiu, ruborizando um pouco. Depois, riu-se.   

“Eu queria experimentar. Foi engraçado porque tomamos whiskey de fogo da adega dos pais do Michael para termos coragem e acabei caindo no sono antes que começássemos qualquer coisa. Mas, depois, quando acordei, foi...”      

Sirius escutou o relato da intimidade de Remus com o monitor corvino com alguma chateação.   

“E aí?”  

Remus ainda sorria.   

“E aí que eu sou o garoto que aprende rápido.”  

Sirius fitou o outro rapaz de cima a baixo. Acendeu um cigarro, verificando se não tinha aparecido ninguém na Sala Comunal.  

“Você enrabou aquele monitor corvino? Tem mais essa agora...”  

“A gente tava namorando na época e eu queria tentar pra saber como era. Na outra vez, ele pediu que eu fizesse.”  

“Teve uma outra vez?! Caramba, Remus! Tomara que não tenha sido nas vésperas de lua cheia porque fico até com pena do Carlson.”  

Sirius tragou o cigarro e expeliu um anel de fumaça.   

“Eu não gosto disso. Você sabe que comigo não vai acontecer, não é?”  

Remus retirou o cigarro da boca de Sirius e o tragou também.   

“Você gosta quando eu uso a boca em você. No hotel em Hogsmeade, você forçou tanto a minha cabeça que parecia que queria que eu te penetrasse com a minha língua...”  

Sirius pareceu meio desconcertado enquanto ruborizava.   

“Não, isso é diferente. É só estimulação. Não conta...”  

Remus se espreguiçou, esticando-se. Ele se deitou, então, com a cabeça no colo do outro rapaz.   

“É tão bom, Sirius, mas se não quiser saber como é, tudo bem.”   

Sirius estudou o rosto do outro rapaz.   

“Você gostou de ser o ho... Quer dizer, de fazer isso com outro garoto?”   

Remus permaneceu um tempo pensativo, antes de responder.  

“Gostei bastante, mas prefiro fazer como a gente faz. Você sabe como eu fico...”   

Sirius fez um carinho na franja do outro rapaz.   

“Fico feliz que eu esteja te satisfazendo.”  

Remus respirou fundo antes de arriscar uma pergunta.   

“Você e o James... Ele não...?”  

Sirius levou o cigarro à boca do outro rapaz para que ele tragasse novamente e falou resoluto:   

“Nem pensar.”  

Após soltar a fumaça pelo canto da boca, Remus disse:  

“Não sei se consigo pensar também em James Potter, orgulhoso como é, cedendo para você.”  

Sirius riu-se, pensativo.   

“A gente fez algumas poucas vezes, mas ele era muito esquivo. Mas não foi tão ruim assim porque eu mando bem pra caramba e vi a cara dele, no final, tentando se justificar depois de ter gozado pra valer. Sei lá, o Potter gosta muito de garotas, mas acho que ele se deixa levar por alguns garotos mais do que gosta de admitir. Ele queria meter em mim, mas eu não deixei. Não gosto disso. Me neguei.”  

Remus assentiu, mergulhando em seus pensamentos enquanto fitava o fogo na lareira. Os troncos e gravetos estalavam com as labaredas. Sirius acariciou o cabelo do outro rapaz novamente.  

“Você ainda pensa no Potter.” — não era uma pergunta de Sirius, mas uma constatação.    

Remus engoliu em seco e voltou os seus olhos amarelos para o outro rapaz que prosseguiu. Sirius o observava atentamente.    

“...Não gosto de ser feito de bobo, Remus. Sabe que com o Potter a questão é diferente, mas se eu souber que andou dando conversa para outro garoto, eu não vou ficar bem com isso. Sou ciumento, possessivo e orgulhoso e não gosto da ideia de alguém colocando as mãos em você e nem de você jogando charme pra outra pessoa. Não pense que porque houve aquela vez com o James no meio que eu sou receptivo ou tolerante com outra pessoa. Espero que aquilo que o tal do Pride tenha dito não encha a sua cabeça de ideias. É só nós dois. Estamos entendidos?”   

“Dane-se o que o Pride falou! Por que tá me falando isso?”  

“Porque todos nós fomos uns grandes filhos da mãe uns com os outros. Eu traí o James; ele me traiu; você traiu o Carlson com a gente e traiu a gente com ele. Não tem inferno para o que fizemos, apesar de dizermos que estávamos muito confusos na época e, de fato, estarmos. Se existe mesmo uma lei do retorno, espero que já esteja tudo quitado e finalizado.”  

Remus ouviu em silêncio a dura que o outro rapaz lhe deu e assentiu.   

“Eu não tenho vontade de ficar com outras pessoas, Sirius.”   

“Tem vontade de ficar com o James ainda. Como a gente ficou em Londres, não é mesmo? Nós três... Só não quero que comece a ter ideias com outras pessoas por causa disso. James é um dos meus melhores amigos e foi só com ele que cedi. Não quero mais ninguém entre a gente. Tá entendendo, Remus?”   

Remus pestanejou.   

“Estou! Mas quando se trata do James, você também tem as suas vontades de ficarmos os três como ficamos. Não fala como se fosse só eu. De qualquer jeito, isso não importa mais. Não quero perder o meu amigo e quero que ele seja feliz. Não quero também criar problemas pra ele. O que eu prometi, foi de verdade. Pretendo ser cuidadoso com as palavras de agora em diante.”  

Sirius tragou o cigarro enquanto fitava a cabeça de Remus apoiada em seu colo. Ele evocou uma lembrança.   

“James é uma das pessoas que mais quero bem no mundo. Sabe que eu não me arrependo de nada, mas vou a partir do que combinamos, ficar também na minha. Ainda que seja excitante se lembrar das férias.” — o fogo crepitou e Black prosseguiu, após fitar a lareira por alguns segundos — “Aliás, naquela vez, no quarto ano, que a gente ficou se provocando na ponte, Potter sussurrou coisas no seu ouvido e você tragou a fumaça da minha boca. Quando a gente voltou para o Grande Salão, você disse que era quase verão, que estava muito quente e que precisava tomar um banho antes de ir jantar... Estávamos em seus pensamentos desde aquela época.”   

Remus tapou o rosto com as mãos conforme as suas bochechas se avermelhavam.   

“Nunca consegui esconder nada de vocês mesmo.”   

Sirius ainda acariciava a franja de Remus.   

“No que pensou durante o banho?”  

O rapaz de cabelos castanhos ergueu o rosto vermelho, parecendo sem graça.   

“Não vou dizer. Isso é pessoal...”   

“Não precisa ficar tímido. Era James Potter metendo em você enquanto eu te chupava?”   

Remus não respondeu, mas também não protestou quando sentiu a mão de Sirius descendo pelo seu peito até se alojar entre as suas pernas.   

“Ou o contrário?”   

O rapaz de cabelos castanhos segurou a mão do grifinório para que ela continuasse ali. Ele se deixou ser acariciado e, após um tempo, gemendo baixinho, permitiu também que o seu cinto fosse aberto.   

“Para, Sirius... Isso é íntimo demais...”  

“Como tocávamos você nas suas fantasias...?”   

Sirius fitava o rapaz com a cabeça deitada em seu colo fechar os olhos e passar muito rapidamente a língua pelos lábios. Com a mão, Black o tocou, invadindo-o por dentro da calça.   

“Não fala dessas coisas, Sirius. Para! Prometemos ser só amigos dele.”   

“Ele não está aqui e estamos falando do passado, não é mesmo? Não do futuro.”   

Remus, de olhos fechados, assentiu, abrindo a sua calça. Sirius checou a Sala Comunal para verificar se ainda estavam sozinhos. Subitamente, ele parou os movimentos com a sua mão. Remus o olhou com confusão, a princípio, achando que havia aparecido alguém. Depois, constatando que a Sala Comunal se mantinha vazia, ele voltou a encarar Sirius.   

“Me mostra como fez pensando na gente.”   

Remus ruborizou profundamente. Ele já havia se tocado várias vezes na frente de Sirius enquanto estavam juntos, mas nunca diante de seus olhos exclusivamente como um espetáculo à parte. O rapaz de cabelos castanhos estava excitado e a ideia de se exibir daquela forma para Sirius mexeu com os seus sentidos.   

“Quer assistir?”   

“Quero.”   

O rapaz de cabelos castanhos se deteve alguns segundos, estudando o pedido que o outro lhe fazia. Depois, ele olhou ao redor, verificando mais uma vez o ambiente. Abrindo as pernas, Remus iniciou os seus movimentos com a mão então. De cima para baixo, muito rapidamente, ele se masturbava diante de Black que o fitava, acariciando ainda o seu cabelo.   

“Ia querer que ele gozasse dentro de você?”   

“Ia.” — retorquiu Remus com a voz alterada.   

Sirius viu Remus mover os quadris estreitos enquanto apertava os olhos. Ele beijou a sua boca com um beijo intenso e voltou a fitá-lo. Seu rosto pálido estava febril.   

“Como ia querer que a gente metesse em você?”   

Remus semicerrou os seus olhos e aumentou ainda mais o movimento da sua mão. Ele hesitou por um segundo e então, murmurou aquela fantasia secreta.   

“Ao mesmo tempo.”   

Sirius franziu o cenho com alguma curiosidade.   

“Dá pra fazer isso sem ser com os dedos...?”   

“Dá...”   

Black pareceu pensativo e, fumando, observou o outro garoto se tocar e se contorcer sob o seu olhar. Ele acariciou o rosto de Remus, até a sua mão deslizar um pouco até o pescoço do rapaz de cabelos castanhos, apertando-o com um pouco de força. Remus levou uma das mãos até o pescoço também, segurando o pulso de Sirius.   

Aquelas eram as brincadeiras que os dois grifinórios performavam quando estavam próximos ao ciclo lupino de Remus. No entanto, nessa ocasião, faltava ainda muito para a lua cheia.    

“Goza olhando pra mim.”   

Remus exibia aqueles olhos selvagens e fazia, sem perceber, um movimento com a boca e o rosto que poderia ser parecido com o rosnar de um lobo. Mas não era engraçado como Sirius quando perdeu a sua voz e emitia barulhos de um cão. Havia algo de muito natural e sensual, que deixava Black excitado. Ele via a criatura das trevas que habitava o outro garoto se movendo como parte dele.  

Sirius apertou mais forte o pescoço de Remus quando o prazer o alcançou. Sustentando o seu olhar, o rapaz de cabelos castanhos moveu os quadris com espasmos enquanto o líquido perolado escorria por entre seus dedos.  Os gemidos foram substituídos, então, por sua respiração arquejante.  

Sirius fitou o outro rapaz se recompor e fechar a calça e o cinto. Remus permaneceu um tempo sentado no sofá, alinhando os seus pensamentos. Depois, erguendo-se, ele subiu sobre o outro rapaz, beijando-o com intensidade, com paixão. Seus braços envolviam o pescoço de Black. Sirius redarguiu:   

“É assim que se visita o passado, garoto, se não quiser machucar o Potter de novo. Comigo! Entendeu?”    

Remus assentiu de um modo vago e, depois, continuou beijando o namorado. Os desejos, mais uma vez, mutavam-se para continuarem respirando.    

  Remus sentiu a sua cabeça ser puxada um pouco para perto do colo de Sirius. Seu cabelo também foi repuxado de leve. Entendendo o que o outro queria que ele fizesse, o rapaz desfivelou o cinto de Black, abrindo-lhe a calça. Remus se ajoelhou, envolvendo o membro do outro rapaz com a boca. As mãos de Black pesavam um pouco sobre a sua cabeça e o forçavam a ir ao seu ritmo. Remus ouviu os gemidos de Sirius deixarem os seus lábios com um prazer voraz e ele, então, chupou-o do modo intenso que Black parecia preferir naquele momento. 

  Em uma altura, Sirius parou os movimentos do outro rapaz para puxar o rosto de Remus para um beijo, sem delicadeza, voltando em seguida a conduzir a sua cabeça até a sua virilha. Seus dedos se emaranhavam nos fios de cabelo de Lupin e ele forçava um pouco o sexo na boca do outro a ponto de tocar-lhe a garganta. Remus não soube dizer se a rudeza de Black se devia ao tempo de castidade imposto entre os dois ou a uma desmedida velada que assombrava os dois e se intensificava com um simples riscar de fósforo.   

Sirius apertou os olhos e, sentindo que o seu gozo o alcançava, cessou os movimentos de Remus, empurrando o outro rapaz para que se sentasse no sofá enquanto ele ficava de pé.  

Remus viu Sirius estimular a si mesmo, puxando a sua cabeça para próximo de si.  Ele sentiu Black gozar em seu rosto. Aquela não era a primeira vez. E não seria a última.    

O rapaz de cabelos castanhos sentiu o membro do outro rapaz passear por ambas as suas faces antes de ser introduzido novamente em sua boca. Depois, Sirius o beijou com lascívia, murmurando em seu ouvido: “Sempre fui louco por seu rosto.”   

  Sirius fechou então a calça e o cinto enquanto o outro rapaz, recompondo-se, olhava-o de soslaio. Black, então, acendeu outro cigarro, estalando os dedos. Remus permaneceu um tempo em silêncio, fitando o fogo até que, finalmente, falasse.  

“Você é depravado...”   

“Uhum. E não tenho o objetivo de ser diferente. Você também é. Não estaria comigo se não fosse. Só que eu não tenho vergonha de ser quem eu sou enquanto você é sonso. Fantasia com os seus dois melhores amigos te comendo ao mesmo tempo e acha que é menos depravado por fazer escondido. Pode continuar sendo sonso. Eu acho divertido. Principalmente quando me deixa fazer com você tudo o que eu faço e vai continuar deixando porque adora.”   

Remus fitou o outro rapaz demoradamente. Eles eram um casal que podiam ser adoráveis e puros sob a luz do sol ou obscenos e precoces nas sombras da noite. Como dois adolescentes apaixonados ou dois criminosos, seus desejos e necessidades se alinhavam. Escolhendo as palavras, Remus murmurou:  

“Acha que é certo ter falado do James?”   

’Você é livre para sentir prazer do jeito que quiser, desde que não machuque ninguém ’. Não foi o que você falou mais cedo? Eu também aprendo rápido, lobinho.  E volto a dizer que estávamos falando do passado e não do futuro. É melhor fantasiar assim do que ir torturá-lo como você fez.” — Black voltou o seu olhar para uma das vidraças em cujo parapeito uma coruja havia se empoleirado —"Quero também que James seja feliz e somos dois demônios que têm que ficar fora do caminho dele, entendeu? Mas comigo, você pode ser você mesmo. A gente é amigo antes de tudo. E não sou nenhum truculento que não possa conversar com você sobre os seus desejos. Só não quero você se empolgando com o seu ex e aquele tal de Pride.”   

Remus assentiu e permaneceu um tempo pensativo. O rapaz de cabelos castanhos, com a sua personalidade, com as suas carícias, trazia à tona o lado amoroso de Sirius. Por outro lado, Black com o seu toque e a sua lábia, permitia que o desejo de Lupin nadasse até a superfície, existindo. Os dois se complementavam no trato de suas angústias.   

Remus teria beijado Black novamente se não houvesse escutado uma movimentação na escadaria. Rapidamente, os dois rapazes se afastaram quando um grupo de meninas do segundo ano desceu as escadas, conversando. Entre as estudantes, estava Claire, aluna particular de Remus, que, sendo persuadida por Olsen, havia dado os chocolates com poção do amor para o rapaz.   

A menina, sendo informada do transtorno que havia criado para Lupin, havia chorado copiosamente e, entre lágrimas ainda, havia pedido desculpas a Remus diante dos colegas. O rapaz de cabelos castanhos, consolando-a na ocasião, havia pontuado que ela era uma vítima da situação e fora tão enganada quanto ele.   

Na Sala Comunal, Claire acenou para Remus, que respondeu do sofá onde se mantinha ainda sentado, sem levantar qualquer suspeita de que estava se agarrando com Sirius segundos antes. Era uma sorte elas não terem aparecido mais cedo. O rapaz sabia que o segundo ano também estava às voltas com as matérias e, em grupos, muitos alunos combinavam de estudar até tarde ou de fazerem os deveres juntos, trocando o dia pela noite.   

Quando Claire deixou de sorrir para Remus, um estalo foi ouvido atrás da menina e algo surgiu pendurado nas suas costas, puxando-a pelo cabelo volumoso. A garota gritou e Pirraça se fez visível, sacudindo os seus guizos e falando com a voz esganiçada:   

“Claire chata, cabeluda e cabeçuda! Por que as meninas colocaram amuletos pra me afastar do dormitório? Por quê?”  

A grifinória do segundo ano conseguiu se afastar de Pirraça com a ajuda de uma colega. Apalpando o couro cabeludo, ela retorquiu irritada:   

“Porque não aguentamos mais você gritando insultos pra Mary dia e noite! Ela não vai falar com você!”  

“Por que não?!”  

“Porque ela também não te aguenta mais, seu poltergeist insuportável!”  

“Ora, sua cadelinha...!”  

“Pirraça!” — interveio Remus, se levantando do sofá ao lado de Sirius — “Deixa as meninas em paz!”  

A entidade franziu as sobrancelhas, ajustou o seu fraque com retalhos coloridos e flutuou até Remus. Os seus guizos tilintavam de modo incômodo. Pirraça tinha a forma de uma criança, mas cerrou os dentes como um louco, antes de gargalhar e avançar para o grifinório:  

“Lupin lelo e lunático! Não se meta, seu lorpa libertino!”  

“Vai poder usar um de seus insultos quando eu chamar o Professor Dumbledore e contar que está assombrando e ofendendo as meninas. Ou, então, o Barão Sangrento!”  

Pirraça franziu ainda mais as suas sobrancelhas e bateu o que seria um de seus pés diáfanos no chão. Ele tinha os lábios puxados para baixo, parecendo um palhaço desgraçado.   

“Você é como Godric Gryffindor, sabia?”  

O poltergeist sobrevoou a Sala Comunal e esbravejou, antes de sumir atrás de uma parede, deixando um rastro prateado.   

“Gryffindor paia, presunçoso e patife!”  

Sirius coçou a nuca, dizendo:   

“Ele não deveria xingar o fundador com um insulto com ‘g’?”  

“Pirraça é completamente doido!” — falou Claire, ainda apalpando a sua nuca de onde o cabelo havia sido repuxado.   

“Por que ele está perseguindo Mary MacDonald?” — indagou Remus, observando ainda a parede atravessada pelo poltergeist.   

“Ele é obcecado por ela! Mary é uma bruxa necromante e tem afinidade imediata com os fantasmas e entidades.” — falou uma das amigas de Claire com olhos arregalados — “Eles se davam bem, mas depois que Mary namorou Edward Blake, ele enlouqueceu. Mary e Edward não tão mais juntos, mas ela e o Pirraça pararam de se dar bem.”      

As meninas ocuparam depois as mesas de estudo e, após a algazarra com Pirraça, Sirius e Remus decidiram que era melhor irem se deitar e que poderiam ficar juntos em outra ocasião mais favorável. No entanto, no caminho do dormitório, enquanto seguiam pelo corredor, antes de alcançarem a porta do seu quarto, Sirius puxou o outro rapaz para um beijo intenso, murmurando no seu ouvido.  

“Preciso de uma noite inteira com você. Não só de minutos. Nossa brincadeirinha lá embaixo só me atiçou ainda mais...”  

Remus, encostado na parede e envolvendo o outro rapaz com seus braços, redarguiu.   

“Depois de amanhã...”  

Sirius o beijou novamente, sorrindo.  Falou com a boca próxima à boca do outro rapaz.   

“Depois de amanhã e nenhum dia a mais, senão vou ter que te roubar dessa Escola, monitor.”  

Remus, ouvindo aquelas palavras, puxou Sirius para mais perto do seu corpo, assentindo.   

“Prometo compensar te fazer esperar tanto tempo...”  

“Vou cobrar cada segundo, lobinho. Pode acreditar...”   

O rapaz de cabelos castanhos sorriu, sustentando aquele olhar e, sem fazerem barulho, os dois garotos adentraram o dormitório, cujas luzes já estavam apagadas.   

Naquela noite, Remus sonhou com coisas desconexas que lhe causaram um sono agitado. Nele, havia uma criança de capuz com a pele queimada bebendo algo de um cálice em meio ao Grande Salão. As suas mãos em carne-viva tremiam de dor. Depois, ele viu Pirraça dançando sobre a mesa da Grifinória, xingando-o de nomes feios que iniciavam com a letra ‘g’. Por último, Remus se viu sobre o freixo do átrio da Escola, beijando Sirius escondido e gritou quando uma cobra picou o seu pé, enrolando-se em seu calcanhar e derrubando-o da árvore.  

O rapaz tentou se levantar, mas não conseguiu. No mundo dos sonhos, ele permaneceu no chão, sem poder se mover enquanto algo do passado, como um déjà-vu, ou do futuro, como uma premonição, o espreitava na escuridão.     

 

 

 

 

(Mary MacDonald & Pirraça)

Chapter 10: Pornographia

Summary:

A interação de Remus com Joshua Pride se torna mais desconfortável.
E Sirius dá um passo importante em seu relacionamento.

Chapter Text

https://www.youtube.com/watch?v=TWjM9cBiCcs

 

Naquela manhã, o quinto ano precisou fazer durante a aula de Transfiguração um exercício proposto pela Professora McGonagall que consistia em transformar um pássaro, um sapo e um gato em objetos funcionais e retorná-los, dez minutos depois, para a sua forma original.  Winnie, cercada pelos animais, perguntava à professora se poderia ficar com os três bichos depois que terminasse a tarefa, mas McGonagall reforçou que eles pertenciam à Escola e que eram muito bem tratados na área reservada aos animais de Hogwarts. 

Conforme os alunos iam concluindo a atividade, eram liberados. As Morganas seguiram para a biblioteca, visando estudar para o simulado de Trato de Criaturas Mágicas do dia seguinte. Remus, Sirius e James seguiram para os gramados e esperavam por Pettigrew, que encontrava dificuldade com a transfiguração do pássaro e do gato. Espirrando, o garoto fitava o bichano com uma expressão aborrecida.

Antes de deixarem o Castelo, no entanto, os Marotos passaram diante da porta aberta da turma do primeiro ano. O professor não estava em aula e as crianças conversavam, animadamente, com os mapas de Astronomia abertos em suas mesas. Regulus Black e Olivia Stone brincavam de duelo com os seus esquadros, rindo. Sirius, com as mãos nos bolsos, voltou de ré, olhando para dentro da sala novamente. Remus e James também se detiveram. 

“Os alunos do primeiro ano dessa Escola não estudam mais, não?” — perguntou Sirius, sendo reconhecido por alguns estudantes por conta da Oficina de Defesa. Ele foi bem recebido pela turma.

“É o Sirius Black! Chega aí!” — disse um garoto.

Lupin e Potter, vendo como o amigo era popular entre os alunos menores, observaram que ele batia na palma da mão de alguns meninos e meninas. Mas foi ao lado de Regulus e Olivia que ele estacionou.

“O que estão fazendo?”

“A gente tá decidindo num duelo quem tá com a razão!” — disse, Regulus, içando o seu esquadro.

Remus e James, que também entraram na sala, posicionando-se ao lado da carteira de Regulus e Olivia eram fitados pelos alunos do primeiro ano que viam os estudantes do quinto com admiração. Lupin acenou para alguns alunos particulares seus.

“O Regulus acha que os planetas em que chove diamante são Marte, Mercúrio, Vênus e Saturno e eu acho que são Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.” — disse Olivia com alguns livros empilhados em sua mesa.

Sirius riu com a sua risada que desde a prática de Animagus parecia um pouco canina.

“Regulus, o que adianta virmos de uma família toda com nomes de estrela e sermos duas toupeiras em Astronomia?”

O garoto moveu a sua cabeça com confusão.

“Eu errei?!”

“Errou feio, pirralho! Mas eu errei essa questão também na prova do primeiro ano. Se não vai chover diamante no meu bolso, qual é a necessidade de eu saber disso? Mas você tem que saber.”

O garoto, com uma expressão contrariada, apagou a questão que havia errado e voltou a reescrevê-la. Sirius para encarnar um pouco mais no irmão, disse:

“Seu nome tá escrito errado. Arcturus não é com ‘k’?”

“Que ‘k’ o quê? É com ‘c’! ‘C’ de caralho!”

“Olha essa boca, pirralho...”

“Você fala palavrão como se fosse vírgula...”

“Mas você é melhor do que eu e vai se tornar um rapaz de bem...”

Remus, sentado em um lugar vago, folheava os livros de Olivia Stone. James lia as respostas da garota com as mãos nos bolsos.

“Você sempre tá na biblioteca, não é mesmo, monitor Lupin? Eu vejo você pegando livros nos nomes dos seus amigos...”

Remus sorriu para Olivia.

“Eu estou sempre com a minha cota de livros estourada... E você não fica atrás, Olivia...”

“Eu gosto muito de ler...”

“Do que gosta de ler?” — indagou, Sirius.

“De tudo um pouco. Tenho lido até livros de estratégias de Bexigas...”

“Você joga muito bem. Levou todas as minhas peças de uma tacada só. Fiquei bem impressionado! Deveria entrar no Clube de Bexigas de Hogwarts...” — retorquiu, Sirius.

 Bexigas era um jogo bruxo semelhante ao jogo de bolas de gude trouxa. Sirius havia jogado com o irmão e a garota há poucos dias no átrio da Escola, divertindo-se de verdade. Depois, quando James apareceu, eles jogaram em duplas e os grifinórios, que participavam de disputas de Bexigas mais antes de entrarem no time de Quadribol da Grifinória, sentiram-se nostálgicos.

Olivia, diante do elogio de Sirius, ruborizou um pouco.

“Eu só não sou muito boa em Transfiguração. E sou péssima no Quadribol...”

Sirius apoiou o cotovelo no ombro de James, sorrindo.

“Essa é conosco então. Eu e o Potter somos mestres da Transfiguração e Quadribol é moleza!”

Os três rapazes continuaram conversando com os dois alunos e Sirius retirou dos seus bolsos alguns doces de Dedosdemel, repassando-os a Regulus e Olivia e atirando-os para alguns alunos que estavam no fundo. Quando o professor de Astronomia retornou para a sala, carregando a réplica de alguns planetas e uma maquete do sistema solar, ele olhou para os três grifinórios.

“Ah, Black, Lupin e Potter... o trio inseparável. Querem voltar para o primeiro ano?”

“Não, professor. A gente tava só batendo papo. A gente já tá de saída...” — respondeu Sirius se erguendo de cima da mesa de Regulus e Olivia.

O professor de Astronomia era um dos docentes mais jovens de Hogwarts. Devia ter não mais de trinta anos, mas, apesar disso, era exigente e bastante sério.

“Professor, o próximo simulado tá difícil?” — indagou James, fitando a bolsa carteiro do bruxo com alguns pergaminhos dentro.

“Para quem estudar, vai estar fácil. Mas vocês terão uma boa revisão antes da prova. Agora, a estrela, a lua e o sol podem se retirar, por favor?”

Fora do Castelo, o dia não estava tão frio para um dia de outono e o sol derramava os seus raios pela grama, intensificando o cheiro úmido das árvores e do Lago.

“Não acredito que Pettigrew consiga ser um Animagus e ainda encontre dificuldade nesses exercícios de Transfiguração.” — comentou Sirius, fumando como era de costume, após os três terem passado mais uma vez diante da sala de Transfiguração e verem o amigo com as orelhas muito vermelhas e um olhar atônito.

Os Marotos se deitaram sobre o gramado e, apoiados nos seus cotovelos, olhavam a água calma do Lago Negro.  James, que também tinha um cigarro na boca, retorquiu:

“Acho que ele fica nervoso diante da McGonagall, que tá bem rigorosa nesse ano letivo por causa do N.O.M.s. Pensei que ela ia, hoje, me expulsar junto com o Sirius da aula dela...”

James se referia ao início da manhã em que ele e Black conversavam, rindo, durante a aula como nos velhos tempos. Remus cutucou o ombro dos amigos quando a professora interrompeu a sua explanação para fitá-los. No entanto, sem perceber, os dois continuaram a falar e rir circundados pelo silêncio da docente e dos colegas que agora os encaravam também.

“O N.O.M.s ainda vai enlouquecer todos nós.” — declarou Remus também fumando enquanto olhava para os lados.

Havia vários alunos da Grifinória e de outras Casas durante o tempo vago aproveitando a manhã de sol, deitados no gramado. Alguns tinham até mesmo estendido toalhas no chão e cochilavam sob o mormaço. Era raro um dia assim na estação que antecipava o inverno. Em alguns meses, aquela grama estaria coberta de neve e seria impossível desfrutarem de momentos como aquele. No entanto, naquele dia, as árvores e arbustos se apresentavam ainda vermelhos, flamejantes como se estivessem ardendo em fogo.

“Estão ocupados no fim de semana?” — indagou-lhes James, erguendo o olhar para o céu azul com alguns farrapos de nuvem.

Black e Lupin não tinham planos e foram lembrados por James que podiam, então, finalmente, marcar a disputa de Quadribol com as Morganas que vinham organizando. No fim do mês, haveria também outra visita a Hogsmeade e os amigos combinavam de passearem juntos. Restabelecida a paz entre os Marotos, os rapazes se dedicavam a compartilharem algum tempo na companhia uns dos outros, injetando mais ânimo e energia na amizade.

“Se for pra apitar o jogo, participo, mas se for pra marcar pontos ou defender aquelas goles que vocês atiram, tô fora.  Vai ser uma frustração para qualquer equipe que me tiver como jogador.” — declarou Remus.

“Você é o filho de uma jogadora de Quadribol da Corvinal que, segundo o seu pai, era implacável. Se se interessasse e treinasse, seria bom também.” — respondeu Sirius, fitando o rosto do outro rapaz.

“Acho que sou mais parecido com o meu pai, que era uma negação nos esportes. Em outros aspectos, também sou muito mais parecido com ele do que com a minha mãe. Até quando o Chapéu Seletor me propôs ir para a Corvinal, meu coração pendeu imediatamente para a Grifinória que nem o meu pai contou que havia acontecido com ele.”

“Foi essa outra opção que o Chapéu Seletor te deu? Corvinal?” — indagou James.

“Foi. Além de uma outra.”

“Isso não é novidade! Você é muito inteligente e é natural que Ravenclaw quisesse você na Casa dela.” — sentenciou Sirius, olhando os arredores antes de franzir o cenho. Depois, ele acrescentou: “Falando na Corvinal, olha quem tá vindo aí...”

Os outros dois rapazes olharam na direção indicada por Sirius. Caminhando até eles, Joshua Pride, o monitor corvino do sexto ano, aproximava-se.

James fez menção de se livrar do seu cigarro, mas se deteve quando viu que o garoto tinha um também em seus lábios.

“Oi, Grifinória! O sexto ano tá fazendo prova e, como terminei já o exame, vim pra cá. Só que deixei a minha varinha dentro da minha mochila na sala de aula. Vocês podem acender pra mim?” — perguntou o rapaz, indicando o seu cigarro. 

Remus fitou Pride com irritação e retorquiu com secura:

“É proibido fumar na Escola.”

Pride riu-se.

“Já vi você fumando com os seus amigos mais de uma vez, Lupin, e tá fumando também agora. Acho que você não tá no direito de falar já que é monitor como eu, mas deixa passar também um monte de coisa errada.”

Remus bufou, olhando para a frente, mal conseguindo encarar o colega. Sirius, vendo que Pride lhe sorria, voltou a sua atenção para a água. James, não entendendo muito a animosidade que se formava, prontificou-se a acender o cigarro do outro garoto, estalando os dedos.

“Nossa, que feitiço legal, Potter! Preciso aprender esse... Sou Joshua Pride. Obrigado por isso.” — agradeceu o rapaz, sorrindo para James e fitando o seu cigarro aceso entre os dedos.

Potter sorriu de volta para o outro rapaz e se apresentou também. Remus se indignou quando viu que o corvino se sentou com eles.

“Estão com aula vaga ou estavam fazendo prova também?”

Potter respondeu ao garoto de forma educada sobre a atividade de Transfiguração e de como haviam sido liberados pela Professora McGonagall, não deixando de perceber que Remus e Sirius pareciam se fechar. James não estava entendendo a postura esquiva dos amigos e queria saber a razão dela, mas Pride adentrava outros assuntos e tinha uma boa conversa. O rapaz de cabelos rebeldes, reparando nos piercings do colega corvino, apontou-os.

“Legal, isso!”

Pride tocou em seus lábios.

“Valeu! Fiz isso no início do ano e a minha mãe surtou quando viu, dizendo que não quer um filho que pareça com um vampiro. Flitwick também não gostou muito e disse pra eu usar só na Sala Comunal, mas no fim, acho que ele acabou se acostumando. Você tem também um na língua, né? Posso ver?”

James abriu a boca, mostrando a língua ao outro rapaz. Remus ergueu as sobrancelhas, vendo a cena em que Pride monopolizava a atenção de seu amigo. Ele não estava gostando daquilo. Potter, recebendo um olhar de censura de Lupin, tentou inserir o grifinório na conversa.

“Você conhece o Remus, não é? Ele também tá no quinto ano e é um dos monitores da Grifinória. É nosso amigo.”

Pride encarou Remus.

“Claro que conheço o Lupin. Mas ele não vai muito com a minha cara, não é mesmo, Lupin?”

Uma situação constrangedora se fez com um pesado silêncio. Sirius envolveu o pescoço de Remus para que ele se acalmasse, massageando o seu ombro. Pride, vendo a cena, complementou:

“Eu e o Carlson não estamos namorando, Lupin. A gente tá só ficando de vez em quando. Ele ainda tá com a cabeça virada por sua causa. A gente só tá aliviando as tensões um pouco juntos.”

Sirius fechou a cara com a menção ao ex-namorado de Remus. O rapaz de cabelos castanhos pestanejou, respirando fundo antes de responder. James fitava as caras de todos, complemente por fora do assunto. Ele suspeitava que Pride gostava de garotos por haver indagado a ele e a Sirius se ficavam com rapazes enquanto almoçavam na semana anterior, mas não entendia bem ao que ele se referia naquele momento.

“Não me interessa o que você e o Carlson têm ou deixam de ter! Não é mais da minha conta.” — retorquiu Remus laconicamente de mau humor.

“Tá bom então.” — e se voltando novamente para James, Pride apontou para as tatuagens nos braços do grifinório feitas com feitiço— “Maneiro. Também tenho algumas dessas. Só que são definitivas.”

James fitou o rapaz, tentando enxergar algum desenho nas partes visíveis de seu corpo.

“...Quer ver?” — perguntou Pride.

James deu de ombros e assentiu, achando que não haveria nada demais. Contudo, Pride começou a despir a sua capa e o seu suéter. Virando-se de costas, tirando a blusa de dentro da calça e levantando-a, mostrou o desenho tatuado que começava próximo ao pescoço e descia por toda a parte posterior do seu corpo em folhas, galhos, troncos e raízes de uma solitária árvore. James olhava o desenho e as costas pálidas, a pele macia e o corpo alongado do corvino.  Sirius também o fitou e Remus acompanhou o seu olhar com desconforto.

“Qual árvore é essa?”

“É uma tília. A mesma árvore da qual a minha varinha é feita. Tenho outra também...”

Pride se virou de frente e abriu o cinto e a calça. James e Sirius tinham um olhar curioso para o que o rapaz faria a seguir. Remus cruzou os braços, contrariado.

Abaixando um pouco a calça e a roupa de baixo, Pride exibiu a tatuagem de um corvo que tinha na sua virilha. Ele não chegou a mostrar a sua nudez, mas por muito pouco.

“Essa aqui, claro que é por causa da Corvinal. Não mostro o corvo inteiro porque não quero tirar a roupa aqui.”

James e Sirius olhavam Pride agora sem disfarçar. Remus fitou os amigos, sentindo-se mais incomodado ou inseguro do que gostaria de admitir.  O olhar que os dois dedicavam a Pride lhe lembrava do modo que os rapazes haviam o olhado em um verão que agora parecia muito distante.

“Bonitas. São de verdade mesmo, essas tatuagens?”

“Claro que são, James Potter! E eu mesmo as desenhei. Não teria por que eu mentir. Imagina se em alguma outra ocasião, você me visse sem elas e eu fosse pego mentindo.” — riu-se Pride, fitando os dois garotos.

Remus reparou que Sirius não olhava mais a água e mirava com alguma curiosidade o garoto corvino dos pés à cabeça. James sorriu e respondeu:

“Acho que não vai haver oportunidade de eu te ver de novo sem camisa e com a calça abaixada...”

“A gente nunca sabe o futuro...”

Pride não era discreto e, agora, estava dando em cima de James de um modo bem direto. James ergueu as sobrancelhas, fumando e sacudindo a cabeça. Ele não respondeu à investida do rapaz, mas também não a afastou. Nessa hora, as amigas de Pride, que estavam sentadas em toalhas um pouco mais distante, chamaram o rapaz e ele lhes acenou.

“Preciso ir. A prova deve ter terminado e a gente vai voltar pra sala. Obrigado por isso. Vou tentar aprender a acender o fogo como você faz, Potter. Black, Lupin, até mais...”

O rapaz saiu correndo em direção ao seu grupo, vestindo a sua capa por cima da roupa e quando Sirius se voltou para a água do lago, deparou-se com Remus, que o encarava com chateação. O rapaz de cabelos castanhos sentiu os poucos arranhões que tinha em seu corpo naquele mês repuxarem e doerem fundo. Lupin abraçou os seus joelhos e permaneceu muito quieto.

“Do que ele tava falando, afinal, quando mencionou o Carlson? Vocês já conversaram outras vezes com ele?” — indagou James ainda fitando Pride, que ajudava as amigas a dobrarem as suas toalhas.

Sirius narrou de forma resumida o encontro que tiveram acidentalmente no banheiro com os dois monitores da Corvinal e da conduta provocativa que o rapaz assumia diante de Remus.

“Ele tava dando em cima de você, James... E de você também, Sirius.” — comentou Remus ainda encolhido, fitando o lago.  

James apagou a guimba do cigarro, sacudindo a cabeça.

“Vocês sabem em quem estou interessado. Estou fugindo de confusão.”

Uma ova, pensou Remus. Ele estava se divertindo bastante com a atenção que era dada por Pride porque James era muito suscetível a isso. E ele deu uma boa olhada no corvino dos pés à cabeça.

“Comigo também ele não tem chance. Ele sabe que tô com você, lobinho...” — sentenciou Sirius.

Remus murmurou, olhando finalmente Black:

“Então, por que você quase caiu dentro da calça dele quando ele mostrou o corvo que tem tatuado?”

Sirius moveu o seu rosto com alguma tensão.

“Só olhei porque ele tava mostrando.”

Remus permaneceu calado e falou algum tempo depois com melancolia na voz:

“A mãe do Pride é veela. A beleza das veelas passa só para as filhas, mas todo mundo diz que ele é a exceção.”

James moveu a cabeça como se algum entendimento o alcançasse. Sirius também permaneceu em silêncio, estudando os seus próprios pensamentos. Por fim, ele disse:

“Nunca havia conhecido nenhum menino filho de veela.”   

Remus se dirigiu a James.

“Você e o Pride já haviam se falado antes?”

James sacudiu a cabeça.

“Não. Quer dizer, sim... Eu o conhecia só de vista, mas trocamos uma ideia na semana passada quando ele perguntou pra mim e pro Sirius se ficávamos com garotos.”

Remus moveu rapidamente o seu rosto em direção aos dois amigos com um olhar extremamente feroz. Lembrava um lobo. Foi um milagre seu pescoço não quebrar. 

“O quê?! Sirius, por que você não me contou isso?”

Black levava a mão ao rosto, após trocar um olhar desesperado com James. Potter fechava os olhos, percebendo que havia falado mais do que devia.

“Eu não te contei pra não te deixar mais aborrecido do que já tava ontem. Eu não dei importância pra isso.”

Remus apagou o cigarro e o jogou em um saco de lixo pequeno que carregava dentro da mochila para não sujar o gramado. Levantando-se e batendo a sujeira de sua roupa, retorquiu:

“Legal saber que quando eu tava quase morrendo na Casa dos Gritos por causa daquela poção, você tava dando conversa para o Pride.”

Sirius viu com algum nervosismo o outro rapaz se levantar. James interveio:

“Calma, Remus! Não foi assim! Black nem olhou pra cara dele e até ele perguntar se ficávamos com garotos, a gente achou que ele só queria jogar conversa fora.” 

“Ele tava era dando em cima de vocês! E tava dando em cima também agora! Precisava ver a cara de tonto de vocês dois. Vai lá pedir pra ele te mostrar a tatuagem dele, Sirius. Quem sabe ele não tem uma no meio do rabo e te mostre.”

Remus foi embora, pisando duro. Sirius e James o chamaram, mas o rapaz não olhou para trás. Levantando-se, Sirius correu até Remus, segurando-o pelos ombros.

“Ei, lobinho! Que isso agora? Por que tá falando comigo assim?”

“Eu que pergunto que porra é essa! Você me deu uma dura ontem, falando de fidelidade e é você que fica dando ideia para o Pride e olhando pra ele do jeito que você... do jeito que você olha pra mim!”

Sirius deu um passo para trás.

“Eu não olho pra ele como olho pra você! E você ouviu o que o James disse? Eu nem olhei pra cara dele quando ele veio falar com a gente na semana passada. Eu tava preocupado era com você! O garoto praticamente tirou a roupa na nossa frente agora. Eu olhei por olhar. Mas agora que você falou que ele é parte veela, tá explicado por que ele é tão bonito e atrai a atenção da gente...”

Remus pestanejou, assentindo com a cabeça. Sirius levou a mão ao rosto, percebendo que piorara a sua situação.

“Vai lá atrás dele então! O que você tá fazendo comigo, já que sempre preferiu pessoas bonitas?” — redarguiu Remus com frieza e caminhando. Subitamente, ele se lembrava da tarde na Sala Comunal em que Potter e Black insinuavam que as garotas do seu ano letivo e da sua Casa não eram atraentes o suficiente e Sirius enfatizava o seu gosto por pessoas bonitas.

“Mas você é bonito, lobinho! E eu não quero namorar com o Pride!”

Remus não ouviu o que o outro rapaz lhe dizia e apertou o passo. Sirius andava atrás dele. Virando-se, Remus informou o grifinório com aspereza:

“Não me segue! Quero ficar sozinho...”

Sirius se deteve no gramado, vendo o rapaz caminhar com passos apressados em direção ao pátio da Escola. Ele se voltou para trás e viu que James, apoiado em seus cotovelos, fitava-os. Black voltou a se sentar ao lado de James.

“O que eu fiz de errado?! Tento agradar ao Remus de todas as formas, mas parece que eu tô sempre desapontando ele. Que droga!” — queixou-se Sirius, jogando com raiva a guimba de cigarro no chão.

“Desculpa aí, Black. Não fazia ideia de que o Remus não soubesse que o Pride tinha chegado na gente. Ele tá com ciúme. Muito ciúme.”

Sirius fitou James.

“Com ciúme de um garoto que eu só soube o nome ontem?!”

James ponderou.

“Você sabe que o Remus é inseguro. Muito. Ele se garante no meio intelectual, mas titubeia em tudo que diz respeito à aparência dele.”

Sirius, com as sobrancelhas franzidas, levou outro cigarro à boca.

“Mas ele não deveria se sentir inseguro. Não tem motivos.”

James evocou a lembrança um pouco sem jeito.

“Qual é, Black? Você viu como ele não queria tirar a roupa na nossa frente. Somos os melhores amigos dele e ele teve coragem de falar da questão dos arranhões só neste ano. Ele foi bem sincero quando finalmente se abriu. Acho que ele parece mais seguro de si ultimamente, mas as coisas também não são superadas todas de uma só vez.”

Sirius levou a mão à testa.

“Agora que você falou... Foi quando o Pride mostrou o corpo pra gente que ele surtou...”

James assentiu com a cabeça, mas riu-se.

“O melhor foi ele mandar você ver se o Pride tinha uma tatuagem no meio do rabo. Remus quando se aborrece é um acontecimento à parte.”

Sirius fitou o rosto de James.

“Você parecia bem interessado no tal de Pride, Potter. Se eu não soubesse que gosta da Lily, acharia que tava dando abertura pra ele.”

James balançou a cabeça.

“Esse garoto meio veela é encrenca na certa. Ele só levantou a blusa e baixou a calça e já criou uma briga entre você e o Remus. Estamos voltando às boas nessa semana e a última coisa que quero é uma outra rachadura nos Marotos. Trata bem o Remus e tem paciência com ele.”   

“Remus não deveria se sentir mal ou inseguro. Ele é sexy pra cacete. Você viu em Londres quando ele se soltou que quase deixou a gente doido?”

James ergueu as sobrancelhas, soltando a fumaça que havia tragado do cigarro.

“Vou ficar calado. Se eu concordar com você agora, vai que você fique puto ou para de falar comigo de novo...”

Sirius deu de ombros.

“Não tem motivo pra eu me doer por causa disso. Com garotas, me envolvi com muitas que não tinham nada a ver comigo e por muitas me deixei levar. Mas com garotos, sempre escolhi os melhores...”

James olhou o outro rapaz de soslaio.

“Bom saber, Black.”

Sirius fitou alguns peixes pularem do lago e algumas folhas vermelhas caírem sobre ele, levadas pelo vento.

“O que eu digo para o Remus?”

James ponderou.

“Não fui o melhor namorado do mundo, mas talvez, seja bom você ouvi-lo um pouco. Deixa ele se abrir com você. Mas se ele quiser ficar calado e só chorar, ficar do lado é também uma forma de demonstrar carinho.” 

Sirius fitou o outro rapaz, assentindo.

“Você foi um namorado legal. Eu que errei feio com você. Desculpa, James, é tranquilo falar dessas coisas pra você?”

Potter deu de ombros.

“Até agora, tá tranquilo. Se começar a me incomodar, vou te pedir pra calar a boca. Você tá gostando mesmo do Remus, não é?”

Sirius ficou um tempo calado e moveu a sua cabeça um pouco ruborizado.

“Tô. Remus é uma pessoa incrível. É jovem, mas não é superficial. Parece que dá pra conversar sobre qualquer coisa no mundo com ele e nunca é monótono.  É muito inteligente e me ensina sempre algo novo. E sei lá, ele mexe comigo. Ele tem esse jeitinho dele carinhoso que me quebra e me deixa que nem um bobo caído por ele. “

James sorriu.

“É. É bem o Remus mesmo... “

Os dois garotos permaneceram deitados no gramado e viram à distância Damon e Davos Doyle conversando com Emily Davies, sentados sobre uma toalha estendida na relva. Potter os fitou, lembrando-se de um acontecimento que o havia intrigado. Como se Sirius pudesse ler os seus pensamentos, indagou-o:

“Como vão as coisas com Lily?”

James permaneceu um tempo calado, fitando os Doyles. Damon afastava uma aranha que subia no seu braço, colocando-a sobre o galho de uma árvore com cuidado.

“Ela conversa bem comigo, mas parece que tem uma barreira entre a gente. Todas as vezes que sugeri sairmos pra tomarmos alguma coisa juntos, ela se tornou esquiva. Mas tem uma coisa que eu vi e achei muito estranha e não falei com ninguém. No dia em que caímos no braço com os Doyles, a Parker depôs contra o Davos e o Damon ficou furioso, querendo partir pra cima dela. Eu o segurei e tava bem perto dele quando ele apontou pra Lily, dizendo: ‘Segura a língua da tua amiga, Morgana. Senão já sabe...’

Sirius olhou o outro rapaz com estranheza.

“E o que ela respondeu pra ele?”

“Nada. Saiu correndo e as Morganas foram todas atrás dela. Acha que aconteceu alguma coisa? É uma ameaça estranha.”

Sirius permaneceu um tempo pensativo, lembrando-se de uma imagem que havia presenciado. Até então, a sua memória se mantinha adormecida, mas a junção inusitada do nome de Evans e de Damon remeteram-no a algo.

“Eu já vi a Lily conversando com o Damon!”

James fitou o outro rapaz com surpresa. Sirius prosseguiu:

“...No início do quinto ano. Nas primeiras semanas enquanto tava matando aula e tava voltando para o Castelo pra almoçar. Lembro que, na ocasião, não entendi por que uma garota jovem da Grifinória tava andando com um cara mais velho da Sonserina. Eles tavam no pátio se falando.”

“Será que eles namoraram ou algo do tipo?”

Sirius ponderou.

“Não parecia que era isso. Não estavam de mãos dadas e nem nada do tipo. Só se falavam, o que é bem estranho. Remus me contou que os Doyles têm uma espécie de ficha suja na Escola. Que espécie de assunto uma garota como Lily teria com um tipo desse?”

James franziu o cenho, olhando os Doyles à distância. Ele só desviou o olhar quando Davos percebeu que estava sendo observado e cochichou algo no ouvido do seu gêmeo dizigótico, fazendo com que o rapaz encarasse os grifinórios com raiva. Aparentemente, os feitiços lançados pelo diretor para que eles se mantivessem à distância ainda os aborrecia.  

“Agora que você mencionou, Black eu lembro de ver a Lily falando com o Damon uma vez.” — disse James após um silêncio irregular — “Achei que eles estavam só se cumprimentando ou sei lá, já que ela andava muito com os veteranos.”

“Lily é amiga do Carlson, que é do sétimo ano. Acho que ela namorou uns garotos mais velhos e ficou com uma fama também, não foi? Eu não tô me lembrando direito, mas houve umas fofocas que chegaram no ouvido da gente na época... Mas, James, por que você não pergunta pra ela sobre a ligação dela com o Damon?  Tenho visto que vocês parecem conversar bem. Acho que não seria nada demais perguntar pra ela.”

Potter moveu a cabeça como se considerasse a ideia. Nesse momento, os dois rapazes viram Pettigrew se aproximando e depois do grifinório contar como havia se saído na tarefa de Transfiguração, os três rumaram para dentro do Castelo, juntando as suas guimbas de cigarro do chão e as jogando no lixo.

Mal Sirius cruzou a entrada da Escola, uma coruja-das-torres de penas amareladas voou do parapeito de uma das janelas em sua direção, esticando a pata em que um pequeno embrulho pendia amarrado. Sirius o desamarrou e, lendo o remetente do pacote, guardou-o no bolso sem nada dizer.

James e Pettigrew iam se juntar às Morganas na biblioteca, mas Sirius se despediu dos amigos, dirigindo-se para a Sala Comunal da Grifinória. No corredor da sala de música, ele viu Mary MacDonald recostada no corrimão da escadaria conversando com a Dama Cinzenta e Nick Quase-Sem-Cabeça. Ele se lembrou, então, do que as meninas do segundo ano haviam falado sobre a bruxa necromante e a simpatia que atraía dos desencarnados.

A fantasma da Casa de Ravenclaw dizia, enrolado os fios de cabelo translúcidos em seus dedos pálidos:

“É tudo culpa do pai dele, mas você deveria ficar longe daquele monstrinho, Mary! Detesto-o como detesto o Barão Sangrento. São da mesma estirpe!”

Nick Quase-Sem-Cabeça tentou contemporizar, parecendo um pouco aborrecido.

“Não é para tanto, Helena! Pirraça é ainda o espírito de uma criança e ele não vai esfaquear Mary. E quanto ao pai dele... Não vou permitir que o ofenda.”

Depois disso, Sirius rumou para a Sala Comunal da Grifinória e se dirigiu para o seu dormitório. Ele adentrou o recinto, fechando a porta atrás de si. Após guardar o pequeno embrulho que trazia na gaveta de sua escrivaninha, o rapaz se aproximou da cama de Remus em que o cortinado estava fechado.

“Posso entrar aí, lobinho?”

Sirius demorou um pouco para obter resposta.  Mas viu o cortinado se abrir para que ele entrasse.

Black entrou naquele mundo de Remus para o qual ele corria quando queria se isolar. Aquele universo de fórmulas de poções e mapas de astronomia pregados no teto e onde o seu cachorro de pelúcia dado por Sirius repousava entre os lençóis. O rapaz de cabelos castanhos estava com os olhos um pouco inchados e o semblante abatido.

“Remus, você esteve chorando por causa daquela bobagem? Vem cá! Você é um garoto muito bobo.”

Sirius abraçou o outro rapaz que se acomodou junto ao seu corpo.

“... O que houve, afinal?”

Remus demorou um pouco para falar, mas quando se propôs a dizer o que o incomodava, foi sincero.

“Eu me lembrei de Londres quando eu não queria que vocês me vissem sem roupa porque eu me achava feio com aqueles ferimentos todos. Cheguei a pensar que vocês me achariam nojento quando fossem rememorados de que eu era um lobisomem.  Quando fantasiava com aquele momento, eu criava sempre um futuro hipotético em que a minha pele e aparência estariam tão perfeitas quanto vocês. Só que o dia chegou e eu ainda era eu mesmo. Isso foi bem assustador.”

Sirius fez um carinho na cabeça de Remus, beijando a sua testa.

“Mas nem eu e, com certeza, nem o James queríamos que você fosse alguém diferente de quem você é. Como pode pensar que alguns arranhões iam nos manter afastados de você? Você é especial. E nós não somos perfeitos.”

Remus se encolheu um pouco.

“Então, por que vocês tavam olhando para o Pride da mesma forma que me olharam? Achei que havia sido especial entre a gente... Acho que até se fosse uma garota, eu conseguiria levar melhor porque vocês têm esse desejo que é diferente do meu e eu aprendi a conviver com ele. Mas ver vocês desejando outro garoto, me chateou um bocado.”

Sirius fitava o rosto do outro rapaz.

“Remus, mas o que tivemos foi especial. Foi só nosso. Eu não posso ter olhado o Pride do jeito que eu te olho porque eu te amo e não a ele. A gente tem tanta coisa acontecendo entre a gente e você vai questionar o meu afeto por causa das costas e da virilha de um garoto que até semana passada eu nem sabia que existia?”

“Ele é meio veela e tava dando em cima de você e do James. Nunca havia visto um garoto chegando em vocês... Sei lá, me senti estranho. Me senti invadido. Fiquei com medo de que vocês quisessem ficar com ele da forma que ficaram comigo. Como se o que tivesse acontecido entre nós três fosse só diversão e, chegando alguém mais atraente, vocês se voltassem pra ele.”

Sirius sacudiu a cabeça.

“Amor, você precisa parar de dar voz a essas inseguranças da sua cabeça. Você é muito importante pra mim e você viu como Londres marcou também o James a ponto de ele surtar daquele jeito. Potter tá interessado na Lily e disse que o Pride é encrenca na certa. Eles não vão ficar. E eu, então, não tenho interesse nenhum naquele garoto. Deixa tudo isso pra lá. Você tá dando poder demais a ele e é por isso que ele te provoca. Ele já deve ter percebido que te afeta.”

Remus permaneceu um tempo quieto, digerindo as palavras de Sirius.

“Mas você disse que achava ele bonito...”

“Remus, eu tenho uma parte que gosta de garotas, mas como você mesmo pontuou ontem, tem uma parte minha que gosta de garotos. Ele é, de fato, um rapaz bonito, mas e daí? Eu não vou te trair e sustento o que falei. Não quero pessoas ficando entre nós dois.  Confia em mim!”

O rapaz de cabelos castanhos aceitou o abraço de Sirius e, com a cabeça em seu peito, permaneceu muito quieto enquanto o outro acariciava o seu cabelo. Remus enxugou o rosto com as costas das mãos.

“Desculpa, eu sei que, às vezes, sou muito inseguro. Quando eu era criança e comecei a ter os primeiros ciclos lunares, minha mãe me levava ao St. Mungus para tratar dos meus ferimentos. Mas tinha sempre um enfermeiro ou enfermeira que me lançava aquele olhar. Aquele olhar de pena, de nojo, de horror ou de agonia. Como se só de me tocarem pudessem virar também um monstro. As pessoas acham que as crianças crescem e não se lembram das coisas. Mas a gente se lembra. Mamãe ficou cada vez mais furiosa e, na época, fez um curso de enfermagem por correspondência para me tratar em casa.  A gente nunca mais voltou lá.”

Sirius buscou os olhos do outro rapaz.

“Não sabia disso. Sinto muito por isso, lobinho. Mas nem todas as pessoas são como esses bruxos que não souberam te enxergar direito. Quando eu era criança, uma tia disse que as minhas pernas pareciam duas varinhas porque eu era muito magro e alto na época e que meus pais deviam cortar o meu cabelo porque era coisa de menina. Falou também que eu era engraçadinho, mas que não havia puxado o melhor da beleza dos Blacks. O massacre foi no meu aniversário de nove anos. Dane-se a opinião dela O negócio é não acreditar nos outros, mas em si mesmo.”

Remus fitou o outro rapaz.

“É sério que alguém não te acha atraente?”

Sirius deu de ombros.

“A amargurada tia Antares não deve ser a única. Só que eu prefiro acreditar em Sirius Black. Devia fazer o mesmo, lobinho...”

Remus envolveu o outro rapaz com os seus braços, mantendo-se um pouco pensativo. Depois, beijou-o na boca.

“Obrigado por ter vindo até aqui conversar comigo, meu amor.”

Sirius ruborizou e replicou:

“Sempre que algo te incomodar, pode falar comigo claramente. Não precisa sair andando sozinho como você fez ou se isolar. Somos amigos antes de tudo. Pode confiar em mim, Remmy. Eu sempre vou tentar te entender.”

Remus beijou novamente Sirius de um modo carinhoso e não protestou quando os beijos se tornaram mais apaixonados. Ele sentiu aquele corpo bonito contra o seu, aquele perfume, aquela respiração. Remus afastou as pernas e permitiu que Sirius movesse os seus quadris entre elas ao se deitar sobre ele. Sentiu também a ereção do outro rapaz contra o seu corpo conforme o puxava mais para si, como se quisesse que ele se fundisse nele. Sirius, com uma respiração pesada, interrompeu, finalmente, os seus movimentos.

“Desculpa, lobinho. Tá difícil me controlar perto de você. Melhor pararmos.”

Remus sorriu.

“Eu também tô empolgado...”

Os dois rapazes riram e Sirius lembrou Remus de que ainda teriam aulas no dia e que o almoço seria servido em vinte minutos. Quando os dois garotos estavam se preparando para deixar o dormitório, Remus se aproximou do espelho de corpo inteiro no canto do quarto para verificar se os seus olhos ainda estavam vermelhos.

Sirius se aproximou dele, abraçando-o por trás. Após alguns segundos em silêncio, o rapaz de cabelos compridos murmurou:

“A gente combina tanto, não é mesmo? Eu amo você de verdade, garoto.”

Remus ergueu o rosto, fitando Black.

“Também amo você.”

Os dois rapazes olharam o seu reflexo e Sirius beijou o seu rosto.

“Queria que você pudesse se ver como eu te vejo...”

Remus fechou os olhos durante alguns segundos, respondendo ao abraço de Sirius enquanto o seu pescoço era beijado. Por fim, ele falou:

“A gente pode ficar juntos hoje? Não me importo de ir sem dormir fazer o simulado de Trato de Criaturas Mágicas amanhã. Como você e o Potter dizem, me garanto em fazer tudo de errado na véspera e ainda assim tirar um onze nos exames.”

Sirius sorriu de um modo intrigado.

“Você, sendo certinho do jeito que é fora do ciclo lunar, quer virar a noite na véspera de um simulado?”

“Quero ficar com você. É o mais importante agora. Mas não quero ir para o banheiro dos monitores. Quero ir para a Casa dos Gritos. Já esteve lá e sabe que lá temos mais privacidade. Podemos ficar longe de tudo e de todas as pessoas da Escola.”

Black sentiu o seu corpo, novamente, reagir ao convite do outro rapaz.

“Tem certeza?’

“Tenho.”

“Vamos poder fazer tudo o que tivermos vontade?” — sussurrou Sirius no ouvido do outro rapaz, mordendo a sua orelha.

“Vamos. Tô sentindo muita falta disso.”

Sirius puxou o rapaz mais contra o seu corpo.

“Tá bom. Vamos. Eu não tô nem conseguindo me segurar. Hoje à noite então?”

“Sim. Prepara a sua mochila de viagem.”

“Ok, lobinho. Adoro quando você assume o controle desse jeito. Vem cá, me dá um beijo.”

Remus se deixou ser beijado pelo outro rapaz e, após um tempo, os dois garotos deixaram o dormitório de mãos dadas. Sorrindo, Black e Lupin cruzaram a Sala Comunal da Grifinória vazia e caminharam pelos corredores. Alcançaram o Grande Salão por meio da escadaria e se sentaram ao lado de Potter, Pettigrew e das Morganas na mesa de sua Casa. Remus sorriu e conversou, animadamente, com os amigos. Pride se encontrava na mesa da Corvinal, mas o rapaz de cabelos castanhos não lhe deu mais atenção.  

 

 

Remus e Sirius, após o jantar, colocaram as suas mochilas nas costas e saíram em direção à orla da Floresta Proibida. Eles observaram Hagrid deixar a sua casa com os seus cachorros para fazer a ronda noturna nos arredores de Hogwarts, tomando o cuidado para não serem vistos. Os dois avançaram, escondendo-se na penumbra do início da noite.

Quando alcançaram o Salgueiro Lutador, Black e Lupin olharam para os dois lados, antes de descerem pela passagem secreta. Os dois rapazes não repararam numa figura pálida e de cabelos escuros que os seguia até àquela altura.

Remus e Sirius caminharam de mãos dadas pelo túnel com odor forte de terra. Conversando, os dois rapazes se sentiam felizes por poderem voltar àquele lugar sem os medos e a tensão da semana anterior. Eles alcançaram a porta e chegaram ao quarto que se mantinha limpo e arrumado, conforme o haviam deixado.

“Vou tomar um banho, tudo bem? Não quer vir comigo?” — convidou Sirius, seguindo para o banheiro.

Remus usava a sua varinha para isolar os sons do ambiente e aquecer um pouco o quarto da friagem noturna de outono.

“Eu vou depois de você. Preciso cuidar de algumas coisas antes.”

O rapaz de cabelos castanhos viu o outro rapaz fechar a porta atrás de si e, rapidamente, tirou algumas revistas de dentro da sua mochila, colocando-se a folheá-las. As imagens não se moviam, evidenciando a sua origem trouxa.

Quando após algum tempo, Sirius deixou o banheiro com o cheiro refrescante de água, sabonete e colônia, Remus escondeu o que lia dentro da mochila novamente.

Indo para o chuveiro também, o rapaz de cabelos castanhos deixou que a água quente lavasse o seu corpo e molhasse os seus cabelos. Ele esfregou a sua pele com o sabonete trouxa que gostava de usar e, ao retirar a espuma, deu uma olhada nos arranhões em seus braços e pernas. De fato, não estavam tão terríveis naquele mês.

Remus deixou o banheiro, trajando o seu roupão e encontrou Sirius, esperando-o com alguma expectativa, sentado na cama. Os dois rapazes se olharam e Black o abraçou, encostando a cabeça em sua barriga. Remus fez um carinho em seu cabelo úmido.

“Que bom que está aqui comigo, lobinho. Esse lugar me lembra toda a tensão da semana passada. É ótimo podermos estar juntos novamente.”

Remus sorriu.

“Sinto muito por ter causado tanta preocupação. Graças ao que fizeram por mim, estamos aqui. Este lugar pra mim sempre foi solitário. Mas depois de tudo, sinto-o como um lugar mais acolhedor e onde pude sentir o seu amor, o de James, o dos meus pais, o amor dos nossos amigos e dos professores da Escola. Então, não é mais um lugar assustador pra mim. É um recinto de paz agora. Por isso quis que viéssemos pra cá.”

Sirius mantinha a sua cabeça encostada em Remus, envolvendo a sua cintura com os braços.

“Eu senti tanto medo. Medo de te perder. Medo de que os antídotos não funcionassem. Medo de que eu não pudesse fazer nada pra te ajudar. Só quando Slughorn disse que você tava fora de perigo, eu consegui respirar de novo. Foi horrível, Remus.”

Lupin beijou a cabeça do outro rapaz, após um longo silêncio.

“Obrigado por gostar tanto de mim, Sirius.”

O rapaz de cabelos compridos ergueu os seus olhos cinzentos.

“Obrigado por existir, Remus. Eu não sei o que seria da minha vida sem você.”

Os dois rapazes se mantiveram abraçados, ouvindo os sons distantes de Hogsmeade e de alguma goteira no túnel de terra. Black, pela primeira vez, expressava em palavras o trauma que havia sofrido na semana anterior.

Após mencionar os seus temores, Sirius fez, então, com que Remus se sentasse sobre os seus joelhos. Ele olhava o rapaz de cabelos castanhos, acariciando o seu rosto bonito.

“...Isso tudo me fez ver que não podemos ter medo de expressar o que sentimos. Que não devemos esperar pra ser felizes. Que nunca é cedo ou tarde demais pra isso. É por isso que, quando soube que você ficaria bem, quis demonstrar pra você o quanto, pra mim, o nosso relacionamento é sério. O quanto gosto de você. Espero que isso acabe com as suas inseguranças.”

Sirius retirou de dentro do bolso do seu roupão uma caixa pequena e de veludo escuro, entregando-a ao rapaz. Com apreensão, Remus abriu a caixa e viu dois anéis dourados com um pequeno rubi. Remus se manteve paralisado, olhando as joias. Sirius falou após pigarrear, ruborizando um pouco e colocando um dos anéis em seu dedo:

“Não é ainda um pedido porque somos muito jovens, mas é um anel de compromisso. Escolhi as cores da Grifinória porque achei que gostaria também já que nos conhecemos na Escola. É um seu e outro meu.”

Remus, sem palavras ainda, colocou o anel em seu dedo anular. Sirius beijou a sua mão e examinou a joia.

“Ficou um pouco grande no seu dedo. Podemos pedir para ajustar na joalheria de Hogsmeade. Você gostou?” — ruborizando um pouco mais, Sirius acrescentou — “Fala alguma coisa, Remus! Não sei se eu tô agradando ou não.”

A resposta do rapaz de cabelos castanhos veio por meio de um abraço e uma chuva de beijos em Sirius.

“Eu adorei! Amei o anel! Amei a ideia de usarmos anéis de compromisso! Amei as cores da Grifinória! Amei o que você disse! Amei tudo! E eu amo você, Sirius Black! Amo!”

Sirius acariciou o cabelo de Remus com o rosto vermelho e um sorriso tímido nos lábios.

“Que bom, lobinho! Quero que, quando tiver dúvidas de qualquer coisa, olhe sempre pra ele.”

Remus mirou a sua mão, fascinado pelo anel. Depois, examinou a sua mão posta ao lado da mão de Sirius.

“...Não é uma joia dos Blacks. Não quero que as relíquias daquele bando de puristas nojentos encostem em você. Você é bom demais pra eles. Eu mesmo as comprei em Hogsmeade pelo correio.  Chegaram hoje por uma coruja. Tive a ideia durante o nosso encontro em Hogsmeade, mas achei que talvez você achasse muito cedo. Mas, na semana passada, tive certeza de que queria te presentear com o anel. Você é o meu namorado, meu amigo e eu amo muito você. É com você que quero ficar, Remmy.”

O rapaz de cabelos castanhos, subitamente, sentiu-se bobo pela conduta que tivera mais cedo. Sirius vinha sendo um ótimo companheiro. O que havia feito por ele na semana anterior, chegando ao extremo de fazer amizade com a sua forma lupina sob o feitiço de Animagus era o suficiente para evidenciar a sua bravura, a sua lealdade e o seu afeto.  Remus beijou Sirius, sentindo aquele amor imenso inundar o seu peito. Sentiu aquele carinho que revestia os seus toques e carícias precisar ser demonstrado ao outro rapaz.

Os dois rapazes estavam há muitos dias sem poderem se tocar daquela forma íntima e, por serem jovens, eram torturados pelas imagens e obscenidades que as suas mentes reproduziam. Como garotos, desejavam dormirem juntos com aquele ímpeto sexual e depravado que nutriam em si. Mas, sem que esperassem, aquela doçura dos afetos havia descido junto com eles pela passagem secreta do Salgueiro Lutador. O desespero em proporcionarem e receberem prazer foi substituído pela delicadeza de beijos sem pressa; toques sutis de dedos; sussurros apaixonados.

Foi Remus que, respirando fundo, despiu o seu roupão, exibindo o seu corpo para Sirius. Com os lábios, o rapaz de cabelos compridos depositou os seus beijos naqueles arranhões, naquela pele muito pálida com veias azuladas, naquelas formas retas de garoto. Beijou-lhe o pescoço e lhe chupou os mamilos rosados. Beijou-lhe a barriga e Remus deixou escapar uma risada arrancada por meio das cócegas.

Sirius riu junto e o puxou para a cama, friccionando os seus dedos nos lugares em que sabia que Remus sentia cócegas. O rapaz se contorcia, preenchendo o quarto com as suas risadas. Ele tentou escapar de Sirius, mas o outro rapaz o segurou firme. No fim, Black disse:

“Adoro a sua risada. Adoro ver você feliz. Adoro tudo em você, garoto!”

Remus subiu sobre Sirius, movendo-se sobre ele. Os dois rapazes sentiram aquele prazer fulminante enquanto os seus sexos se encostavam e Remus deslizava a sua mão por ambos os membros ao mesmo tempo. Black mergulhava o seu rosto no pescoço do outro rapaz e deixou que o seu corpo também fosse explorado. Deixou que Lupin lhe retirasse o roupão que usava. Afastou as pernas para que o outro rapaz afundasse o rosto entre elas.

Remus, com perícia, descia a sua língua, fitando Sirius. Ele sentia a mão do namorado suave em seu cabelo. Sentia aquele prazer alcançar Black enquanto ele movia a cabeça para trás, entregando-se. Sentiu aquele mundo de desejos, descobertas e afetos os envolver, exalando o perfume de suas juventudes. Os dois garotos estavam completamente apaixonados um pelo outro e, com quinze e dezesseis anos, sentiam a felicidade com cada fibra de seu corpo. Fazer amor era se fundirem não um no outro somente, mas em algo maior que era todo o Universo e as coisas simples que o constituíam. Aquele era o ápice da doçura. Era o paraíso que cabia por meio de magia em um quarto em ruínas. Que cabia em seus corações de rapazes que amam o amor. 

Remus fitou novamente Sirius de olhos fechados e o rapaz de cabelos castanhos desceu mais a sua língua, animando o outro rapaz a se virar. Com a sua boca, Remus estimulava Sirius naquela zona erógena do esfíncter, sabendo que ele sentia muito prazer com aquela carícia. Por ser uma sensação maravilhosa; por ser depravada ou tida como suja; por garotos serem chamados de mulherzinhas se gostassem de ser tocados daquele modo; pelos rapazes não falarem entre amigos do deleite além daquele proporcionado por seus falos, Remus se dedicava enquanto Sirius sentia. Para o inferno o que diziam que ser um homem de verdade era! Ser de verdade era, antes de tudo, ser verdadeiro consigo mesmo. Nenhum garoto era um pênis solitário, mas um corpo, um universo inteiro com sensibilidade e desejos ansiosos por serem despertados.     

Black se apoiava em seus joelhos e estimulava o seu próprio sexo com a mão. Seus gemidos preenchiam o quarto e Remus experimentou introduzir a sua língua, fazendo com que, em meio ao prazer da anilíngua, o outro rapaz xingasse uma palavra feia, tomado por um prazer fulminante. Remus repetiu o movimento e sentiu a mão de Sirius em sua cabeça, animando-o a refazer a carícia.

Remus contemplava Black se entregar àquela estimulação ousada e ele ainda usava a sua língua quando, hesitante, lhe introduziu um dedo. Sirius cessou os seus movimentos, mas ainda gemia pelas estimulações propiciadas por Lupin. O rapaz de cabelos castanhos esperava que o outro rapaz protestasse ou o afastasse, mas ele nada fez. Não impediu Remus também de introduzir um segundo dedo nele.

Remus ainda usava a sua boca quando moveu os seus dedos. Moveu-os por algum tempo e ouviu os gemidos de Sirius, sabendo que ele lidava com o desconforto e o prazer daquele ato. Após algum tempo, Sirius o puxou para si com o rosto ruborizado e febril. Falou com a respiração pesada:

“Não vou deixar você me comer, Remus, por mais que eu te ame. Não quero isso. Só a língua e os dedos, tá bem?”

Remus assentiu com o seu rosto inocente e Sirius constatou que o rapaz talvez fosse o mais perigoso dos Marotos.

“Tudo bem. Eu só quero descobrir com você do que gosta. Não vamos fazer nada que não queira.”

Sirius sentiu o desejo pelo corpo de Remus o assaltar e usou a sua boca também para estimular o outro rapaz. Deixou que ele se sentasse sobre si, emparedando-o com aquelas pernas muito lívidas. Enquanto as acariciava, Sirius proporcionava prazer ao rapaz com a sua língua, chupando-o de todas as formas.  Remus gemia daquele modo que Black adorava e ele experimentou penetrá-lo também com a sua língua, sentindo o rapaz puxar de leve o seu cabelo, apoiando -se, logo em seguida, no espaldar da cama.

Enquanto Sirius lhe introduzia os dedos e os movia, Remus pediu entre gemidos, o que costumava pedir nos dias que antecediam o seu ciclo lupino.

“Me bate...”

Black não hesitou em descer a sua mão nos quadris de Remus com um tapa sonoro. A pele muito branca do rapaz de cabelos castanhos, rapidamente, avermelhou-se.

“Bate mais forte...”

Sirius observou Remus, puxando-o e se sentando na cama.

“Fica assim.” — pediu Black, posicionando Lupin de um modo que sua mão pudesse fazer o que ele pedia e, ao mesmo tempo, pudesse fitar o rosto do rapaz.  Sem avisar, Sirius desceu a sua palma com força sobre os quadris do garoto e viu, quando Remus fechou os olhos, que ele sentia um prazer genuíno naquilo.

“Bate de novo... Com mais força...” — murmurava o rapaz um pouco ofegante.

Sirius cumpriu a vontade de Lupin e, após um tempo, estimulou-o novamente com a boca enquanto ainda estapeava as suas coxas. Os quadris do rapaz ficaram completamente vermelhos e com a marca dos dedos de Sirius. Por fim, Black falou se sentindo inflamar com os gemidos de Remus.

“Gosta disso?”

“...”

“Podemos fazer?”

“Podemos.”

Remus tirou de dentro do bolso do seu roupão uma poção em um frasquinho que espalhou entre as suas pernas e no membro de Sirius. Parecia um gel transparente. Como o outro rapaz pareceu não entender, o rapaz de cabelos castanhos se explicou.

“Existem poções lubrificantes desde que o mundo bruxo é o mundo bruxo, Sirius. Assim como existem poções contraceptivas. Adquiri pelo correio depois de muito me informar onde poderia consegui-las. Não me diga que não sabia que isso existia.”

Sirius pareceu curioso.

“Como você descobre essas coisas?”

“Você não tem ideia de como os intervalos das reuniões da monitoria são animados. As garotas falam de tudo e mais um pouco e eu sou bom ouvinte.”

De fato, Sirius sentiu penetrar Remus, criando menos desconforto ao rapaz que, mais rapidamente, pareceu sentir o prazer o alcançar. Black, com as suas palavras, com o seu afeto, com a sua lealdade, havia despertado aquela entrega em Remus, que se movia sob Sirius, guiando-lhe os movimentos, fascinando-o com a sua forma de fazer amor.

Beijando-se, os dois tinham as suas respirações pesadas. Com os lábios, Sirius tocou o rosto, os olhos, a fronte do rapaz, após lhe afastar a franja úmida da testa. Remus envolvia Sirius com as suas pernas e pediu que ele o preenchesse por completo, indo mais fundo, movendo-se com força, com rapidez dentro do seu corpo. Sirius investiu com mais vigor dentro do outro rapaz e ouviu os gemidos se tornarem gritos.

“Tô te machucando, Remus?” — sussurrou-lhe Sirius, diminuindo um pouco o seu ritmo.

“Não, não para... Continua.” — retorquiu Remus, se movendo e puxando o outro rapaz mais para si.

Sirius fez o que Lupin o pedia e viu aquele corpo menor, pálido e magro dominá-lo daquele modo que ele não entendia como era possível. Se pedissem que Sirius morresse por Remus naquele momento, ele morreria. Se o rapaz de cabelos castanhos lhe pedisse qualquer coisa no mundo, ele o daria. Sentia-se enfeitiçado e, ao mesmo tempo, livre como se voasse em sua vassoura em um dia de ventania. Sentia-se preenchido também por aquele amor indômito e servil, que completava o seu universo.

“Tá me deixando doido assim, lobinho.” — sussurrou Sirius, sentindo que as suas investidas no corpo do outro rapaz, arrancavam gritos não só dele, mas também gemidos altos seus revestidos por um prazer violento.

Sirius mantinha agora os seus olhos fechados e sentiu as mãos do outro rapaz em suas costas. Sentiu-o puxar de leve novamente o seu cabelo e as carícias seguirem até os seus quadris. Com os seus dedos úmidos ainda pela poção aquosa, Remus os introduziu com delicadeza no outro rapaz enquanto se mexia de uma forma mais provocante. Os olhos dos dois se encontraram e Black viu aquela expressão selvagem em Remus. Seus caninos pontiagudos podiam ser observados pela sua boca entreaberta. Seus olhos com aquele toque amarelado estavam erguidos. Sirius beijou-o com adoração.

Black se deixou ser manipulado pelo outro rapaz que movia os seus dedos no mesmo ritmo em que era penetrado. O prazer estava lá. Evidente, subversivo e democrático. Passional, dual e infinito. O prazer que Sirius fora ensinado a achar errado sentir. Que temia experimentar. Que era apontado como repulsivo em sua casa.

Da próxima vez que os Blacks se indagassem se tinham uma mulherzinha sob o seu teto, Sirius, sentado com a sua família, lembrar-se-ia na mesa do jantar, ruborizando um pouco, que ser mulher não era ofensa e que gostar de garotos, tampouco. Que dormia com um dos seus melhores amigos e que ele era o seu garoto; o seu grande amor. Que ele baixara a guarda para o rapaz de sorriso gentil e ele, com os seus dedos delicados, penetrara-o enquanto era penetrado.

Então, subitamente, na mesa do jantar dos Blacks, Sirius começaria a rir, tentando tapar o seu rosto com o guardanapo. Não só o sexo de homens que penetravam ou de garotas que eram penetradas tinham poder. Mas também aquele que descia como uma enxurrada e destruía tudo o que se sabia e ia além até cada fibra, célula ou capilar, carregando destroços de um mundo monocromático e banal. Havia uma revolução acontecendo na Mui Antiga e Nobre Casa dos Black que se iniciara não somente quando os três amigos se beijaram no Lago, mas quando deitaram os olhos uns nos outros pela primeira vez. Os Blacks, na ocasião, pediriam a Sirius que se retirasse da mesa porque nenhum espaço daquela casa era um lugar reservado ao riso.

“Eu fui comido por um grifinório com sangue trouxa e gozei de verdade. Acho que sou uma mulherzinha no fim das contas, mas preciso experimentar outras vezes para ter certeza.” — diria o rapaz de olhos cinzentos, pegando o vinho da mesa e o levando para o seu quarto. Esse seria o início da guerra que, futuramente, Sirius viveria com os Blacks.

O rapaz de cabelos compridos investiu com mais força no outro rapaz, absorvendo aquela nova forma de sentir prazer. Com os olhos fechados, ele murmurava o nome de Remus e lhe beijava com desespero o pescoço, o rosto, a boca. Demoraram-se naquela descoberta.

Após um tempo, Sirius se afastou e, de joelhos, continuou penetrando o outro rapaz que, contorcendo-se, erguia os quadris para que o outro se movesse com ainda mais rapidez e força dentro dele. Estimulando o seu próprio membro e sentindo aquela represa se aproximar, Remus se moveu com uma impetuosidade feroz e gozou enquanto a sua voz, trêmula, implorava que o outro rapaz fizesse com ele mais rápido o verbo que começava com “f”.

Pouco depois, o rapaz de cabelos compridos sentiu o seu próprio gozo o torturar no seu corpo excitado pelos movimentos e gemidos de Remus. Sirius apertou os olhos, ergueu a cabeça e gozou dentro do outro rapaz, que reiniciava os seus movimentos de um modo lânguido, abrindo-se mais para o outro.

Após gozar, Sirius se demorou ainda dentro de Remus um pouco e usou a sua boca brevemente no sexo do outro rapaz porque aquela sensação após o entorpecimento do prazer era muito boa. Remus abraçou Sirius e sorriu do seu modo inocente. Ele não era um Maroto por acaso. Era um diabrete que todos confundiam com um adorável anjo.

“Você não é desse mundo, Remus.” — murmurou Sirius, beijando a linha das costas do outro rapaz. Seus lábios se demoravam em cada carícia que foi substituída por suas mãos.

O rapaz de cabelos castanhos, de olhos fechados, voltou a sorrir enquanto o seu corpo era beijado e tocado. Os dois se mantiveram abraçados e Remus entrelaçou os seus dedos nos de Sirius, fitando aqueles círculos dourados em suas mãos.

“Gostou dos meus dedos dentro de você?”

Sirius ruborizou um pouco.

“É, não foi tão ruim, principalmente quando eu tava dentro de você. Onde aprende essas coisas, Remus? Fez isso também com aquele monitor da Corvinal?”

Remus, com um rosto travesso, enrolou-se no lençol, caminhando até a sua mochila de viagem. De dentro dela, ele retirou algumas revistas que jogou sobre a cama. Sirius experimentou abrir uma delas e se deparou com fotos estáticas de dois homens fazendo sexo. Eram revistas trouxas de conteúdo erótico. O rapaz de cabelos compridos ergueu as sobrancelhas.

“Você anda lendo pornografia trouxa, lobinho? Achei que aquela revista bruxa que confiscou do sétimo ano fosse um caso à parte.”

 O rapaz de cabelos castanhos assentiu.

“A revista bruxa tinha algumas coisas interessantes, mas era voltada para garotos que ficam com garotas. Teve umas férias em que eu vi essas publicações vendendo numa seção reservada de uma livraria trouxa em Londres.” — Remus olhava com certa apreensão Sirius folheando o exemplar— “Me chamou a atenção o fato de que pareciam ser voltadas para garotos que gostam de garotos. Eu não conseguia parar de olhar porque não costumo ver coisas assim vendendo. Só que eu não podia comprar porque sou menor de idade. Então, fiz como você e o James me ensinaram a fazer para pegar comida escondido na cozinha de Hogwarts. Peguei sem que o vendedor percebesse e guardei as revistas sob o casaco. Mas comprei uma revista e um doce, dei dinheiro a mais para o vendedor e saí correndo sem esperar o troco porque não gosto de roubar.” 

“Um ladrão bem honesto, monitor Lupin.” — riu-se Sirius, se detendo em uma das imagens.

Remus se sentou novamente na cama.

“Uma vez, quando James tava contando sobre a ficada dele com uma garota no início do quarto ano, você me perguntou em quem eu pensava. As revistas me ajudaram a melhorar as imagens da minha mente.”

“Você é bem safado, Remus. Adoro saber dessas coisas erradas que faz escondido.”

Os dois rapazes olharam juntos a revista e Sirius constatou que as fotografias eram bem explícitas.

“É assim que sempre busca informação desse tipo?”

“Entre outros modos, sim.” — retorquiu Remus.

“Tem umas coisas aqui bem pesadas, garoto. Você gosta disso?”

“De algumas coisas, sim...”

“Você gosta de uma selvageria. Já percebi isso. Achei que era só a sua parte lobo, mas acho que você mesmo também gosta...”

“Gosto de carinho e romantismo também. Um pouco das duas coisas é bom. Você já pensou em me dar um tapa enquanto a gente estiver transando?”

Sirius olhou para os lados com estranheza.

“Não, Remus! Não bateria nunca em você e não vou fazer isso, antes que pense em me pedir. Pode se divertir com a pornografia trouxa, mas não ache que as coisas precisam ser assim, tudo bem? Eu não me sinto bem te machucando.”

“Mas você bate em minhas coxas e aperta o meu pescoço às vezes. Você também me morde e me arranha na lua cheia.”

“Mas eu não tenho vontade de bater no seu rosto. Não me pede isso, tá bom?”

“Você e o Potter eram selvagens também um com o outro?”

“Éramos meio brutos. James tem uma mão pesada e você sabe como eu sou.”

“Você já bateu no rosto dele?”

Sirius olhou o outro rapaz com incredulidade.

“Bater na cara de James Potter? Acho que ele ia me dar um soco se eu fizesse isso! Que fixação é essa em bater no rosto das pessoas, Remus? Devia ter batido na cara do Carlson ou do Olsen se tem tanta curiosidade.”

Sirius continuou olhando a revista e indagou um pouco sem jeito depois de pigarrear.

“Você era virgem mesmo quando nós três ficamos em Londres?”

Remus ergueu os olhos da revista, fitando Sirius.

“Era. Por quê?”

Sirius falou um pouco sem jeito.

“O James e eu ficamos um pouco surpresos pela sua desenvoltura quando você finalmente se soltou. O modo como você se mexeu quando eu e ele usamos nossos dedos em você...”

O menino de cabelos castanhos ruborizou ao falar com certo sarcasmo.

“Falaram de mim pelas costas no fim das contas, como faziam com as garotas. Eu não mentiria sobre algo assim pra vocês, mas fico lisonjeado por terem gostado da minha performance...”

Sirius baixou a cabeça um pouco envergonhado.

“Desculpa... Não falamos mal de você e nem ficamos contando vantagens. A gente só precisou conversar sobre o que aconteceu. O James nunca tinha entrado em nenhum garoto ou garota e você seria a primeira vez dele também. Ele disse que queria que fosse com você, mas que queria fazer direito. Acho que ele queria te impressionar. Que loucura seria, não é mesmo? A sua primeira vez seria comigo e a primeira vez dele seria com você.”

Remus permaneceu um tempo pensativo e o seu pé tocou o do outro rapaz.

Folheando a revista ainda, Sirius se deparou com uma imagem de dupla penetração entre três homens que já fora mencionada por Remus em seus devaneios no dia anterior quando se tocaram na Sala Comunal da Grifinória. O cenário havaiano ou californiano de uma praia paradisíaca evidenciava o enlace dos corpos sob o sol a pino. Os dois rapazes se olharam com uma compreensão mútua.

“Gosta disso, Remus?”

“Não sei... Mas nas fantasias é legal...”

“Se lembra do que conversamos ontem, não lembra?”

“Sim, é só fantasia, Sirius... Não tem por que se preocupar.”

“Certo...”

Fechando a revista e a deixando no canto, Sirius indagou ao outro rapaz, acariciando as suas coxas.

“Vamos voltar, então, para a realidade?”

Remus puxou Black sobre si, beijando-o com a sua paixão renovada. Ele mergulhou o rosto no pescoço do outro rapaz.  

Os dois garotos dormiram poucas horas antes do nascer do sol, sentindo-se extasiados pela intensidade e doçura das suas carícias. Banharam-se juntos e, na Casa dos Gritos ainda, trajaram os seus uniformes para que não precisassem subir até o dormitório da Escola. Os dois deram os nós das suas gravatas diante do espelho do banheiro após escovarem os dentes. Sirius fitou as mãos do rapaz de cabelos castanhos e uma lembrança o tomou.

“Não quer me ajudar com a minha gravata, lobinho...?”

Remus se dedicou ao nó da gravata de Sirius com aquele olhar concentrado e aquelas mãos delicadas. Sirius, por sua vez, fitou o rosto do outro rapaz do modo que o fitava sem perceber. Com uma entrega definitiva.

“Obrigado, meu amor.” — agradeceu o rapaz de cabelos compridos, beijando o rosto de Remus.

Os dois fizeram juntos o percurso do túnel de terra com as mãos dadas. Remus pedia que Sirius lhe fizesse perguntas sobre o conteúdo de Trato de Criaturas Mágicas, matéria sobre a qual teriam um simulado no primeiro tempo. Depois, formulou questões para Black, que respondeu às perguntas, aparentemente, sem muito esforço. Ao que tudo indicava, a profecia do onze se sustentaria. 

Os rapazes encontraram os seus amigos no Salão Principal e com eles, tomaram o café da manhã. Depois, seguiram para uma sala no segundo andar em que fizeram o simulado escrito de Trato de Criaturas Mágicas, sem dificuldades.

Na aula seguinte de História da Magia, no entanto, Sirius sentiu o sono da noite quase não dormida e colocou o livro diante do seu rosto para poder fechar os olhos. Remus se esforçava para não cochilar e, quando o Professor Binns saiu da sala por alguns minutos, ele pediu que o grifinório assumisse a turma. James chamou o amigo após algum tempo.

“Remmy, não estou encontrando os meus pergaminhos da última aula. Por acaso, não ficaram com você?”

Lupin, com o raciocínio um pouco lento, lembrou-se, batendo em sua testa.

“Estão comigo! Ia entregar pra você durante o café da manhã, mas me esqueci. Estão dentro do livro de Trato de Criaturas Mágicas. Pode pegar na minha mochila que tá perto de você. Obrigado, James, por tê-los me emprestado e desculpa por esquecer de devolvê-los.”

James se moveu até a carteira do amigo e abriu a sua mochila de viagem.

Apesar de estar abarrotada de coisas, a bolsa do rapaz se mantinha bem-organizada. James, com facilidade, encontrou o livro grande de Trato de Criaturas Mágicas de Remus. Tudo teria corrido bem se, quando o rapaz o puxasse, não viesse junto uma das revistas de Remus guardadas no fundo da mochila. James a olhou e arregalou os olhos quando se deparou com a capa.      

O rapaz, rapidamente, ia devolvê-la à mochila, mas se deteve alguns segundos, olhando ao redor. Sirius dormia debruçado sobre a sua carteira e Remus conversava com as Morganas sobre algum dado histórico que o professor havia deixado escrito no quadro negro. O resto da turma se mantinha dispersa, cochilando, conversando ou fazendo o dever proposto.

James tomou o cuidado de abrir a publicação dentro do livro de Trato de Criaturas Mágicas de Remus. As imagens o atordoaram um pouco. Folheando algumas poucas páginas, o rapaz de cabelos rebeldes viu os corpos de homens entrelaçados. As formas retas se misturavam num cenário de carícias e toques. James não sabia que existia literatura daquela forma no mundo trouxa.

“Encontrou, James?” — indagou Remus diante da mesa do professor Binns.

James se antecipou em fechar o livro, puxando os seus pergaminhos de dentro do exemplar. Com a mão pesada que se tornava leve quando era conveniente, o rapaz afanou a revista, misturando-a em seus manuscritos. Roubou-a com a mesma destreza com a qual havia ensinado Remus a roubar comida da cozinha de Hogwarts.

“Encontrei, Remus!”

Potter voltou para a sua carteira, guardando, sem que fosse notado, a revista trouxa do amigo em suas coisas. James olhou ao redor, vendo Remus com os olhos pesados de sono e Sirius, que estava praticamente desmaiado em sua mesa.

Em silêncio, ele voltou a escrever.

No fim do dia, quando Remus percebeu que uma de suas revistas havia desaparecido, ele alertou Sirius. Os dois a procuraram pelo dormitório, temendo que algum outro aluno ou professor tivessem a encontrado.

“Deve ter ficado na Casa dos Gritos, lobinho. Amanhã, podemos voltar lá e verificar...” — disse por fim, Black.

No entanto, no dia seguinte, a publicação reapareceu misteriosamente dentro do livro de Trato de Criaturas Mágicas do rapaz de cabelos castanhos.

“Não estava aqui ontem...”

“Lobinho, a gente tava morrendo de sono ontem e pode ser que não tenhamos visto direito. É melhor guardar junto das outras...” — tranquilizou-o Sirius.

Remus guardou a publicação na gaveta de sua escrivaninha, trancando-a com a chave.

O rapaz de cabelos castanhos permaneceu intrigado com o sumiço e reaparecimento da publicação por alguns dias, mas depois esqueceu o fato. Ele não percebeu, quando se sentou com Sirius diante de James na mesa da Sala Comunal da Grifinória naquela semana, que o amigo olhava de um rapaz para o outro como se quisesse perguntar algo. Ele mirava também o anel reluzindo na mão de Sirius semelhante ao que Remus usava preso em um cordão no pescoço. Black, no entanto, capturou algo no olhar do garoto.

“O que foi, Potter?”

Mexendo nos óculos e ruborizando um pouco, James retorquiu, baixando a cabeça.

“Nada não.”

Chapter 11: Flagellum

Summary:

A amizade entre Marotos e Morganas se aprofunda, assim como a proximidade de Sirius com Regulus e Olivia.
No entanto, algo parece espreitar os grifinórios e sonserinos por trás da aparente calmaria.

Chapter Text

https://www.youtube.com/watch?v=ZKPnp72Fkzk

 

Durante a semana, Sirius e Remus participaram da aula de Feitiços de Defesa oferecida ao primeiro ano pelo Professor de Defesa contra a Arte das Trevas. Lupin, como monitor, cumpria a sua função designada de bloquear os feitiços que ricocheteavam pela sala e Black orientava o grupo de sonserinos do qual tomava conta. Dessa vez, James havia sido arrastado junto.   

“Que bom que veio participar, senhor Potter! Pode trabalhar junto com Sirius Black. Sua habilidade com feitiços vai ser muito inspiradora para as crianças do primeiro ano. Fique à vontade, filho.” — lhe cumprimentou o professor.   

James foi apresentado às crianças sonserinas por Sirius e pode ver que os alunos tinham a Black como a um ídolo, pedindo ajuda ao rapaz para lidarem com os feitiços mais variados. Regulus, no entanto, se mostrou um pouco desconfiado com a introdução do outro grifinório ao grupo.   

Olivia Stone, por outro lado, que tinha um fascínio por Sirius e que se lembrava que James já havia a protegido também de Emily Davies e dos Doyles, puxou o rapaz de cabelos rebeldes para o meio dos outros alunos e lhe ofereceu caramelos que havia trazido em um potinho para a aula.  

“No seu primeiro ano, tinham também uns valentões que te azaravam de surpresa nos corredores?” — indagou a menina, puxando assunto com James no intervalo da atividade.   

  “Tinha, claro! Furunculus , o feitiço das pernas bambas e Confundus foram só alguns dos que me pegaram. Mas eu e os meus amigos não éramos fáceis e revidávamos um bocado também...”  

“Podiam ensinar uns feitiços de contra-ataque pra gente ao invés de só feitiços de defesa.” — comentou Regulus.   

Sirius e James trocaram um olhar. Os dois rapazes, normalmente, eram irresponsáveis, mas não tinham intenção de irem contra as ordens do professor de Defesa contra as Artes das Trevas. O primeiro ano era constituído por alunos muito pequenos e os dois não se sentiam impelidos a ensinarem os feitiços que conheciam, de forma imprudente, para crianças.     

“Sem essa, pirralho! Pede aos professores pra te ensinarem.”  

Um rapaz rechonchudo e sardento da Sonserina também se introduziu na conversa.   

“Pelo menos um feitiço pra desarmar esses bobocas que ficam cercando a gente ia ser útil. Um menino da nossa turma tentou o Expelliarmus , mas foi bloqueado e ainda, por cima, foi azarado. Arrancar a varinha da mão de um grandalhão já seria divertido.”  

James viu Remus cruzar o lado oposto da sala com a varinha em punho enquanto conversava com uma das monitoras da Lufa-Lufa. Aparentemente, um feitiço não fora bloqueado a tempo e abriu um buraco na parede. Os dois alunos o fechavam por meio de magia. O ocorrido lembrou algo ao rapaz de óculos.   

“Sirius, acho que não tem problema ensinarmos o Flagellum .”   

Black, empolgando-se com a lembrança afetiva do feitiço criado pelos Marotos no primeiro ano, redarguiu:   

“Nossa, havia me esquecido do Flagellum ! Naquele dia que Remus brigou com o Davos Doyle, ele o desarmou com o Flagellum !”  

Regulus franziu as sobrancelhas, estranhando o nome.   

Flagellum ? Nunca ouvi falar desse feitiço!”  

“Não poderia ter ouvido sobre ele, pirralho, porque foi criado por nós dois, pelo Remus e pelo Pettigrew. Consiste em você usar a sua varinha como se fosse um chicote para desarmar o oponente. É muito eficaz quando você é menor do que o seu adversário...”  

Olivia Stone arregalou os seus olhos.   

“E verdade que o monitor Lupin desarmou o Davos? Por favor, ensinem pra gente!”  

A menina tinha as mãos unidas diante do seu rosto e parecia animar os colegas, que se juntavam ao coro. Sirius e James trocaram um olhar divertido.   

“Não sei se é uma boa ideia, pessoal. O bruxo que recebe o feitiço fica marcado com um corte no pulso. Na época, era assim que identificávamos quais alunos azaravam e podíamos já nos armar contra eles antes que nos pegassem. Pelo menos os alunos que não eram bons em feitiços de cura ficavam com aquele corte por um bom tempo.”  

A fala de Sirius, em vez de dissuadir as crianças, parecia animá-las ainda mais. Em poucos segundos, os alunos pulavam ao redor dos garotos, pedindo Flagellum. O professor, os monitores e os outros alunos olhavam o grupo com curiosidade.   

“Tá bom, suas pestes! A gente pode ensinar pra vocês no fim da aula, mas se eu descobrir que estão azarando os colegas a esmo, conto tudo para o Professor Slughorn.”  

As crianças esperaram ansiosas o fim da atividade e quando ela terminou, Sirius chamou Remus para perto, consultando-o se a prática não tinha problema ou colocaria alguém em apuros.  

“Acho que vocês vão ter que praticar no pátio e demonstrem o feitiço para os alunos, treinando entre vocês. Não podem lançar feitiços de corte contra as crianças, ainda que estejam as ensinando. Fora isso, acho que não tem problema. É um saco mesmo ser azarado toda hora no primeiro ano.”  

“Vem com a gente, Remus! Você é a cavalaria se McGonagall quiser nos colocar em Detenção e pode ser que a gente precise da sua ajuda para bloquear feitiços.” — falou James, mexendo na armação de seus óculos enquanto as crianças ainda pulavam ao seu redor.   

Os três garotos, após dobrarem as mangas de seus uniformes, permaneceram no pátio e mostraram o feitiço que, de fato, era movido como um chicote. Sirius e James miravam não um ao outro, mas o chão e erguiam um pouco a varinha, quando o finalizavam. O feitiço, ricocheteando no piso, acertava o pulso do oponente armado, fazendo com que a varinha voasse da sua mão.   

“Maneiro!” — murmurou Regulus com a boca aberta.   

Quando Sirius e James já estavam com vários riscos vermelhos em seus pulsos desnudos e Remus já havia bloqueado um ou dois feitiços que haviam escapado, chegou a vez das crianças tentarem. Remus se ofereceu para que experimentassem com ele.   

A maioria dos sonserinos executou a tarefa com bastante habilidade e desarmou Remus sem problema. As mãos um pouco frouxas dos alunos e os movimentos rígidos eram corrigidos por James e Sirius que se mantinham ajoelhados ao lado deles. Olivia Stone, quando chegou a sua vez, hesitou diante do rapaz de cabelos castanhos.   

“Monitor Lupin, você é muito legal! Seu braço já tá todo cortado pelo feitiço dos outros alunos. Não quero feri-lo.”  

O rapaz sorriu.   

“Não se preocupe, Olivia! Eu, Sirius e James vamos fazer feitiços de cura para fechar esses machucados. Na hora do jantar, já estaremos sem nenhum arranhão. Pode mandar ver com o seu feitiço. Olha pra mim e pensa nos valentões que te azararam.”  

A menina, pedindo desculpa, mirou o chão e conseguiu desarmar Remus. Pediu desculpa também quando um dos alunos do primeiro ano da Sonserina saiu correndo e juntou a varinha do rapaz que caiu próxima ao freixo.   

“Muito bom!” — aplaudiu Remus com um novo ferimento em seu braço.   

Quando a atividade se encerrou, as crianças do primeiro ano, animadíssimas, aplaudiram os rapazes e os agradeceram muito. Rindo, elas se dirigiram para dentro da Escola aos tropeços, sacudindo as suas varinhas.  

 Sirius, com o seu braço bastante arranhado, deteve um pouco Regulus e Olivia.   

“Como estão as coisas com a Davies e os Doyles na Sonserina? Eles ainda estão enchendo o saco de vocês?”  

“Depois da punição que eles receberam, pararam de me perseguir completamente e os outros alunos pararam de me chamar de dedo duro...” — respondeu Olivia, fitando os garotos diante de si.   

“Comigo também não fizeram nada e o clima na Sonserina tá bem calmo. Não precisa se preocupar, Sirius.” — retorquiu Regulus.    

“Ótimo, pirralhos! Espero que estejam me falando a verdade. Me contem se fizerem qualquer coisa contra vocês.”  

“Sirius Black, o monitor Lupin e James Potter colocaram os Doyles e a Davies no devido lugar. Foram muito valentes e não tenho mais medo deles...” — e, enrubescendo, a menina acrescentou— “É por isso que as garotas da Escola gostam tanto de você, Sirius Black.”   

Regulus interveio.  

“Todos falam que você, Sirius, e você...” — disse o sonserino, apontando para James — “...criam muita confusão na Escola desde o primeiro ano. O pessoal tem vocês como descolados. O que faziam na época de vocês?”   

Sirius e James riram-se.   

“No Dia das Bruxas do primeiro ano, nós dois, Remus e Pettigrew nos fantasiamos de fantasmas e subimos no freixo, jogando balões d’água explosivos e bombas de bosta nos valentões do terceiro ano e do quinto ano.” — começou Sirius com um olhar nostálgico — “Os valentões do terceiro e do quinto ano acharam que estavam se atacando e os do sétimo tentaram apartá-los. No fim, foi uma guerra de valentões e até o Pirraça se juntou a nós pra ver a confusão.”  

James prosseguiu:  

 “No segundo ano, tentamos viajar de pé sobre o Trem Expresso de Hogwarts em movimento como se fosse uma vassoura, mas a bruxa do carrinho de doces nos impediu de viajar daquele modo ou de montar nas nossas vassouras para virmos voando para Hogwarts. No terceiro ano, a gente quase colocou fogo na sala de Feitiços, testando feitiços de fogo, que a gente ouviu falar sobre. No quarto ano, a gente fez um cabo de guerra sobre o Lago congelado, o gelo rachou e quase morremos de frio. Achamos que um dos sereianos se aborreceu com a nossa algazarra e espetou o gelo com o tridente. Essas foram as coisas mais inofensivas que aprontamos.”  

Sirius agora gargalhava.   

“Caramba! Vocês são impossíveis!” — admirou-se, Regulus.  

“Até você, monitor Lupin, subia no freixo e no Trem Expresso?” — indagou, Olivia.  

“É... Às vezes, sim...”   

“Remus adorava subir nas coisas.” — comentou Sirius com uma piscada maldosa, referindo-se à época em que praticavam beijo e o rapaz de cabelos castanhos, empolgava-se, subindo nos amigos.   

“Nesse freixo, bem lá no alto, tem as iniciais dos nossos nomes ainda. A gente se desafiou a subir na parte mais alta e deixar a nossa marca registrada lá em cima.” — comentou, James.   

Os dois sonserinos do primeiro ano olharam para o alto, fitando a copa da árvore, e, depois, trocaram um olhar cúmplice. Soltando uma risada, Regulus e Olivia dispararam em direção ao freixo, como se competissem quem chegaria primeiro ao seu tronco.  

“ESPEREM! VOLTEM AQUI!” — vociferou, Sirius, vendo as duas crianças alcançarem a árvore e se pendurarem nos galhos mais baixos — “PIRRALHOS!”   

Sem darem ouvidos a Sirius, Regulus e Olivia se propunham a escalar o freixo como dois macaquinhos.   

“Vamos lá!” — decidiu, James— “Não vão desistir fácil. Melhor ajudarmos para nenhum dos dois se machucar.”   

Remus revirou os olhos, sabendo que a confusão os alcançaria sempre e, acompanhando os dois amigos, com destreza, subiu também entre os galhos, dando suporte às crianças.   

Sirius e James, adiantando-se aos sonserinos, alcançavam os galhos mais altos e iam estendendo as mãos para ajudar a erguer Regulus e Olivia. Em um dado momento em que o sonserino havia escorregado, Remus usou a sua varinha para impedir que o garoto caísse no chão. Quando chegaram na parte mais alta dos galhos, Sirius apontou o local em meio às folhagens densas em que constava as iniciais rabiscadas no tronco JP, SB, RL e PP.  

O freixo, que, normalmente, era uma árvore com galhos finos, com a ajuda da magia e dos cuidados da Professora Sprout, tornara-se uma árvore robusta e imponente com uma constituição maciça. Olivia e Regulus, sentados no lado oposto sobre fortes galhos, com as suas varinhas, talhavam o OS e RAB na madeira.  

“Isso os obriga a serem amigos para sempre. Ninguém escala uma árvore dessas e escreve as iniciais com alguém se não quiser ter algo duradouro com essa pessoa.” — comentou Sirius, apoiando as suas costas no caule do freixo e a sua perna no galho. Ele espiou de relance Remus e James, que também se equilibravam.  

Olivia, que acabava de trabalhar em sua grafia com o olhar concentrado, moveu a sua varinha murmurando algo muito baixinho. Ela se manteve silenciosa, então, olhando a ponta de sua varinha fixamente e os garotos, por um instante, sentiram uma rajada de vento mais forte. Ela sorriu com o seu rosto sardento e disse:   

“Agora que nossos nomes estão gravados no freixo da Escola, seremos sempre amigos. Regulus até que é legal! No início, ele era meio mimado, mas até que se endireitou...”  

O sonserino ruborizou e redarguiu.   

“Eu não sou mimado!”   

“Não falei que é. Falei que era !”   

Sirius espiou o sol que se punha com raios alaranjados, incendiando as folhas vermelhas da árvore.  

“Sonserinos legais tem que ser amigos de sonserinos legais. Se, futuramente, quiserem namorar, vocês têm também a minha benção. A família Black tá precisando de pessoas legais.”   

Regulus ruborizou mais violentamente.   

“Olivia só repara nos famosos!”   

“Minha mãe diz que sou muito nova pra namorar.” — respondeu a garota com um tom rosado também sobre as suas sardas.   

“E ela tá certa! Mas é sempre bom manter as possibilidades em aberto. Conheci a pessoa de quem gosto com quase a idade de vocês dois!”   

Remus sorriu, fitando também o pôr- do- sol. Regulus falou, olhando Sirius e James.    

“O pessoal na minha Casa diz que vocês são dois mulherengos...”   

James riu-se. Regulus prosseguiu.  

“...Talvez eu também queira ser um.”  

Lupin e Potter não riram para não constrangerem o garoto. Black, no entanto, gargalhou com vontade.   

“A gente só imita o que é bom exemplo, pirralho! Nem eu e nem o Potter ficamos namorando mais assim por aí.  E você tá muito novo pra pensar nessas coisas. Trata de estudar, isso sim! Além do mais, é mais divertido passar o tempo com uma pessoa que se gosta de verdade e com quem você possa passar bastante tempo conversando. Vai por mim!”   

“Sirius Black tem mesmo uma namorada?” — questionou, Olivia.  

O rapaz ia responder, mas antes que falasse qualquer coisa, ouviu os gritos da Professora McGonagall, acompanhada do Professor Slughorn. Aparentemente, os dois davam um passeio pelo átrio antes do jantar.   

“SENHOR BLACK E SENHOR POTTER, DESÇAM JÁ DAÍ! ACHEI QUE TIVESSEM PARADO COM ESSE MAU HÁBITO DE SUBIREM NO FREIXO DA ESCOLA! AQUELE ALI É O SENHOR LUPIN?! SENHOR LUPIN! BATEU COM A CABEÇA E ESQUECEU DA SUA FUNÇÃO?”   

Slughorn, apoiando a mão espalmada sobre a vista, também se pronunciou.   

“O SENHOR BLACK DA MINHA CASA E A SENHORITA STONE, DESÇAM JÁ DAÍ TAMBÉM! SONSERINOS NÃO FICAM PENDURADOS EM ÁRVORES FEITO SEMINVISOS!”  

Os grifinórios e sonserinos desceram o freixo rapidamente e ouviram o sermão dos respectivos diretores das suas Casas.  

Quando os professores foram embora, as duas crianças, rindo, seguiram até a entrada da Escola, despedindo-se dos Marotos e apostando corrida para ver quem chegava primeiro na Sala Comunal da Sonserina, nas masmorras. Os três rapazes, então, começaram a remover os ferimentos dos seus braços com as suas varinhas.   

“Fiquei nostálgico agora com o primeiro ano. Não gostei da orelhada que levei de McGonagall, mas gostei de ver as nossas iniciais lá em cima e de treinar o Fragellus. ” — comentou Remus.   

“Nossa, Fragellus foi o primeiro feitiço que criamos juntos. Nessa época, nem sonhávamos que podíamos nos tornar Animagus e termos o nosso próprio mapa. Aliás, precisamos finalizar os feitiços dele. Precisamos assiná-lo também.”  

“Certo, Pontas! Preciso pensar em como vou assinar o meu nome.”  

“Com lobinho , ora essa!” — interveio Sirius.   

“Que dignidade eu vou ter, assinando o meu nome como lobinho ? Vou pensar num pseudônimo mais descolado, senhor Almofadinhas.”    

Na hora do jantar, Olivia Stone e Regulus Black, sem se importarem com as regras de cada aluno se sentar à mesa de sua respectiva Casa, acomodaram-se na área reservada aos estudantes da Grifinória. A menina sorriu, vendo os braços lisinhos de Sirius, Remus e James sem nenhuma sombra de arranhão.  

“Vocês são muito legais! Obrigada pela aula de hoje.” — falou Olivia, servindo-se de batatas assadas e salmão.   

As Morganas sorriram para as crianças que seguiam agora os seus amigos como um fã-clube leal.   

“Não tem de quê, pirralhos! Vocês poderiam ter vindo para a Grifinória, já que gostam da nossa mesa. Fiquei que nem um idiota, torcendo quando colocaram o Chapéu Seletor no Regulus pra ouvir, no final, que ele ia para a Sebosina . Precisavam ver a minha cara de bunda.” — falou Sirius, bebendo o seu suco de abóbora.    

“Sirius acha que na Sonserina só tem pessoas ruins, mas tem pessoas legais também.” — defendeu, Regulus, a sua Casa.   

Olivia também se pronunciou.   

“O Chapéu me indicou a Grifinória porque disse que eu podia ter grandes amizades, mas eu preferi a Sonserina, que foi a Casa dos meus pais e dos meus avós...”   

James indagou a garota.   

“Está feliz com a sua escolha?”   

“Apesar de tudo, sim. Eu gosto do caráter ambicioso da minha Casa. Faz sentido com o que quero me tornar.”   

“E o que você quer fazer quando terminar a Escola, Olivia?” — indagou Remus.   

“Quero ser Ministra da Magia.”   

Sirius sorriu.   

“É um bom objetivo! Vê se não esquece da gente quando estiver ocupando um alto cargo do Ministério, pirralha.”   

A menina, enrubescendo, respondeu:  

“Não vou me esquecer de você nunca, Sirius Black.”   

Regulus, vendo Sirius cortar a carne no prato, teve a sua atenção atraída para o anel de ouro e rubi reluzindo em seu dedo anular esquerdo.   

“Tá noivo?”   

Remus, que tomava a sua sopa, discretamente, puxou o cordão em que ele usava o seu anel de compromisso para dentro da gola do uniforme. Como o anel havia ficado grande em seu dedo, com medo de perdê-lo, o garoto o pendurou no pescoço. As Morganas não deixaram de notar o gesto do rapaz de cabelos castanhos e sorriram para ele. Fazia muito, elas sabiam do namoro de Remus com Sirius, mas com a discrição elegante que se instaurava no grupo, não faziam perguntas.   

“Praticamente.” — respondeu Sirius, não se estendendo no assunto.   

“Caraca, Sirius, e tu nem me apresentou a tua namorada ainda? Você vai levar ela lá em casa nas férias?” — protestou Regulus.   

“Em casa? Claro que não! Por que vou levar alguém que eu goste pra um inferno?”   

Olivia também o indagou.   

“De que Casa ela é?”   

“Da melhor!”   

Regulus fitou as Morganas.   

“Já sei! É uma de vocês!”   

Enquanto Lily sacudia a cabeça, Winnie respondeu, após respirar fundo:   

“Me interessaria pelo Black se ele fosse solteiro e eu não gostasse já de outra pessoa, mas a vida não quis assim e ele não vai ter essa honra...”   

Sirius riu-se com o comentário sincero da amiga.   

“Quem é essa garota então?”   

Black encerrou o assunto.   

“Uma hora você vai saber, pirralho.”   

“Esse anel é da mamãe?”   

“Não! Não quero nada daquela família. Eu mesmo o comprei em Hogsmeade.”   

Ao ser mencionado Hogsmeade, os Marotos e as Morganas se animaram, falando do próximo passeio no fim do mês, que fariam à cidade vizinha da Escola.   

“Nossa, mal vejo a hora de ir para o terceiro ano e poder passear por Hogsmeade...” — lamentou-se Olivia.   

“Tudo ao seu tempo! Estaremos no sétimo ano quando vocês estiverem no terceiro. A gente ainda consegue passear todos juntos.” — falou James.   

“Vai ser bem legal!” — riu-se a menina.   

Olivia fitou os alunos da sua Casa lhe lançarem um olhar de censura por estar enturmada na Casa da Grifinória e não sentada com os seus como era estabelecido durante as refeições. Depois, viu Emily Davies deixar o recinto acompanhada dos gêmeos Doyles. Lembrando-se de um fato, a menina comentou:  

“Eles foram proibidos de irem pra Hogsmeade de novo.”   

“Eles quem?” — indagou, Sirius.   

“Emily Davies e os irmãos Doyles...”   

O grupo de amigos fitou, instintivamente, os sonserinos, que, mantendo-se distantes, cruzavam o Grande Salão, indo embora.   

“O que houve?” — indagou James.   

“Parece que os Doyles puxaram briga com um colega da Corvinal numa aula e, pra completar, responderam torto ao professor. A Davies também se estranhou com o monitor Harington da Sonserina e, como eles já tão com muitas Detenções, o diretor vetou o passeio deles a Hogsmeade. Foi hoje isso. Fiquei sabendo no dormitório.”  

Remus ergueu as sobrancelhas.  

“Eles parecem que gostam de uma confusão. Pelo menos, não vamos ter que esbarrar com eles em Hogsmeade...”   

James percebeu que as Morganas se entreolharam, mas se mantiveram em silêncio. Minutos depois, Michael Carlson se aproximou da mesa da Grifinória. Sirius, achando que o rapaz vinha falar com Remus, franziu o cenho, mas o monitor, após cumprimentar a todos, dirigiu-se à Lily e à Parker.   

“Será que eu posso falar com vocês duas um minuto?”   

As meninas, imediatamente, levantaram-se da mesa e foram conversar em um canto reservado com Carlson.   

“Foi com ele que os Doyles brigaram. O monitor Carlson.” — comentou Regulus com desinteresse, servindo-se da sobremesa.  

O olhar de Sirius cruzou com o de James, que, até então, fitava Lily, Parker e Carlson falando aos cochichos em um canto. Depois, a prima de Carlson, Rebbeccca Liljeberg, que já havia sido namorada de Potter, também se juntou à conversa.   

Sirius se dirigiu à Winnie e à Raven.   

“Como começou a amizade do Carlson com a Evans e a Parker?”   

“Foi na época em que alguns colegas faziam bullying com a gente e o Carlson era muito legal. Sempre defendia os alunos mais novos.” — contou-lhe Winnie.  

James olhou rapidamente as meninas.   

“Mas vocês são amigas dele também?”   

Raven respondeu:  

“Amigas dele mesmo são a Lily e a Julian. No quarto ano, eles se tornaram muito próximos.”   

Os rapazes viram Evans e Parker, após algum tempo, voltarem para a mesa e, quietas, terminarem a sua refeição. Lily, que até então, mantinha-se incerta se poderia ir ao passeio de Hogsmeade ou não, confirmou a sua presença.   

Mais tarde, no dormitório, Black e Potter conversaram sobre a estranheza daqueles fatos diante de Remus, que se mantinha em silêncio. Os dois evocaram a lembrança de Sirius ter visto, no início do quinto ano, Lily conversando com Damon e James ter presenciado uma ameaça direta à garota feita pelo sonserino.   

Os olhos de Lupin, subitamente, tornaram-se fundos e ele cruzou os braços enquanto ouvia os amigos. Suas palavras foram firmes quando, finalmente, falou.   

“Acho que talvez tenham coisas que não seja bom você remexer, James. Já que gosta da Lily, espera ela se abrir com você...”   

Sirius e James fitaram o rosto do amigo que expressava gravidade.   

“Você sabe de alguma coisa, Remmy?” — indagou, Potter.   

“Eu sei de muitas coisas por causa da monitoria, mas não posso contar. Se o que te preocupa é saber se a Lily namorou ou tem algum relacionamento com o Damon, James, posso te dizer que não. Mas mais do que isso não compete a mim dizer ou a vocês investigarem. Tem um pouco de paciência com ela, tá bom...?”   

“Você faz tudo parecer bem grave, Remus...” — comentou Sirius, fumando na janela.   

Remus, de cabeça baixa, respondeu com uma expressão triste.  

“Eu estou sob juramento. Então, não me perguntem mais nada...”   

Remus se voltou para a sua escrivaninha onde concluía os deveres do dia seguinte e os dois garotos trocaram um olhar cúmplice. A paciência nunca havia sido o forte de Black e de Potter.  

 

Na sexta-feira, Remus e Sirius foram mais uma vez à Casa dos Gritos e permaneceram juntos novamente. Enquanto beijava a linha da coluna e as vértebras do rapaz de cabelos castanhos, Black murmurou em seu ouvido:   

“É bom podermos fazer em uma cama e não no chão do banheiro dos monitores... Gosto de poder dormir e acordar com você do meu lado...”  

O rapaz de cabelos castanhos, de olhos fechados, respondeu.   

“Também gosto disso...”  

Ruborizando um pouco, Black continuou.   

“É como se estivéssemos morando juntos...”  

Lupin ergueu os seus olhos amarelos para Sirius e, com um sorriso tímido nos lábios, respondeu:  

“Você disse ao seu irmão na mesa da Grifinória que está praticamente noivo.”  

Sirius escondeu um pouco o rosto vermelho no pescoço do outro rapaz.   

“A gente tem um compromisso, não é? Aliás, precisamos ir à joalheria de Hogsmeade mandar ajustar o seu anel.” — comentou Sirius, puxado o cordão de Remus e mirando a joia pendurada— “Fiquei surpreso por não tentar consertar o tamanho dele com algum feitiço...”  

“Tive medo de estragá-lo. Não estou muito familiarizado com os feitiços de ouro dos duendes. Acho que, na joalheria, serão mais cuidadosos.”  

Sirius se despiu da sua camisa e Remus viu o corpo tatuado de Black. Ele fitou o lobo em sua pele e o acariciou com as suas mãos delicadas.   

“Faz uma em mim?”  

Sirius franziu o cenho, voltando a beijar o pescoço do outro rapaz.   

“Achei que não quisesse rabiscar o seu corpo, ainda que fosse temporariamente...”  

“Só uma bem aqui...” — Remus abaixou o cós da calça do seu pijama e mostrou a sua virilha.   

“Não devia se deixar influenciar pelos outros.” — respondeu Sirius, se lembrando de Joshua Pride, exibindo o corvo tatuado em sua virilha no gramado da Escola e aborrecendo Remus.   

“Foda-se ele! Vou fazer por mim...”  

“O que vai querer então...?”  

Remus sorriu enquanto abraçava o outro rapaz e fitava as suas mãos espalmadas juntas.   

No dia seguinte, no sábado, quando Black e Lupin se preparavam para deixar a Casa dos Gritos, o rapaz de cabelos castanhos puxou novamente a sua calça para ver a pata de cachorro tatuada um pouco acima de sua cueca.   

“Não acredito que tive que virar Animagus só pra você tirar o molde da minha pata.” — suspirou Black.   

“Tem a sua assinatura também, Almofadinhas. Considere essa uma declaração de amor...”  

Sirius sorriu com o rosto um pouco vermelho. Remus fechou a calça e afivelou o seu cinto. Depois, colocou a mochila em suas costas, bocejando.   

“Acho que vou dormir um pouco antes de ir pra partida de Quadribol que marcamos com o pessoal. Tô quebrado...”  

Sirius massageou a nuca do outro rapaz enquanto abria a porta que levava ao túnel de terra. Depois, murmurou, fitando Remus dos pés à cabeça ao se recordar da noite intensa que tiveram.   

“É o que acontece quando você cisma de querer replicar quase todas as posições das suas revistas trouxas, Remus. Malfeito feito...”  

Mais tarde no mesmo dia, após descansar um pouco no dormitório, Lupin, trajando vestes de bruxo escuras, montou em sua vassoura e seguiu para o campo de Quadribol, que os amigos haviam reservado na diretoria para o amistoso de Marotos e Morganas. Logo quando chegou, o rapaz viu Black e Potter ensinando Parker e Lily a se equilibrarem de pé em suas vassouras entre gargalhadas. Dayal também havia sido convidado para atuar como goleiro em um dos times e conversava com Winnie.  A divisão entre as equipes havia sido estabelecida anteriormente.  

Sirius na artilharia, Pettigrew como batedor, Winnie como apanhadora e Raven como goleira formavam um time que trajava uniformes amarelos. Do lado oposto, James na artilharia, Lily como batedora, Parker como apanhadora e Dayal como goleiro, trajando vestes vermelhas, representavam o time adversário.    

Remus enumerou as regras do esporte de forma imparcial e, de dentro das caixas de madeira fechadas, soltou o pomo, os balaços e retirou a goles.   

“Por favor, não se matem!” — instruiu-lhes o rapaz de cabelos castanhos, apitando o início da partida.   

Sirius e James riram-se.   

Logo no começo do jogo, Lupin pode perceber que era sorte Black e Potter jogarem no mesmo time nas disputas da Grifinória com as outras Casas. Atuando durante o amistoso, como oponentes, os dois não tinham piedade em usar cotovelos, pernas, palavrões e trombadas para tomarem um a goles do outro. Durante vários momentos, Lupin teve que apitar falta de um sobre o outro.   

“Ele tentou me derrubar da vassoura, Remus!”  

“Vai se foder, Potter! Você deu uma cotovelada na minha cara!”  

Ou então:   

“Juiz, o Potter enfiou essa mão de trasgo na frente do meu olho e atrapalhou o meu lance. Foi falta mesmo!”   

“Mão de trasgo tem você que não pilota direito essa vassoura, Black! Chega perto de novo que eu te derrubo!”    

Pettigrew rebatia bem os balaços e Lily não era nem um pouco ruim. Mas em um momento, os dois trombaram e, embolados, caíram no chão. Felizmente, os grifinórios estavam a uma curta distância do solo. Com as mãos raladas e o rosto ferido, o rapaz vociferou para a garota enquanto se levantava.  

“Voa nessa vassoura direito, Evans!”  

  Lily, com a área dos joelhos rasgada pelo impacto no chão, enquanto montava em sua vassoura, gritou de volta para Pettigrew, apontando o seu bastão. 

“Olha você por onde anda!”  

 Raven e Dayal tinham os olhos fixos na goles junto aos aros, tentando prever ou defender os ataques de Sirius e de James. Alterados, os dois gritavam instruções de suas posições aos seus respectivos times. A garota usava uma vassoura reforçada sob medida que comportasse a sua altura e peso.   

Parker e Winnie sobrevoavam os gramados em busca do pomo dourado e, durante o jogo, esqueciam também de sua amizade e cumplicidade cotidiana.   

“Ai, Winnie! Você cortou a minha frente!”  

“Você que cortou a minha! Falta, merda!”  

Remus sentiu a hostilidade entre os times e estava feliz por ter optado pela posição neutra de juiz até que teve que marcar uma falta de Parker que, quando sobrevoava o estádio, esbarrou na goles lançada por James, facilitando a sua entrada no aro do gol. A anulação do ponto de Potter criou uma verdadeira confusão.  

“Você tá favorecendo o time do Black!” — interveio Parker.   

“Não estou. Apanhadores não podem fazer gol, Parker!”  

“Juiz ladrão!”  

“EU?!”  

Uma discussão se fez e Remus, sentindo-se um pouco arrependido de ter aceitado participar daquele jogo amistoso em que as amizades eram esquecidas, ergueu os braços e apitou. Declarando um breve intervalo, o rapaz aproveitou para tomar água. Do meio do campo, ele via James e Sirius, extremamente emocionados, coordenando as suas equipes como se estrategiassem um ataque. O orgulho grifinório não era algo que aqueles alunos deixavam de trajar mesmo numa partida entre amigos.   

A disputa foi reiniciada e o jogo se manteve equilibrado em pontuação. Mas, um quarto de hora depois, os dois times viram Winnie e Parker rolarem de suas vassouras no chão. As duas garotas brigavam ferozmente pelo pomo dourado.   

“SOLTA, JULIAN!”  

“SOLTA VOCÊ! EU PEGUEI PRIMEIRO!”  

Remus voou para perto e as equipes também.   

As duas meninas, com as suas mãos fechadas sobre o pomo dourado, brigavam de verdade e se empurravam. Lily e Raven tentaram intervir, separando-as, mas elas continuavam segurando o pomo.   

“Winnie, Julian, soltem o pomo dourado. Ele vai voltar para a mão de quem o tocou primeiro!” — interveio, Remus.   

  Com má vontade, as duas meninas soltaram o pomo dourado que se ergueu um tempo no ar e, após alguns segundos, voou para a mão de Julian Parker.  

Exultante, a menina começou a pular com o pomo na mão, sacudindo o seu rabo de cavalo volumoso preso de lado. Lily correu para abraçá-la junto de James e Dayal.   

Winnie xingou um palavrão bem feio e jogou, com raiva, a sua vassoura no chão. Ela foi acalmada por Raven que também olhava o outro time com desagrado.   

Sirius e Pettigrew levaram a mão ao rosto como se tivessem perdido o Campeonato Mundial de Quadribol e as suas carreiras tivessem sofrido um revés trágico.    

Remus achou assustadora a forma como todos levaram aquele jogo a sério e na hora que pediu para todos apertarem as mãos, viu Black e Potter parecendo querer quebrar os dedos um do outro.   

“Vai ter volta, Potter!”  

“Nosso time jogou melhor, Black. Reconheça!”  

Apesar da inquestionável animosidade, quando depois todos se reuniram no gramado para tomarem uma cerveja amanteigada juntos, o estresse começou a se dissipar. Pouco a pouco, os amigos voltaram a se falar e uma hora mais tarde, já riam e se dirigiam uns aos outros como costumavam conversar.   

O resultado da partida já era aceito melhor por todos, com exceção de Winnie, que, talvez, sentindo-se responsável pela perda do seu time, tinha os olhos ainda vermelhos e permanecia muito quieta.   

“Não é tão ruim assim, Rivers. Podemos ganhar deles em outra oportunidade.” — tranquilizou-a Sirius— “Achei assustadora a forma como você derrubou a Parker e sei que deu tudo de si.”   

A menina se forçou a sorrir e olhou de relance para Dayal, que conversava com Raven.   

Remus murmurou próximo a Sirius.    

“Acho que a Winnie tá chateada porque ela queria impressionar o Dayal...”   

O rapaz de cabelos compridos fitou a amiga que, com as mãos no rosto, parecia muito amuada. Black cutucou Potter e cochichou:   

“Ainda tô devendo uma para as Morganas por tudo o que fizeram pela gente quando Remus tomou aquela poção. Sem a Winnie, não teríamos resolvido o mistério do feitiço de Animagus. Hora de começar a agradecer aos bons.”   

Na hora de voltarem para dentro da Escola, Sirius pediu que Dayal permanecesse um tempo para falarem do próximo jogo da Grifinória. James, vendo que Lily mancava um pouco devido à trombada que dera em Pettigrew, ofereceu-se para acompanhá-la até a enfermaria.   

“Tá tudo bem, James. Não precisa se preocupar. Vemos todos vocês na hora do jantar?”   

Os rapazes assentiram, observando as garotas caminharem pelo gramado. Winnie ainda estava de cabeça baixa e Lily tentava animá-la.  

Sirius se dirigiu então ao capitão do seu time.   

“Tenho uma amiga interessada em você. Mais do que interessada. Ela gosta de você há um tempo.”  

Dayal voltou a olhar o grupo que se afastava e indagou:     

“É a Rivers?”  

“É. Mas ela é nossa amiga e tá te levando à sério. Se você tá querendo só se divertir e passar um tempo, não é disso que se trata. Você tem interesse nela também?”  

O rapaz ruborizou um pouco.   

“Ela é bem legal. É muito bonita e é meio atrevida, sincera com as palavras...”  

James acendeu um cigarro.   

“Devia chamá-la pra fazer alguma coisa, Dayal.”  

O rapaz fitou o outro, abanando o ar com as mãos.  

“Caramba, Potter! Ainda tá fumando? Eu não falei que, como atleta, você devia parar com esses cigarros? Eles são proibidos na Escola!”  

O rapaz de cabelos rebeldes fez um gesto como se não tivesse escolha.   

“É muita tensão pra um homem de quinze anos ir bem nas matérias e jogar bem no time da Grifinória, Dayal! Ou é o cigarro ou é um Patrono todos os dias. Não sei fazer um Patrono!”      

Dayal sacudiu a cabeça e James retomou o outro assunto.   

“...Você tá saindo com alguém?”  

“Não... Estou totalmente solteiro. E eu prefiro namorar sério.”  

“Vai na fé. Winnie ficaria feliz se a convidasse pra sair. Mas ela gosta de você de verdade. Não vai dar esperança pra ela se não tiver certeza de que quer conhecê-la melhor.”  

Remus sorriu, vendo os amigos colocarem pilha em Dayal. Os dois rapazes reforçaram as qualidades de Winnie e, quando Dayal rumou para o interior do Castelo, Sirius e James bateram as palmas das suas mãos em um cumprimento cúmplice.   

“Dayal é um pouco tímido. Se a gente não desse um empurrão, ele ia chamar a Winnie daqui a uns dez anos pra sair.” — comentou Sirius, vendo o capitão do seu time se afastar.   

Pettigrew, que até então, mantinha-se em silêncio, indagou com as mãos apoiadas no seu rosto.   

“A Winnie bate quase na minha cintura. Como é que o Dayal vai beijar ela?”  

“A não ser que você esteja também interessado na Winnie, isso não é da sua conta, Pettigrew.” — respondeu Remus um pouco chateado com o comentário do outro rapaz— “Existem casamentos e uniões entre bruxos e duendes desde que o mundo bruxo começou a existir. Se Dayal se ajoelhar ou erguer a Winnie nos braços, eles podem se beijar como qualquer casal.”   

Pettigrew retorquiu com um argumento contrariado que os amigos não conseguiram ouvir muito bem. Depois, falou:  

“Sacanagem é vocês botarem pilha no Dayal pra ficar com a Rivers e não terem movido uma palha pra me ajudar com a Parker.”  

James se defendeu.   

“Cara, eu falei com ela e ela disse não ! Não pode obrigar as pessoas a quererem ficar com você!”  

Sirius também interveio.  

“Ajudaria muito, senhor Pettigrew, se você não tentasse forçar um beijo quando ela tava distraindo os alunos para não nos verem saindo escondido da Escola na vez em que o Remus passou mal com aquela poção. Ela achou a sua atitude corajosa de segurar o Remus e de ajudar no plano, mas se decepcionou com esse seu jeito de tarado! Devia, no mínimo, pedir perdão.”  

O rapaz redarguiu, atirando uma pedrinha longe:  

“Eu me empolguei com a ideia de ser namorado dela!”  

James prosseguiu.   

“Seria bom também dar fim aos boatos de que você, a Parker e a Raven tiveram um caso. Vi você alimentando as fofocas em vez de tentar acabar com elas. Você sabe que não é verdade.”  

“Mas Hogwarts adora uma fofoca! Aliás, falando em fofoca, duas garotas do sexto ano vieram me perguntar com quem o Black tava namorando. Elas viram o anel.”  

O rapaz de cabelos compridos franziu o cenho.   

“E o que você respondeu?”  

“Eu disse que era só um anel de família, mas não sei se elas acreditaram, não. Soube que tinha umas meninas quebrando a cabeça pra saber quem era a princesa de Hogwarts. Chega a ser engraçado. Tanto mistério e tantas apostas pra se descobrir quem é a gostosona que virou a cabeça do Black pra no fim ser... tchararam , o Remus...” — Pettigrew moveu as suas mãos teatralmente, apontando para o rapaz de cabelos castanhos, revirando os olhos e usando um tom zombeteiro ao falar o seu nome.   

  Lupin ergueu uma sobrancelha.   

“Legal saber da moral que você me dá...”  

“Sem ofensas, mas tanta garota bonita nessa Escola, meu amigo... E rica!”  

Sirius interferiu com irritação na voz.   

“Ei, vou relevar só porque você não gosta de garotos, mas já falou besteira o suficiente por hoje, Pettigrew! Existe um limite mesmo pra você.”  

O rapaz se moveu com desconforto em seu lugar e não conseguiu se manter muito tempo calado.   

“Vocês trepam de verdade?”  

Remus enrubesceu e Sirius respondeu, parecendo cada vez mais irritado.   

“Não, Pettigrew, a gente joga xadrez toda a noite.”  

“E é bom?”  

“É tão ruim que não consigo parar de jogar xadrez...”  

“Você e o Potter também trepavam?”   

James expeliu um pouco de fumaça na direção de Pettigrew propositadamente.  

“Não, Pettigrew, a gente fazia duelo de varinhas. Agora, para de me perguntar sobre a nossa vida, tá bom?”  

O rapaz assentiu com a cabeça e fitou Remus quando lhe ocorreu algo.   

“Como vai apresentar o Remus à tua família, Black? Teu irmão uma hora vai descobrir...”   

“Não vou apresentar. Se eu pudesse, até eu me desapresentava deles. Os Blacks não têm que participar das minhas escolhas. Quando eu me formar na Escola, vou fazer da minha vida o que bem entender e eles não vão achar nem o meu rastro.”  

“Mas eles têm aquela obsessão com sangue puro em que obrigam todos a se casarem só com sangue-puros, não é mesmo? Tem até aquele lema no brasão da tua família... Tuju Tuju... ”   

Toujours pur é o que tá escrito no brasão cafona da minha família. Mas não vou me casar com nenhuma purista soberba. Para o inferno com o Toujours pur deles porque os Blacks não valem muita coisa, apesar de se acharem muito importantes. O lema deles deveria ser Toujours putain , isso sim!”   

Remus e James riram com o trocadilho do brasão dos Blacks feito por Sirius. Pettigrew não entendeu de primeira o sentido das palavras e Sirius teve que explicar o seu significado. Ele permaneceu um tempo em silêncio e, depois, voltou-se para os amigos como se lembrasse de algo.   

“Teve um garoto do sexto ano que também perguntou se o Sirius tava noivo. Da Corvinal e monitor...”  

Os três rapazes trocaram um olhar e Remus retrucou com raiva.   

“Loiro e oferecido? Deve ser o Pride!”  

“Acho que era esse mesmo o nome dele! Eu disse que não sabia de nada. Daí, ele perguntou se o Potter tava com alguém...”  

Ao ouvir o seu nome, o rapaz de óculos moveu o seu rosto.   

“Eu?”  

“É. Você.”  

“E o que você disse?”  

“Disse que você tava livre feito um passarinho. Tinha que dizer outra coisa?”  

Remus fechou os olhos e respirou fundo como se contasse até dez. Sirius acendeu também um cigarro. James franziu as sobrancelhas, olhando a guimba de seu cigarro ser consumida pelo fogo.    

“Tanto faz...”  

Pettigrew anunciou, finalmente, que ia entrar no Castelo para tomar um banho antes do jantar. Seu rosto e mãos ainda estavam ralados e sujos da poeira do chão devido ao encontrão que ele dera em Lily. Os outros três amigos permaneceram sentados, olhando o sol se pôr. Remus comentou então:   

“Os garotos de Hogwarts que gostam de meninos descobriram vocês. Antes, aquelas garotas todas com quem ficavam afugentavam qualquer investida, mas agora que vocês pararam de ficar com elas, os garotos estão sondando vocês, tentando se aproximar.”   

Sirius franziu o cenho.   

“Como sabe disso?”  

Remus deu de ombros.   

“Pra mim, é óbvio. Acho que algumas coisas também são energéticas e o Pride deve ter sentido algo em vocês dois...”   

Sirius falou com deboche.   

“Fala como se tivesse iniciado a temporada de caça, Remus. E aliás, acho que o tal do Pride gostou foi é do Potter.”  

James, que estava deitado com as mãos apoiadas sob a sua nuca, redarguiu:   

“Mas eu gosto muito de garotas, Sirius. Muito mesmo. Na verdade, os únicos garotos com quem tive vontade de ficar até agora foi com você e o Remus. A gente sempre foi muito amigo e rolou. Mas eu não sei se me meteria com outro garoto e faria aquelas coisas todas que garotos que gostam de garotos fazem...”   

Remus ergueu as sobrancelhas.   

“Que coisas?”   

James, com o rosto um pouco vermelho, começou a rir.   

“Aquelas coisas da revista trouxa que você lê!”   

Remus cruzou o olhar com o de Sirius e, após um tempo em que processou a informação, deu um tapa de leve na perna de James.   

“Foi você que sumiu com a revista! Tem ideia de como reviramos o dormitório com medo de que o Filch, algum outro aluno ou um dos professores a achasse? Deu um baita trabalho pra eu conseguir ela! E Marotos não roubam entre si! Cadê os seus princípios?!”  

James ainda ria.   

“Foi mal, Remus! Eu só tomei emprestado quando peguei os meus pergaminhos na sua mochila. Fiquei com curiosidade em dar uma olhada. Devolvi ela no dia seguinte.”   

Remus sacudiu a cabeça com ar de censura.   

“Podia ter me pedido emprestado em vez de me colocar maluco.”  

“Tentei ser rápido. Achei que nem perceberia.”  

“E o que achou, Potter?” — indagou Sirius, erguendo os seus olhos cinzentos.   

James expeliu a fumaça do cigarro um pouco pensativo.   

“Algumas coisas são interessantes, mas tem umas coisas muito pesadas lá. Sei lá, Remus, você curte aquela selvageria toda?”   

O rapaz de cabelos castanhos ruborizou um pouco.   

“Às vezes, sim...”   

James ergueu as sobrancelhas antes de expelir a fumaça.   

“Você tem um lado bem ousado então. E tudo que tá ali, dá pra se fazer? Aquela coisa que aqueles três homens estavam fazendo? Sabe... ao mesmo tempo?”   

Remus e Sirius trocaram um olhar tácito. O rapaz de cabelos castanhos respondeu de modo vago.   

“Não sei, James. Creio que sim. É uma revista trouxa e nada ali é feito com a ajuda de magia.”   

Remus continuou fitando Potter e ensaiava perguntar algo, mas Sirius se adiantou do seu modo direto e brusco.   

“Afinal, você ficou de pau duro vendo a revista, Potter?”   

James se manteve um tempo em silêncio antes de responder.   

“Fiquei...”   

Sirius assentiu e prosseguiu.   

“Fica também quando vê revistas com garotas.”   

“Uhum... Isso me deixa bem confuso às vezes.”   

Remus cruzou os braços antes de falar, ajeitando-se um pouco mais no gramado.   

“Você pode ser como o Sirius, James. Pode ser que goste de garotos e garotas. Tudo bem gostar mais de um do que do outro, mas não precisa fechar a porta pra nenhum lado.”   

James se sentou no gramado, fitando os amigos. Ele se sentiu impelido a falar da sua confusão.   

“Mas como vai ser quando eu namorar alguém?”   

Sirius deu de ombros.   

“Você vai estar apaixonado pela pessoa e vai querer ficar com ela. Eu não fico pensando em garotas quando eu tô com o Remus. Gostar das duas coisas não faz de você alguém promíscuo.”   

James permaneceu um tempo pensativo.   

“A Lily sabe que eu namorei o Black. Ela me disse isso uma vez na Torre do Relógio.”   

Remus e Sirius se olharam com algum choque.   

“Ela viu vocês?”  

“Não sei, Remus, mas se eu descobrir que alguém foi fofocar no ouvido dela, vai se ver comigo.” — James remanchou um pouco e atirou longe uma pedrinha do gramado — “Eu gosto da Lily, mas ela não deixa me aproximar e isso me deixa doido. Mas, ao mesmo tempo, não posso negar o que senti com vocês dois. Eu gostei de verdade de ficar com vocês dois, sabem...? Na verdade, eu gostei pra cacete.”   

Remus assentiu, ruborizando um pouco.   

Eu sei. E lembro de como você ficou.”   

Sirius riu-se.  

“A gente também curtiu, Potter. Não faz nem ideia. Desculpa cortar o barato naquele dia, ficando fora de mim.”  

Remus, lembrando-se da ocasião, sacudiu o rosto, tentando se focar na conversa. James Potter estava interessado em Lily Evans e o rapaz de cabelos castanhos havia se comprometido a ser responsável com os sentimentos do amigo, não rodeando mais assuntos passados. Apesar disso, James prosseguia.  

“Desculpa perguntar isso, Remus, mas você era virgem mesmo quando esteve com a gente?”   

Remus respondeu, revirando os olhos.  

“Era.”   

James ergueu as sobrancelhas.   

“Caramba... Outra curiosidade, quando você deu o fora no Carlson, contou tudo pra ele? Contou que nós três...?”   

Remus sacudiu a cabeça com o rosto vermelho.   

“Não! Contei só que tinha ficado com o Sirius. Não pude contar a história completa! Como que se conta isso? Bom dia, Mike, vamos terminar porque me peguei com os meus dois melhores amigos ao mesmo tempo enquanto você me pedia um tempo! Eu me senti muito culpado na época, mas pelo menos quando dormi com o Michael pela primeira vez, eu era virgem. Então, pelo menos ele teve essa parte minha...”   

James abafou uma risada enquanto Sirius sacudiu a cabeça.   

“Como você é hipócrita, Remus! Fez o diabo com nós dois e deixou o gran finale como prêmio de consolação para o Carlson. Enlouqueceu nós três de uma só vez com essa pose de rapazinho sem experiência e caiu de boca em mim e no Potter como se o mundo fosse acabar. Carlson deve ter tido as dúvidas dele também quando viu o furacão que você era entre quatro paredes. A não ser que você tenha sido mais comportado com ele ou ele não tenha acertado os pontos certos em você...”   

Remus pareceu um pouco desconcertado. Ele viu Black e Potter, de um modo bem discreto e talvez sem nem mesmo se darem conta, fitarem-no dos pés à cabeça. Ele se lembrou, sem que conseguisse evitar, de quando tirou a roupa na frente dos dois e sentiu a empolgação e desejo engavetados dentro de si virem à tona. Os três garotos haviam evoluído por se proporem a falar daquelas coisas, passada a necessidade de se sustentar aquele voto de silêncio bobo. Mas, talvez, os três nunca pudessem conversar sobre o assunto sem que ele os impactasse de alguma forma, ainda que caminhassem por terrenos mais firmes.   

“Eu não planejei trair. Aconteceu. Mas vamos voltar ao assunto do James.  Era sobre isso que estávamos falando.”  

Sirius assentiu, passando o cigarro ao garoto de cabelos castanhos.   

“Fica tranquilo, Potter. Você é igual a mim. Eu também gosto de garotas e garotos e Remus sabe disso. Mas não é um problema entre a gente porque o que a gente tem é muito sério e o amor dá um foco, um direcionamento pra gente. Tenho certeza de que se a Lily for a pessoa certa, vai te entender em algum momento.”   

James, pensativo, assentiu.   

“Vocês são bons amigos. Obrigado pelo que falaram. Isso tava pesando em mim há um tempo e é bom poder me abrir.”   

“Sempre que precisar falar disso com alguém, pode falar com a gente. Somos amigos, cara, e a gente pode ser sincero um com o outro.”  

Sirius deitou a cabeça no colo de Remus e deixou que o rapaz acariciasse seus cabelos. Os grifinórios conversaram mais um pouco e, quando o sol se pôs totalmente e as primeiras estrelas despontaram no céu entre farrapos de nuvens, os três entraram no Castelo com as suas personas de garotos de quinze e dezesseis anos que não tinham um universo se formando dentro de si e que não falavam de assuntos vitais.   

Eles se depararam com Winnie cercada pelas Morganas na Sala Comunal da Grifinória. A menina gritou quando viu os amigos cruzarem o quadro da Mulher Gorda e correu na direção deles. Dayal, finalmente, havia a convidado para sair no dia do passeio a Hogsmeade. Winnie se pendurou no pescoço dos garotos que, ajoelhados, recebiam beijos nas bochechas.   

“Pettigrew contou o que fizeram por mim! Obrigada, obrigada, obrigada!”    

Mais tarde, quando os Marotos se recordassem daqueles dias agradáveis e ensolarados em que tudo parecia calmo, sentiriam saudades. Afinal, uma sombra escura espreitava atrás do ombro dos dias claros, anunciando a intempérie de uma vida. Após isso, tudo começaria a desmoronar.   

Chapter 12: Magia Negra

Summary:

Sirius mostra para os seus amigos uma das magias negras praticadas por sua mãe.
Entrementes, um acidente trágico se abate sobre Hogwarts.

Chapter Text

 

https://www.youtube.com/watch?v=0n4ULyogK9g

 

Entre aulas, simulados, hormônios ocupando a mente e conversas, o fim do mês chegou. Os dias, apesar de tornaram-se gradualmente mais frios, contavam sempre com um raio de sol que despontava durante a manhã e se sustentava até o fim da tarde. As árvores da Escola se tingiram totalmente de vermelho e uma neblina na primeira hora da manhã podia ser vista sobre os gramados quando Remus e Sirius, de mãos dadas, voltavam para a Escola da passagem secreta do Salgueiro Lutador.  

O dia do passeio a Hogsmeade veio, como sempre, naquele final de semana, trazendo uma promessa de diversão para os alunos do terceiro ao sétimo ano de Hogwarts. Os Marotos e as Morganas, como de costume, encontraram-se durante o café da manhã e planejavam passar o dia juntos, com exceção de Winnie, que passearia pela cidadezinha ao lado de Dayal.  

  A menina, nervosa, durante a manhã, mal havia tocado em seu suco de abóbora.  

“Não consegui nem dormir...” — comentou ela, se forçando a comer uma colherada do mingau.  

“Normal.” — respondeu Remus, sorrindo. 

Dirigindo-se às amigas, a menina disse:  

“Morganas, não esqueçam do feitiço...” 

Lily, Parker e Raven trocaram um olhar significativo e, tentando tranquilizar a amiga, colocaram-se de pé.  

“Melhor fazermos antes que o Dayal chegue. Vamos...” — decidiu Raven.  

Lily soltou o rabo de cavalo de Winnie e deslizou os seus dedos pelas madeixas loiras e sedosas da garota. Cada Morgana tomou em suas mãos uma fina mecha do cabelo de Winnie e enquanto murmuravam feitiços, começaram a trançar os fios com dedos ágeis. Black, Lupin, Potter e Pettigrew olhavam a cena com curiosidade. Entre os encantamentos, conseguiram entreouvir: 

“Vida longa ao amor; prendo o bem em minhas ações e palavras; que aconteça conforme o destino das duas almas; uma linha vermelha nunca se rompe; o sagrado feminino diviniza o ser; vida longa ao amor que se entrelaça como esses fios...”  

Os garotos pestanejaram diante daquele feitiço de garotas que parecia revestido de mistério e os excluía totalmente. No fim, as três meninas prenderam as tranças com fitas e beijaram a cabeça de Winnie, que, surpreendentemente, exibia um semblante mais confiante.  

“O que fizeram?” — indagou James.  

“Magia anciã.” 

“Fizeram trabalho pra prender o Dayal, suas bruxonas?” — indagou Pettigrew com um tom de sarcasmo.  

“Não. Só para convocar o amor para o encontro e todas as energias do bem. É um feitiço ligado ao amor puro e como todo feitiço de amor verdadeiro, ele liberta ao invés de prender...” — explicou-lhes Raven.  

Remus assentiu com a cabeça.  

“Minha mãe faz uns feitiços assim antes de eu voltar pra Escola todo ano...” 

Sirius se lembrou da senhora Lupin trançando o seu cabelo certa vez e murmurando palavras benéficas de proteção antes de ele subir no Expresso. Sorrindo, ele se recordou com carinho do gesto maternal.  

“Feitiços fora do escopo escolar são divertidos. Minha irmã fazia um feitiço para eu nunca cair da vassoura quando tava voando pra longe. Ela tinha três cerdas da minha vassoura que ela guardava numa caixa e assoprava sempre quando eu saía. Numa vez, eu trombei num prédio, mas saí sem nenhum arranhão e não escorreguei da vassoura.” 

“Não sabia que tinha uma irmã, James...” 

O rapaz de cabelos rebeldes sacudiu a cabeça e se corrigiu.  

“Desculpa, Parker. É a minha mãe...” 

Sirius, após um tempo pensativo em que ouvia a conversa dos amigos, riu-se e, diante do olhar curioso dos outros, levou um guardanapo ao rosto.  

“O que foi, Black?” — indagou Raven.  

O rapaz, rindo sozinho, demorou um tempo para se recompor e conseguir falar.  

“É que todos vocês são boas pessoas e os feitiços das Morganas e das mães do Remus e do James são todos feitiços do bem. Mas a minha família, como sabem, não vale um nuque e Walburga, quando tava com raiva de alguém, usava um feitiço de magia negra antigo. O pior é que, na época, eu era criança, a ajudava a fazer e dava risada com ela sem entender a gravidade dessa merda...” 

Sirius voltou a rir, literalmente batendo na mesa, e James ergueu uma sobrancelha.  

“Isso é engraçado, Black?” 

“Desculpem...” — respondeu o garoto, gargalhando finalmente. 

“Dá até vontade de ver...” — comentou Pettigrew.  

“Não, Pettigrew. É proibido na Escola...” — interferiu Remus.  

As gargalhadas de Sirius eram contagiosas. As Morganas riam e James retirou os óculos, apertando os olhos. Levando a mão ao rosto e, entre risadas, o rapaz também se rendia ao humor.  

“Faz logo essa merda pra gente ver, Sirius, mas tenta ser discreto. Detenção hoje era só o que nos faltava...” — decretou Potter.  

Remus e Parker se mantinham sérios, mas havia uma curiosidade também em seus semblantes.  

Sirius puxou para perto de si a bandeja prateada com cerejas que haviam sido servidas no café da manhã e começou a mastigar as frutinhas vermelhas. Puxando o seu prato para mais perto também, ele ordenou ainda mastigando:  

“Escolham alguém que detestam...” 

“Como assim, Sirius? A gente não detesta ninguém...” — contestou Remus.  

“Fale por você.” — respondeu Sirius, fitando a figura de Peter Olsen se levantando da mesa da Grifinória — “Pensem no nome e no rosto do Olsen...” 

O grupo de amigos seguiu o rapaz com o olhar e ouviram Sirius resmungar:  

“Ódio por você ter envenenado o Remus...”   

Logo após dizer essas palavras, o rapaz de cabelos compridos, tapando parte do seu rosto com o guardanapo, deu uma cusparada forte com as cerejas da sua boca no prato diante de si. Imediatamente, Olsen se deteve no meio do Grande Salão, levando a mão ao estômago. Tentando tapar a boca com as mãos, o rapaz vomitou um lago de cerejas no chão.  

“Ódio por você ter me feito sofrer...”  

Sirius deu outra cusparada e o grifinório voltou a se dobrar sobre os seus joelhos, vomitando sobre os sapatos de Filch, que viera perguntar se ele estava bem.  

“Ódio por você ter tentado controlar o Remus...”  

Sirius cuspiu outra porção de cerejas que havia levado à boca.  

Olsen, que tentava ficar de pé, perdendo o equilíbrio, vomitou com uma renovada força sobre a mesa da Sonserina. Os alunos pularam para trás. A Professora McGonagall se adiantou até o rapaz, que parecia tentar recuperar o ar dos seus pulmões, sem conseguir.  

“O que houve com você, senhor Olsen?” 

Sirius ia cuspir mais uma vez, mas Remus, com uma expressão severa, interveio:  

“Já chega, Sirius!” 

O rapaz de cabelos compridos, que ostentava um sorriso estranho no rosto, parecendo recuperar a sua consciência, cuspiu no guardanapo as outras cerejas que tinha em sua boca e permaneceu muito quieto. Pettigrew levou a mão à testa.  

“Caramba, é Magia Negra mesmo!” 

James não censuraria Sirius diante dos outros, mas não conseguiu encontrar a graça que o amigo havia visto na situação. Potter já dera um soco em Olsen anteriormente, e, de fato, não conseguia se esquecer facilmente do risco no qual o grifinório colocou a vida de Remus. Mas o rapaz, cumprindo o que prometera a Lupin, mantinha-se afastado sem nem ousar lhe dirigir a palavra e havia sido duramente penalizado pela Escola. Conforme Remus havia sinalizado, talvez já fosse o suficiente.  

Olsen, envergonhado, após vomitar todo o líquido e sólido do seu estômago, era ajudado pela Professora McGonagall e alguns colegas a ficar de pé. Seu rosto estava branco feito papel e ele parecia prestes a desmaiar. Com a sua varinha, um dos bruxos encarregados da limpeza arrumava a sujeira deixada no chão do Grande Salão e na mesa da Sonserina. Um elfo doméstico se aproximou com um balde e um esfregão.  

As Morganas estavam muito quietas e Sirius ensaiava abrir a boca para se desculpar quando Lily disse, movendo o queixo:  

“Faz com eles...” 

A menina moveu a sua cabeça, indicando Damon e Davos, que, de pé na entrada do Grande Salão, haviam permanecido parados, observando o que se sucedia. Os dois fitaram de relance Black na mesa da Grifinória e falaram algo entre si. Parker olhou a amiga com severidade.  

“Lily, não!” 

Um desconforto se fez na mesa. Remus segurou a mão de Sirius, implorando que ele não atendesse ao pedido da amiga. O rapaz de cabelos compridos baixou os seus olhos.  

“Desculpem... Eu não devia trazer os maus hábitos da minha casa para a Escola. Não devia mostrar essas coisas pra vocês. É melhor não, Evans...” 

A menina, no entanto, tinha um rosto impassível e insistiu com Sirius. O garoto se recusou a continuar com a prática.  

“Para, Lily! Sirius Black não quer mais fazer isso!” — implorou Winnie.  

Contudo, sem dar ouvidos às amigas, a garota puxou a bandeja com as cerejas para perto de si e levou o guardanapo ao rosto. Remus tinha uma expressão nervosa e interveio, fitando a grifinória.  

“Lily, não vale a pena...” 

Com os olhos vermelhos, Evans levou um punhado de cerejas à boca, mastigando as frutinhas enquanto fitava os Doyles. James a observava como se não a reconhecesse. 

“Ódio por tudo... Eu odeio vocês!” — murmurou a garota de boca cheia, cuspindo com força no seu prato.  

O grupo de amigos, imediatamente, fitou os Doyles, que avançavam agora para a mesa da Sonserina e cumprimentaram alguns colegas da sua Casa. Ao invés deles, Macnair e Malfoy, que estavam sentados perto vomitaram com força sobre a mesa da Sonserina. Os alunos perto deles se levantaram e Bellatrix Black fitou as suas vestes encharcadas, sacudindo-as. Aparentemente, a maldição havia ricocheteado.  

Lily olhou a cena com estranheza, franzindo o cenho, e ia tentar novamente, mas Parker se levantou, atirando as cerejas para longe de Lily.  

“JÁ CHEGA!” 

Evans bateu, então, com força na mesa, levantando-se e indo embora, irascível. Parker correu atrás dela. Winnie e Raven também se levantavam. Quando James fez menção de ir atrás de Lily, Winnie interferiu: 

“James Potter é um bom amigo, mas quando Lily fica assim, é melhor só nós falarmos com ela. Esperem aqui.” 

“Morganas, desculpem por isso...” — falou Sirius, confuso com a situação que se criou.  

“Tá tudo bem. Não é culpa sua...” — tranquilizou-o, Raven com dois fortes tapinhas em seu ombro. 

Remus levou a mão aos seus olhos.  

“Magia Negra, vingança e raiva não atraem boas energias, Sirius. Não vi graça nenhuma no que você fez e, por favor, não faz mais isso! Por favor... Senão, nós dois teremos um problema grave.” 

Sirius tinha os olhos baixos e se desculpou novamente. Pettigrew indagou o rapaz.  

“A sua mãe te ensinou a fazer essas coisas, cara?” 

Sirius assentiu um pouco envergonhado.  

“Foi um dos primeiros feitiços que aprendi a fazer. Meu pai tem uma amante desde que eu me entendo por gente, mas, de vez em quando, ele arrumava outras mulheres e era assim que Walburga descontava a raiva.” — Sirius pestanejou um pouco incomodado — “Ela me perguntava se eu queria lavar a honra da mamãe e me chamava pra fazer junto, olhando as fotografias dessas mulheres e falando alto o nome delas. Ríamos muito entre um feitiço e outro. Também, minha mãe usava a Magia Negra com outros desafetos dela do mundo bruxo. Estranhamente, não achava que essa era uma das piores lembranças que eu tinha até ver a cara de vocês. Me desculpem.” 

Remus fitou o outro rapaz. Ele compreendeu que o ódio na família Black não era simplesmente algo ensinado, mas praticado quase de uma forma lúdica e ritualística desde sempre. Fazia parte das lembranças, fazia parte das histórias contadas de geração a geração. Que mãe decente ensinaria sua criança a brincar com o ódio daquela forma? Sirius parecia, de fato, desconcertado pela estranheza de suas atitudes, mas Lupin e Potter haviam identificado o brilho no olhar do rapaz enquanto ele cuspia cerejas e maldizia Olsen.  

Aquele olhar de prazer; de sadismo; quase uma possessão que, vez ou outra, acometia Sirius e, em seus pensamentos, os dois garotos se questionavam o quanto das raízes dos Blacks haviam perfurado o filho antes de ele resolver se afastar de sua influência. O quanto era sanguínea aquela loucura que circundava dentro de relações parentais de primos que se casavam entre si para manterem a tal pureza do sangue. Haveria uma tentativa de se manter acesa também a pureza do mal nos Blacks? Sirius tinha as faces vermelhas como se tivesse sido flagrado fazendo algo muito errado, mas se intimidava por saber, principalmente, que seus amigos haviam visto a sua escuridão. Como os feitiços que escapavam do corpo sem o uso da varinha, o mal também podia escorregar do corpo de um bruxo sem um propósito.  

“Como isso é feito? Como consegue invadir o corpo do Olsen sem a varinha, só com o pensamento...?” —indagou Pettigrew, brincando com um garfo enquanto o elfo doméstico encarregado da limpeza deixava a toalha de mesa da Sonserina impecável novamente.  

“A raiva é um condutor. Assim como o amor que as Morganas e as mães do Remus e do James usam em seus feitiços. Antes de os bruxos usarem varinhas, eles faziam coisas só com o pensamento, a emoção e a fala. Qualquer emoção muito forte pode criar uma conexão com um objeto ou alguém. Só que você atrai pra você energias densas no caso da Magia Negra. Acabamos de ter uma confusão em pleno café da manhã e me lembrei agora que meus pais sempre tinham brigas terríveis depois desses feitiços. Remus está certo. Nada de bom vem disso aqui.” — explicou Sirius, jogando o seu guardanapo na mesa. 

“Por que a Lily quis, afinal, enfeitiçar os Doyles?” — indagou James.  

  “Porque ela os odeia, cara! Você não viu? Ela tava espumando de raiva quando cuspiu as cerejas.” — comentou Pettigrew.   

“E de onde vem essa raiva?” 

James e Sirius fitaram Remus, que baixou os olhos.  

“Não tenho o direito de falar sobre isso. Não tentem me obrigar a dizer...” — adiantou-se Lupin.  

“Ah, qual é, Remus?! Somos os seus amigos e sabe a importância que a Lily tem pra mim! Você passa por cima de vários regulamentos da monitoria, por que leva tão a sério esse de manter sigilo...?” 

“Porque não envolve as nossas vidas, James. Envolve a vida de outras pessoas. Me pede qualquer coisa, mas não me faz faltar com a minha palavra nesse assunto, por favor...” 

O rapaz levou a mão ao queixo, parecendo chateado com os amigos por pressioná-lo daquela forma. James fitava com mau humor as torradas em seu prato. Sirius massageou o ombro de Lupin com um gesto de carinho e interveio.  

“Vocês dois não vão brigar também, não é? Deve ser algo muito sério pra você não querer falar, lobinho. James, não é com o Remus que a gente vai conseguir saber da verdade. É com a Lily. Mas ela parece muito transtornada hoje e talvez não seja o momento... Sei que está preocupado e quer saber o que houve, mas vamos pensar em outro caminho.”    

Os rapazes se olharam e Remus levou a mão ao rosto.  

“Desculpa, James, por não poder falar sobre isso. Eu não tenho o direito.” 

James assentiu.  

“Tá. Desculpa também cobrar uma resposta de você, Remmy. Não é certo te pressionar.” 

Sirius tomou um gole do seu suco de laranja e pensava em deixar a mesa. A manhã havia começado de um modo bastante estranho com brigas e desentendimentos, colapsados, talvez, por seus feitiços irresponsáveis. O rapaz de cabelos compridos queria respirar os ares dos gramados e se preparava para ir para fora do Castelo quando Regulus, acompanhado de Olivia Stone, aproximou-se da mesa da Grifinória. 

“Foi você, não foi?” — indagou o filho mais novo dos Blacks. 

“Eu que o quê?” 

“Você que enfeitiçou aquele cara da Grifinória, Macnair e Malfoy, não foi? Sei que não gosta dos sonserinos, mas atacou gente da sua própria Casa? Achei que condenava o pessoal da Sonserina por fazer isso.” 

Sirius desviou os seus olhos.  

“Fui eu. Mas não devia ter usado Magia Negra na Escola.” 

“É o feitiço da mamãe. Reconheci ele imediatamente. Você fez direito...” 

Sirius pestanejou, sacudindo a cabeça.  

“Não, não fiz...” 

“Você vai ensinar ele também pra gente?” — indagou Regulus.  

James e Remus cruzaram os seus olhares. O mal seduzia e podia ser tão contagioso quanto o riso.  

“Não, não vou. E esqueçam essa grande besteira que fiz, tá bom? Eu não presto e não devia se espelhar em mim, pirralho!” 

Olivia Stone moveu o seu rosto sardento, falando com alguma timidez enquanto fitava o local em que Olsen vomitou.  

“Sirius Black tem um bom coração. Devia estar só muito aborrecido ou confuso quando fez algo assim com alguém...” 

O rapaz de cabelos compridos fitou a menina diante de si, parecendo bastante sem jeito e, finalmente, para poder desviar o foco do assunto, indagou:   

O que vão fazer hoje?”   

“Vários nadas, além de ver as turmas mais avançadas irem pra Hogsmeade.” — retorquiu Regulus, filando uma maçã da mesa da Casa do irmão.  

“Vou pra biblioteca. Tenho que terminar uma pesquisa de Herbologia pra segunda-feira.” — respondeu Olivia, distraidamente, mirando o anel no dedo de Sirius e comparando-o com o que Remus usava em seu cordão e havia escapado para fora da camisa.  

A menina fitou, atentamente, os dois rapazes e indagou Sirius um pouco sem jeito. A disposição do cenário, subitamente, fazia sentido. 

“A pessoa que você namora tem cabelos castanhos, Sirius Black?” 

O grifinório, bebendo o restante do seu suco de laranja, assentiu.  

“Vocês nunca vão parar de tentar adivinhar com quem eu tô namorando, não é? Basta saberem que é a pessoa mais incrível do mundo todo.” 

Olivia fitava Remus, que, absorto, conversava com James Potter, retornando às boas. Percebendo o olhar da menina, o grifinório lhe sorriu. Olivia baixou o seu rosto quando se dirigiu a Sirius.  

“Acho que a pessoa com quem Sirius Black namora deve ser bem legal.” 

Regulus fitou a colega com curiosidade.  

“Por acaso, você sabe quem é?” 

“Não...” — mentiu a menina, ocultando a sua descoberta— “Mas só pode ser uma pessoa muito legal, se tratando do Sirius...” 

Black fez um carinho na cabeça da menina, levantando-se da mesa.  

“Valeu, pirralha! Vou trazer doces de Dedosdemel pra vocês dois. Capricha na sua pesquisa e você, Regulus, vai caçar algo também pra fazer. Nos vemos no jantar, cota! Juízo, hein!”  

Sirius deu um breve passeio nos gramados de Hogwarts, respirando ar puro. O tempo estava nublado com raios de sol bastante tímidos. A manhã se apresentava fria e arrastada como se prendesse a respiração, esperando a chuva que cairia, certamente, até o fim do dia. Discretamente, o rapaz de cabelos compridos acendeu um cigarro, aproveitando que os arredores da Escola ainda estavam vazios.  

  De longe, Sirius viu a sua prima Bellatrix, com o vestido já sem vestígios de vômito, discutindo com Emily Davies da sua Casa. Ela parecia bastante contrariada ao entrar na Escola, pisando duro.  

“Sobre o que essas duas desgraçadas devem estar falando?” — indagou-se, mentalmente, Sirius, expelindo um anel de fumaça.  

Emily Davies permaneceu, então, em meio ao gramado, remoendo algum pensamento. Seu olhar cruzou com o de Sirius, que o desviou. O rapaz, reconhecendo para si mesmo que já havia tido confusão suficiente pela manhã, não deu atenção à garota, mesmo quando ela passou perto dele quase esbarrando em seu ombro em tom de provocação. Sacudindo o seu cabelo escuro, preso num rabo de cavalo, a sonserina caminhou em direção à Torre de Astronomia, sem olhar para trás. 

  Após isso, Sirius subiu até o dormitório para pegar as suas coisas e encontrou os amigos, verificando algo no Mapa do Maroto. Ele ouviu que, enquanto entrava no quarto, eles faziam algum tipo de contagem regressiva em alvoroço.  

“Acertei o tempo, Aluado!” — riu-se, James.  

“O que diabos estão fazendo com o mapa?”  

“Vendo você, Almofadinhas! A gente tava te espionando e vigiando a sua movimentação.” — explicou-lhe Remus.  

“Você anda muito rápido com essas pernas compridas suas. A gente tava estimando quanto tempo você ia levar do gramado até o dormitório. Pontas acertou.” — comentou Pettigrew. 

Sirius grudou o rosto ao lado dos amigos e fitou, entretido, o que os quatro grifinórios consideravam a sua obra-prima. Eles observaram, então, as pessoas e as suas movimentações. As Morganas permaneciam em seu quarto e grande parte dos alunos caminhava pelo Grande Salão ainda. Dumbledore andava de um lado para o outro em sua sala.  

“Eu podia ter usado o mapa quando Remus tomou aquela poção e eu queria encontrar o Slughorn, ao invés de sair que nem um maluco correndo para o estádio.” — constatou Sirius se lembrando que, no calor do momento, esquecera-se totalmente do artefato do qual dispunha.  

“Tu ia continuar não achando ele, já que o Slughorn tava em Hogsmeade. Só ia perder mais tempo, procurando o nome dele nessa caralhada de gente.” — avaliou Pettigrew.  

Os rapazes continuaram a fitar com curiosidade alguns espaços do Castelo, apontando o dedo e tecendo comentários. Eles olhavam os corredores da Escola; as cozinhas em que os elfos domésticos já se moviam de um lado para o outro, preparando as refeições; o banheiro dos monitores vazio naquele horário do dia; as salas de aula completamente desertas; a enfermaria, que era deixada por Peter Olsen; os pátios que começavam a se encher... 

Remus consultou o relógio do pulso de Sirius, falando: 

“Se eu tivesse um tempinho ainda antes de irmos, ia pegar um livro na biblioteca pra estudar para o simulado de Astronomia...”   

Pettigrew retorquiu: 

“Como você é nerd , Remus! Esquece os estudos e esses simulados idiotas pelo menos no fim de semana...”  

Remus fitou a biblioteca praticamente vazia, na qual Olivia Stone chegava naquele momento e, aparentemente, conversava com a funcionária do local.  

“Se precisar muito do livro, a gente pode dar uma passada bem rápida lá, lobinho...” — comentou Sirius.  

O rapaz de cabelos castanhos viu que Olsen, deixando a ala hospitalar, dobrava no corredor da biblioteca e rumava em sua direção. Depois da confusão que houve durante o café da manhã, Remus preferiu evitar um encontro com o grifinório.   

“Deixa pra lá ... Já estamos em cima da hora mesmo. Vamos indo?” — conformou-se o rapaz de cabelos castanhos, vestindo o seu casaco novo enquanto James dobrava o mapa e o guardava com cuidado em sua escrivaninha.  

Enquanto desciam, em um dos corredores, os Marotos viram Damon Doyle, que, de longe, fitou os garotos com algum mau-humor enquanto seguia para a escada. Sirius se indagou internamente se Regulus comentou com mais alguém da Sonserina sobre o feitiço da matriarca Black lançado.  

Os grifinórios esperaram as Morganas no pátio. Eles não sabiam se as garotas, depois do mal-estar que havia se formado na mesa do café da manhã, ainda pretendiam ir ao passeio, mas permaneceram no átrio, conforme o combinado. Poucos minutos depois, Lily, Parker e Raven chegaram. Rapidamente, a menina de cabelos cor de cobre se desculpou com os garotos, parecendo, ao mesmo tempo, bem mais calma e muito envergonhada pela sua atitude.  

“Tudo bem, Evans. O erro foi meu em dar uma amostra grátis pra vocês das esquisitices dos Blacks... Não precisa se desculpar por nada...” — finalizou o assunto, Sirius.  

James caminhou ao lado da menina, puxando conversa com ela, mas não trouxe o tópico que lhe intrigava para o diálogo entre os dois. O grupo seguiu em frente e viu Severus Snape conversando com Lucius Malfoy, próximo ao freixo. 

 Ultimamente, aqueles dois eram vistos bastante vezes juntos. Snape trocou um olhar desconcertado com Lily, que lhe acenou vagamente, parecendo chateada. Malfoy se virou para encarar a garota de cima a baixo e voltou a conversar com o colega. Poucos segundos depois, como se lembrasse de algo, Malfoy, com um andar meio pesado e as roupas já sem nenhum sinal de vômito, voltou para dentro do Castelo.  

Snape, ainda parecendo meio desorientado, parecia ter sido deixado falando sozinho pelo veterano da Sonserina.    

No caminho, o grupo de amigos também viu Winnie e Dayal conversando e o rapaz se ajoelhava no chão para beijar o rosto da garota ao encontrá-la. Com as tranças e fitas ainda em seu cabelo, Winnie sorria próxima ao rapaz. 

“Ai, gente, que emoção! Finjam que não tão olhando...” — declarou Parker com o rosto vermelho e a mão na boca enquanto fitava o casal.   

Os Marotos e as Morganas desceram a estrada acidentada que levava a Hogsmeade entre conversas e risadas, afastando o mau momento que tiveram durante a manhã. Sirius se permitiu passar o braço ao redor do pescoço de Remus enquanto andavam.  

  O grupo de amigos seguiu para a Dedosdemel, onde renovaram os seus estoques de doces e chocolates. Depois, eles caminharam até a Zonco’s em que gastaram um tempo considerável, vendo as novas atrações. Seguiram até a Escribas Penas Especiais, onde reabasteceram também os seus conjuntos de penas e pergaminhos.  

Os Marotos e as Morganas almoçaram no Três Vassouras e permaneceram um tempo descontraído, bebendo cerveja amanteigada e comendo uma refeição quente deliciosa enquanto jogavam conversa fora. Na hora de pagarem, Remus se antecipou, consultando a conta que flutuava sobre a mesa e abrindo a carteira que tirou de dentro da sua mochila.  

“Hoje é por minha conta. Não havia tido a oportunidade ainda de agradecer a todos vocês pelo que fizeram por mim quando passei mal com aquela poção feita pelo Olsen. A Winnie, eu convido em outro momento...”  

Todos os grifinórios se recusaram a aceitar que Remus arcasse com os custos, mas o rapaz de cabelos castanhos se antecipou novamente, entregando o dinheiro à atendente que olhava com curiosidade os amigos abrirem as suas bolsas e carteiras apressadamente para tentarem serem mais ligeiros do que Lupin.  

“Faz parecer que a gente precisa de agradecimento pelo que fizemos...” — pronunciou-se James, guardando o seu dinheiro após tentar repassá-lo para Remus, sem sucesso.  

“É só uma gentileza. Em nome dos Lupins.” — sorriu, Remus.  

Sirius, na hora de deixar o bar, falou próximo ao rapaz. 

“Eu podia arcar com os custos se tivesse me avisado que queria se responsabilizar pelo almoço de todos.”  

Black sabia que a família do outro rapaz passava por dificuldades financeiras e que Remus era muito organizado com as suas finanças.  

“Não tem por que, Sirius. Estou ganhando dinheiro com as aulas particulares em Hogwarts e gosto de pagar as minhas coisas. Não é a sua obrigação. No nosso último encontro, você insistiu em arcar com tudo e eu aceitei como uma gentileza. Mas o próximo encontro é por minha conta...”  

Sirius olhou o outro rapaz com um sorriso no rosto.  

“E aonde vamos no próximo encontro?”  

“Já que gostou de diversões trouxas, podemos seguir por esse caminho se tiver interesse...”  

Sirius beijou o rosto do outro rapaz e os dois seguiram, conversando com os amigos. 

Durante a tarde, o tempo esfriou bastante e Sirius e Remus se lembraram que precisavam ir à joalheria que ficava em uma área mais nobre da cidade. Caminhando, o grupo passeou pela viela de letreiros brilhosos, postes e lojas caras. James, Pettigrew e Raven se interessaram por uma loja de artigos de Quadribol que tinha no caminho e vendia itens de luxo, desde a goles autografada por jogadores famosos até vassouras de última geração. O grupo, então, dividiu-se, combinando de se reunir mais tarde. Sirius, Remus, Lily e Parker seguiram para a joalheria que ficava na esquina.  

“Vou pedir para darem uma ajustada na pulseira do meu relógio também...” — comentou a monitora da Grifinória, mostrando o seu pulso em que o relógio estava sem um pequeno parafuso e não fechava direito. 

O nome da joalheria era Trojanno e, na vitrine, eram exibidas inúmeras peças de ouro, prata e pedras preciosas. Um duende com um terno elegante de veludo veio ao encontro dos garotos. Um tapete luxuoso se estendia no chão e alguns bruxos, muito bem-vestidos, conversavam com outros vendedores, verificando as joias escolhidas ao abrirem seus estojos de veludo. Uma mulher com um suntuoso casaco analisava, diante do espelho, o seu pescoço delgado em que uma fita prateada feita com casca de ovos de occami havia sido colocada. Chás fumegantes em louças de porcelana, que levitavam no ar, eram oferecidos aos clientes.     

“No que posso ajudá-los?” — indagou o duende, medindo um pouco os estudantes dos pés à cabeça.  

Foi Sirius que se adiantou, mostrando um pergaminho que tirou do bolso com a sua assinatura e o selo da loja. Ele explicou a situação e o duende que se apresentou como Antaro pediu para verificar o anel de Remus. O rapaz de cabelos castanhos retirou a joia do cordão que usava em seu pescoço, entregando-o ao atendente. Em seguida, o vendedor mediu o dedo anular do rapaz com uma fita de tecido milimetrada.  

“Podemos ajustar. Queira me acompanhar, senhor...” — disse Antaro, indicando para Sirius o caminho até uma sala.  

“Posso esperar aqui?” — indagou Remus a Black.  

“Tem certeza?” 

“Tenho. Vou dar uma olhada nos lançamentos.” 

Sirius beijou a testa do rapaz, atraindo alguns olhares curiosos dos bruxos ao redor. Parker foi atendida por outro duende, que serviu chá a ela e à Lily, levando as duas garotas a uma sala diferente. Remus se permitiu caminhar pela loja, olhando os itens caros expostos em vitrines.  

Em novembro, seria o aniversário de Sirius e o rapaz de cabelos castanhos, que conhecia o bom gosto do grifinório, pensava em presenteá-lo com uma joia. No entanto, chegando à loja, Remus constatou que estava muito desinformado sobre a quitação do ouro e da prata no mundo bruxo. Com o dinheiro que ganhava com as aulas particulares em Hogwarts, ele não conseguiria comprar uma mísera gargantilha naquele lugar. Era o tipo de joalheria que os Blacks frequentariam e, vendo os bruxos com as suas vestes caras e ar entojado, Remus se sentiu um pouco deslocado naquele lugar. 

O rapaz observou os itens expostos no mostruário da joalheria e notou um relógio de ouro muito parecido com o que Sirius usava e fora presente de seu tio Alphard. O valor poderia quitar boa parte das dívidas que os pais de Remus acumularam nos anos em que tentaram achar curas milagrosas para a sua licantropia, tão alto era o seu preço com números de casas infinitas.  

Ao seu lado, um colar com rubis, safiras, esmeraldas e topázios, que tinha as exatas cores das Casas de Hogwarts e chegava a reluzir, talvez fosse o artigo mais caro daquele lugar. Remus admitiu para si mesmo que era uma joia extravagante demais para o seu gosto e até mesmo para o de Sirius, que talvez não encontrasse lugar onde usá-la, fora da alta sociedade bruxa, a qual detestava.  

Remus respirou fundo e aceitou o fato de que, talvez, tivesse que escolher outro presente de aniversário para Sirius. Normalmente, ele presenteava Black com livros ou doces nas datas comemorativas desde que se tornaram amigos, mas, agora que namoravam, desejava dar-lhe algo especial. O rapaz de cabelos castanhos, enquanto esperava Sirius, pensava em aceitar uma xícara de chá do bule flutuante atrás de si, oferecendo os seus préstimos, quando um senhor, que se posicionou ao seu lado, contemplando o colar, disse: 

“É bonito, não é mesmo?” 

Remus fitou o bruxo de cabelos escuros e compridos. Ele usava cartola, bengala e sobretudo de pele como da alta sociedade. Deveria ter, no máximo, uns trinta e poucos anos.      

“Sim...” — respondeu Remus, meio sem jeito por um daqueles senhores imponentes lhe dirigir a palavra. 

“Estou em dúvida se compro ou não o colar para minha esposa...” 

Remus baixou os olhos ainda se sentindo deslocado. Ele olhou ao redor e viu que nem Sirius e nem as meninas haviam voltado. A mulher do pescoço delgado, mais adiante, testava outras joias e parecia satisfeita com o colar de pedraria turquesa. 

“Deveria comprar. Ela, certamente, vai ficar muito feliz...” — respondeu o rapaz de cabelos castanhos sem saber muito bem o que dizer. 

  O bruxo fitou Remus e estendeu a sua mão enluvada para o rapaz.  

“Sou Charles Meadowes.” 

O grifinório, ainda sem graça, aceitou o aperto de mão.  

“Sou Remus Lupin.” 

O homem sorriu e continuou a falar. 

“Sou um homem muito ocupado e tenho que vir constantemente à trabalho para Hogsmeade. Mas ontem foi o aniversário da minha esposa e esqueci completamente da data. Acho que uma joia dessas será o suficiente para me poupar de aborrecimentos. Mulheres podem ser divertidas, mas podem se tornar muito irritantes quando são deixadas de lado. O lado positivo, para quem pode arcar, é que são também interesseiras...”  

O rapaz de cabelos castanhos franziu o cenho. Ele não gostou do tom e do conteúdo da conversa. Por que aquele desconhecido expunha comentários daquele teor para si? Remus se mantinha desconfortável em seu lugar e olhava novamente ao redor para ver se via algum dos seus amigos. Meadowes prosseguiu: 

“Foi uma surpresa agradável quando te encontrei novamente por esses arredores. Você é simplesmente uma coisinha adorável, garoto. Não esqueceria do seu rosto nunca.” 

Remus arregalou os seus olhos, fitando o homem com estranheza. Ele sorriu e prosseguiu.   

“...Não era você que, há algumas semanas, estava no restaurante no fim da rua aos beijos com um bruxo mais velho? Reconheci você imediatamente quando te vi aqui na joalheria.” — Charles Meadowes ergueu o olhar, fitando uma figura encapuzada e com as mãos nos bolsos do lado de fora que não estava ali há um minuto, antes de se voltar novamente para Remus — “Não sabia que aconteciam coisas como prostituição na Escola, mas não sou moralista. Podemos abrir o jogo um com o outro. Gosto da sua ousadia e gosto de foder jovens como você. Acho que você gosta de lugares caros como esse e não há mal nenhum nisso. Um pouco de ambição faz bem. Como funciona o esquema? Quanto cobra para passar a tarde comigo?” 

Remus sentiu o seu sangue gelar e permaneceu um tempo tonto. Fitando o rosto do homem, reconheceu-o vagamente como, talvez, um dos bruxos que Sirius lhe apontou que falaram coisas sobre ele quando eles deixaram o restaurante em que almoçaram no seu encontro em Hogsmeade. 

“O rapaz que estava comigo era o meu namorado!” — respondeu Remus com nervosismo, tentando formular algo para se defender diante da repulsa que crescia em si.  

  Meadowes ergueu as sobrancelhas com um ar de deboche.  

“Pessoas como você namoram? Bem, também tenho alguém que vai gostar de conhecer você. Vou fazer uma proposta pra você irrecusável, menino. O que acha de eu comprar esse colar para a minha esposa e irmos para um lugar mais sossegado? Daí, podemos tomar uma taça de licor e, usando só o colar e me mostrando o que você tem aí embaixo desse casaco pra eu te dar uma boa olhada, podemos fixar um valor. Tenho certeza de que não vou me arrepender. Posso pagar muito bem pelo serviço e pela sua discrição. O que acha?” 

Remus deu um passo para trás, sentindo-se enojado. Dando as costas, ele respondeu ao homem com irritação, com o linguajar baixo que aprendeu com Black e Potter e o qual a situação exigia. 

“Enfia o seu colar no rabo, seu tarado de merda! Ele tá à venda! Eu não...” 

  Meadowes segurou o braço de Remus com força e falou entre dentes.  

“Com quem pensa que tá falando, sua putinha chupadora de pau? Vem comigo! Anda!” 

“Não!” — vociferou Remus, observando a figura junto à porta se mover, inquieta.  

Poderia se tratar de um rapaz ou de uma jovem não muito alta a pessoa parada ali na soleira da loja. Coberta dos pés a cabeça com uma capa pesada, a figura parecia tentar ouvir o que estava acontecendo. 

“Venha comigo!” — ameaçou Meadowes, por fim, tocando em sua varinha no cinto. 

Remus sentiu uma raiva se adensar nele e ele moveu, então, as gengivas, revelando instintivamente o canino torto.    

“SOLTA ELE!” 

Meadowes se deteve ao ver que apontavam uma varinha em sua direção. Com algum desprezo, ele soltou o braço de Lupin. James havia entrado na joalheria pela entrada dos fundos, acompanhado de Pettigrew e Raven, que permaneciam mais afastados. Aparentemente, o rapaz de cabelos rebeldes, vendo Remus, andou até a sua direção e estranhou a movimentação do bruxo ao redor do seu amigo. Ele partiu para cima quando viu o homem segurar o braço de Remus com força, entreouvindo algumas palavras.  

O rapaz de cabelos castanhos se afastou do bruxo mais velho e correu para o lado de James. Meadowes, encarando Potter e espiando de soslaio o seu redor, viu que alguns bruxos fitavam a cena com curiosidade. Um duende se aproximou do grupo para perguntar o que acontecia. Pettigrew e Raven também se aproximaram de Remus. Alinhando o seu sobretudo, o homem abandonou a joalheria antes que fosse indagado de qualquer coisa, deixando o colar e as explicações para trás. Ele segurou o braço da figura encapuzada que o esperava na porta e saiu caminhando ao lado dele, antes de desaparatarem.   

“O que ele fez com você, Remus?” —indagou, Raven.  

James olhava ainda o ponto em que o bruxo desapareceu. Depois, fitou Remus.  

“Você tá bem?” 

O rapaz, visivelmente ainda atordoado e fechando o casaco sobre si, replicou:  

“Tô. Ele tava me confundindo com outra pessoa...” 

“Ele tava apertando o seu braço, cara! Quem ele achou que você era? Um prisioneiro de Azkaban?” — retorquiu Pettigrew, olhando também a ruela.  

   Quando Sirius deixou a sala, acompanhado do duende que o atendia, Lupin puxou James num canto.  

“Obrigado por ter me ajudado, James! Por favor, não conta nada pro Sirius. Não quero que ele fique chateado ou estragar o dia...” 

“Deveria contar pro Black! Escutei o que aquele homem disse pra você!  Ele era um aliciador filho da mãe. Minha ir... minha mãe já me falou sobre eles. Entre milhares de motivos, esse é um pelos quais a minha família odeia a hipocrisia da alta sociedade bruxa!” 

“Não vou nunca mais encontrar com aquele cretino! Deixa, ele pra lá! Não vale a pena estragarmos o nosso dia...” 

James insistiu, mas Remus se manteve irredutível. Quando Black foi ao encontro dos amigos, sorria ao trazer o anel consertado de Lupin. A alegria de Black convenceu Potter mais rapidamente a nada dizer do que os apelos de Remus. Os dois garotos não tocaram no assunto, e Remus permitiu que Sirius deslizasse o anel por seu dedo, perfeitamente ajustado.  

Pouco depois, Parker e Lily deixaram a sala em que eram atendidas pelo outro duende. O relógio da monitora do quinto ano da Grifinória havia sido consertado também e reluzia em seu pulso.  

O grupo de amigos desceu a ruela e, de longe, viram Winnie e Dayal entrando no Madame Puddifoot. As nuvens do céu estavam densas e uma garoa fina teimava em cair. Mais adiante, a chuva apertou e os amigos resolveram tomar uma xícara de chá antes de voltarem para a Escola. Remus se mantinha um pouco quieto, incomodado pelo que aconteceu na joalheria, mas acompanhava a conversa dos amigos com a cabeça encostada no ombro de Sirius.  

  Quando o alto falante do Três Vassouras anunciou o comunicado de Hogwarts, o grupo de amigos e os outros alunos que estavam ali presentes demoraram para perceber que a mensagem era destinada a eles.  

“Professores e alunos de Hogwarts de todas as Casas e de todos os anos, essa é uma mensagem do Professor Albus Dumbledore e de todos os diretores. Voltem imediatamente para a Escola. Nenhum atraso ou justificativa serão aceitos. Voltamos a repetir: voltem imediatamente para a Escola. É uma ordem expressa de Hogwarts para todos que deve ser cumprida em caráter de urgência.”  

Os Marotos e as Morganas se entreolharam de um modo confuso. Os outros alunos que estavam ali presentes cochichavam entre si. O professor de Astronomia, que tomava uma cerveja amanteigada com uma bruxa sorridente, que era a sua noiva, despediu-se da jovem, pagando por suas bebidas e partindo imediatamente.  

“O que será que aconteceu?” — indagou Lily, levantando o braço para pagar a sua bebida ao atendente.  

Antes que deixassem o lugar, um bruxo de cabelos revoltos e ruivos, com a varinha em punho, entrou no Três Vassouras, anunciando aos presentes: 

“Boa tarde! Meu nome é Rhyan e sou um Auror enviado pelo Departamento de Execução das Leis da Magia. Escoltarei todos vocês até Hogwarts. Acompanhem-me!” 

Todos os alunos contemplaram o Auror com certo fascínio enquanto seguiam as suas ordens. 

“O que houve, afinal? Aurores em Hogsmeade? Por quê?” — indagou Parker aos amigos com alguma apreensão em seu olhar.  

O grupo de grifinórios, enquanto subia a estrada até Hogwarts, constatou que a mensagem havia sido transmitida em outros estabelecimentos de Hogsmeade. Colegas de outras Casas se juntavam à marcha de volta ao Castelo e pareciam também atordoados com o comunicado súbito.  

Outros Aurores caminhavam ao lado dos estudantes com suas capas negras e as varinhas em punho. A chuva estava cada vez mais forte e, enquanto alguns jovens usavam guarda-chuvas e capas, outros lançavam feitiços com as suas varinhas que bloqueavam os pingos d’água sobre as cabeças. O caminho estava enlameado, escorregadio e na entrada do portão, todos encontraram Hagrid com os seus cachorros e uma lanterna, gesticulando para que os estudantes se apressassem.  

Ao seu lado uma Auror franzina de cabeça raspada que Sirius e Remus reconheceram como Effie e um Auror com um Black Power fiscalizavam a entrada dos alunos, pedindo que apresentassem as suas varinhas e, fazendo uma leitura das suas identidades com um detector. 

O céu estava escuro e a tarde parecia noite.  

Sirius viu algumas caras conhecidas na multidão de alunos como Carlson, Pride, Zhang e Wood. Viu também o Ranhoso com o semblante sério e o livro de poções sob o seu braço. Bem adiante, Macnair cochichava algo no ouvido de Malfoy, fitando os Aurores no portão. Sua prima Bellatrix andava ao lado dos dois com as vestes encharcadas e os cabelos ensopados. Cabisbaixa, ela tinha uma bolsa tiracolo florida de onde tirou a sua varinha.   

Todos pareciam curiosos em saber o que, afinal, acontecera. Winnie, acompanhada de Dayal, alcançou as Morganas e os Marotos e lhes narrou que havia visto a Professora McGonagall e a Professora Sprout desaparatarem com uma expressão grave, após o horário do almoço.  

Quando os alunos entraram no Castelo, foram orientados por Filch a não subirem para as suas Casas, mas a permanecerem no Grande Salão em suas respectivas mesas. Uma tensão se fazia presente no ar, maciça. Os professores também ocupavam a mesa designada a eles, mas nem o Professor Dumbledore e nem os diretores da Casa haviam ainda chegado. O professor de Astronomia conversava com o professor de Defesa contra as Artes das Trevas e os dois exibiam olhares preocupados.   

O tempo se arrastou e os alunos retardatários chegavam ensopados, alagando o Salão com as suas botas enlameadas. Aurores se posicionavam perto de cada mesa e, vez ou outra, cochichavam entre si. Os alunos do primeiro e segundo ano e os que não haviam ido a Hogsmeade foram ordenados a também comparecerem ao Salão Principal.  

Sirius viu Regulus surgir na entrada do local e se sentar perto dos seus colegas do primeiro ano na mesa da Sonserina. Os Doyles também surgiram algum tempo depois, acompanhados da Davies. Olsen se sentou na mesa da Grifinória com os seus colegas e parecia também apreensivo pela atmosfera que se formava, olhando o ambiente ao seu redor como se procurasse por alguém.  

Foi o Professor Slughorn, que, após uma eternidade, com uma expressão extremamente abatida, apresentou-se. A Professora McGonagall o acompanhava com um rosto devastado pelo choro. Então, os Marotos e as Morganas sentiram a gravidade do assunto e as suas entranhas se reviraram quando fitaram a forte diretora da sua Casa sucumbir à tristeza.  

O Professor Slughorn se pôs a falar: 

“Perdão por tê-los convocado no seu dia de descanso, mas a questão é de extrema gravidade. Desculpem pela demora também. Minerva e eu estávamos conversando com os fantasmas da Escola. O Professor Dumbledore pediu que eu e Minerva o substituíssemos, pois ele precisou ir a Londres, encontrar-se urgentemente com o Ministro. Pomona e Filius precisaram acompanhá-lo. É um momento muito difícil para todos nós. Pedimos que sejam fortes...” 

Sirius, Remus e James se entreolharam, engolindo em seco.  

“Uma aluna da Escola foi encontrada sem vida nos arredores do vilarejo de Hogsmeade...” 

As Morganas levaram as mãos à boca e um levante de vozes se ergueu. Então, a Professora McGonagall trouxe as palavras derradeiras que fizeram Sirius sentir que caía no vazio descrito dos pesadelos de James.  

“Senhores, a jovem Olivia Stone, aluna do primeiro ano da Sonserina, foi assassinada...” 

Sirius sentiu que o mundo ao seu redor se movia em câmera lenta. Ele viu Remus se segurar em sua cadeira como se uma Maldição Imperdoável o tivesse acertado; viu James prender a respiração; viu as Morganas cobrirem os seus rostos e viu Regulus, na mesa da Sonserina, cair no vazio também. Havia vozes e gritos; indagações e choro. O Professor Slughorn fungou como se usasse as suas forças para impedir que a tristeza o afogasse.  

“Ela está morta?”! Como?!” — gritou alguém da multidão entre as mesas, com a voz embargada —"Quem fez isso?”  

A Professora McGonagall olhou para cima, antes de falar: 

“Olivia Stone era do primeiro ano e acreditamos que ela encontrou uma maneira de sair escondida da Escola. Um homem trouxa a matou. Ele confessou o crime e se entregou às autoridades trouxas.” 

Um novo levante de vozes se ergueu. Sirius pestanejou, ouvindo fragmentos de sentenças como “manter a calma”; “proibição de saírem da Escola”; “as autoridades bruxas estão avaliando o caso”; “a família foi informada por Filius e Pomona” e “precisamos nos manter unidos”. O rapaz de cabelos compridos, entorpecido, não percebeu que Remus tocou-lhe a mão. 

Olivia Stone estava morta. A menina para quem Sirius havia comprado chocolates e penas de algodão doce em Dedosdemel; a sonserina que ele havia conhecido na Oficina de Feitiços de Defesa; com quem subia no freixo e com quem corria pela sala, performando uma dança da vitória quando o seu grupo fazia de forma bem-sucedida um feitiço.  

Ela era a sua amiguinha sonserina que um dia seria Ministra da Magia. A cota. A pirralha com a qual ele compartilhara o primeiro feitiço criado pelos Marotos. Olivia Stone, que lhe dera uma flor e a qual Sirius, acompanhado de seus amigos, defendera uma vez do bullying de pessoas covardes, estava silenciada para sempre; interrompida para sempre; com a pele gelada e pálida em Hogsmeade. Que porra de brincadeira de mau gosto era aquela? 

Sirius sentiu que o ar faltava em seus pulmões, sentiu que podia vomitar como Olsen havia vomitado de manhã e só percebeu que arrebentava em um choro raro, que vinha de um lugar profundo e escuro, quando Remus e James o abraçaram. Ao mesmo tempo, alguém gritava: “Trouxas imundos!” 

Assim como Regulus, Olivia tinha só onze anos. Eles haviam combinado com os Marotos e as Morganas de irem todos juntos a Hogsmeade quando Olivia e Regulus estivessem no terceiro ano e os grifinórios, no sétimo. A amizade entre todos teria sido duradoura. Afinal, nem todos sonserinos eram ruins.     

A partir daquele dia, o frio chegou derradeiro junto com a intempérie e não houve mais dias de sol nas manhãs de outono em Hogwarts. Após o choro, houve o silêncio. Houve a dor.  

E o vazio.  

 

 

Chapter 13: A Partida

Summary:

Mortes estranhas acontecem no Mundo da Magia, e Hogwarts precisa obedecer a uma ordem inesperada.
Os Marotos se veem envolvidos em um mistério muito maior do que imaginam.

Chapter Text

https://www.youtube.com/watch?v=zOKGcEfSwnY

 

 

Quando a morte da pequena Olivia Stone foi anunciada, Sirius chorou na mesa da sua Casa, não conseguindo ter tempo para elaborar aquela brutalidade súbita. Remus o abraçou enquanto ele soluçava. James, com um rosto muito sério, apertou a sua mão.

Sirius Black não era o único que vertia lágrimas. Outras pessoas que conheciam Olivia Stone choravam. Alguns mergulhavam no choque.  

“Olivia Stone era a menina sardenta do primeiro ano? Puxa vida...” — sussurravam os que lembravam dela só de vista. Havia um terror em uma criança de onze anos sair de um lugar tão seguro quanto Hogwarts e cruzar algum portal do mundo trouxa em que pessoas não usavam varinhas, mas outros meios para tirar a vida de criaturas, de garotinhas.

Era terrível a morte sob qualquer ótica. Mas a destruição tão precoce era, de fato, feia.

“Trouxas imundos!” — vociferaram algumas vozes.

A Professora McGonagall pediu silêncio e foi ordenado aos alunos que seguissem para a Sala Comunal de suas respectivas Casas e permanecessem nela até o horário do jantar. Em grupos e, sendo pedido aos monitores que cuidassem para que não houvesse confusão nos corredores, os estudantes foram dispensados.

Os sonserinos foram os primeiros a irem embora. Em uma marcha silenciosa e horrível, Remus viu os irmãos Doyles caminharem afastados para as escadas. Davos e Emily Davies cochichavam algo entre si. Com passos rápidos, Bellatrix Black, Macnair e Malfoy também seguiram, parecendo querer ir logo embora dali. Severus Snape se mantinha com os lábios entreabertos, parecendo atordoado.

Regulus se deteve, olhando para trás enquanto partia. Nesse momento, Sirius, com os olhos vermelhos de morte, cessou o seu choro. O menino sonserino foi conduzido por um dos monitores da sua Casa, animando-o a seguir em frente. Fixando ainda o irmão com o olhar, ele prosseguiu.

Logo depois, foi liberada a mesa da Corvinal em que os estudantes seguiam em silêncio, intercalado pelo pranto dos alunod do primeiro ano. A Lufa-Lufa foi a terceira mesa a ser dispensada e, por último, a Grifinória. Remus, lembrando-se de sua função, juntou-se à Parker, conduzindo, principalmente, os alunos menores, que, impressionados, choravam abraçados. Peter Olsen, aturdido, estava também parado com a mão na boca ainda no meio do Salão.

“Vamos, por aqui!”

Sirius se levantou e falou próximo aos amigos:

“Preciso ir até à Sala Comunal da Sonserina. Preciso ver o Regulus.”

James, trocando um olhar tácito com Remus, voluntariou-se a acompanhar o amigo. Remus, por sua vez, cochichou algo no ouvido de Parker, que, após olhar rapidamente o rosto triste de Sirius, assentiu sem contestar. Lupin queria também ir com Sirius.

Nos corredores, os três rapazes puderam verificar que muitos alunos se demoravam e, perplexos, pareciam tentar achar alguma resposta em rodas de conversa. Enquanto isso, os monitores tentavam convencê-los a seguirem para as suas respectivas Casas. Descendo a escadaria das masmorras, Sirius, James e Remus caminharam até alcançarem a passagem da Sala Comunal da Sonserina. O rapaz de cabelos compridos perguntou a um grupo de alunos que se concentrava ali na frente:

“Viram Regulus Black do primeiro ano? Alguém aqui sabe dele?”

James e Remus interpelaram também outros sonserinos, procurando pelo garoto. Entre o grupo de alunos que bloqueava a entrada da Sonserina, alguns estudantes com os ânimos mais exaltados falavam:

“Mataram uma de nós! Um trouxa matou uma bruxa de Hogwarts! Que desculpa o Ministro vai dar agora para estabelecer esses tratados de paz com trouxas?! Essa raça maldita não devia nem existir...”

Remus ouvia as palavras serem ditas com ferocidade e entendia que, naquela parte do Castelo, o horror era lidado com ódio. Ele não se sentia bem com isso, mas continuou procurando por alguém que soubesse do paradeiro de Regulus até que a monitora do quinto ano, que substituíra Davies, deteve-se diante dele.

“Remus Lupin, você é monitor da Grifinória! Não deveria estar aqui...”

“Grant, precisamos encontrar um aluno da Sonserina. Ele era amigo da Olivia Stone e o irmão dele está aqui. O irmão precisa ter certeza de que ele está bem! Será que você pode só verificar para nós se Regulus Black, do primeiro ano, está na Sala Comunal e dizer para ele vir até aqui um instante? Por favor...”

Sirius e James se aproximaram. A menina fitou os rostos diante de si e viu a dureza da expressão de Black. Dando as costas, ela retorquiu:

“Vou verificar. Esperem aqui...”

A monitora retornou alguns minutos depois e sacudiu a sua cabeça de cachos castanhos.

“Lamento. Ele não está na Sala Comunal. Deve ter ido para o dormitório e não sou autorizada a entrar lá... Se eu o vir depois, digo que estão procurando por ele...”

Sirius fechou os olhos, sentindo-se sem forças. Ao seu redor, ele ouvia vozes exaltadas.

“Certo, Grant. Obrigado por tentar...”

“É melhor irem para a Sala Comunal da Grifinória. Os ânimos estão agitados por aqui...”

Mal a monitora acabou de falar, ouviu-se um barulho de vidro se quebrando e uma movimentação dentro da Sala Comunal da Sonserina entre gritos. A menina correu, atravessando o portal da sua Casa.

Remus, segurando a mão de Sirius, guiou-o ao lado de James.

“Venham. É melhor irmos. Na hora do jantar, podemos voltar aqui e tentar achar o Regulus de novo se ele não estiver no Salão Principal...”

Ao entrarem em um dos corredores, rumando em direção à Torre da Grifinória, os três rapazes quase esbarraram em Emily Davies, que, imediatamente, foi empurrada para longe pelo feitiço que Dumbledore colocara nela para se manter afastada dos garotos. Xingando um palavrão, ao trombar em uma parede, ela vociferou, transtornada:

“Vocês não deviam estar aqui!”

Davies tinha os olhos vermelhos e uma expressão deplorável. Ela tremia um pouco. Remus respondeu, detendo Sirius, que parecia se lembrar da raiva que sentia da sonserina.

“A gente veio em paz, Davies. Só viemos procurar o irmão do Sirius. Já estamos indo embora...”

Subindo as escadas, James olhou para trás e verificou que a garota levava as mãos à cabeça com pesar, sentando-se em um canto.

“Ela tava chorando...” — murmurou o rapaz.

“Acho que a notícia pegou até os corações mais duros da Sonserina de jeito...” — respondeu Remus.

Os três rapazes seguiram até a Sala Comunal da Grifinória e, chegando na entrada do quadro da Mulher Gorda, entenderam por que Regulus não fora encontrado. O garoto não havia se dirigido para a sua Casa.

O sonserino estava de cabeça baixa diante do quadro. Ele esperava por Sirius e, a cada estudante da Grifinória que passava, perguntava também pelo seu paradeiro. Aproximando-se dele, Sirius sentiu que precisava ser a borda em que o garoto se apoiaria durante a sua queda-livre no vazio, assim como Remus e James haviam sido para ele. Sem muito jeito, Sirius o puxou para um abraço como não fazia há muitos anos e deixou que o garoto, soluçando, rendesse-se ao pranto.

“Flores de freixo.” — murmurou James, a senha da Grifinória diante do quadro da Mulher Gorda, que se abriu para que ele e Remus atravessassem a passagem.

Os dois amigos entenderam que os irmãos Blacks, naquele momento, tinham um sentimento em comum que, algumas vezes na vida, expressariam e que se sincronizavam no sofrimento, na perda e na incompreensão. Era melhor dá-los algum tempo. Aqueles Blacks, que talvez fossem a curva daquela família problemática, entendiam juntos que a tristeza também fazia parte do todo quando se tinha um coração. Sentiam-se completamente perdidos e isso era terrivelmente humano. Sirius precisaria de cuidados. No entanto, naquela circunstância, ele era um adulto para Regulus. Ele era parte do seu sangue problemático e do caos daquela árvore genealógica. Era o seu único irmão.

Na Sala Comunal da Grifinória, reuniam-se alguns alunos, mas as Morganas não estavam lá. Lupin e Potter seguiram para o dormitório e lá, encontraram Pettigrew. James retirou o Mapa do Maroto de dentro da sua escrivaninha, verificando-o em silêncio. Foi Pettigrew que trouxe o assunto à tona:

“Como uma criança do primeiro ano sai sozinha de Hogwarts escondida?”

James, analisando ainda o mapa, retorquiu:

“As passagens secretas que levam à Hogsmeade são constantemente fiscalizadas por Filch, com exceção da do Salgueiro Lutador e da Estátua da bruxa corcunda de um olho só no corredor do terceiro andar.”

Remus, rendendo-se à tristeza após o impacto inicial, enxugou as lágrimas dos seus olhos com um lenço. Depois, ele tocou o seu nariz pelo hábito que tinha de ajustar os óculos.

“A Casa dos Gritos está com as portas e janelas vedadas não só com tábuas, mas com feitiços fortes o suficiente para reterem um lobisomem. Nem mesmo Dumbledore consegue aparatar lá devido ao número de encantamentos. Olivia não conseguiria sair de lá...”

James assentiu, apontando a passagem secreta no meio do corredor do terceiro andar.

“A gente demorou mais de três anos pra descobrir essa passagem que leva à Dedosdemel e a outra atrás do espelho do quarto andar, dois anos. Olivia as descobriu em meses? Além do mais, é necessário usar um feitiço para acessar a passagem da estátua da bruxa corcunda de um olho só...”

Pettigrew deu de ombros.

“Alguém pode ter contado pra ela. O próprio Sirius...”

Remus interveio.

“Sirius não falaria disso pra Olivia. Nós nunca falamos das passagens secretas do mapa com ninguém.”

“E ainda que Olivia usasse essa passagem secreta, como ela sairia em Dedosdemel sem ser vista? Nós estivemos lá! A loja estava cheia. Todas as vezes que usamos essa passagem, tivemos que usar a Capa da Invisibilidade para sairmos sem sermos notados. Como uma aluna do primeiro ano ia transitar por lá sem que percebessem?” — ponderou James.

“Mas, Potter, o mais estranho seria ela sair pelo portão principal. Como o Hagrid e os próprios colegas da Sonserina não a viram? Quem pode ter facilitado a saída dela, sabendo que a penalidade para isso é até uma expulsão?” — argumentou Pettigrew.

Remus, respirando fundo, trouxe outro assunto à tona.

“Um trouxa a matou... Entendo que existem trouxas tão ruins quanto existem bruxos péssimos. Mas, como Olivia esbarrou justamente num tipo desses nos arredores de Hogsmeade...?”

Pettigrew fitou Remus.

“Trouxas usam máquinas e artefatos que não entendemos. Você mesmo fala de um monte de coisas que a gente nunca viu, Remus. Ele pode ter roubado a magia dela de alguma forma...”

Remus sacudiu a cabeça um pouco alterado.

“Pettigrew, somos amigos há quase cinco anos e já falei mais de mil vezes que trouxas não tem como roubar a magia dos bruxos! Em primeiro lugar, a maioria dos trouxas nem sabe da nossa existência e os que acreditam nela, são chamados de lunáticos...”

“Mas no mundo trouxa de vocês, existem coisas que capturam a voz de alguém e até mesmo a música; têm aquelas caixas grandes que passam imagens de lugares distantes. Podem ter construído artefatos que roubam a magia, não...?”

James interveio.

“Pettigrew, Remus é bruxo! E se ele tá falando que não é possível, não é. A   gente não conhece muito do mundo trouxa e esse tipo de comentário é xenófobo, como Dumbledore sempre disse. Alguns velhos caducos de vez em quando escrevem essas bobagens no Profeta Diário e meia dúzia de leitores acredita nelas. Espero que não seja um deles...”

Pettigrew olhou Remus um pouco desconfiado.

“Não, só que, agora, tem uma bruxa morta pelas mãos de um trouxa. Como ele conseguiu isso sem magia...?”

Quando Sirius adentrou o dormitório quase uma hora depois, os amigos já haviam guardado o mapa. Com uma expressão cansada, o rapaz de cabelos compridos pediu para se deitar na cama de cortinado de Remus. Lupin foi buscar na ala hospitalar uma poção calmante para o rapaz, que caiu em um sono profundo.  Na hora de dormirem, à noite, Black ainda repousava e Remus combinou com os colegas de quarto de não o acordar.

“Sei que a regra do dormitório diz para não dormimos juntos na mesma cama, mas, hoje, tá sendo muito difícil pro Sirius e não quero acordá-lo. Não vai acontecer nada entre nós, eu garanto...”

Remus se deitou ao lado de Sirius, então, ajeitando as suas cobertas e se permitindo sentir o impacto e a tristeza daquele dia. Quando ouviu James o chamando do lado de fora do cortinado baixinho, o rapaz de cabelos castanhos afastou o tecido.

“Desculpa, Remmy, teve algo que não quis falar na frente do Pettigrew porque acho que só você e o Sirius entenderiam. A Davies e os Doyles faziam bullying com a Olivia. Não teria como eles a levaram pra fora da Escola?”

Remus levou a mão ao queixo.

“Acha que isso não passou pela minha cabeça, James? Mas esse trio foi proibido de ir hoje a Hogsmeade e, segundo a vigilância, eles permaneceram no Castelo. Várias pessoas os viram na Sala Comunal da Sonserina e no Salão Principal no horário do almoço. Não sair da Escola foi a penalidade aplicada a eles por puxarem briga com o Carlson na aula, conforme Regulus e Olivia nos contaram. Eu me informei um pouco quando fui buscar a poção calmante do Sirius...”

James franziu o cenho.

“Tá, mas por que tantos Aurores nos escoltaram de volta à Hogwarts, fiscalizaram as nossas identidades através da varinha e permaneceram no Salão Principal? Isso tudo é medo dos trouxas? Entendo o cuidado com os alunos, mas parece uma vigilância excessiva...”

Remus acompanhava o raciocínio do outro rapaz.

“A Parker disse que os Aurores ainda estão na Escola e que Dumbledore ainda não voltou. Tem alguma coisa muito maior acontecendo...”

James, por último, meio sem jeito, disse:

“Tem mais uma coisa, Remmy. Cuidado com os alunos da Sonserina. Você viu aquele pessoal discursando na frente da Sala Comunal da Casa deles? Estavam querendo descontar a raiva em todos os nascidos trouxa e mestiços. Lily me contou que, quando tava voltando para a Sala Comunal da Grifinória, duas garotas sonserinas a empurraram e chamaram ela de ‘sangue-ruim’. A Parker notificou as duas, mas a Lily disse que teve outras ocorrências com outros alunos nascidos trouxa e mestiços...”

Remus se forçou a sorrir com alguma amargura.

“Basta um empurrãozinho para todos se tornarem intolerantes, não é mesmo? Futuramente, dirão que agiram no calor do momento, que era coisa de adolescente e que devemos superar e esquecer. Que nem faziam no primeiro ano...”

Remus dormiu ao lado de Sirius e, durante a manhã, quando despertou, viu que o rapaz de cabelos compridos já havia acordado. Com os seus olhos vítreos, ele mirava as estrelas e os planetas desenhados no mapa de Astronomia pregados no teto.

“Como você está?” — indagou Remus, deitado de lado e com a mão apoiada sob o seu rosto.

Sirius fechou os olhos e abraçou o outro rapaz, afundando o rosto em seu peito. Não houve resposta.

Durante o dia, o Profeta Diário explorou o acontecimento ao máximo. Várias corujas sobrevoavam o Salão Principal, trazendo os jornais e os largando ruidosamente sobre as mesas das Casas no horário do café da manhã. Grupos de alunos que não eram assinantes da gazeta, espremiam-se ao lado de colegas que eram assinantes, a fim de acompanharem as notícias.

Houve vozes de horror e renovado choro. Uma coruja-das-torres trouxe o periódico de Remus, assim como outras duas trouxeram o de Lily e o de Parker. Com um olhar cúmplice, fitando Sirius, que se forçava a comer, os amigos guardaram a publicação dentro das suas vestes para lê-la depois. Quando Sirius estava no banho, o rapaz de cabelos castanhos desdobrou o jornal e o leu para James e Pettigrew.

No fim, os rapazes consideraram, de fato, melhor Black não ler as notícias. A capa exibia a manchete com uma foto tirada do local em que se encontrava alguns Aurores; Jordana Jonhson, chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia e o Ministro. Havia, ao fundo, um casebre com uma porta pintada de um tom de vermelho que estava descascado. O corpo de Olivia havia sido coberto com um lençol no chão enlameado.

Quando Remus abriu o jornal, ele fechou os olhos com pavor. Respirando fundo e com lágrimas nos olhos, o rapaz levou a mão à boca, tendo o coração acelerado. James tomou então o periódico de sua mão e compreendeu o Profeta Diário como o abutre que se deliciava com a carne de Olivia Stone.

Havia uma fotografia da garota morta no jornal. Algum repórter carniceiro, aproveitara-se de alguma distração dos investigadores e, levantando o lençol, fotografou Olivia desfigurada e sem vida. Não se importaram com a reação da família ou dos amigos quando vissem aquela foto. 

Dobrando o jornal enquanto se sentia nauseado, James leu a reportagem escrita. Havia inconformidade no texto, raiva e a cobrança de providências severas. O homem trouxa tinha a sua identidade ocultada pelo Ministério, que temia uma retaliação do mundo bruxo. Segundo o jornal, uma hora após o delito, o assassino havia confessado o seu crime em uma delegacia trouxa com as roupas e mãos sujas de sangue. Ele responderia às leis de seu mundo e o Profeta Diário ironizava essa decisão tomada pelo Ministério com a fala: “Trouxas primeiro sempre, não é mesmo?”

O maior peso era atribuído à Hogwarts e ao Professor Dumbledore por falhar na sua vigilância e, supostamente, ser ludibriado por uma criança de onze anos. O jornal ressaltava que Dumbledore agira depois, junto com o Ministro, trazendo os Aurores para a Escola, que perambulavam sem rumo e sem saberem o que fazer com uma ordem vaga e desencontrada de vigilância quando Olivia havia sido assassinada por um trouxa. Muitos pais e responsáveis não haviam gostado da ideia de seus filhos serem seguidos e interrogados por funcionários do governo que deveriam buscar por respostas fora do Castelo, onde havia acontecido o crime.              

Por último, era dito que o diretor de Hogwarts ainda estava em Londres, trancado em reuniões secretas com o Ministro e membros do Ministério enquanto o mundo pegava fogo e os bruxos exigiam uma explicação do que, afinal, acontecera. O enterro de Olivia Stone seria em Londres numa cerimônia reservada com a sua família, que, desolada, merecia também respostas.

Trocando um olhar significativo com James, Remus se sentiu muito inquieto.

Na segunda-feira, os alunos de Hogwarts tiveram as suas aulas suspensas e, apesar do funeral de Olivia ser em Londres, houve uma cerimônia nos gramados da Escola de despedida para a aluna da Sonserina. A chuva ainda não dava trégua e castigava o solo escorregadio. Marotos e Morganas, trajando preto dos pés à cabeça, caminhavam muito próximos. As lágrimas de Sirius haviam secado e o rapaz tinha a sua mão sendo segura por Remus. Havia ainda o silêncio e Black observou Regulus, do lado oposto, marchar com os seus colegas do primeiro ano que eram colegas também de Olivia.  

Black não pode deixar de erguer os seus olhos para o freixo do pátio da Escola quando passou por ele. Talvez fosse só a sua mente abalada e a falta de apetite do jovem que corroboraram para que visse, entre as folhagens, uma garotinha com corte de cabelo pixie e rosto sardento, trajando o uniforme da Escola enquanto assistia à marcha. Uma luz enevoada a seguia em vez da escuridão do dia e da morte.

Mary Macdonald, com as mãos nos bolsos do casaco, parada entre os colegas e olhando silenciosamente para o espaço em que Olivia havia talhado as iniciais do seu nome, fez Sirius crer que a bruxa necromante da Grifinória talvez enxergasse algo também ali. Mary pestanejou os olhos castanhos e permaneceu muito quieta, antes de colocar uma flor caída de freixo no bolso, suspirar e ir embora.

Depois, quando Sirius escrutinou com o olhar novamente as copas do freixo, ele percebeu que residia somente as sombras e a folhagem densa, que se movia ao sabor do vento. Olivia não se tornaria um fantasma.   

“Até qualquer dia, pirralha!” — murmurou Sirius muito baixinho, sabendo que precisava dizer aquelas palavras para si mesmo. Como um feitiço de amor que libertava.

 Na Escola, o afeto de Sirius seria sempre tido como incoerente. Ele era um atleta popular, rebelde, que tirava notas altas e que era tido como um dos rapazes mais bonitos pela maioria dos seus colegas. Tinha uma personalidade forte no dia a dia e ostentava uma sutil frieza com desconhecidos.

Black vinha de uma família nobre e rica. Poderia ter o amigo que quisesse em Hogwarts e, seguindo essa lógica, era natural ser próximo de James Potter, que se assemelhava a ele em muitos aspectos. No entanto, após isso, iniciava-se o contrassenso quando Sirius cruzava diariamente o Salão Principal para se sentar ao lado de Remus Lupin e de Peter Pettigrew, dois bruxos que não eram populares e que não vinham de famílias abastadas. Um era um cdf franzino e mestiço, filho único de uma família sem posses. O outro, mediano nos estudos e sem uma presença marcante em Hogwarts.

“Eles dividem o mesmo dormitório. Por isso, se falam...” — diziam alguns fofoqueiros.

Mas essa teoria se partia quando Sirius fazia os trabalhos em dupla propostos nas aulas com um dos dois; quando esperava Remus sair de alguma aula optativa para conversar com ele horas a fio em um banco do pátio; quando, ao lado de Lupin, Pettigrew e de Potter também, movimentava-se pela Escola, parecendo até mais ele mesmo.

Depois, vieram as Morganas e os outros alunos viam Sirius, no meio dos amigos, rindo como poucas vezes rira ao lado das namoradas. Olivia Stone fora a cereja do bolo das incoerências daquele ecossistema escolar. Ela era uma criança de uma Casa tida como rival da Grifinória; que sofria bullying entre os seus, mas, que, de alguma forma, acessara Sirius Black.

A amizade era um feitiço misterioso.

Na solenidade em Hogwarts, compareceram a Professora Sprout e o Professor Flitwick, que haviam retornado para Hogwarts no dia anterior e, ao lado de Slughorn e de McGonagall, proferiam palavras de despedida e consolo aos alunos. Os monitores da Sonserina também discursavam em nome da sua Casa.

Nesse ínterim, Sirius murmurou próximo aos seus amigos, finalmente falando após aquele tempo de prolongado silêncio:

“É uma grande hipocrisia essa ladainha toda porque quando conheci Olivia Stone, praticavam bullying com ela e muitos colegas da Sonserina fingiam que não viam. Quem são essas pessoas...?”

James, ouvindo a voz de Sirius, voltou-se para trás e retorquiu:

“Olá, Black! Que bom que já está se sentindo melhor para enxergar as incongruências de tudo isso...”

Sirius fitou os rostos na multidão.

“Estou as enxergando desde sábado, Potter. Só que só consegui voltar pra mim mesmo agora...”

Remus apertou o braço de Black, no mesmo momento em que Lily, diante de si, e Parker, ao seu lado, cochichavam algo.

As meninas indicaram alguns dos Aurores mais afastados que pareciam discutir, após uma luz prateada se aproximar deles. Rhyan, que havia escoltado os Marotos e as Morganas até Hogwarts, juntou-se aos dois homens. Alguns minutos depois, a Professora McGonagall e o Professor Flitwick se aproximaram do grupo, que caminhou em direção ao pátio. Uma Auror que se mantinha próxima aos alunos que discursavam deixou o seu posto também e seguiu para dentro do Castelo.

“O que diabos está acontecendo?” — indagou James.

   Após a cerimônia de despedida, no fim da tarde, os Aurores já haviam deixado a Escola por ordem do Ministério. Aparentemente, segundo o que noticiara o Profeta Diário vespertino, alguns pais e responsáveis, além da população bruxa, exigiam a retirada de militares do governo da Escola. Por pressão de figurões do mundo bruxo, um documento oficial fora emitido para que os Aurores investigassem perigos reais. Dumbledore, que se mantinha afastado de Hogwarts ainda, era ironizado novamente pelo jornal em suas decisões.

Hogwarts passou a ser protegida, então, somente pelos diretores das Casas e pelos outros professores. Em vista disso, demorou pouco para aquele ódio subterrâneo que regurgitava nas entranhas de Hogwarts, nas masmorras, arrastar-se pelos espaços úmidos da Escola e se alastrar por outros recintos, subindo escadas e alagando corredores. Lily Evans foi chamada de ‘sangue de merda’ por um grupo de sonserinos que passou por ela no mesmo dia em que os Aurores partiram. Foi defendida por James e seus amigos. Os garotos que a agrediram verbalmente retorquiram então:

“Estão do lado desses trouxas nojentos? Eles mataram uma de nós. Ela é igual a eles!”

Remus e Parker usaram a sua autoridade de monitores para advertirem os rapazes, que redarguiram irritados:

“Lupin tá se doendo porque é meio trouxa também!”

“E a Parker briga pela amiguinha sangue-ruim porque é simpatizante dos trouxas. Tem essa gigante e essa duende que também andam com ela. Ela só gosta de gente esquisita...”

Com um olhar severo, Remus e Julian desistiram de dialogar com os garotos, entregando-os ao Professor Slughorn para que os punisse do modo que ele achasse mais apropriado.

A surpresa maior na Escola se dera quando, no dia seguinte, as tensões alcançaram o Salão Principal. Não só na mesa da Sonserina, discutia-se a falta de pulso firme e tolerância extrema do Ministro em relação aos trouxas, mas, nas outras mesas, também. No Profeta Diário, houve notícias de atentados contra trouxas durante a noite e instaurava-se o burburinho do Ministro abdicar do seu cargo. Nas paredes do Beco Diagonal, ao lado de pichações como “Trouxas primeiro”, surgiam outras como “Justiça para Olivia Stone”.

“O mundo tá pirando.” — constatou Remus, após ler as notícias para os seus amigos, fechando o jornal.

“As pessoas tão reagindo como se o Ministro fosse responsável pelo crime. O trouxa responsável já está preso e vai sofrer as penalidades do mundo trouxa. Esse é o melhor Ministro que temos em anos e Jordana Johnson é incrível também. Minha mãe diz que se o Ministro abdicar, vamos ter um baita retrocesso nas leis e muitos bruxos com o pensamento torto vão querer pular em cima do cargo.” — opinou James.

“Meus pais odeiam o Ministro. Odeiam. Falam mal de todas as decisões dele e fazem campanha contra ele desde que foi eleito. Só por isso, já sei que o Ministro deve ter um bom caráter.” — ponderou, Sirius.

Pettigrew, meio sem jeito, interveio:

“Mas o crime se mantém sem explicações. Como a Stone saiu da Escola? E por que o trouxa a matou? Minha mãe me escreveu, falando de algumas teorias sobre roubo de magia...”

James bateu na mesa um pouco sem paciência.

“De novo essa história, Pettigrew? Você tá parecendo aqueles repórteres lunáticos do Profeta Diário ou o pessoal da Escola que nunca viu um trouxa na vida. Como podem roubar algo que é intransferível? Se houvesse esse poder, não nasceriam abortos nas famílias bruxas. Era só os pais transferirem um pouco de magia para os filhos e tava tudo resolvido. Mas não é assim... A magia nasce com um bruxo e, quando ele morre, vai com ele...”

Pettigrew respondeu com um pouco de irritação:

“E como bruxos nascidos trouxa como a Evans existem? Quero dizer... o pai, a mãe e a irmã dela são trouxas. Por que a Lily não é?”

Sirius interveio com alguma irritação também.                                                   

“Se prestasse mais atenção nas aulas, Pettigrew, saberia que casos como o dela e da senhora Lupin acontecem porque elas tiveram algum parente muito distante que se uniu a um bruxo ou bruxa. A magia deve ter permanecido adormecida e, em alguma geração, acordou.”

“O Remus disse que são chamados de delirantes os trouxas que pensam sobre magia e bruxaria. Mas pessoas como os avós dele e os pais da Lily, por exemplo, foram informados sobre a existência de magia e de Hogwarts quando as filhas tiveram que vir para a Escola. E se, por um acaso, essas pessoas contassem às outras e tentassem roubar a magia...?”

James levou a mão ao rosto sem paciência.

“Caramba, Pettigrew, você parece que não tá ouvindo nada do que a gente tá falando! Magia não pode ser roubada! O nosso mundo bruxo não é nem visível se a pessoa não for um bruxo ou, então, ela for conduzida por outro bruxo como os avós de Remus foram escoltados ao Beco Diagonal quando a senhora Lupin recebeu a carta de Hogwarts e os pais de Lily também foram. Para de dizer essas besteiras!”

“Então por que aquele trouxa fez aquela coisa horrível com uma de nós?”

“Porque existem trouxas tão ruins quanto bruxos ruins, Pettigrew. Quem matou a Olivia não fez isso para roubar a magia dela, mas para roubar a existência dela.” — respondeu Remus.

Sirius franziu o cenho.

“É como eu sempre digo. Ser estúpido dá muito mais trabalho do que ser inteligente. Além de fazer um papel ridículo diante dos outros, você acredita nas besteiras que qualquer um fala. Se você verificar quem assina essas teorias da conspiração contra trouxas, vai descobrir que é algum bruxo que nunca leu um livro inteiro; acredita em fofocas e deve ter perdido algum cargo para um nascido trouxa ou mestiço mais competente.”

Pettigrew pareceu um pouco desconcertado no mesmo momento em que uma coruja sobrevoou o Salão Principal e jogou um envelope diante de Remus. O rapaz, lendo o remetente, apressou-se a abri-lo e chamou Lily, que estava sentada com as Morganas, para mais perto.

“Chegou!” — avisou-a Remus, revelando alguns recortes de jornal com imagens que não se mexiam de dentro da carta.

Lily se aproximou do rapaz e deitou os seus olhos na notícia.

“O que estão tramando?” — indagou James.

“Eu e o Remus pensamos em pedir para as nossas mães acompanharem as notícias do crime nos jornais trouxas, tentando ver se elas achavam algo a mais sobre o que aconteceu. O Profeta Diário, enquanto fica falando mal do Ministro e de Dumbledore, deveria estar analisando esse material. Vejam, parece que a mãe do Remus mandou algo importante...”

“Vocês são brilhantes!” — falou Sirius, se levantando e se colocando atrás do rapaz de cabelos castanhos.

Remus começou a ler para os amigos a manchete do modo que ela foi publicada no The Guardian.

Uma menina chamada Olivia Stone, cuja família reside em Londres, foi assassinada em um terreno abandonado próximo à cidade de Dufftown no último sábado, dia XX. Segundo a polícia, a menina de 11 anos estava com o crânio esmagado por uma pedra e o seu assassino, Cameron Vass, apresentou-se à polícia da cidade, logo após o crime, confessando-o. As suas intenções ainda se mantém indefinidas e o advogado de Vass alega que o homem de 32 anos, residente de Deptford, e que vem trabalhando com entregas de móveis por todo o país há cinco anos, diz ter sofrido de um surto do qual nada se lembra. Segundo o advogado, Vass se recorda de estar dirigindo o seu caminhão e, quase uma hora depois, encontrar-se próximo ao corpo da criança. Vass não tinha passagem pela polícia e aguardará o julgamento em regime de prisão. Ele é casado e pai de dois filhos.   

Sirius, James e Pettigrew semicerraram os olhos, tentando entender algumas palavras.

“Tá muito técnica essa notícia. O que é um ad... ad... vogado, Remus?” — indagou Black. 

Remus explicou os termos do mundo trouxa que os amigos não conheciam. Depois, releu a notícia e os rapazes pareceram absorvê-la melhor. Lily ponderou, falando baixo:

“O nome do suspeito de matar Olivia é Cameron Vass. É melhor esconder o jornal bem escondido, Remus. O mundo bruxo, se o descobrir, irá atrás dele com essa sede de sangue que estão. Suspeito que convenceram de alguma forma o Profeta Diário a não divulgar o nome de Vass para se evitar uma barbárie.”

“Ele merecia Azkaban, Lily, e não essa prisão trouxa em que está!” — argumentou Pettigrew.

A menina de cabelos cor de cobre fitou os amigos e indagou, hesitante.

“Acreditam nessa história?”

“Não!” — retorquiram Sirius, James e Remus em uníssono.

“Sim!” — respondeu Pettigrew.

Os grifinórios se olharam um pouco desconfiados. Foi Sirius que começou a falar:

“Eu conheci Olivia! Ela não era do tipo de aluna rebelde e, talvez, subir no freixo do pátio tenha sido a coisa mais revolucionária que ela fez no tempo em que esteve aqui.” — Black deslizou o seu olhar até a mesa da Sonserina, observando Regulus bastante abatido e se forçando a comer — “Olivia parecia gostar das regras da Escola e não costumava ser penalizada com perda de pontos. Ela não fugiria para Hogsmeade e também não tinha amigos que pudessem facilitar a escapada dela. Mas o que torna pra mim essa história mais incoerente é saber que ela conhecia feitiços de defesa. Quero dizer, eu a treinei... Como um trouxa poderia se aproximar dela e a derrubar com tanta facilidade?”

Remus também interveio.

“O que o advogado de Vass disse só levanta mais suspeitas! Ele parece não se lembrar de nada. Se ele resolveu confessar o crime, por que ocultaria as suas motivações? Algo não faz sentido. Por outro lado, sabemos de alguns bons feitiços que podem confundir trouxas...”

Lily assentiu, feliz por Remus raciocinar da mesma forma que ela. Pettigrew, no entanto, franziu o cenho.

“Peraí, vocês tão sugerindo que a Olivia não foi morta pelo trouxa, mas por alguém do mundo bruxo? Isso não faz sentido! Ninguém pode aparatar e desaparatar em Hogwarts. O portão principal tava sendo vigiado naquele dia e fomos revistados na volta de Hogsmeade. Como alguém ia entrar ou sair daqui?”

Sirius respirou fundo.

“Sabem de quem eu suspeito...”

Remus sacudiu a cabeça.

“Os Doyles e a Davies não saíram de Hogwarts, Sirius.”

Lily permaneceu um tempo pensativa e o seu olhar cruzou com o de James.

Nesse momento, uma gritaria se ergueu na mesa da Grifinória. Um rapaz do sétimo ano apontava o dedo para o goleiro Dayal, parecendo transtornado.

“Tô por aqui com você, Dayal, dizendo que nem todos os trouxas são assim! Você entrou na nossa Escola por causa da lei que esse Ministro apoia que diz que todos que tenham até mesmo uma gota de sangue bruxo têm direito de estudar em Hogwarts, sendo que você é nascido-trouxa! A sua família é trouxa! Não deveria estar aqui! Não sei como faz pra usar magia, mas não deveria estar aqui!”

Winnie defendeu o rapaz, colocando-se ao lado dele e segurando a sua mão.

“Dayal é tão bruxo quanto você, Jeremias! Hogwarts é o lugar dele!”

 “Cala a boca, Rivers! Você também não deveria estar aqui! Tem esse sangue misturado com duendes, que também não são confiáveis! Esse não é o seu lugar e ninguém te chamou aqui, sangue ruim de duende!”

“Não fala assim com a minha namorada!” — partiu Dayal para cima do rapaz, subindo na mesa e pulando sobre ele em uma feroz troca de socos.

Os colegas tentaram apartá-los e, por fim, Parker, que já havia separado umas cinco brigas até aquele horário, com chateação na voz, anunciou:

“Trinta pontos a menos para a Grifinória! E se alguém mais aqui nessa mesa quiser dar uma de Chapéu Seletor para saber quem pode ou não pode frequentar Hogwarts, vai ser cinquenta pontos retirados! Parem de brigar! Estamos de luto!”

“Uau, Parker é durona!” — comentou Sirius, trazendo Dayal e Winnie para perto de si. Raven, que havia chegado no Salão naquele momento, massageou o ombro da amiga, afundando-o um pouco.

Uma voz vinda da mesa da Corvinal disse então:

“Parker fez isso só pra defender a Rivers e o Dayal, que são amigos dela. Mas o Jeremias não estava errado.”

Os monitores Carlson e Pride fizeram um gesto para o rapaz corvino que retrucara sobre a decisão da monitora da Grifinória ficar calado.

“Carlson se pudesse colocava todos os trouxas no colo e cantava pra eles dormirem. Morreu uma de nós, cara! Acorda! E, Pride, você é mestiço com veela e devia estar em casa se embonecando ou dando o rabo como gosta de dar e não em Hogwarts!”

Algumas pessoas abriram a boca em surpresa pelo modo como o corvino havia respondido ao monitor do sexto ano. Alguns risinhos se fizeram também e, entre alguns alunos do sétimo ano, ouviu-se a palavra Expresso de Hogwarts, que não se entendia muito bem o que tinha a ver com a conversa.

Pride chegou a sorver, calmamente, um gole do chá de sua xícara de arabescos antes de se erguer sobre os seus calcanhares e apontar a varinha para o rapaz sentado a alguma distância.

Estupefaço!”

Com um ruído sonoro, o rapaz, desacordado, escorregou do banco, caindo com a cabeça sobre o seu mingau. Sua cara tingiu-se de branco. Pride olhou todos ao redor que fitaram a sua resposta com algum assombro. Guardando novamente a varinha dentro das suas vestes, o rapaz retorquiu:

“Prefiro dar o rabo em Hogwarts em vez de dar em casa! E trinta pontos a menos para a Corvinal também. Se alguém mais encher o saco e não nos deixar terminar o café em paz, vai ser o dobro. Estamos de luto!”

Lily trocou um olhar com Raven em que as garotas prendiam o riso por causa do atrevimento autoconfiante de Pride. Logo em seguida, uma confusão começou também na mesa da Lufa-Lufa e os monitores precisaram intervir. Elliot Thomas, que já havia convidado Lily para sair no dia da partida de Quadribol de sua Casa contra a Sonserina e era um nascido-trouxa, defendia o seu amigo Noah Brown, que era mestiço. A Sonserina se mantinha em silêncio, espreitando as desavenças que borbulhavam no Salão Principal. Alguns garotos, sentados perto, zombaram do sangue do Ranhoso.

“Snape também tem essa parte trouxa.  Trouxas são asquerosos...”

“Sem dúvida...” — retorquiu com frieza o rapaz de cabelos muito lisos enquanto tomava o seu desjejum, confundindo um pouco os seus agressores.

“Snape é um de nós.” — interveio Lucius Malfoy sentado próximo, encerrando o assunto.

Severus se manteve um tempo pensativo.

A animosidade entre alunos sangue-puros, nascidos trouxa e mestiços se estendeu durante o resto do dia, alcançando também os mestiços com outras raças, numa democratização vil dos preconceitos. Remus e Parker, quando fizeram a ronda noturna dos corredores, foram acompanhados por Sirius e James. Eles encontraram Carlson e Pride apartando a briga de alguns alunos corvinos. Rebbecca Liljeberg, ex-namorada de Potter e prima de Carlson, estava envolvida na confusão e abraçava uma das artilheiras da sua Casa.

“Na hora que precisaram da Anna pra marcar pontos na artilharia do Quadribol, não se lembraram que ela é mestiça, mas agora, subitamente, pelas bobagens que o Profeta Diário escreveu, querem vê-la pelas costas. Vocês são patéticos!” — vociferava Rebbecca, apontando para uma garota e um garoto do sexto ano.

O casal retorquiu:

“Você e o seu primo, o Carlson, que são simpatizantes de trouxas. Ele que colocou trouxas para jogarem no Quadribol. Por isso, perdemos o último jogo contra a Grifinória!”

“Conquistamos a Taça no ano passado, seus mal-agradecidos!”

Pride interveio com impaciência.

“Todo mundo para a Sala Comunal agora! Precisamos esvaziar os corredores.”

“Não enche o saco, garoto veela!” — retorquiu a aluna que argumentava contra Rebbecca.

“Trinta pontos a menos para a Corvinal.” — declarou Joshua Pride, após um longo suspiro — “Não ligo se tiver que esvaziar as safiras dos contadores hoje. São os nomes de vocês, baderneiros, que vão constar como os responsáveis. Agora, caiam fora daqui!”

O casal da Corvinal, com visível indignação, foi embora. Anna também se foi, mas Rebbecca se demorou um pouco. Carlson, vendo Parker, Remus e os outros rapazes, cumprimentou-os. Por fim, ele disse, parecendo exausto enquanto afrouxava a gravata:

“Esse é o pior dia da minha vida como monitor. Parece que estou cuidando de crianças e toda hora tenho que separar uma confusão...”

“Nem fala...” — respondeu Parker, levando a mão à testa.

“Acho que cuidar de crianças é mais fácil...” — opinou Remus.

“Minha vontade é estuporar todo mundo com um bom feitiço e arrastar para a Sala Comunal da Corvinal. Mas Flitwick disse que isso é proibido.” — queixou-se Pride, sorrindo para James.

Potter encarou o rapaz por alguns segundos e depois, seus olhos se detiveram em Rebbecca, a sua ex-namorada com quem havia terminado de um modo bastante conturbado. A garota lhe lançava um olhar desconfiado e para desfazer o clima ruim, James perguntou a ela:

“Seu ombro tá melhor, Rebbecca? Soube que, no último jogo de Quadribol, você ficou no banco porque ele foi deslocado...”

A garota, pestanejando pelo rapaz falar com ela de uma forma educada, apalpou instintivamente o ombro. Desde que terminaram, os dois se diziam coisas horríveis, principalmente durante os jogos. Remus havia sinalizado a atitude incorreta de James e o rapaz, desde então, vinha tentando melhorar.

“Está sim... Obrigada por perguntar, Jimmy... Quer dizer, James...”

“Foi no Quadribol que você se contundiu?”

“Não... Foi alguém da Sonserina que me acertou...”

“Quem?” — indagou James, franzindo o cenho.

“Davos Doyle.”

Bastou a corvina falar o nome do rapaz sonserino para que James, sem conseguir disfarçar, olhasse imediatamente para Sirius.

“Davos Doyle?! Por quê...?”

“Rebba, é melhor você voltar para a Sala Comunal da Corvinal...” — instruiu-lhe Carlson, tocando o braço da prima e cochichando algo no seu ouvido.

A ex-namorada de James baixou o rosto e retorquiu meio atarantada:

“Foi acidental... Bom, é melhor eu ir...”

James e Sirius tinham uma expressão séria e, fitando Remus, eles viram que o garoto, com as mãos nos bolsos, olhava para o chão. Parker também estava em silêncio e acenou para Rebbecca que subia o corredor.  

Pride, olhando de um colega para outro, comentou:

“Agora foi a vez de James Potter esbarrar na ex...”

Remus, voltando para a situação, franziu o cenho e falou:

“Você anda sempre tão informado sobre a vida dos grifinórios, não é mesmo, Pride?” 

Pride sorriu e olhou para James, respondendo:

“Só dos que me interessam...”

Potter observou, então, Joshua Pride sorrir-lhe. Havia uma aura diferente ao redor do seu rosto, uma harmonia quase irreal no formato dos seus olhos, do seu nariz arrebitado, da sua boca. A luz das velas nos castiçais reluzia em seus piercings, em seu cabelo muito claro, no azul das suas retinas.

 E era como se o seu sorriso de dentes muito brancos o retivesse preso naquele momento, que parecia ilusório, onírico. Não havia sons, ruídos ou vozes, mas somente aquela sensação extremamente prazerosa e lânguida que abraçava o seu corpo como se tivesse acabado de fazer amor, como se beijassem James em cada pedaço da sua pele. Na linha de sua coluna, no pescoço, na nuca... Ele se sentia arrepiar. Por último, havia um perfume delicado em suas narinas e um gosto quente na língua do rapaz. Foi o estalar de dedos de Parker que despertou James.

Movendo a cabeça, o rapaz de cabelos rebeldes percebeu que Pride não lhe sorria mais, mas respondia com agressividade a algum desaforo de Remus. Sirius o olhava com curiosidade e Parker tocava em seu ombro, perguntando se ele estava a enxergando.

“Acho que cochilei em pé...” — respondeu James, esfregando os olhos.

Remus retorquiu com irritação:

 “Cochilou coisa nenhuma! É o Pride usando o poder dele de veela em você. Para de seduzir os meus amigos, Pride! E não pensa que porque sou monitor que eu não posso te mandar se foder. Eu posso e vou mandar. Vai se foder!” — respondeu Remus, apontando o dedo em riste para o monitor corvino como se fosse uma varinha.

Sirius segurou Remus que parecia querer avançar para o outro rapaz.

“Eu não controlo esse poder, Lupin! É como a magia que escapa do corpo dos bruxos. Por que você me detesta?”

Carlson segurava Pride.

“Porque você fica sempre cruzando o meu caminho. Para de se meter com o pessoal da Grifinória!”

“E você é o fundador da Grifinória por acaso para decidir alguma coisa? Foi você que cruzou a fronteira da Corvinal primeiro quando namorou o Carlson. Agora, aguenta...”

Os dois rapazes eram seguros firmemente por Sirius e Carlson. Parker, vendo a situação, interferiu com uma voz severa. Ela lembrava um pouco a Professora McGonagall. 

“Agora vão ser vocês dois que vão começar a brigar no corredor por causa das Casas? Me admiro de você, Pride, e de você também, Remus! Chega! Estamos de luto e precisamos dar o exemplo como monitores! Carlson, leva o Pride para a Sala Comunal da Corvinal que eu vou levar os três para a Sala Comunal da Grifinória. Não quero ouvir um pio...”  

Pride fez menção de replicar algo, mas a menina fez um gesto diante dos lábios, pedindo silêncio. Carlson puxou o rapaz para perto de si, subindo os dois o corredor. Parker, por sua vez, escoltou Remus, Sirius e James de volta para a Sala Comunal da Grifinória.

Chegando lá e vendo a monitora subir a escadaria do dormitório, parecendo exausta, Remus tomou um leão de cristal que tinha sobre a lareira em suas mãos e o espatifou com raiva no chão. Sirius, olhando para os alunos ali presentes que fitavam com estranheza a reação do comedido monitor do quinto ano, usou a sua varinha para reparar o objeto, colocando-o de volta sobre a lareira imediatamente.

“Detesto o Pride! Oferecido!” — explodiu Remus.

James ainda estava um pouco confuso e tentou entender o que havia acontecido.

“O que houve afinal? Quanto tempo fiquei fora de órbita?”

“Uns três minutos! A Parker e eu ficamos te sacudindo e chamando o seu nome, James... Você ficou sorrindo para o Pride com cara de tonto...”

James, tirando os óculos e esfregando os olhos, retorquiu com uma risada que foi acompanhada por Sirius.

“Mas ouvi o doce Remmy mandando o Pride se foder, então, acho que, pelo menos, não perdi os melhores momentos...”

Remus ainda estava indócil.

“É pelos olhos que ele encanta as pessoas! Você deve ter ficado olhando pra ele...”

“Mas eu já olhei pra ele outras vezes e nunca fui enfeitiçado...”

“Não sei se ele controla esse poder ou se não tem mesmo muito manejo sobre ele, mas é um saco!” — e, apontando para Sirius, acrescentou: “Se fosse você, eu furava os olhos dele...”

Sirius riu, sacudindo a cabeça.

“Achei que já tinha ficado bravo o suficiente, lobinho, quando ele mostrou as tatuagens da árvore e do corvo pra gente, mas agora está muito pior. Deixa pra lá. Lembra do que conversamos...”

“Aquela tatuagem não era de um corvo. Parecia mais um pombo!”

James esperou um tempo Remus vociferar a sua chateação e ser acalmado por Sirius. Por fim, ele disse:

“Nunca havia sido enfeitiçado pelo poder de veela e, apesar de achar a experiência curiosa, estou mais interessado em falar com vocês à respeito do que a Rebbecca comentou sobre o Davos ter deslocado o ombro dela com um feitiço...”

Sirius respondeu com gravidade.

“Foi impressão minha ou o primo tentou tirar ela de perto da gente pra não falar mais do que devia...?”

“Sim! Rebbecca ficou fora dos treinos e sem poder jogar por causa do ombro machucado. Que falta de sorte ser atingida acidentalmente por um feitiço assim, não? Por um feitiço lançado por um dos Doyles!”

Remus estava sentado nas costas do sofá com as mãos apoiadas. Em silêncio. Sirius o fitou.

“E é claro que você, lobinho, a Parker e o Carlson, que são monitores, sabem do que essa merda toda se trata, mas você não pode falar nada, não é? Potter, sua ex-namorada, a Rebbecca, você tem que interpelar ela sem o Carlson por perto...”

James pareceu um pouco desconcertado.

“A gente terminou de um modo muito feio e aquelas palavras que trocamos é o mais civilizado que chegamos de alguma cordialidade entre nós. Não sei se ela vai encarar de boa eu encurralá-la num canto e fazer perguntas...”

Sirius respirou fundo.

“Então, voltamos à estaca zero. Mas o que mais me deixa intrigado é o nome dos Doyles retornar o tempo todo... Precisamos ler os sinais...”

Quando os garotos voltaram para o dormitório, eles encontraram Pettigrew, ansioso para encontrá-los, próximo à janela. Um fofoqueiro sem poder espalhar notícias era uma punição. 

“Dumbledore voltou para a Escola! Ouvi o pessoal do sétimo ano dizendo isso e confirmei a informação no mapa! O diretor está na sala dele andando de um lado para o outro como costuma fazer.”

Remus respirou um pouco aliviado.

“Enfim, uma boa notícia... Pelo menos, acho que os alunos vão parar de perseguir os nascidos trouxas e os mestiços diante de Dumbledore...”

Sirius e James pareciam também satisfeitos com a notícia.

“O crime e esses dias sem aula deixaram as pessoas transtornadas. Estou triste ainda pelo que aconteceu e parece que estou num pesadelo. Mas as pessoas estão surtadas.” — comentou o rapaz de cabelos compridos, tirando o seu pijama de dentro de um baú. 

  Os quatro rapazes conversaram mais um pouco e resolveram ir se deitar. Fora da Escola, ainda chovia forte e a noite estava gelada. As luzes se apagaram e todos, quase que imediatamente, caíram no sono. Remus puxou a coberta, cobrindo o seu rosto e sentindo que nem mesmo os feitiços para climatizar o ambiente afugentavam a friagem de outono de dentro do Castelo. Seus sonhos vergaram por estradas confusas em que ele observava de longe um casal de unicórnios sorvendo a água de um riacho.  

Horas depois, foi com batidas fortes na porta que os Marotos acordaram. Com o cabelo desgrenhado e o rosto inchado, Pettigrew usou a sua varinha para iluminar o quarto.

“Que diabos é isso? Quem pode ser a essa hora?”

Sirius se levantou meio tonto e viu Remus afastar o cortinado da sua cama com cara de sono. James tentava alcançar os seus óculos sobre a cômoda ao seu lado, sem muito sucesso.

Quando o rapaz de cabelos compridos abriu a porta, deparou-se com Parker, usando um robe por sobre o pijama. Ela estava despenteada também. A menina parecia ter sido arrancada de sua cama à força.

“Desculpa, Black. Todo mundo para a Sala Comunal agora. Ordens da Professora McGonagall. Fala para o Remus se apressar porque disseram que vão precisar dos monitores.”

Sirius franziu o cenho e consultou o relógio em seu pulso. Eram 3:45 da manhã.

“Por que, Parker? O que houve?”

“Não sei, Black, mas deve ser algo bem sério...”

Sirius fitou o corredor e viu as monitoras do sexto e do sétimo ano batendo também nas outras portas dos quartos da ala masculina, despertando os alunos, que, sonolentos, tentavam se situar.

“Tá bem. Já estamos indo...”

Sirius deu o recado aos amigos, que o receberam com profunda estranheza.

“O que foi que aconteceu de grave agora para acordarem a gente de madrugada?” — indagou James, saindo do banheiro após lavar o rosto.

Remus, atordoado ainda, ao invés de tomar o caminho do banheiro, tomava o do armário, que tinha a porta aberta. Sirius o situou, puxando-o em direção ao lavatório.

Quando chegaram à Sala Comunal, os garotos se depararam com uma massa de alunos trajando pijamas e com as caras devastadas pelo sono. As Morganas se mantinham juntas, todas com alguma tensão em seus rostos. A Professora McGonagall permanecia de pé próxima à lareira com um sobretudo xadrez. Quando o último aluno desceu a escadaria do dormitório, ela se colocou a falar sem meandros. Até mesmo o fantasma Nick Quase-sem-Cabeça veio escutá-la. 

“Todos os senhores e os outros alunos de Hogwarts terão que, impreterivelmente, voltar amanhã para casa. Preparem as suas malas. O trem partirá às onze horas.”

Um levante de vozes se ouviu na multidão em protesto. A Professora prosseguiu.

“...A diretoria e o corpo docente da Escola estão sob investigação pelo Ministério. Foi orientado que os senhores retornassem para os seus lares por tempo indeterminado.”

“O QUÊ?!”

Potter se pronunciou, dizendo:

“Mas o Ministro vai recorrer, não vai, Professora? Ele apoia Hogwarts e não deixaria a Escola ser fechada...”

McGonagall respirou fundo e havia gravidade em seu rosto.

“Não podemos contar com o Ministro, senhor Potter.” — o olhar da diretora da Grifinória passeou pelos alunos, então, antes de prosseguir — “Ele foi encontrado morto no início da noite de hoje ao lado da sua esposa, Jordana Johnson. Será noticiado no Profeta Diário durante a manhã... Fomos informados por um enviado do Ministério há pouco. Eu sinto muito. Sei que são perdas irreparáveis, mas precisamos que evacuem a Escola. Seus pais e responsáveis serão informados amanhã logo cedo do retorno de vocês.”

Os alunos se mantiveram tão atordoados que mal conseguiam retorquir com palavras. James, reunindo alguma coragem, indagou a diretora da sua Casa:

“Quem fez isso com o Ministro e a esposa dele, Professora?”

Parecendo tentar encontrar palavras, ela respondeu de um modo discreto:

“Saberão por meio dos veículos de notícia amanhã, senhor Potter, mas, segundo o enviado do Ministério, o próprio Ministro fez... Agora, vou pedir que comecem a arrumar as suas malas. Monitores, cuidem para que os alunos voltem para os seus respectivos quartos e evacuem a Sala Comunal e os corredores. Vamos, mexam-se!”

Quando os Marotos e as Morganas se olharam, todos tinham aquelas expressões confusas. Parker e Remus precisaram, ao lado dos monitores do sexto e do sétimo ano, apressarem os alunos para que se retirassem da Sala Comunal e seguissem para os dormitórios.

Sirius subiu a escada, sentindo que havia problemas demais com os quais lidar. Ele sofria ainda pela morte de Olivia e vinha agora a notícia da morte do Ministro e da Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia... O Ministro, que até então, vinha fazendo uma campanha que defendia a permanência em Hogwarts de pessoas como Remus, Lily, Winnie e Raven e que se esforçava pela paz entre os povos no mundo da Magia. O bruxo que seus pais detestavam profundamente estava morto.

Isso lembrou Sirius de algo que fez as suas entranhas se revirarem e ele estancou alguns segundos na escadaria, impedindo o fluxo que subia atrás de si. Ele ia voltar para casa. James, parecendo captar a angústia e o tormento que atravessavam, fulminantes, o corpo do amigo, puxou o seu braço, trazendo-o para a realidade.

Remus permaneceu evacuando a Sala Comunal junto de Parker enquanto os outros monitores cuidavam das escadas e dos corredores. O rapaz de cabelos castanhos se deteve diante do sofá, observando Peter Olsen, que permanecia sentado lá com um olhar alheio. Fitando-o, Lupin o chamou:

“Olsen, você deve seguir para o seu quarto! Não pode ficar aqui!”

O rapaz, parecendo ser trazido à realidade subitamente, levou as mãos à cabeça, alinhando os seus cabelos cacheados. Mirando, Remus, ele falou com os olhos um tanto úmidos:

“Meu pai trabalhou no Ministério a vida toda e sempre achei o setor burocrático muito chato. Ele ficava na mesa do jantar, falando horas e horas do trabalho e das decisões do Ministro e da esposa do Ministro que cuidava do Departamento de Execução das Leis da Magia... Para desespero do meu pai, eu sou burro e nunca guardei nenhuma informação do que ele queria que eu soubesse. Como a Professora McGonagall disse que era mesmo o nome da esposa do Ministro?”

  Remus fitou o grifinório com estranheza. Ele mexeu nos seus óculos de fundo de garrafa, ajustando-o sobre o nariz.

“Jordana Johnson.”

Olsen pareceu ligeiramente atordoado. Ele abriu a boca para dizer algo, mas a fechou imediatamente. Sua expressão parecia denunciar um profundo nervosismo.

“O que foi, Olsen? Sabe de alguma coisa?” — interpelou-o Remus, intrigado.

O rapaz titubeou e, por fim, baixou a cabeça.

“Não... Como eu poderia saber de algo? Eu sou um completo imbecil, Lupin...” — respondeu o rapaz, se levantando apressado e correndo em direção à escadaria do dormitório.

Remus fez menção de chamá-lo, mas se deteve. Um livro com a capa escura de couro fora esquecido sobre o sofá. Na sua lombada, em dourado, constava o carimbo da biblioteca de Hogwarts. Apanhando-o nas mãos e virando-o, Remus pode ler o título do exemplar em letras desenhadas com curvas rebuscadas: “Magia Negra das famílias bruxas mui antigas”.

 

 

 

Chapter 14: Garoto Veela

Chapter Text

https://www.youtube.com/watch?v=ug9-sTy8Fho

 

 

No Expresso de volta para Londres, Remus narrou o que havia acontecido na Sala Comunal da Grifinória e mostrou o livro que havia achado para Sirius e James. Os três rapazes tinham os olhos um pouco pesados e manchas escuras sob eles devido à noite de sono mal dormida. Pettigrew, sem hesitar, havia enrolado a sua jaqueta contra a vidraça da janela, usando-a como travesseiro desde a hora que chegara. Ele dormia profundamente e roncava um pouco.

“Não sei se fico surpreso pelo Olsen estar lendo livros de magia negra ou por ele estar lendo. “— comentou Sirius, folheando o exemplar.

James, que conferia mais uma vez o Profeta Diário emprestado por Remus, comentou:

“Por que o Olsen ia querer se certificar do nome da esposa do Ministro? Isso é bem estranho. Aliás, continuo achando um disparate essas suspeitas de que o Ministro matou Jordana e depois, se suicidou com culpa. Eles pareciam ser não somente casados, mas também bem afinados nas suas opiniões.”

Remus assentiu.

No jornal, fora noticiado que, aparentemente, havia suspeitas de que Jordana Johnson, esposa do Ministro e chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia, havia descoberto envolvimentos escusos da autoridade com trouxas.

Segundo o Profeta Diário, haviam sido encontradas na casa do casal provas de permissividade do Ministro diante do conhecimento e acesso dos trouxas ao mundo da Magia. Além disso, foram localizados documentos de Hogwarts e cartas trocadas com Dumbledore no escritório da residência do casal, que apontavam a necessidade de se trazer mais trouxas para a Escola. Supostamente, Jordana havia confrontado o Ministro após a sua descoberta e, em um duelo, ele haveria a acertado de forma letal. Com remorso, o Ministro haveria se matado logo em seguida. As varinhas dos dois foram encaminhadas para a perícia. 

Agora, o Ministério se tornava um pandemônio e Hogwarts estava sob investigação. No Expresso, novos confrontos entre alunos sangue-puro contra alunos nascidos trouxa e mestiços borbulhavam. Os Marotos haviam se fechado em sua cabine de quatro lugares e no reservado vizinho, as Morganas se mantinham juntas. Fora do vagão, uma tempestade castigava a paisagem de árvores, montanhas e cidadezinhas distantes. As vidraças estavam embaçadas e o céu, escuro como se não tivesse amanhecido.  

Remus comentou, após mastigar um bombom explosivo que havia comprado no carrinho de doces do Expresso.

“Nada faz sentido algum. Primeiro, o assassinato da Olivia e agora, a morte do Ministro, de Jordana Johnson e a investigação em Hogwarts. E, nisso tudo, os trouxas estão sendo demonizados por todos os lados no Profeta Diário...” — o rapaz de cabelos castanhos indicava uma charge em que um trouxa aparecia encolhido atrás de um bruxo, roubando a varinha das suas vestes sem ser visto.

Sirius se detinha, lendo algumas páginas do livro que Remus o emprestara. Ele conhecia alguns daqueles feitiços por alto através dos Blacks, mas, no geral, parecia só uma catalogação sem muito aprofundamento de magia negra praticada dentro de algumas famílias europeias. Mastigando uma bola de chicle, o rapaz de cabelos compridos falou:

“Eu poderia pensar que o Olsen sabe de algo, mas ele é tão estúpido que duvido muito. Este livro é também bem ordinário...”

James franziu o cenho.

“A poção que o Olsen preparou quase acabou com o Remus, Sirius. Talvez esteja o subestimando...”

Sirius fechou o livro, devolvendo-o a Remus. Sua expressão parecia um pouco chateada.

“Pode ser, mas daí, considerá-lo relevante ao extremo para tudo o que está acontecendo já é demais. Esse livro é bem superficial e cheio de figuras. Só a parte dos Maledictus parece um pouco mais aprofundada, mas, de resto... Tem uma dúzia de feitiços aí que poderiam ser assinados pelos Blacks, mas são assinados por bruxos franceses... Os Blacks... Caramba, não acredito que tô voltando pra casa. Não me preparei mentalmente pra isso...”

O rapaz de cabelos compridos levou as mãos ao rosto, parecendo sentir a exaustão da noite mal dormida. James, com uma expressão que parecia entender a angústia do amigo, falou:

“Se conseguir convencer eles a te deixarem ficar lá em casa, seria ótimo...”

“Ou na minha casa...” — falou Remus. 

“Não sei... Sabem como eles são. Pode ser que não me deixem botar a cara na porta de novo. Isso, por tempo indeterminado, vai ser um saco...”

Remus respirou fundo, dizendo:

“Você vai tomar o cuidado de não os aborrecer pra eles não te torturarem, Sirius. Não provoca os Blacks ou cai na provocação deles. Se eles falarem mal dos trouxas, fica calado. Se falarem mal do Ministro, fica quieto. Se falarem mal de mim ou de James, silêncio! Sei que odeia as merdas que eles te falam, mas tem horas pra se revidar e horas pra se observar. Enquanto tiver sob o teto deles, você tem que se desviar e não bater de frente.”

“Sabe como é difícil fazer o que tá me pedindo, lobinho?”

“Sei, mas não tem outro jeito. E me dá o seu anel! Ele vai ficar comigo enquanto estiver com eles. Eles não podem nem sonhar que você tá comigo. Não quero ficar sem poder te ver por tempo indeterminado...”

Sirius retirou o anel do dedo anular e Remus o guardou. James comentou então:

“Remus tem razão, Sirius. Talvez não desafiar os Blacks seja uma boa escolha durante esse tempo. Sei que é um saco, amigo, e que você não se aguenta, mas é melhor ser um pouco mais astuto dessa vez...”

O rapaz de cabelos compridos respirou fundo, olhando a paisagem embaçada da vidraça úmida, que se apresentava como um conjunto de borrões verde e cinza. Após o horário do almoço, Parker veio encontrar Remus na sua cabine para inspecionarem juntos o corredor do trem. Lily acompanhou a amiga até o compartimento onde os Marotos se encontravam. Ela se sentou um pouco com os rapazes, aproveitando que Pettigrew havia ido atrás de Parker com a desculpa de esticar as pernas.

Lily discutiu com Black e Potter as notícias do Profeta Diário, compartilhando de uma visão bastante parecida com a deles. Depois, ela permaneceu um tempo em silêncio, lendo uma notícia sobre o desaparecimento de dois unicórnios centenários de uma reserva natural coordenada por Newt Scamander.    

James fitava a menina de cabelos cor de cobre, lembrando-se da sua curiosidade que se mantinha em suspenso. Trocando um olhar tácito com Sirius, James ousou arriscar. Ele não poderia entrar em um período de recesso por tempo indefinido sem tentar pelo menos descobrir a verdade.  

“Desculpa mudar de assunto, Evans, mas tô pra te perguntar uma coisa já faz um tempo. Sobre aquela manhã antes de irmos pra Hogsmeade em que você usou magia negra contra os Doyles... Por que tava com tanta raiva deles...? Por que escolheu eles?”

 Lily se encolheu diante da pergunta do rapaz, arqueando um pouco os seus ombros. Ela abriu a boca para dizer algo, mas pareceu pensar melhor e a fechou. Depois, a jovem olhou para os lados e se viu sem as Morganas por perto para tirá-la dali ou inventarem alguma desculpa. Remus também estava ausente. Só havia James e Sirius, que a fitava também com olhos cinzentos curiosos. A menina cruzou os braços diante de si e respondeu:

“Não sei se posso falar disso, Potter...”

“Somos amigos, não somos?”

Lily o fitou com o seu aparelho ortodôntico. A sua voz saiu alterada quando ela respondeu:

“Somos, mas é que...”

Ela fitou novamente os dois rapazes, respirando fundo. Permaneceu um tempo calada. Por fim, ela pareceu ceder. 

“Ok, mas não comentem isso com ninguém.”

Os dois rapazes assentiram e aproximaram as suas cabeças quando a garota começou a falar em um murmúrio.

“Estão inteirados sobre o atentado no metrô de Londres que aconteceu em meados de agosto, não é? O atentado que matou vários trouxas e deixou muitos feridos? Sabem que o pai e o irmão de Damon e Davos estavam sendo investigados por estarem envolvidos, não sabem?”

“Sim! Saiu nos tabloides, mas tenho certeza de que eles estão tentando se safar, usando o dinheiro e a influência para se livrarem das acusações...” — respondeu Sirius.

A menina respirou fundo outra vez.

“Meus pais, a minha irmã e eu íamos fazer um programa em família nesse dia. As férias estavam já quase acabando e a minha mãe sempre dizia que eu estava muito distante dela, envolvida só com o mundo da magia e deixando a família, o mundo trouxa de lado... Estávamos juntos quando começaram a explodir tudo e todos no metrô de Londres... Foi assustador!”

James arregalou os olhos.

“Você e a sua família estavam no atentado de agosto?!”

A menina assentiu.

“Meus pais e Petúnia viram só explosões, mas eu vi bruxos encapuzados, usando feitiços nas pessoas... Na hora, acho que produzi magia sem que conseguisse controlar. No Ministério, disseram que foi um feitiço de autodefesa que alguns bruxos manifestam em momentos críticos. Eu abracei a minha família e ficamos dentro de um escudo enquanto víamos tudo voar pelos ares; enquanto víamos as pessoas morrerem...”

Lily tremia levemente e seus olhos se encheram de água. James segurou a sua mão. Ela estava gelada.

“Lily, eu sinto muito...”

A menina enxugou uma lágrima que caiu dos seus olhos muito verdes.

“Mas o escudo rompeu e nos ferimos. A minha mãe precisou ser levada para o hospital porque estava em estado grave. A minha irmã me culpou pelo que aconteceu...”

Sirius interveio.

“Não foi culpa sua, Evans! Você tentou protegê-los daqueles assassinos. A sua mãe está bem agora?”

A menina assentiu.

“Está melhor e em casa, mas ficou durante muitos dias com problemas de locomoção, internada no hospital...”

A estudante da Grifinória fungou brevemente, fitando um ponto distante.

“... Bom, acho que vocês talvez já saibam onde isso nos leva... Quando os Aurores descobriram que tinha uma bruxa nascida trouxa entre as vítimas, eles vieram me interrogar. Eles trouxeram algumas fotografias de bruxos que já eram envolvidos com terrorismo contra trouxas. Eu me lembrava de alguns rostos. Lembrava principalmente de dois. Como podia esquecer dos homens que apontaram as varinhas várias vezes para a minha barreira, tentando destrui-la, rindo, gargalhando feito loucos...’”

James e Sirius trocaram um olhar e tudo se tornou claro.

“...É isso mesmo... Foram o pai e o irmão dos gêmeos Doyles que participaram do atentado... Foram os dois que destruíram a minha barreira, quase matando a minha mãe... E fui eu que os delatei.”

Potter apertou mais forte a mão da garota.

“É por isso que aquele cretino do Damon te intimidou? Foi por isso que no dia que Sirius e eu brigamos com eles, eles te ameaçaram, Lily?”

A menina tinha uma expressão triste e pareceu escolher as palavras na hora de falar.

“Ele me ameaça às vezes, mas os Aurores mantiveram os Evans sob vigilância por causa do programa de proteção às testemunhas. Na verdade, não sei como os Doyles descobriram que fui eu que os delatei. A Julian disse que eles devem ter usado a influência deles.”

Sirius fitou o rosto da menina e de James diante de si. Intrigado, ele perguntou:

“O Damon tentou se aproximar de você?”

Lily pareceu um pouco nervosa.

“Por que tá me perguntando isso, Black?”

“Porque nas primeiras semanas de aula, vi você conversando com o Damon e achei estranho na ocasião. Não éramos amigos na época, mas eu conhecia os Doyles por causa da minha família purista. Não consegui encontrar sentido naquele cara conversando com você...”

Lily soltou a mão de James, cruzou os braços e fitou o chão.

“O desgraçado do Damon se fingiu de bonzinho no início do quinto ano. Disse que eu tinha feito bem em delatar o pai e o irmão dele; que a família dele era muito difícil; que ele era da Sonserina porque os Doyles tinham um estigma horrível, mas que era diferente e que não era como eles, que era contra a perseguição de trouxas. Encheu o meu ouvido de blá blá blá, que eu, idiota, acreditei...”

“Conheço essa história e, assim como eu, devem ter muitos alunos com famílias péssimas em Hogwarts. Mas eu conheço os Doyles. Eles nunca foram flor que se cheire e nasceram no ninho certo, Lily ...” — retorquiu Sirius.

“Julian tentou me alertar na época. Michael também. Então, eu me afastei...”

James franziu o cenho.

“E por que acha que ele tentou se aproximar de você?”

A menina, fitando o chão, deu de ombros:

“Não sei...”

“A raiva que você sente é do atentado ao metrô de Londres e pelo que o pai e o irmão dos Doyles fizeram com a sua família?” — indagou James.

“Uhum.” — respondeu, a garota, roendo um pouco uma de suas unhas.

“... E por Damon tentar te enganar...?”

“Uhum.” — Lily evitava olhar os amigos.

“Aconteceu mais alguma coisa?”

“Não, foi só isso..., mas essa história toda é muito séria. Preciso que jurem guardar segredo. Remus e as Morganas sabem dela, mas, por favor, não comentem com mais ninguém...”

Os garotos assentiram e alguns minutos depois, a menina quis se retirar, retornando para a sua cabine. Ela parecia extenuada por ser obrigada a visitar lembranças tristes e pela noite de sono mal dormida também.

Foi James que lançou a sua última isca para tentar saber de toda a verdade. O rapaz de cabelos rebeldes trocava um olhar significativo com Sirius e os dois garotos pareciam se comunicar em silêncio. Aquela era parte da história. Havia outras peças que pareciam faltar. Quando Lily se retirava da cabine, Potter comentou:

“Os Doyles são mesmo muito covardes. Você soube que Davos atirou contra Rebbecca Liljeberg e machucou o ombro dela?”

Lily se deteve, abrindo a porta do compartimento. Ainda de costas, ela retorquiu:

“Eu sei. Carlson ficou furioso por quererem acertar a prima dele...”

Sirius pestanejou, vendo Lily ir embora enquanto dava passagem para Remus voltar. O rapaz de cabelos castanhos percebeu o olhar brilhante dos dois amigos sem nenhuma sombra de sono. Rapidamente, eles narraram para Lupin tudo o que Lily lhes havia contado.

Remus ouviu tudo com atenção e, ao fim da história, moveu um pouco os olhos, pensativo. Ele permanecia muito quieto. James analisou a expressão do amigo.

“Te conheço bem o suficiente pra saber pela sua cara que essa é só a ponta do iceberg. Tem mais sujeira nessa história, não tem, Remus? Lily disse que Davos mirou em Rebbecca, sendo que Rebbecca havia dito que ele a acertara de modo acidental. Por que Lily fica aos cochichos com Parker e Carlson?”

 O rapaz de cabelos castanhos se mantinha em silêncio e, quando falou, permanecia muito sério. 

“Dá pra perceber, pelo que Lily contou agora, que isso envolve a vida de outras pessoas? Os Evans estão no programa de proteção a testemunhas do Ministério. Eu não posso me sentar com vocês e ficar jogando conversa fora sobre a vida dos outros, James. Isso envolve princípios. Ainda que Lily não fosse nossa amiga, eu não contaria. Isso tudo é muito grave...”

Sirius assentiu.

“Remus tem razão, James. Sabemos parte da história agora. É questão de tempo até descobrirmos a outra parte. Vocês já tinham ouvido falar de algum feitiço de defesa como o que Evans usou pra proteger a família?”

James sacudiu a cabeça, mas Remus assentiu. O monitor grifinório tomou a palavra:

“Tem alguns estudos sobre bruxos que, quando se sentiram muito ameaçados, conseguiram fazer o inimaginável. Lily deve ser uma bruxa muito poderosa. No mundo trouxa, tem relatos parecidos. Minha avó sempre me contava a história de uma vizinha dela de 45 quilos que, num acidente de carro, conseguiu erguer o veículo com as mãos para salvar o filho. Trouxas não fazem isso e a minha avó queria saber comigo e com a minha mãe se tinha chances dessa vizinha ser bruxa. Mas ela não era... Ela só conseguiu transcender os limites dela para proteger quem amava. Com bruxos, é bem parecido... De qualquer forma, Lily tem sorte por ter conseguido se proteger e proteger a família dela.”

Potter concordou, dizendo:

“Eu nunca podia imaginar que ela tivesse passado por tanta coisa...”

A viagem seguiu e, em algumas horas, começou a anoitecer. As luzes do trem se acenderam. As outras Morganas se alternaram para virem conversar com os Marotos na cabine, anotando em pergaminhos os seus endereços para poderem se comunicar com eles durante o recesso escolar. Raven distribuiu de presente para os rapazes cordões com pedras penduradas como pingentes. O colar de James, sendo ele do signo de Áries, tinha a pedra jaspe de um tom marrom avermelhado. A de Sirius, tinha um tom alaranjado e era uma ágata de fogo referente ao signo de Escorpião. A de Remus era uma ametista. Pettigrew recebeu um colar com um quartzo verde pendurado.

“Distribuí também entre as Morganas. São pedras poderosas mineradas por duendes. Aprendi a usá-las em Estudo das Runas Antigas. Eu e as meninas colocamos alguns feitiços também enquanto as fazíamos. Usem as pedras perto do coração. Vai proteger vocês durante esse recesso não planejado.” — instruiu-lhes Raven com um quartzo rosa também pendurado em seu pescoço e um olhar distante como se fitasse algo além da cabine.

Os rapazes, agradecendo, penduraram o colar em seus pescoços, felizes pelo gesto de carinho de Raven. Pettigrew, ainda sonolento, aceitou o presente, mas o jogou dentro da mochila.

Quando faltava pouco menos de uma hora para o trem chegar em Londres, os rapazes resolveram ir ao banheiro.

Sirius e Remus se dirigiram para o banheiro do meio do vagão e James seguiu para o banheiro no fim do corredor. Potter suspeitava que os amigos queriam ficar um pouco a sós para se despedirem propriamente. No caminho, o rapaz encontrou Lily, que voltava para o seu compartimento.

Ela conversava de pé, parada no corredor, com Elliot Thomas da Lufa-Lufa. O rapaz fitava a garota com um grande sorriso e lhe entregou algo, antes de lhe dar um beijo no rosto e voltar para a sua cabine. No caminho, ele cumprimentou James sem obter resposta.

Potter se sentiu incomodado. Ele sabia que Elliot Thomas tinha interesse em Lily e já havia presenciado o rapaz, sem meandros, convidando-a para sair diante de todos os seus amigos. O grifinório se sentiu um pouco bobo perante o olhar da menina, que ainda sorria quando o lufano se virou para trás.

“Atrapalhei alguma coisa?” — perguntou James com uma fisgada de ciúme.

“Na verdade, não... Thomas só quis trocar endereço comigo. Alguns colegas pretendem se escrever durante esse recesso pra se manterem informados...”

James mexeu no seu cabelo um pouco sem jeito.

“E você vai escrever pra ele...?”

“É bom eu me manter informada, não? Fora o Profeta Diário e os amigos, não tenho muito acesso sobre o mundo bruxo durante as férias ou o recesso.” — respondeu a garota, guardando o pedaço de pergaminho no bolso do seu casaco cor de ferrugem. Havia um leve rubor no seu rosto, que não passou desapercebido por James.

Cruzando os braços, o rapaz tentou não pensar no assunto. Lily já havia recusado o convite de Elliot Thomas para sair e, possivelmente, não havia entre os dois nada de mais profundo. James preferiu focar no que Evans confidenciara a ele e a Sirius na cabine mais cedo. Ele se sentia grato pela garota haver confiado nele. De alguma forma, gostaria de apoiá-la.

“Obrigada por ter contado o que me contou mais cedo, Evans, sobre o atentado do metrô de Londres. Pode ficar tranquila que o seu segredo tá bem guardado...”

 Os dois se fitaram e a menina abaixou o rosto, dizendo:

“Viu como eu sou uma pessoa complicada?”

James sacudiu a cabeça, fitando distraidamente a pedra de cor azul marinho que pendia do cordão ao redor do pescoço da jovem. 

“Você não é complicada. É corajosa. E forte. Fico triste de conversarmos todo esse tempo e não saber que você vinha passando por tanta coisa, suportando tudo calada...”

A menina ergueu o seu olhar vicejante.

“Não se culpe, James. Não havia como você saber... Agora, tá tudo bem. É o que importa.”

James sorriu, parecendo se lembrar de algo. Depois, ele ajustou os óculos sobre o nariz com a ponta do dedo.  

“Você com tantas coisas na sua cabeça e ainda teve espaço pra me enxergar, pra me perguntar se eu estava bem daquela vez que me viu saindo triste da Torre de Astronomia...”

Lily sorriu também.

“Eu sempre te enxerguei, James Potter. Sempre. Estou feliz por sermos amigos...”

James deu um passo à frente.

“Sabe que eu nunca esqueci daquele beijo que trocamos durante as férias, não sabe? Sabe que gosto de você de verdade...”

“Como amiga...”

“Não, de outra forma...”

Lily respirou fundo, cruzando os braços.

“Prefiro que goste de mim como amiga, Potter. Já gostou de muitas garotas do jeito que você diz gostar de mim.”

James franziu o cenho.

“Já namorei algumas garotas e sei que nem sempre fui a melhor pessoa do mundo, mas eu estou solteiro há um tempo porque gosto de você...”

Lily fitou o rapaz e virou o seu olhar para a vidraça com alguma ironia.

“Fico lisonjeada por se guardar para mim, James Potter, mas não estou querendo namorar por enquanto. Preciso de amigos e não de um namorado.”

“Mas se precisar de um namorado, aceita sair comigo? Por favor... Não pode me vetar só por eu ter namorado algumas garotas antes de te conhecer melhor... Eu gosto até mais de você agora que descobri pelo que tem passado e percebi o quão forte você é.”

“Foram muitas garotas, James. Muitas. Eu também namorei garotos e não sou nenhuma puritana, mas quando me aproximei de você, você estava com o Black... e eu não sou a resposta para as suas dúvidas...”

James franziu o cenho.

“Outra vez você falando disso! É esse o seu problema comigo? O Black? Ele tá namorando sério com o Remus. Você e as outras Morganas já perceberam isso!”

Lily fitou o rapaz um pouco sem jeito. O cabelo dela solto cobria parte do rosto sardento.

“E você fica ok com isso?”

James respondeu, após alguns segundos em silêncio.

“São os meus melhores amigos. É claro que quero que eles sejam felizes...”

Lily permaneceu um tempo pensativa.

“Posso te fazer uma pergunta?” — a menina se lembrava de uma conversa distante que havia tido com Snape na sala de música de Hogwarts.

James assentiu.

“Você ficou com outro garoto além do Sirius?”

O rapaz de óculos se deteve. Em uma fração de segundos, as lembranças dele beijando Remus enquanto sentia aquele desejo o sobrepujar durante as férias o assolaram. Lembrou-se dele perguntando ao amigo de cabelos castanhos se podiam ir até o fim.

Mas James não falaria disso. Ele não queria se abrir tanto assim para Lily, que podia julgar o seu gosto por garotos, o qual ainda estava aprendendo sobre. Ele não queria trazer para a luz as suas próprias verdades. Desviando o olhar, James sacudiu a cabeça.

“Foi só o Black... A gente tava querendo experimentar coisas na época. Mas hoje, ele gosta do Remus e Remus gosta dele. Não deveria me julgar só por eu ter ficado com um garoto...”

“Não estou julgando, Potter! Não é isso. Mas, sinceramente, eu não sei o que você viu em mim...”

“Como assim não sabe o que eu vi em você, Evans?! Eu vejo bondade, vejo verdade, vejo coragem! O que você fez pelo Remus quando ele tomou aquela poção do Olsen foi incrível da sua parte. Slughorn e os outros diretores contaram pra gente depois que você fez muito mais do que cortar raízes e mexer os antídotos nos caldeirões. Você os ajudou de verdade, sugeriu coisas importantes no preparo do elixir. Você ajudou a salvar um dos meus melhores amigos porque você é assim: boa, generosa...!”

Lily sacudiu o rosto.

“Você viu só uma parte minha, Potter.”

“Me deixa te conhecer melhor então.”

“Não são coisas bonitas de se ver. Eu não sou um anjo. Além do mais, não posso ser mais uma garota que James Potter dispensa sem aviso prévio.”

James franziu o cenho.

“Não. É você que tá me dispensando com aviso prévio, Lily.”

“Não se trata disso.” — argumentou a jovem com um olhar desconfiado, fitando um pouco o rapaz dos pés à cabeça.

“Do que se trata então?”

Lily pareceu constrangida, mas insistiu.

“Você traiu algumas das suas ex-namoradas já, James. Rebbecca é uma delas. E mesmo o Black. Desculpa, Potter. Eu não sou ninguém pra julgar as suas escolhas. O que sei é que eu quero ficar sozinha por enquanto.”

James, um pouco chateado, insistiu.

“E é não pra mim definitivamente? Sabe, eu não tô te pedindo em casamento, Evans. Eu tô te chamando só pra um encontro. Queria sair com você só pra que me desse uma chance e pra eu entender melhor o que sinto por você...”

Lily ponderou.

“A gente não sabe do futuro, Potter. Gosto da sua amizade. Gosto muito de você. Tem muitas coisas acontecendo na minha cabeça no momento e eu estou muito confusa. Não fica chateado comigo. Não quero ir para esse recesso brigada com você... Se algum dia tivermos que sair juntos, vai acontecer. Não fica pensando nisso, tá bom?”

James assentiu como se segurasse a sua raiva. Quando a menina o abraçou, ele respondeu ao seu gesto com alguma rigidez.

“Posso te fazer uma pergunta também, Evans?” — indagou o rapaz antes que a menina lhe desse as costas.

Lily assentiu.

“O que te incomoda mais? Eu ter namorado tantas garotas ou eu ter namorado um garoto?”

A menina de cabelos cor de cobre permaneceu um tempo pensativa, antes de responder:

“O que mais me incomoda é eu não saber como me encaixo nisso tudo. E não saber como eu ficaria quando você descobrisse que eu não sou quem pensa que eu sou... Talvez, funcionemos melhor mesmo como amigos, James Potter. A sua amizade parece mais amorosa do que os seus afetos.”

James sentiu as palavras de Lily doerem como se alguém tivesse lhe atirado um balaço bem em cheio no seu peito. Ele não sabia bem o porquê, mas doía. E a dor, rapidamente, reagia com a sua raiva. 

Os dois tomaram caminhos opostos e Lily ainda olhou para trás. Mas James estava remoendo a sua ira e seguiu em frente.

O rapaz, de cabeça baixa, alcançou o banheiro no fim do corredor e quando a sua mão se esticou para tocar a maçaneta da porta, viu que alguém a tateava antes dele. Ele se deparou, então, com Joshua Pride. O rapaz tinha um cigarro na boca e, aparentemente, ia entrar no banheiro para fumar escondido. Detendo-se, os dois se fitaram, cumprimentando-se. Pride deu a passagem para James:

“Pode ir na frente, Potter. Quero dar uma fumada antes de chegarmos ao Kings’s Cross e devo demorar um pouco no banheiro. É o único que tem janela e está desocupado.”

James assentiu e usou rapidamente o banheiro. Enquanto ele lavava as mãos, fitou o espelho diante de si e sentiu aquela raiva remexer as suas entranhas. Aquela raiva destrutiva que aquecia as palmas das suas mãos como se as tivesse aproximado do fogo. Tirando o maço de cigarro de dentro do seu casaco, o grifinório entreabriu a porta.

“Você vai só fumar, Pride? Se vai só fumar, pode entrar. Eu também vou fumar um cigarro antes de desembarcarmos...”

O corvino sorriu e entrou no banheiro pouco espaçoso, trancando a porta atrás de si. Ele trocou um olhar com o outro rapaz e acendeu o cigarro em seus lábios com o feitiço que James o havia lhe mostrado antes. O rapaz de cabelos rebeldes comentou, expelindo um anel de fumaça próximo ao basculante aberto e com o pé apoiado na tampa da privada. 

“Você aprende rápido...”

Pride deu de ombros.

“O pessoal da Corvinal é assim... É uma dádiva dos alunos de Rowena Ravenclaw.”

“Conheço um grifinório que aprende muito rápido também. Mas o Chapéu Seletor o sugeriu a Corvinal junto com a Grifinória, então, não sei se tenho como contra-argumentar...”

“Deve estar falando do Lupin. É, ele é bem inteligente, mas falta a ele um pouco de sangue frio. É meio estourado como todos vocês, grifinórios...”

James tragou o cigarro novamente, retorquindo:

“É por isso que você fica testando os limites dele? Remus é meu amigo. Não gosto de que se divirtam às custas dele...”

Pride fitou o outro rapaz, expelindo um anel de fumaça.

“A gente nunca se bicou, mas eu não estou testando os limites dele. Lupin perde a paciência sozinho. Tem ciúme do Black, o que é natural porque os dois estão juntos. Mas tem ciúme de você também...”

James respondeu, olhando o seu cigarro ser consumida pelo fogo.

“A gente sempre foi assim. Eu, o Sirius e o Remus. A gente se gosta muito e é natural sentirmos ciúme...”

Pride permaneceu um tempo pensativo.

“Deve ser por isso que ele ficou possesso ontem quando meu poder de veela te acertou. Aliás, desculpa por aquilo. Eu falei a verdade quando disse que não tinha muito controle sobre ele. Meninas têm controle, mas eu, por ser um rapaz, a princípio, não era nem pra ter esse poder...”

James respondeu, batendo a cinza do cigarro do lado de fora da vidraça.

“Parecia que eu tinha acabado de transar quando estava te olhando. É um feitiço bem incomum.”

Pride olhou o outro rapaz de soslaio. James prosseguiu:

“...Por que anda perguntando sobre mim e sobre o Black para os outros alunos e por que fica me encarando? Isso tudo é pra irritar o Remus?” 

O corvino mexeu no seu cabelo e pareceu se divertir com a pergunta.

“Não se subestime, Potter. Perguntei sobre você porque estava interessado já faz um tempo. Naquela semana, interpelei você e o Black se gostavam de garotos porque quase nunca via vocês dois sem o Lupin por perto. Achei que ele não ia deixar eu me aproximar de vocês. Por isso, quando vi você e o Black sozinhos, aproveitei a oportunidade.”

“Daí, descobriu que o Sirius tava namorando e resolveu mirar em mim...” — retorquiu o rapaz de cabelos rebeldes com algum deboche.

Pride franziu o cenho, parecendo surpreso.

“Não... Eu me interessei por vocês dois, mas com você vi que o papo fluiu melhor. Você foi mais receptivo. Isso é atraente. Gostei daquele dia que conversamos no gramado.”

James fitou o outro rapaz, evitando um pouco os seus olhos. Ele não queria ser enfeitiçado novamente.

“O Remus contou que você dá em cima de qualquer um.”

Pride tragou o cigarro e soltou a fumaça, olhando para os seus sapatos.

“E daí por eu ser fácil, o seu amigo disse pra vocês não falarem comigo. Deve ser por isso que o Black nem olha na minha cara. Acho que o Lupin não gosta de mim de verdade.”

“O Remus tá só tentando nos proteger! A gente sempre foi assim um com o outro. Isso é amizade.”

Pride assentiu, forçando-se a sorrir.

“E você não pode decidir por si só com quem fala ou deixa de falar?”

“Depois que eu vi o seu feitiço de veela, entendi o que Remus disse de você tentar seduzir os outros, de ser atirado...”

“Não fiz com você de propósito. Eu não sei controlar esse poder. Já disse...”

“Mas quase tirou a roupa na minha frente e na frente do Sirius pra mostrar as suas tatuagens.”

“Esse era eu mesmo e não o meu poder. Quis te testar já que você não me respondeu claramente se namorava com garotos. E quer saber? Você deu uma boa secada em mim, Potter! Olhou de verdade!” — disse Pride, sorrindo.

“Não, não olhei! E eu gosto de garotas, Pride, se faz tanta questão assim de saber! Eu não vou namorar com você!”

O corvino se deteve um pouco, parecendo desconcertado. Ele bateu a cinza do cigarro também na vidraça, deixando uma rajada de vento frio entrar. Depois, ele fitou James, falando um pouco baixo como se tentasse desvendar um enigma.

“Ok. Mas você tá me dando um fora de verdade? Ou tá me dizendo que se a gente se pegar, vai fingir que não existo no dia seguinte porque esconde dos outros que é a fim de garotos?”

James fitou o outro rapaz por um momento um pouco confuso. Pride sorriu com um pouco de amargura.

“...Sabe quantas vezes eu escuto o que acabou de dizer? ‘Eu gosto de garotas, Pride!’. Podiam virar o disco às vezes. Pelo menos, de vez em quando. Junto com ‘Foi o seu poder de veela que fez eu querer ficar com você’, mesmo quando eu sei que os caras não estão enfeitiçados, é a coisa mais irritante de se ouvir. ‘Não conta pra ninguém que eu dormi com você, que eu curto garotos’ seria mais sincero.”

Potter se sentiu mal com as palavras do outro rapaz.

“Desculpa, eu não queria te aborrecer... Os caras com quem fica fingem mesmo que você não existe no dia seguinte?”

“Alguns, sim. Outros, voltam, mas gostam de manter as coisas em segredo. Eu nunca namorei, Potter. Prefiro dizer pra mim mesmo que sou um espírito livre e que não quero me prender a ninguém. Mas acho que, na verdade, ninguém quer se prender a mim. Remus tá certo de qualquer forma. Eu sou muito fácil e ele, naturalmente, acha que eu não sou uma boa companhia pra você, que é um dos melhores amigos dele. Deve achar que você merece coisa melhor... Que eu não sirvo pra andar com vocês.”

James engoliu em seco e permaneceu muito quieto por quase um minuto. Subitamente, o grifinório começou a se sentir um pouco idiota, antes de fazer outra pergunta.

“Como descobriu que gostava de garotos, Pride?”

 “Acho que sempre soube, mas ficou mais evidente quando dormi com uma garota na minha primeira vez. Daí, fui experimentar rapazes e descobri que eu gostava muito deles. Muito mesmo, apesar de eles não merecerem.” — alguém girou a maçaneta da porta do lado de fora e, vendo que a cabine estava trancada, disparou pelo corredor, procurando um outro banheiro vazio.

Um silêncio se fez, antes que Pride retomasse a fala, pensativo.

 “...Sabe, Potter? Tem uma maldição para as pessoas que são muito honestas consigo mesmas. Você fica marcado. Os anônimos com quem fiquei seguem populares, mas eu, que não finjo, sou apontado. Se sou mal falado, preciso de outros garotos para contribuírem com a minha má fama, não é mesmo? Mas as pessoas se esquecem deles. As pessoas ao redor são cruéis com a tentativa de acerto dos outros. Já levei um soco na cara quando perguntei a um rapaz se ele gostava de garotos. Não precisava ser tão deselegante! Bastava dizer que não. Você não me respondeu na ocasião quando te perguntei, mas continuou falando comigo depois, mesmo não estando a fim e seus amigos não gostando de mim. E ainda me ensinou um feitiço maneiro! Por isso, mirei em você!”

James sentiu a sua raiva se atenuar. Pride tinha uma forma muito sincera de conversar.

“Lamento pelo que acabou de me dizer... Eu gosto de uma garota, mas ela não gosta de mim...”

“Ouch, isso dói! Já estive aí, colega. Mas vai passar. Só não fica com ela, sabendo que ela não gosta de você e criando ilusões. ‘Desculpa, não quero me envolver’ é bem ruim de se ouvir depois de ficar com alguém. É o que o Carlson me diz sempre. Ele podia ser sincero e falar: ‘O Lupin partiu o meu coração, mas ainda gosto dele’. Isso seria bem mais verdadeiro.”

James voltou a tragar o cigarro.

“Quem diria que o monitor perfeito da Corvinal seria assim...”

 “Eu tinha uma queda pelo Carlson quando ele começou a namorar o Lupin. Ou melhor, um tombo. Vi nas férias, certa vez, os dois andando de mãos dadas pelo Beco Diagonal. Pareciam felizes. Investi quando soube que eles tinham terminado e o Carlson estava solteiro. A gente tem ficado de vez em quando. Mas quando perguntei pra ele ainda pouco se podíamos nos encontrar durante o recesso, tomar alguma coisa juntos no Caldeirão Furado, conversar um pouco, ele disse que me mandaria uma coruja quando os pais dele não estivessem em casa de tarde, mas que eu não podia dormir lá. Assim, com essa brutalidade. O que me faz crer que o modo dele me enxergar é bem diferente da visão que ele tem do Lupin. Acho que, no fim das contas, eu tenho um pouco de inveja do seu amigo. Do modo como os garotos o levam a sério...’”  

James levantou os olhos, sentindo-se realmente mal com as palavras do outro rapaz.

“Eu sei como é não ser levado a sério. É um saco gostar de alguém que tem mil ideias a seu respeito e prefere acreditar nelas do que te conhecer melhor...”

“Azar no amor para o monitor meio veela da Corvinal e para o atleta popular da Grifinória. Que fase! Sabia que tínhamos algo em comum quando te achei interessante. Mas não se preocupa, Potter. Vou parar de te encher o saco, já que gosta de garotas. Mas, se por acaso quiser fumar comigo junto qualquer hora dessas, chega aí. Não tenho muitos amigos homens. Seu papo é legal! De verdade!”

Potter dava as últimas tragadas na guimba do cigarro quando indagou:

“Posso te fazer uma pergunta, Pride?”

O monitor corvino contraiu as sobrancelhas com alguma curiosidade e assentiu.

“...Cadê o seu orgulho, garoto-veela? Por que fica com essas pessoas que não te respeitam...?”

A questão de James foi letal. Pride maneou a cabeça, crispando um pouco os lábios.

“Boa pergunta! Acho que quero que passem a gostar de mim. Que passem a me respeitar. Acho que não gosto de me sentir rejeitado. Mas vou usar o tempo do recesso, pensando mais nesse enigma. Corvinos adoram enigmas.”

James jogou a guimba do cigarro pela janela e se preparava para deixar a cabine. Disse, então, sem saber como as palavras se formavam na sua garganta, o que nunca dissera aos seus pais ou a Sirius e Remus. Falou o que poderia falar só a um desconhecido. Falou o que sabia daquele modo inconsciente, com a verdade sempre escorregando para trás de algo que prendesse mais a sua atenção. Não era fácil se enxergar.

“Eu sei o que quer dizer, Pride... Quero que gostem de mim também e tenho medo de me sentir rejeitado... Muito medo. Pavor. Me sinto deslocado na Escola sem os meus amigos e, às vezes, me sinto muito sozinho... Não só em Hogwarts, mas no mundo...”

Pride ouviu as palavras de James e sorriu com alguma melancolia.

“Estou chocado! Achei que atletas populares fossem imbatíveis e tivessem coração de espinho...”

“Achei que monitores com sangue de veela, que lançam feitiços nos babacas na mesa da própria Casa também fossem.”

Os dois rapazes sorriram e James decidiu deixar o banheiro. O rapaz passou próximo a Pride, que se espremia ao lado da pia e sentiu um pouco do seu perfume doce com um aroma de lavanda.

James fitou o corvino, disposto a ser um pouco mais sincero. Sincero como não conseguira ser com Lily, pelo fato de não se sentir acolhido por ela. Mexendo em seu cabelo, o grifinório disse:

“Eu gosto também de garotos, Pride. Gosto dos dois. Garotas e garotos. Mas a garota de quem gosto me acha estranho e eu tô muito puto com ela por ter me enxergado no momento que eu mais precisei e não me enxergar no outro momento que mais preciso... É o terceiro fora que levo nesse ano de alguém que eu gosto e tô ficando já cansado de ser magoado de todos os lados. Acho que ninguém me quer no fim das contas e a minha vontade, às vezes, é mandar tudo pro inferno. Pra quem tem medo de se sentir rejeitado, tá sendo um treinamento intensivo... O pior é passar por isso quando eu finalmente resolvi dar uma chance pro amor. Acho que eu era mais feliz quando ficava com as pessoas sem me envolver e sem me importar com elas.”

Pride permaneceu um tempo pensativo e respondeu:

“Tá sendo um ano bem difícil pra todos, Potter. Às vezes, as pessoas estão também tentando se entender e não é por mal que nos magoam. Talvez, todos nós estejamos um pouco cegos. Pessoas que se apaixonam, quando sofrem, sempre dizem que era mais fácil quando não amavam, mas é porque não sabemos o que fazemos com a dor que sentimos. Não sabemos o que fazemos com esse amor que não é correspondido. E queremos fazê-lo sumir..., mas o amor não tem culpa. Ninguém tem culpa. Precisamos guardá-lo conosco de alguma forma e seguir em frente.”

James pestanejou, sentindo um afago em sua dor.

“Já ficou com alguém como eu, Pride?”

Potter se referia à sua preferência por garotos e garotas, mas o corvino enxergou o que lhe era mais importante.

“Não. Nunca fiquei com alguém tão sincero quanto você, Potter.”

James sentiu algo em seu peito assentar, acalmar, verter. Ele e Pride estavam tão isolados nas suas dores incutidas, tão rejeitados e as suas semelhanças os empurraram para aquele cubículo esquecido do trem.

Eles eram dois semidesconhecidos que fumavam para alinhar os pensamentos enquanto o coração doía um pouco e o veneno escorria através de ironia e sarcasmo. Em substância, eram bem parecidos. James sentiu novamente vontade de mandar tudo para o inferno. Ele estava cansado de querer ser outra pessoa. Estava cansado de se sentir de fora. Ou de ser rejeitado. Precisava de carinho naqueles dias que escureciam demasiadamente cedo. Ele precisava dá-lo também a alguém que o acolhesse porque sentia o seu afeto apodrecer enrijecido nos espaços sombrios do seu coração.

 O rapaz de óculos contemplou, então, aqueles olhos azuis sobre si e soube que não estava enfeitiçado quando tomou o rosto de Pride entre as mãos e o beijou com ferocidade. Beijou o rapaz, empurrando-o contra a pia e enfiando a mão por dentro da sua calça. Pride não o afastou e tocou James também de volta. O rapaz de óculos beijou o pescoço de Pride e a sua boca novamente como já havia feito com Sirius e Remus. Sentiu os piercings do corvino nos cantos dos lábios como presas de delicado metal. Definitivamente, ele gostava também de garotos. E gostava de gostar.

Erguendo Pride sobre a pia, os dois permaneceram longos minutos se beijando. James enterrava o rosto no pescoço do rapaz somente para, logo depois, buscar de novo a sua boca. Entre os beijos, os dois falavam.

“Você me devorou com os olhos quando eu mostrei as tatuagens pra você no gramado da Escola, Potter... Eu notei...”

“É verdade. Eu te olhei! Você é bonito pra cacete, Pride.”

“Isso é legal de ouvir... Você também é.”

“Mostra pra mim de novo...”

O corvino abriu a sua calça e desceu o jeans e a cueca, revelando o desenho do corvo e a sua virilha também. James o olhou e voltou a acariciá-lo. Pride sentiu a ereção do outro rapaz contra o seu corpo.

“Quer transar comigo aqui, Potter?”

“Não... Pode bater alguém na porta. Quero só te beijar... Abre a boca.”

James beijou o corvino com lascívia, massageando a língua do rapaz com a sua. Ao mesmo tempo, deslizava a mão pelo seu corpo. Pride o envolvia com as pernas, puxando-o mais para si. Entre os beijos, falavam-se com a respiração entrecortada.

“Já dormiu com um garoto antes, Potter?”

“Já, mas nunca meti em nenhum...”

“Quer fazer isso?”

“Morro de vontade...”

“Sabe como alguns caras do Quadribol me chamam? De Expresso de Hogwarts. Porque dizem que qualquer um pode entrar em mim do primeiro ao sétimo ano... Basta esperar na fila.”

“Alguns alunos são cruéis... Se eu ouvir isso, eu quebro a cara deles...”

 “Soube que você e o Black falaram coisas bem ruins também das garotas no ano passado. Não é legal ficar com alguém e comentar depois...”

“Eu sei... Eu sou um lixo... Por isso, não me levam a sério.”

“Não, não é... Estamos todos aprendendo, Potter. Só não machuca mais as pessoas. E eu vou pensar no que disse sobre não deixar os outros me ferirem...”

“Ok...”

“Mas se quiser entrar em mim, eu tenho vontade também de trepar com você...”

“Não sei se tô preparado, Pride... Gosto dessa garota... De verdade.”

“Tudo bem. Mas se enjoar de esperar por ela e quiser ficar com um garoto, dar um tempo no amor, me avisa. Eu não vou te rejeitar. Podemos dizer ‘Não quero me envolver’ um para o outro e mandar ver.”

James sorriu. Pride deixou que, entre os amassos, James colocasse um dedo em sua boca enquanto era beijado e permaneceu chupando o indicador do outro rapaz, olhando-o nos olhos. Foi puxado para beijos mais vorazes. A voz de James era ofegante.

“Assim, eu não vou conseguir me segurar, garoto veela.

Pride, enfiando a língua no ouvido do outro rapaz, disse:

“Se cansar de esperar pela menina de quem gosta, faço isso em você. Porque eu já tô meio de saco cheio de esperar pelo garoto que eu gosto...”

“Certo. Quero fazer também em você... “

Pride se deteve um segundo enquanto o seu pescoço era beijado e sentia a ereção de James sob a calça.

“Se quiser fingir que não existo no dia seguinte, tá ok. Se quiser sair daqui e se afastar, tá tudo bem também, Potter. Já tô acostumado...”

“Não, não tá tudo bem. E eu não vou fingir que você não existe. Eu não sou assim.”

Pride falou, hesitante:

“Podemos ser amigos então?”

James fitou o outro rapaz nos olhos. Havia uma grande solidão neles.

“Nunca fiz amizade desse jeito, mas podemos, sim, ser amigos.”

“Nunca fiz amigos também assim, mas tô gostando. James Potter, meu amigo.”

Pride, beijando o pescoço de James, teve a sua atenção capturada pelo pingente pendurado no cordão ao redor do pescoço do outro rapaz.

“É uma pedra jaspe?”

“É. Foi um presente da Raven. Tem feitiços de proteção nela.”

“É bem bonita.”

James sorriu e beijou Pride por incontáveis minutos. Foi a voz do Expresso, anunciando que em dez minutos, chegariam no King’s Cross que fez os dois rapazes cessarem as suas carícias. James abraçou o corvino por alguns segundos ainda e beijou o seu rosto.

“Desculpa se eu te ofendi.”

“Tudo bem, Potter. Já tô acostumado.”

“Não devia se acostumar com isso. Mas obrigado por me ouvir.”

“Obrigado também.”

James sentiu que a sua raiva estava sob controle e viu Pride remover alguma coisa de seus olhos com as costas das mãos. Os dois haviam ficado naquele banheiro pouco espaçoso sem que o rapaz de cabelos rebeldes planejasse. Na verdade, quando ele sentiu as fagulhas de ira por causa de Lily, o grifinório, com alguma maldade, havia chamado o corvino ali com a intenção de confrontá-lo. Talvez quisesse extravasar a sua amargura. Mas fora completamente desarmado.

Algo nele lembrava Remus. Naturalmente, não a sua sinceridade, mas algo que ia além do seu gosto por garotos. Virando-se, antes de deixar o minúsculo banheiro, James perguntou:

“Desculpa, qual é o seu signo, Pride?” — seria uma pergunta boba para o James Potter do quarto ano, mas não para o James Potter do quinto ano que andava com as Morganas, que, por sua vez, levavam essas coisas muito a sério.

O rapaz pareceu achar a pergunta curiosa e, sorrindo, respondeu:

“Peixes.”

James assentiu.

“Elemento água, né? É o mesmo signo do Remus...”

Pride deu de ombros, sorrindo.

“Deve ser por isso que ele não gosta de mim. Dois peixes no mesmo aquário...”

James sorriu também enquanto se voltava para a porta. Antes que ele saísse, o corvino o chamou:

“Só mais uma coisa, Potter. Você, o Black e o Pettigrew tão seguros. A Parker, também. Mas fala para o Remus e as suas amigas tomarem cuidado. Vai começar a temporada de caça aos nascidos trouxa e mestiços. Somos alvos desses psicopatas puristas que só tão esperando uma ordem para extravasar o preconceito deles, descendo a varinha em todos nós que somos diferentes. Pelo menos, é o que estão dizendo nas conversas da Corvinal...”

James olhou de volta para o rapaz, com uma expressão sombria.

“Acredita no que o Profeta Diário está falando sobre a morte do Ministro e de Jordana Johnson?”

“Claro que não! Nem um trasgo acreditaria nisso. Mas não precisa ser convincente. Só precisa legitimar o ódio. Se cuidem, Potter.”

 No corredor, James esbarrou em Carlson, que o fitou com estranheza, vendo-o deixar o banheiro. Olhando para trás, o monitor corvino bateu com os nós dos dedos no toilette em que Pride ainda se encontrava.

Não muito distante dali, na cabine no meio do corredor do trem, Remus era beijado ainda por Sirius, lembrando ao rapaz que faltava pouco para chegarem ao King’s Cross.

“Minha vontade é fugir com você pra algum lugar bem longe dos Blacks, lobinho... Que droga vai ser ter que ficar longe de você. Não é justo.”

Os dois garotos haviam se trancado no toilette e Remus pudera, a princípio, saber como Sirius estava. Nos primeiros dias, após ser informado da morte de Olivia Stone, Sirius se encerrara em um silêncio profundo, que foi respeitado pelos amigos. Tomando o chiclete que estava ainda na boca do rapaz para jogá-lo fora e, acariciando a sua nuca, Remus indagou:

“Como está se sentindo agora?”

“Como se eu tivesse num pesadelo em que tudo fica escuro. Negro. Primeiro, a morte da Olivia. Depois, esse recesso obrigatório; a investigação em Hogwarts; a morte do Ministro e de Jordana Johnson; o encontro com os Blacks... Acho que se não fosse por você, eu pirava. Você é o meu porto seguro.”

Remus o abraçava, respondendo:

“E você é o meu! Promete que não vai enfrentar os Blacks. Preciso ter certeza de que vai ficar bem...”

“Por você, eu prometo. Mas não vou conseguir ficar sem você, Remus. Nem que eu tenha que fugir de casa, vou dar um jeito de ir te ver...”

“Amanhã é o Dia das Bruxas e no dia 3, é o seu aniversário... Eu vou bolar um plano para ficarmos juntos no dia...”

“Faz anos que não passo o meu aniversário ao lado dos Blacks e dava tudo pra passar com você em Hogwarts, Remmy. Com os nossos amigos. Eu vou fugir. Não quero nem saber. Não vou conseguir ficar longe de você muito tempo, meu amor, meu garoto, meu lobo....”

Sirius puxava Remus para um beijo e era doloroso ter que se afastar dele. Os dois permaneceram aqueles últimos minutos antes do Expresso alcançar o King’s Cross, beijando-se como se os seus universos estivessem desmoronando.

“Promete que vai se cuidar. Promete que você e os Lupins vão ficar bem. O país tá enlouquecendo, Remus. Preciso ter certeza de que estarão seguros.” — falou Sirius, abraçando o outro rapaz contra a pia, entre beijos ofegantes.

“Eu prometo, meu amor. Prometo.”

“Promete que não vai se esquecer de mim...”

“Não posso me esquecer de você. Meu coração é todo seu, Sirius Black. Seu. A gente, em breve, vai voltar pra Hogwarts. Para a nossa casa.”

Quando os dois rapazes deixaram o banheiro, estavam com as suas roupas amarrotadas e os rostos um pouco febris. Mas não se importaram. Pettigrew, que havia dormido quase a viagem toda e parecia disposto e falante agora, fitou-os dos pés à cabeça, sacudindo o rosto quando os dois amigos adentraram a cabine.

“Se esbaldaram, né...”

“Pettigrew, eu tô começando a achar que você tá a fim de mim ou do Remus pelo modo que toma conta da nossa vida...” — respondeu Sirius, com mau-humor.

Pettigrew, arregalando os olhos, retorquiu um pouco afrontado:

“Sai fora!”

James, que havia voltado há poucos minutos e estava sentado em seu lugar, um pouco pensativo, comentou sobre o que havia escutado dos burburinhos na Corvinal e lembrou a Remus que era importante se proteger. O rapaz de cabelos castanhos não pode deixar de reparar que a roupa de James estava um pouco amarrotada também e o seu cabelo bastante despenteado.

“Quem da Corvinal te falou isso?”

“Ouvi por aí...” — mentiu, James, enrolando o cachecol de lã em seu pescoço enquanto o trem parava.

Sirius pareceu ser assolado por uma profunda melancolia quando, finalmente, o Expresso chegou ao King’s Cross. Ali, aquele recesso escolar forçado começava.   

 

Chapter 15: Estrelas

Summary:

Os assassinatos dentro e fora de Hogwarts ocasionam o retorno prematuro dos Marotos para casa. E a família de Sirius o leva a um evento inesperado.

Chapter Text

https://www.youtube.com/watch?v=pCWKhFYqFRw&list=RDMMpCWKhFYqFRw&start_radio=1

 

Fora do Expresso de Hogwarts, que se mantinha aquecido por meio da magia, a plataforma 9 se encontrava com um ar álgido.

Os Marotos, puxando a sua bagagem adentro a névoa e o vapor, esperaram a massa de alunos sair do trem, sendo os últimos a deixarem o vagão. Todos os pais e responsáveis, aparentemente, haviam sido informados sobre a volta antecipada dos alunos. Na estação, famílias se abraçavam um pouco desajeitadamente pelo retorno antes do tempo previsto.

Remus viu os Lupins o esperando próximos ao senhor Potter e uma mulher muito bonita de cabelos loiros. Ele correu para abraçar os pais enquanto James cumprimentou Henry. O rapaz de cabelos rebeldes mexeu nos óculos quando foi beijado no rosto pela mulher loira e constatou com surpresa que ela era a sua mãe.

Pettigrew, vendo o seu pai, um homem rechonchudo e apressado, esperá-lo próximo a um banco, despediu-se dos amigos, arrastando as suas malas.

"Vou lá, pessoal! A gente se escreve."

A senhora Lupin e a senhora Potter puxaram Sirius também para um abraço caloroso. James olhava Joanne com um pouco de estranheza.

"Que cabelo é esse?"

Todos já haviam reparado que a senhora Potter, ao invés das suas madeixas muito escuras, usava os cabelos descoloridos em um loiro brilhante e volumoso. Havia também uma faixa colorida em sua cabeça.

Afofando o penteado, ela respondeu, sorrindo:

"Gostou do novo penteado da mamãe, Jimmy? Mudei hoje. É a nova tendência em homenagem à Jordana Johnson, que Merlin cuide da alma dela. Ela foi uma figura incrível e representou muitas bem as bruxas carreiristas. Triste ter nos deixado tão precocemente..."

"Que coisa mais fúnebre, mãe! E o que vocês acham das besteiras que o Profeta Diário tá escrevendo...?"

"Jimmy, em casa nós conversamos... Não vamos falar de política aqui..." — falou baixo, o senhor Potter, trocando um olhar significativo com os Lupins — "E a mamãe tá linda assim... loira..." — complementou, ele, parecendo muito empolgado com o novo visual da esposa ao piscar para ela.

A senhora Lupin se dirigiu a Remus:

"Fofinho, você tem se alimentado bem? Está tão magrinho. Mas, veja só como todos cresceram rápido. Alguns meses e já estão tão altos..."

"Mãe..." — enrubesceu Remus um pouco, cobrindo o rosto.

"Onde estão os seus pais, Sirius?" — perguntou o senhor Lupin.

Black procurou rostos entojados na multidão, mas não os encontrou. Ele viu Regulus também parado perto de um dos vagões com as suas malas, parecendo deslocado. Acenando, ele trouxe o irmão para perto.

"Eles devem ter se atrasado um pouco. Vamos esperar aqui." — disse Hope, oferecendo um caramelo para Regulus.

As Morganas, encontrando os seus familiares, acenaram para os amigos, despedindo-se deles. Lily deixava a estação de braços dados com o seu pai e a sua mãe, que caminhava com a ajuda de uma bengala. Um bruxo trajando negro os seguia de perto e os rapazes deduziram que talvez se tratasse de algum Auror, que trabalhava para o programa de apoio a testemunhas.

Parker foi buscada por sua mãe, uma bruxa com cabelos loiros, que também usava uma faixa colorida. James se indagou se ela também seguia a tendência, homenageando o estilo de Jordana Johnson.

Winnie apresentou Dayal aos familiares e foi embora com a sua mãe, uma bruxa baixa para os padrões britânicos, ao lado de um duende ágil, que era o seu pai arrastando a bagagem com o gato Pompom, dentro de sua caixa transportadora, em cima.

Por último, Raven partiu ao lado do senhor Fraser, um bruxo descolado de cabelos black power, que usava óculos escuros. Ele não era gigante e batia no cotovelo da filha. Apesar disso, com cuidado, ele tocava em suas costas, caminhando ao lado da garota, como se a protegesse de algo. A sua varinha era visível no bolso do casaco.

Raven era uma garota muito forte e muito alta. Não chegava a ser tão grande quanto Hagrid, o guarda-caça de Hogwarts, mas chamava a atenção. Na Escola, durante aqueles dias em que os alunos sangue-puro atormentavam os colegas nascidos-trouxa e mestiços de todas as raças, dois garotos haviam ousado implicar com Raven, chamando-a de "sangue-ruim de gigante" no corredor. A menina, fechando o punho, deferira dois cocorotes nos rapazes, que caíram no chão, levando as mãos à cabeça com dor. Remus reportara os garotos, escrevendo os nomes dos dois no seu pergaminho em que as ocorrências só aumentavam.

James viu Michael Carlson e Rebbecca Liljeberg encontrarem os seus parentes suecos, indo embora com eles. Pride, na estação, abraçava com carinho uma mulher que deveria ser a sua mãe e era, notoriamente, uma veela, tamanha a sua beleza.

Os homens ao redor observavam com as bocas abertas, a mãe e o filho. Antes de eles cruzarem a parede mágica, Pride sorriu para James, detendo-se um segundo. A iniciativa de acenar partiu de Potter ao que, imediatamente, com um sorriso radiante, Pride respondeu.

Potter foi encarado com estranheza por Remus.

"Quem são?" — indagou a senhora Potter, ajeitando os seus óculos de armação colorida.

"Um amigo da Corvinal."

"Que rapaz bonito! E a mãe dele é linda também..."

"A mãe dele, acho que é veela..."

Remus percebeu que o seu pai, o senhor Potter, Sirius, James e até mesmo Regulus, que era uma criança, fitavam a mulher com uma expressão meio abobada. Percebeu a si mesmo a achando a mulher mais bonita do mundo inteiro. E percebeu que Pride, ao lado da mãe, parecia mais estonteante. Seu cabelo, subitamente, parecia mais claro e os seus olhos, profundamente azuis. Seu sorriso tinha dentes muito brancos. Quando eles foram embora, arrastando as malas de Pride e atravessando a parede mágica, o feitiço se desfez e os homens sacudiram as suas cabeças, esfregando os olhos.

Remus pestanejou e indagou James.

"Desde quando você e o Pride são amigos?"

"A gente tem se falado esses dias, né Remus... Você o conhece também."

"Mas ele não é meu amigo." — respondeu o rapaz de cabelos castanhos, parecendo um pouco chateado e fitando novamente a parede, a qual Pride havia atravessado.

"Cadê os nossos pais, Sirius?" — indagou Regulus, mastigando o caramelo que a senhora Lupin havia o entregado.

"Devem ter se atrasado por causa do mau tempo, pirralho."

Pouco a pouco, a estação foi se esvaziando. Uma das secretárias de Hogwarts, responsável por verificar se todos os alunos haviam reencontrado os seus familiares, interpelou o grupo mais de uma vez, perguntando se estava tudo em ordem.

"Os pais deles estão um pouco atrasados, mas vamos ficar aqui até eles chegarem." — falou a senhora Potter, trocando um olhar expressivo com o marido.

Sirius, um pouco constrangido, consultou o seu relógio de pulso. Já havia se passado meia hora desde que eles desceram do Expresso.

"Não precisa se preocupar com a gente. Eles devem estar a caminho." — falou Black, vendo as últimas famílias remanescentes irem embora.

Remus e James trocaram um olhar tácito, sabendo que Sirius estava envergonhado diante dos pais de seus amigos. Regulus agora estava sentado sobre o seu malão, parecendo um pouco cansado.

De fato, Sirius estava encabulado. Os Blacks, certamente, como todos os pais, teriam recebido a coruja de Hogwarts, avisando do seu retorno e do irmão. Mas Orion e Walburga não podiam fazer o mínimo como responsáveis. Sirius sabia que a sua família o desprezava, mas se assombrava como Regulus, que fora para a Sonserina e tentava fazer tudo o que os pais queriam, era também negligenciado.

Bellatrix Black, dando a mão à irmã Narcisa, havia partido com um serviçal de seus pais e atravessou a parede no mesmo instante em que Severus Snape a cruzara. Uma mulher cabisbaixa e de olhos tristes parecia ser a mãe do sonserino.

Emily Davies foi buscada por seu pai, e algumas pessoas cochichavam e olhavam em direção ao bruxo possivelmente devido aos escândalos sobre o seu envolvimento com magia negra publicados no Profeta Diário. Os Doyles haviam sido buscados pela mãe. Uma mulher bonita, de cabelos pretos com mechas vermelhas e parecendo um pouco deslocada dentro das roupas suntuosas e joias. Ela estava acompanhada de uma criada e abraçou os filhos com carinho.

Um menino de uns catorze anos, pálido e com cabelos cor de palha esperava a família, enfileirando, agachado, alguns cards de Quadribol no chão. Vez ou outra, ele olhava o relógio da estação, voltando a atenção novamente para a sua coleção dos maiores jogadores de todos os tempos. Em um momento, a secretária de Hogwarts ajudou o aluno a trazer com a varinha um dos cards que voara para o meio dos trilhos quando o rapaz fez menção de ir atrás dele. Sirius o reconheceu como Bartô Crouch Jr.

"Ficaremos aqui com vocês, Sirius. E se os seus pais demorarem muito, você e o seu irmão podem ir lá pra casa..." — disse a senhora Potter mais uma vez diante dos apelos do rapaz de que não se prendessem por eles. A bruxa consultava os quarenta e cinco minutos transcorridos no relógio da estação, trocando um olhar com os Lupins.

James se animou com a ideia.

"Claro! Tem o quarto de hóspedes. Podem ficar lá em casa o tempo que quiserem..."

Sirius sorriu. Seria maravilhoso poder ficar com os Potters. Seria maravilhoso ser filho deles. Seria maravilhoso viver uma vida diferente em que não fosse humilhado pelos Blacks todas as vezes que precisava minimamente deles.

A senhora Potter, alinhando um pouco os cabelos do filho, disse:

"Depois de amanhã, vamos para Oxford, Jimmy. E ficaremos lá. Remus, seus pais vão explicar tudo direitinho pra você, mas aguardamos você também. Não se preocupem porque tem muitos quartos na casa dos meus pais e você vai poder ficar bem confortável. Sirius, o convite também se estende a você e a você, Regulus, se quiser também vir. Combina com o Jimmy."

"Muito obrigado, senhora Potter."

Remus percebeu que, esvaziada a estação, o seu pai e o senhor Potter conversavam um pouco baixo e afastado. A sua mãe mantinha o braço ao redor dele e tinha a sua varinha à mostra no bolso do casaco comprido de lã. Seu gesto lembrava o ar protetor do senhor Fraser, o pai de Raven. A secretária de Hogwarts, uma bruxa de idade com cabelos grisalhos, havia se sentado no banco da estação ao lado de Bartô Crouch Jr., folheando uma revista, mas, vez ou outra, erguia a vista para observar o seu entorno.

"Tô com fome." — reclamou Regulus com as mãos apoiadas no rosto.

James tirou de dentro da sua mochila um pedaço de bolo de caldeirão que havia comprado no Expresso e entregou ao garoto, incentivando-o a comer. Sirius não conseguia mais encarar os seus amigos e nem os pais deles. Ele estava terrivelmente envergonhado. Os Blacks sabiam como pisotear o seu orgulho grifinório com doses de sadismo sonserino.

O rapaz pensou se poderia fazer o percurso para casa sozinho com o irmão, mas eles moravam muito longe e não conseguiriam se locomover sem o uso de magia. Seus pais, claro, sabiam desse fator.

Foi quando a senhora Potter disse com um ar impaciente: "Agora, chega! Isso é um absurdo! Não, meninos, não estou zangada com vocês, mas com os seus pais. Vamos lá para casa e eu vou reportar isso ao Ministério!", que um estampido se fez e um elfo doméstico surgiu na estação vazia. Kreacher tinha uma cara naturalmente amarrada, mas sorriu quando viu Regulus Black correndo em sua direção.

"KREACHER!"

"PATRÃOZINHO REGULUS!"

Dando-se as mãos, o garoto e o elfo pularam e se abraçaram fortemente.

"Está muito magrinho, patrãozinho. A comida de Hogwarts não é a comida de Kreacher. Comprei os doces favoritos do patrãozinho, mas não deixa a patroa saber, senão vai bater em Kreacher. Fiz também o suflê que tanto gosta! Vou assar um bolo de abóbora com chocolate para você."

"Kreacher, senti tanto a sua falta!"

Sirius ainda fitava o chão, sentindo que nunca mais conseguiria encarar os seus amigos de novo. Ele sentiu que podia chorar de raiva, mas não faria aquilo ali. Ótimo! Os Blacks haviam enviado o elfo doméstico de casa com mais de uma hora de atraso para buscar os seus filhos como se fossem duas encomendas esquecidas em um depósito.

Os Lupins pareciam aborrecidos e Remus apertou a mão do rapaz de cabelos compridos. James fitou Black e baixou também os olhos. Os Potters estavam indignados.

Quando Kreacher se aproximou para ajudar Regulus com as bagagens, Sirius falou com uma voz áspera, parecendo se esforçar para se conter.

"Por que demorou?"

"Kreacher não conseguiu aparatar no lugar certo nessa estação imensa. Kreacher aparatou três vezes no meio dos trouxas nojentos e se perdeu..." — respondeu o elfo doméstico com mau-humor.

Sirius pestanejou, sentindo que a sua paciência se esvaía.

"Cadê os seus patrões?"

"Eles vão passar de carruagem na frente da estação para pegá-los em dez minutos. Kreacher não pode se atrasar, senão o patrão aperta os dedos de Kreacher. O patrão Orion e a patroa Walburga não quiseram entrar na estação para não sentirem o cheiro podre de sangue-ruim. A patroa enjoa com o cheiro de sangue de bosta dos Lupins e da escória dos Potters."

Sirius, finalmente, perdeu a paciência que lhe restava e avançou para cima do elfo, sentindo o ódio que tinha pelos Blacks aflorar. Não lhe importava se Kreacher só repetia o que os seus patrões diziam. Naquele momento, de alguma forma, ele queria obrigá-lo a respeitar os Lupins e os Potters, a falar as coisas da forma correta, nem que fosse à base da força.

Remus e James o seguraram. Regulus se colocou na frente do elfo doméstico encolhido, protegendo-o como o protegia muitas vezes dos pais.

"Não bate no Kreacher!"

O momento se fez tenso e foi a senhora Lupin, que, segurando o braço do rapaz de cabelos compridos, disse:

"Meu filho, não se aborreça por isso. Não vale a pena. Vai com o seu irmão e o elfo doméstico encontrar os seus pais. Nossa casa está de portas abertas para você. Sempre estará."

Talvez fosse o acalento maternal de Hope ou talvez fosse o fato de seus gestos delicados lembrarem Remus que fez com que o rapaz se contivesse. Sirius foi beijado então no rosto pela senhora Lupin e pela senhora Potter. Ele apertou a mão dos pais dos seus amigos.

Depois, Sirius abraçou longamente James, que lhe falou:

"Oxford! Tenta ir pra Oxford com a gente."

"Vou tentar, Potter. Vou sentir a sua falta. Justamente agora que nos reaproximamos, esse recesso..."

"Vou sentir a sua falta também. Mas não é um adeus. Nós nos veremos em breve."

Quando Remus abraçou Sirius, ele murmurou em seu ouvido:

"Se lembra do que conversamos. Desvia dos Blacks. Não confronta..." — e, num sussurro quase inaudível, disse: — "Meu amor."

"Eu também te amo." — respondeu Sirius num murmúrio, beijando discretamente o rosto do outro rapaz.

O grupo observou os dois filhos da família Black cruzarem a parede mágica. O elfo empurrava parte da bagagem de Regulus e Sirius, de cabeça baixa, empurrava a sua.

A senhora Potter, sacudindo a cabeça, disse finalmente:

"Isso é de partir o coração. Não consigo ficar só olhando essa injustiça. Que idade Sirius tem?"

"Vai fazer dezessete." — respondeu James.

Parecendo pensar em algo, ela cochichou algumas palavras ao marido e, em seguida, todos atravessaram a parede mágica, na qual estava preso um cartaz escrito 'Esportes Bruxos pelo Mundo – venha viver essa Magia'. Antes, porém, a senhora Lupin se aproximou da secretária sentada no banco próximo a Bartô Crouch Jr., indagando-a:

"Os pais dele estão a caminho?"

"O pai dele atua no Ministério e a mãe está doente sem poder sair de casa. Alguém deve vir buscá-lo em breve. Não se preocupe." — sorriu a bruxa de forma gentil.

O garoto de cabelos cor de palha e a secretária de Hogwarts permaneceram na estação. Bartô, ajoelhado no chão, montava agora um castelo de snaps explosivos.

Quando o grupo se despediu em frente ao King's Cross, os Potters reforçaram o plano dos Lupins irem para a casa em Oxford. Eles falaram um pouco baixo e os dois garotos perceberam, através da conversa, que outras pessoas os visitariam também.

Remus abraçou então James.

"Nos vemos em breve..."

"Que bom que meus pais convidaram você pra vir pra Oxford. Vou pedir pra aquecerem a piscina pra gente. Vamos acreditar que o Sirius vem também. Nem que tenhamos que sequestrar ele."

Remus sorriu. Abraçando ainda James, o rapaz sentiu um perfume floral se desprender do pescoço do amigo e do cordão ao redor do seu pescoço. Seu olfato lupino farejou um pouco Potter com uma expressão de estranheza.

"Mudou de colônia, James?"

Potter, recordando-se de Pride mergulhando o rosto no seu pescoço com aquele perfume doce, delicioso, respondeu de modo um pouco evasivo.

"É, usei outra..."

"Engraçado, acho que já senti esse perfume em Hogwarts em algum lugar. Gosto mais do outro perfume, James." — disse Remus, afastando-se do rapaz e parecendo um pouco pensativo.

 

 

Sirius arrastava as suas malas ao lado de Regulus, sabendo que, diante das outras pessoas, o irmão parecia louco por, supostamente, estar falando sozinho. Havia um feitiço estabelecido pelo Ministério para que os elfos domésticos permanecessem invisíveis para os trouxas. O filho mais novo dos Blacks, sem se importar com esse fator, parecia ter muito assunto com Kreacher e lhe narrava todos os últimos acontecimentos de Hogwarts.

Enquanto isso, Sirius sentia os sintomas de ansiedade que sempre o acompanhavam ultimamente quando tinha que se encontrar com a sua família. Ele tinha a boca seca; a respiração alterada e se sentia nauseado. Subitamente, o rapaz também sentia uma corrente de ar gelado sob o casaco que trajava e percebeu que a sua mão tremia levemente.

A carruagem puxada pelos invisíveis testrálios estava estacionada a alguns metros da saída do King's Cross. Quando os dois garotos a alcançaram, a porta da cabine se abriu sozinha e uma pequena escada acarpetada desceu para que embarcassem enquanto Kreacher acomodava as bagagens na parte traseira.

Regulus foi o primeiro a entrar. Sirius respirou fundo, esperando que o seu coração reestabelecesse um compasso mais tranquilo e a sua respiração se estabilizasse. Ele adentrou, então, a carruagem.

Seus pais estavam sentados um ao lado do outro no assento de couro de dragão forrado. Orion parecia mais velho com alguns fios grisalhos em sua barba. O bruxo trajava roupas elegantes, echarpe, sobretudo, paletó e cartola. Uma das suas mãos enluvadas se apoiou no ombro de Regulus em um cumprimento meio desajeitado.

Walburga se apresentava de pernas cruzadas e os cabelos negros e cheios se mantinham presos em um elegante coque. Pérolas circundavam o seu pescoço delgado em infinitas voltas e o vestido verde sofisticado revelava seus braços muito brancos nus, as costas e o decote reveladores para uma noite de outono.

Seu olhar delineado pelo contorno negro pousou em Sirius quando ele se sentou sem nada dizer. Curvando-se, Walburga beijou o rosto do rapaz que se manteve impassível. Seu decote em v revelou ainda mais o seu corpo e Sirius desviou o olhar. Não houve abraços entre os Blacks. A mão apoiada no ombro de Regulus e aquele beijo frio era tudo o que tinham para oferecer. Kreacher terminou de acomodar as malas e a carruagem começou a mover as suas rodas raiadas, deixando o chão e se erguendo até o céu. Regulus viu o elfo doméstico lhe acenar ainda da estação.

"O Kreacher não vai com a gente?" — indagou o menino com as mãos espalmadas na janela da carruagem.

"Não, ele vai sozinho pra casa." — retorquiu Orion com uma voz seca.

Regulus queria lembrar aos pais que Kreacher ficava nervoso em lugares muito cheios e se confundia, às vezes, na hora de aparatar. Que, pelo menos dentro da carruagem, ele podia usar o seu feitiço para se locomover com mais tranquilidade, mas o garoto baixou o seu olhar diante da expressão severa dos Blacks.

Walburga acendeu a sua cigarrilha, sendo acompanhada por Orion que levou o charuto à boca.

"Como vocês tem passado?"

"Bem..." — respondeu Regulus, abrindo um pouco a janela.

"O que diabos é isso no seu rosto?" — indagou Walburga, apontando o seu cigarro entre os dedos e Sirius, instintivamente, tocou o piercing em sua sobrancelha.

"É moda em Hogwarts." — retorquiu, laconicamente, o rapaz.

"Está parecendo um bandido." — disse a bruxa, respirando fundo com algum enfado.

"E esse colar vulgar?" — inquiriu Orion.

"Foi presente de uma amiga minha." — retorquiu Sirius um pouco ofendido, levando a mão à ágata de fogo. Gostara muito do cordão dado por Raven.

"De uma namorada?"

"Não. De uma amiga, eu já disse."

Orion pareceu um pouco frustrado com a resposta de Sirius. Tinha a sua opinião sobre as mulheres.

"Deve ser uma amiga que não frequenta a alta sociedade e faz esses artesanatos de mau gosto, parecendo uma pseudoprofeta."

Sirius se manteve em silêncio, apesar de se sentir profundamente irritado. Raven e as outras Morganas possuíam muito mais estilo do que todos os idiotas da alta sociedade bruxa com o seu ouro e pedras preciosas cobrindo cada pedaço de pele à mostra. Eles, sim, eram cafonas!

Walburga observou por alguns segundos os rostos desanimados dos filhos.

"Bom, sei que não estão felizes em voltar antes do tempo para casa, mas não nos deram escolha. Temos uma festa a qual devemos ir. Vocês irão conosco..." — falou a matriarca dos Blacks, soprando um anel de fumaça.

Sirius pestanejou, tentando controlar o tom que usava com as suas palavras.

"A gente tá cansado, Walburga. Eu quero ir pra casa. Será que vocês não têm lido as notícias? Uma amiga minha e do Regulus foi morta. Ela era do mesmo ano e da mesma Casa dele. Ainda estamos de luto e não temos o que comemorar..."

Orion fitou os filhos.

"Soubemos do que aconteceu. Espero que tenha tido uma amostra do que os trouxas nojentos, a quem é tão simpático, Sirius, são capazes."

Sirius permaneceu em silêncio, recordando-se das palavras de Remus. Walburga falou de modo áspero:

"É uma festa importante. É necessário que estejam presentes."

"Não estou vestido para a ocasião de uma festa dada pela alta sociedade. Vou fazer vergonha pra vocês." — insistiu Sirius, observando contra a luz a maquiagem pesada da mãe enquanto ansiava por se esquivar daquele compromisso que lhe era imposto.

"Já ia me esquecendo. Multicorfors." — murmurou Orion com desinteresse, rodopiando a sua varinha em direção aos filhos.

Imediatamente, roupas elegantes foram criadas e cobriram os corpos dos dois jovens. Sirius se viu trajando algo muito parecido com o que o pai vestia, assim como Regulus. O filho mais novo dos Blacks olhou com surpresa as suas mãos enluvadas e o sobretudo sobre os seus ombros. As roupas que vestiam até pouco tempo atrás desapareceram completamente.

Sirius respirou fundo. Não haveria discussão. Não era a primeira vez que os pais o forçavam a ir a algum lugar que não queria, trocando as suas roupas sem a sua permissão.

Sem vontade de prolongar a conversa, o rapaz de cabelos compridos verificou os bolsos da sua calça para saber se o que guardara ali de tarde ainda permanecia. Apalpando o tecido, tirou um pequeno bastão de chicletes bruxos, que havia comprado no carrinho de doces do Expresso.

"Quer?" — disse ele, oferendo o doce ao irmão.

Regulus aceitou o chiclete, desembrulhando-o e mastigando-o. Imediatamente, a sua cara ficou muito inchada quando ele se pôs a soprar uma bola de chicle. As suas faces esverdeadas se inflaram até que o chiclete estourou e a cabeça dele voltou para o tamanho e cor normal. Regulus começou a rir, sendo seguido pelo irmão.

"Olha só..." — disse Sirius, fazendo uma bola e tendo a sua cabeça inchando num tom de laranja berrante. Seu rosto, dentro da carruagem, ficou gigante. Quando a bola finalmente estourou, Regulus ria, levando a mão à barriga.

Orion, que se punha a ler o Profeta Diário, baixou o jornal, fitando Sirius com desagrado no instante em que a cabeça do rapaz voltara para as proporções normais.

"Será que podem parar com essa besteira?"

Sirius havia se esquecido que era proibido que fosse minimamente feliz e que as risadas não eram permitidas perto dos Blacks. Ele sinalizou para que Regulus não fizesse mais bolas, mas cruzou a vista, ficando vesgo e girando os olhos para divertir o irmão. Regulus segurava o riso com as mãos na boca e seus olhos se avermelhavam.

Walburga, respirando fundo, perguntou então, olhando a paisagem do céu noturno pela janela:

"Viram a prima de vocês no King's Cross? Viram Bella?"

Sirius baixou os olhos, sentindo a graça também escapar do seu coração.

Foi Regulus quem respondeu:

"Eu vi. Ela e a prima Narcissa foram embora com aquele secretário que trabalha para o titio."

Walburga pestanejou enquanto falava.

"Seus tios não deixaram que ela ficasse em casa. O casamento dela foi marcado para julho do ano que vem com o filho dos Lestrange."

Walburga mirou então Sirius com um olhar perfurante de rancor. Seu plano de casar a amante com o filho mais velho, a fim de mantê-la por perto, fracassara. Os Lestrange arremataram a jovem de sangue puro da família Black como se arrematava uma relíquia mofada em um leilão de velhos caducos. Sirius moveu discretamente a boca em um sorriso sádico. Os olhos de Walburga se voltaram para a paisagem e se encheram de água.

Orion, ainda lendo o seu jornal, fitou a esposa de soslaio.

"Já era época dessa outra palhaçada terminar também. Deixei que se divertisse mais do que o suficiente, Walburga, mas agora chega. Não quero virar uma piada diante da família e dos meus amigos. Meu irmão fez o certo em limitar o contato de vocês e apressar o casamento dela. Agora, trate de enxugar essas lágrimas antes de chegarmos à festa. Eu não suporto choradeira!"

Regulus olhava a cena com estranheza, tentando entender o que era dito. Sirius, por outro lado, compreendia cada palavra e, tentando distrair o irmão, mostrou qualquer coisa fora da janela da cabine para desviar a sua atenção.

"Eu aguentei todos esses anos você me fazendo de idiota com as suas amantes, Orion! Foram tantas! Tantas! Fui obrigada a casar com você por sermos primos, mas eu nunca gostei de você. Na verdade, eu te odeio! Nunca gostei de homens! Nunca gostei da forma como tocam as mulheres como se fossem um buraco oco e vazio. Nunca gostei da forma como você resfolegava em cima de mim com o cheiro das suas putas e com o hálito de whiskey. Eu te dei os dois filhos homens que queria e abortei a menina que não queria porque odeia qualquer mulher que não seja útil para você. Agora, chega! Eu quero o divórcio!"

Sirius se deteve, remoendo cada palavra. Ele prendia a respiração. Nunca ouvira a sua mãe falar daquela forma. Nunca soubera que teria uma irmã e que a menina fora abortada. Regulus tinha os olhos arregalados e, voltando a si, Sirius abraçou o irmão como se quisesse protegê-lo da atmosfera escura que se formava naquela cabine.

Orion fitou, impassível, o rosto da mulher.

"Não faça uma cena e não diga bobagens! Devia agradecer aos céus por um primo aceitar se casar com você. Você não era a criatura mais bonita da família, Walburga, e a sua magia sempre foi fraca e irregular. Deve ser por isso que a menina ia nascer um aborto sem nenhuma capacidade de fazer qualquer feitiço. Você demorou anos pra me dar um filho e quando me deu um, colocou um apoiador de sangue-ruins no mundo. Depois, me deu outro filho que faz amizade com elfos domésticos." — Orion estreitou a vista, focando em uma notícia qualquer no jornal, antes de continuar — "É por sua causa que meus filhos são fracos, Walburga! Porque você é fraca! E essa sua relação com Bellatrix já deveria ter acabado faz tempo. O que esperava? Viverem uma linda história de amor como se você fosse alguma adolescente? Já se olhou no espelho, querida? Já viu como está velha, decrépita e digna de pena? Então, trate de enxugar essas lágrimas e engolir esse maldito choro. Os Blacks nunca se divorciam!"

Uma tensão adiposa se instalou no ambiente, roubando todo o oxigênio. Orion, Sirius e Regulus fitavam Walburga. Regurgitando as palavras do marido, era certo que a mulher explodiria. Ela tremia e seus olhos pareciam dois vales escuros.

"EU QUERO O DIVÓRCIO!" — Walburga gritou, finalmente, muito alto entre lágrimas enquanto a carruagem descia até o chão.

"Não!"

"SEU LIXO, SEU HOMENZINHO INCAPAZ! EU TE ODEIO! NÃO SABE COMO SINTO NOJO DE VOCÊ! TODAS AS MULHERES QUE TEVE FORAM MELHORES DO QUE VOCÊ! NÃO AS CONSEGUIRIA SE NÃO FOSSE RICO E PODEROSO! VOCÊ SEM O SOBRENOME BLACK NÃO É NADA! NADA! SÓ UM GRANDE DESPERDÍCIO DE MAGIA QUE DÁ PENA!"

"CALE-SE! NÃO OUSE ME DESAFIAR!" — explodiu Orion, finalmente, erguendo a sua mão com o punho fechado.

Sirius abraçou mais forte o irmão, que, encolhido, chorava. O rapaz fitou o pai e a mãe, sentindo um nó na sua garganta. Ele se lembrou das palavras de Remus. Lembrou-se de Remus deitado ao seu lado, enchendo o seu rosto com delicados beijos na Casa dos Gritos. "Já te falei o quanto te amo?" — dizia o rapaz, tirando a sua franja irregular dos olhos. "Já, mas pode me dizer de novo. Não me canso de ouvir você, lobinho. Seu amor me faz tão bem. É tão gentil, tão doce... Nunca conheci ninguém como você."

Orion se deteve, vendo que os filhos se encolhiam no assento diante de si. Walburga ainda o fitava com um olhar injetado e havendo sacado a sua varinha, ela a apontava diretamente para o esposo.

O patriarca Black alinhou os seus cabelos e a echarpe branca. Os testrálios invisíveis trotaram, diminuindo a sua marcha. Haviam chegado. O bruxo fechou os olhos como se recobrasse a sua calma e, quando falou, a sua voz era fria como um punhal.

"Se recomponha. Você é uma Black."

A porta da carruagem se abriu e Orion desceu a escada acarpetada, virando-se para falar com os dois filhos, antes:

"Tratem de dar um jeito também nessas caras. É uma festa. Quero que se divirtam." — e, fitando Sirius por alguns segundos, acrescentou: "Devia ter dado um jeito também nesse seu cabelo."

Tirando a varinha de dentro das vestes, Orion a moveu no ar e lançou um feitiço sobre Sirius. Levando a mão à cabeça, o rapaz constatou que o seu cabelo comprido, que batia na cintura, havia ido embora. Estava curto. Curto como era o cabelo da maioria dos jovens da sua idade. Seus olhos se arregalaram enquanto era fitado por Regulus.

"Desgraçado!" — murmurara Sirius, fazendo menção de se levantar.

"Calma, tá bem maneiro!" — tranquilizou-o o irmão com os olhos ainda vermelhos.

Os dois garotos fitaram a mãe, que ainda estava sentada de olhos fechados, tremendo levemente. Sirius sentia que a compaixão forçava as barreiras impostas em seu coração. Contudo, sentia mais compaixão por si mesmo e por Regulus, que eram, declaradamente, apontados como indesejáveis naquela relação fincada no ódio e no narcisismo.

Se ele convidasse Walburga Helléne Langonélle Black para o seu coração, ela o envenenaria novamente com cobranças, culpas e rancores, fincando as presas em cada artéria. Faria o jovem se sentir novamente com o coração intoxicado por aquela nuvem negra de ruína e sentimentos esquálidos. Não, ela não era bem-vinda porque os Blacks eram a destruição e Sirius tinha dentro de si um universo inteiro em suspenso que precisava proteger de bombardeamentos, capazes de lhe varrer coisas caras, assim como os fios longos do seu cabelo foram extinguidos em uma fração de segundos com a declinação suave de uma varinha.

Foi Regulus quem falou.

"Você tá bem, mamãe?"

Walburga parecia se esforçar para trazer o ar novamente para os seus pulmões. Erguendo os olhos, ela assentiu e se pôs a deixar a carruagem, trazendo o casaco felpudo cor de marfim por sobre os ombros magros. Quando desceu a escada, ela foi ajudada por um serviçal da festa e Sirius percebeu, atordoado, que ela voltara a sorrir. Ver um Black quase matando outro Black era um espetáculo, o qual somente um terceiro Black teria a triste honra de presenciar. As aparências eram tudo para aquela família.

Walburga fitou ainda Sirius com algum rancor, antes de se retirar. Sirius falou com o irmão:

"Não foi a melhor recepção do mundo, pirralho, mas um dia você vai entender que o problema tá neles e não em nós."

Regulus coçou a cabeça.

"Sabia que íamos ter uma irmã?"

Sirius sacudiu a cabeça.

"Não, nunca tinha ouvido essa história antes..."

"E o que a mamãe tem com Bellatrix? Por que o papai ficou tão nervoso?"

Sirius refletiu se deveria contar ou não ao irmão que a sua mãe tinha um caso com a sobrinha, mas não achou que a carruagem estacionada em que os serviçais esperavam que saíssem fosse o melhor lugar para isso.

"Outra hora, a gente conversa, pirralho."

"Eu não sabia que o papai é mulherengo feito você..."

"Não, eu não sou mais mulherengo, pirralho, e estou namorando sério. Eu amo a pessoa com quem estou e nunca vou trair essa pessoa, tá me ouvindo? Aliás, por favor, não comenta isso com os Blacks, por favor..."

Remus franziu o cenho.

"Não me diz que você tá a fim de uma nascida trouxa ou de uma mestiça..."

"Um mestiço trouxa, licantropo com o rosto mais bonito que já vi no mundo inteiro. O meu garoto Remus..." — refletiu Sirius sem nada dizer.

Regulus, interpretando que acertara o seu palpite diante do silêncio do irmão, bateu a mão na testa.

"Você tá ferrado!"

"Não, não tô. Só vou estar se você der com a língua nos dentes."

"É a Evans do seu ano?" — indagou, Regulus.

"Não, Lily é só uma amiga. Não a vejo dessa forma."

Regulus falou, fitando o chão.

"Eu suspeitei dela em Hogwarts, mas Olivia me disse que eu era tonto e não via o óbvio. Ela me disse, no sábado, na hora do café, quando a gente voltou para a mesa da Sonserina que ela sabia quem era a pessoa com quem você tava namorando. Que era uma pessoa incrível e que ela aprovava o seu namoro. Ela disse que viu o anel de compromisso no pescoço dessa pessoa."

Sirius pestanejou. Olivia Stone havia visto o anel, sendo usado como colar por Remus? O rapaz se lembrou da menina, perguntando se a pessoa de quem ele gostava tinha cabelos castanhos.

Regulus baixou os olhos com uma expressão triste.

"Sinto falta da Stone. Távamos ficando amigos e íamos jogar naquela tarde uma partida de snap explosivo. Ela ia me chamar pra tomar chá na casa dela em Notting Hill durante o recesso de Natal."

Sirius assentiu.

"Também sinto falta dela, pirralho."

Olivia Stone aprovara Remus sem hesitar e, sem hesitar, guardara segredo, talvez tirando as suas próprias conclusões a partir do silêncio que Sirius instaurava e sendo fiel à sua amizade. O Chapéu Seletor nunca errava. Olivia podia ter o verniz sonserino, mas a sua lealdade era da Grifinória.

Os dois garotos ouviram batidas suaves na porta da cabine. Os serviçais indagavam se desceriam.

"Vamos passar por essa festa idiota, Regulus, e depois, vamos para a casa dos Blacks. Deve ter comida boa lá dentro pelo menos."

O garoto assentiu e, juntos, deixaram a carruagem.

Orion e Walburga os esperavam com alguma impaciência e, ao verem os garotos se aproximando, puseram-se a andar. Seus rostos estavam endurecidos, mas não havia mais resquícios da desavença que ocorrera há pouco. Ninguém diria que um pedido de divórcio, um punho fechado e uma varinha em riste se sucederam entre o casal com a ferocidade existente somente entre parentes que se odeiam.

O lugar em que se realizava a festa era uma casa suntuosa e Sirius reconheceu a rua como Egerton Crescent, região luxuosa de Kensington e Chelsea. Caminhando sobre um tapete vermelho, que cobria a calçada cercada por jardins decorados com esculturas de mármore e iluminação noturna de fadas, a família se deteve diante de uma bruxa bem-vestida que anotava os nomes dos convidados com uma pena de pavão enfeitiçada que flutuava no ar.

"Orion Black." — a pena registrou o nome do patriarca.

"Walburga Black." — o objeto repetiu o seu movimento.

"Posso verificar as suas varinhas, senhor e senhora Black?" — perguntou a bruxa, indicando um cálice semelhante ao que Sirius havia visto no hotel em que fora com Remus em seu primeiro encontro. Esse, no entanto, era mais luxuoso, feito de prata e cravejado de pedraria.

"Não, não pode. Ninguém encosta na minha varinha além de mim." — respondeu Orion com soberba.

A bruxa, imediatamente, baixou os seus olhos com as mãos em concha fechadas diante de si. Com uma reverência, ela voltou a falar com servilidade.

"Queira me perdoar, senhor Black, mas são ordens expressas do senhor Praga."

O homem respirou fundo com alguma chateação e olhou com desdém a jovem diante de si. Ele fez um gesto para que ela aproximasse o cálice e ele mesmo inseriu a sua varinha dentro do artefato, que, imediatamente, expeliu uma fumaça. Segundos depois, o cálice encantado cuspiu o nome de Orion Black e a bruxa lhe indicou a entrada de um modo delicado.

Ela repetiu o procedimento com Walburga e, enquanto o cálice expelia a fumaça, Sirius indagou a mãe de um modo vago:

"Não assina mais com Walburga Helléne Langonélle Black?"

Sirius sabia que a sua avó materna dera um nome comprido para Walburga, desejando lhe chamar de um modo singular, fora daquela tradição da família de nomear os seus membros com nomes de constelações frias e distantes. Helléne era o seu segundo nome. Langonélle era o sobrenome da avó de Sirius. Casando-se com o primo Orion, o nome da bruxa permanecera absolutamente o mesmo após se casar. Nada havia mudado.

A mãe de Sirius, não raras vezes, assinava cartas, pergaminhos, documentos, contratos com Helléne, talvez sonhando com uma vida fora do casamento ou daquela família. Sirius também a chamava assim quando mais jovem, tentando resgatar a imagem da estudante deslocada em Hogwarts que vira nas fotos de família. Mas, recentemente, ele pensava nela como Walburga muitas vezes e não como Helléne.

Diante do comentário de Sirius, a mulher girou sobre os seus saltos e fitou o filho, falando com secura:

"Walburga e Black é quem eu sou no fim das contas. Melhor aceitar. Que diferença faz o segundo nome idiota que a sua avó me deu?"

Sirius baixou o olhar sem nada dizer. Após alguns breves minutos, ele também teve a sua varinha inspecionada pela bruxa que trabalhava na recepção da festa. Ela era uma garota de seus vinte e poucos anos muito bonita, cuja família devia ter vindo do leste asiático. Sua pele estava envolta em um vestido prateado de seda e os seus lábios foram tingidos de um vermelho muito vivo. Seu cabelo negro com uma grossa madeixa branca estava preso no alto e alguns fios caíam pelo seu rosto oval, roçando em seu pescoço delgado.

O decote do vestido da jovem também era acentuado e Sirius percebeu que Regulus observava a bruxa com um olhar fascinado. O menino, meio atordoado, havia dito que o seu nome era Régua ao invés de Regulus e chegara a deixar a sua varinha cair no chão. Por fim, ele fora puxado pelo pai, que lhe pedia que fosse mais cuidadoso.

Sem que percebesse, Sirius se surpreendeu admirando também a beleza da jovem e quando ela fez um comentário para que ele esperasse um pouco, ele lhe sorriu, mexendo um pouco nos cabelos recém-cortados. Os dois trocaram um olhar e Sirius baixou o rosto. Sentiu o perfume adocicado da bruxa quando ela leu o seu nome em voz alta na tira de papel que saíra do cálice.

"Está tudo certo, senhor Black. Queira se encaminhar por gentileza para a entrada com a sua família."

"Certo, muito obrigado..." — sorriu-lhe novamente, Sirius fitando o decote da jovem antes que pudesse evitar. Definitivamente, ele gostava ainda de garotas.

Sussurrando, a bruxa disse:

"Trabalho até a meia-noite. Se a festa não for do seu agrado, podemos nos divertir em outro lugar."

Sirius se virou para fitar a bruxa que recepcionava agora um casal de bruxos idosos. Discretamente, ela ergueu os olhos e sorriu. Sirius se voltou para a frente sem nada responder. Não, ele não estava disponível. Se pudesse escolher alguém com quem passar a noite, sua primeira escolha, certamente, seria o seu lobo de olhos amarelos e sorriso gentil. A sua segunda escolha seria ele. E a terceira, também.

Com Remus, Sirius dividia não só o prazer e o amor, mas o equilíbrio; a serenidade ao ser obrigado a fazer parte de um mundo no qual se sentia inquieto. Ele havia esquecido o quão estranho se percebia naquele universo habitado pelos Blacks e não por Marotos, Morganas, Casas, Quadribol, mapas e felicidade. Remus era o seu porto seguro. E isso era muito mais infinito do que uma noite.

Orion, que observara a cena, comentou próximo ao filho mais velho:

"Vejo que, pelo menos nesse quesito, há alguma semelhança entre nós dois, Sirius. Se quiser sair meia-noite para se divertir com aquela beldade chinesa, não farei oposição. É um pouco atrevida por insistir na identificação das varinhas, mas em outro setor, isso talvez tenha o seu charme."

Sirius, mais uma vez, nada respondeu e avançou em direção à entrada da casa. Na ampla antessala, o rapaz aproveitou para fitar o seu rosto no espelho ornamentado pendurado na parede. Ele se surpreendeu com o jovem que o encarava de volta.

Sirius ainda estava com a sua franja, apesar de o seu corte estar um pouco mais regular agora. Fora isso, o seu rabo de cavalo comprido e todos os fios haviam sido encurtados à altura do pescoço. Era o cabelo típico de um jovem da alta sociedade. Não estava ruim, mas, simplesmente, não era ele. Parecia agora algum playboy e não um Maroto, que se transformava em Animagus e corria pela Floresta Proibida ao lado de Remus e James. Que fumava escondido e bebia whiskey de fogo. O que seus amigos diriam quando o vissem? O recesso começara mal com o seu pai tentando mudar a sua aparência, visto que não podia trocar de filho.

Um serviçal pediu para guardar os casacos da família Black e, com um ar enojado, o seu pai entregou o sobretudo e a cartola ao homem.

A festa estava povoada por bruxos de roupas muito suntuosas, que se arrastavam pelo salão amplo da residência com alguma elegância. O local era iluminado e decorado com flores e móveis de bom gosto. Uma banda com instrumentos vintage entoava uma canção animada incitando a dança de sapateado bruxo ao som de trompete, assovio e contrabaixo. Algumas bruxas com as costas e braços nus, assim como Walburga, deslizavam pela sala aquecida com magia, segurando as taças cheias de bebidas que, terminadas, repunham-se sozinhas.

Orion, rapidamente, foi recepcionado por alguns bruxos que o saudaram com entusiasmo, assim como Walburga. Entre os mais jovens, Sirius reconheceu, principalmente, alguns rostos sonserinos. Regulus, vendo dois colegas do primeiro e segundo ano, foi falar com eles.

"Mulciber, espero que não tenham atrasado o jantar por nossa causa. Tivemos que buscar nossos dois filhos no King's Cross." — desculpou-se Orion, consultando o relógio de corrente em seu bolso, diante de um bruxo de olhar austero.

"De forma alguma, Black. Os Davies e os Doyles também estão atrasados. O próprio Praga ainda não chegou. Esse é o seu filho mais velho? Já é praticamente um homem!"

Orion fez um gesto para que Sirius se aproximasse. O rapaz de olhos cinzentos cumprimentou o bruxo.

"Deve ter quase a idade do meu filho. Talvez se conheçam ou, pelo menos, tenham se esbarrado na Sala Comunal da Sonserina..."

"Sou da Grifinória!" — adiantou-se Sirius em dizer sob o olhar de censura do seu pai.

O rapaz sentia vontade de dizer também que conhecia Mulciber sim de vista e que o jovem era um tremendo filho da mãe que se divertia jogando feitiços perigosos nos alunos mais jovens e nos lufanos, sobretudo, que tinham uma natureza pouco combativa e mais gentil.

"Ah..." — respondeu o Mulciber pai, afastando-se como se Sirius tivesse confessado ter uma doença contagiosa.

Orion, sacudindo a cabeça, afastou-se também do filho. Respirando fundo, o rapaz de olhos cinzentos se aproximou do bar e se serviu de whiskey de fogo. Ele acendeu também um dos seus cigarros. A noite seria longa.

Caminhando pelo salão, Sirius fitou os quadros pregados na parede. Havia rostos que nunca vira até então, mas entre eles, reconheceu Vincent Praga, ministro júnior do Departamento de Reversão de Feitiços Acidentais que, muitas vezes, aparecia no Profeta Diário fazendo algumas declarações polêmicas. Chamado por Remus sempre de "grande pentelho" devido aos seus comentários ácidos e críticas que eram feitas à política do Ministro e de Jordana Johnson, sem propor uma solução melhor em seu lugar, ele fazia parte da oposição.

O cúmulo havia sido ele dizer que o tempo que gastavam limpando a memória dos trouxas dos acidentes com feitiços feitos pelos bruxos era um tempo que poderia ser empregado em discipliná-los sobre a verdadeira estrutura do mundo em que uma raça superior sempre existira, observando de longe as atrocidades que os trouxas cometiam como um atestado de suas limitações e inferioridade. Era um homem arrogante com um rosto comum e nada nele parecia interessante ou memorável para Sirius. Sirius deduzira já pelo que a bruxa da entrada dissera e pelo que ouvira de algumas conversas que aquela era a casa de Vincent Praga. Por fim, os quadros confirmavam as suas suspeitas.

Sirius bebia de seu copo de whiskey e, discretamente, ouviu dois bruxos conversando perto de si. Achou que o rosto de um deles não lhe era estranho. Conhecia o bruxo de algum lugar.

"...Ao que tudo indica, Vincent Praga é a melhor escolha para ocupar o cargo que Jordana Johnson deixou vago. Um de nós é o ideal para atuar noDepartamento de Execução das Leis da Magia. Os Aurores veneravam Jordana e estão inconformados, dizendo que não seguirão um chefe que não esteja alinhado com o pensamento dela. Também não acreditam que o Ministro a matou. Mas danem-se, eles. Não precisamos que concordem, só que obedeçam."

O outro bruxo sorriu.

"George e Jordana eram tidos por muito bruxos como uma espécie de dupla dinâmica. Mudaram em pouco tempo várias leis do Ministério. Ele, como Ministro, intensificou a inclusão de sangue-ruins no mundo bruxo e ela iniciou a caçada aos praticantes de magia das trevas e puristas. Parte da família dela foi assassinada pelos seguidores de Grindelwald e ela parecia uma neurótica de guerra, temendo que Você-Sabe-Quem trouxesse o passado de volta. — O homem bebericou de sua taça com uma empolgação afetada — "Adoradores de sangue-ruim... No fim, o Ministro e Jordana tiveram o que mereciam depois desse legado tosco que deixaram. Já foi ao Beco Diagonal recentemente? A Hogsmeade? É nojento ver trouxas, duendes, mestiços caminhando ao lado de boas famílias como se fossem iguais. Detesto, principalmente, a cara de aparvalhados dos nascidos trouxa, refestelando-se no nosso mundo como se tivessem algum direito. Admirando-se com a magia que não lhes pertence."

"Por isso Vincent Praga é a melhor opção, Meadowes... Essas políticas de apoio a sangue-ruins, que nos enfiam goela abaixo e o direito que nos é tomado de nos expressarmos livremente no âmbito da magia; o fato de não podermos usar a magia que é passada há gerações nas nossas famílias é a verdadeira intolerância. O mundo está mudando para pior."

Sirius fingiu se servir de um canapé, olhando os dois bruxos de soslaio. De onde conhecia um deles? Ele já vira aquele rosto em algum lugar...

Enquanto fazia esforço para se lembrar, Sirius viu os Doyles chegando à festa, acompanhados de sua família. Pai, gêmeos e o irmão mais velho. A senhora Doyle não estava presente. Todos seguiam a tendência das vestes luxuosas e eram saudados com entusiasmo pelos outros convidados. Malfoy fora também até eles. Sirius se recostou a uma pilastra, desejando mais do que nunca não estar lá. Ele ainda se lembrava das coisas terríveis que os gêmeos haviam falado sobre Remus e se lembrava também do que Lily lhe contara sobre o pai e o irmão mais velho dos Doyles.

Minutos depois, chegou Emily Davies, acompanhada do seu pai. Ela usava um vestido mais moderno de estampa colorida e mangas compridas e fofas, que eram comuns nos anos 70, mesmo na comunidade bruxa. O vestido também era curto e, ao invés do rabo se cavalo rotineiro, ela tinha o cabelo partido ao meio, caindo solto pelas costas. Os Davies foram bem recebidos também pelos convidados e Sirius notou que Emily tinha o rosto abatido e pálido com profundas olheiras. Talvez, ela não tivesse também dormido bem ao ser acordada bruscamente durante a madrugada para que arrumasse as malas para voltar para casa no dia seguinte.

Um dos homens que Sirius espreitava mirou a jovem com interesse.

"Se não fosse filha do Davies, comia essa garota até não aguentar mais. Gracinha!"

O bruxo observou na direção que o outro homem olhava.

"O Davies mata você. Ela não é como as mestiças e sangue-ruins com quem pode se divertir, Meadowes. É nobre. Possivelmente, vai se casar com um jovem sangue-puro e ter uma boa vida ao lado do esposo e dos filhos. Tudo o que uma garota do status dela pode sonhar. Ouvi um burburinho de que tem peixe graúdo de olho nela. Controle-se. Achei que tivesse parado com esse seu fetiche por estudantes."

O bruxo chamado de Meadowes sorriu diante das palavras do outro homem.

"Por que eu deveria parar? É a melhor idade da vida. No último fim de semana, encontrei com um garoto em Hogsmeade que me deixou doido. Ele era de Hogwarts e estava na joalheria Trojanno. Já havia o visto em um daqueles restaurantes caros beijando um bruxo mais velho. Acho que se prostitui."

O outro homem mexeu em seu bigode com um ar divertido.

"Achei que estivesse se refestelando já o suficiente com o seu animal de estimação brasileiro."

Meadowes sorriu com malícia em uma felicidade extravagante e obscena.

"A ideia de convidar o tal garoto de Hogwarts para sair partiu daquela putinha. Ele deve ser um daqueles jovens de família decadente sem nenhum galeão no bolso. Pareceu um pouco insolente, mas eu posso dar um jeito nele. Teria o arrastado à força da joalheria se um amigo dele não tivesse se intrometido. Duvido que tivesse permissão de estar lá ou pudesse comprar algo. Acredita que o garoto ousou me ofender com um linguajar chulo quando ofereci dinheiro para ele?! Remus, era o nome dele. Um nome bem vulgar, aliás."

"Invista no estudante pobre e o discipline então, mas tome cuidado com o seu animal brasileiro. Afinal, sabe de onde ele veio..."

Meadowes girou os olhos nas órbitas.

"Não seja medroso, Venator. Eu o domestiquei e terá a chance de vê-lo fazendo acrobacias e abanando o rabo feito um cachorrinho enfeitiçado quando eu mandar buscá-lo para nos entreter."

"Se é o que diz, cuide dele com a sua magia e esqueça Emily Davies. As jovens da nossa sociedade devem ser preservadas. Precisamos delas para manter o sangue puro das nossas famílias. Falando em sangue puro, a sua esposa está vindo para cá..."

Sirius viu uma mulher de cabelos escuros e anelados se aproximar do bruxo que era chamado de Meadowes e apresentá-lo a algumas pessoas. O homem se aprumou e falou de forma educada, sob o olhar alcoviteiro do outro.

O rapaz de olhos cinzentos apoiou o copo de bebida com força na mesa quase o quebrando. Sirius reconhecia agora o desgraçado. Ele era um dos bruxos que havia secado Remus durante o encontro que tiveram, tecendo comentários desagradáveis no restaurante. Fornicador de menores! A vontade de Sirius era de encher a cara do tal de Meadowes com algumas boas pancadas, mas ele tentou controlar a si mesmo. Como explicaria a todos a sua ira direcionada ao homem?

Meadowes era o nome do infeliz! Mas o que se sucedera, afinal, na joalheria?

Remus não havia comentado nada. Mas Sirius reparara que o garoto de cabelos castanhos estava um pouco mais quieto quando ele havia deixado a sala em que o duende ajustara o anel. James e Remus trocaram um olhar significativo em algum momento e, depois disso, Remus, no Três Vassouras, com a cabeça apoiada no ombro de Sirius, participara da conversa com os amigos parecendo um pouco triste.

Era típico de Remus guardar as coisas só para si e sofrer calado. Um hábito que Sirius estava padecendo para explicar ao rapaz que não precisava se dar daquela forma. Lupin fora disciplinado, quando tinha apenas oito anos, a esconder a sua licantropia de todos.

Depois, na adolescência, sozinho, ele aprendeu a manter sigilo também sobre a sua homossexualidade. Em seguida, precisou ocultar o seu afeto por Sirius e o seu desejo por James. Logo após, precisou autorregular as suas reações quando os dois melhores amigos lhe contavam sobre as suas conquistas amorosas, sem saberem dos seus sentimentos. Por fim, havia segredos dos Marotos, envolvendo o feitiço de Animagus e o mapa, diante do qual o rapaz não abriria a boca nem sob tortura apesar de ser um dos monitores do quinto ano. Em vista disso, não era surpresa o garoto guardar tudo para si e ser um pouco sonso no trato diário. E Sirius se surpreendia gostando até disso em Remus. Mas queria ser seu amigo, acima de tudo, e que confiasse nele.

Uma porta francesa de madeira se escancarou e um serviçal anunciou:

"O jantar será servido... O patrão vai se atrasar um pouco e pediu que todos começassem sem ele."

Um burburinho se fez e Regulus correu novamente para o lado do irmão. Os bruxos se encaminharam para a sala de jantar em que uma ostensiva mesa forrada com toalhas de linho muito brancas fora preparada impecavelmente. Taças de cristal e talheres de prata permaneciam arrumados delicadamente ao lado dos pratos e de guardanapos com fios bordados de ouro. No centro da mesa, um sofisticado e apetitoso banquete fora servido. Os lugares estavam com os nomes marcados e, seguindo a organização estabelecida, bruxos mais velhos se sentavam no canto direito e os bruxos mais jovens, no canto esquerdo.

"Que ótimo!" — pensou Sirius, constatando o seu nome escrito na plaquinha branca de frente para os gêmeos Doyles e de Emily Davies. Um pouco mais adiante, Malfoy e o seu colega, Macnair, sentar-se-iam juntos.

Sirius seria o jantar dos sonserinos se não mantivesse o seu espírito forte. Pelo menos, Regulus se sentaria ao seu lado.

O rapaz de olhos cinzentos se acomodou em seu lugar e os colegas sonserinos, pela primeira vez, pareceram perceber a sua presença. Sem o seu cabelo comprido e o uniforme de Hogwarts, Sirius, possivelmente, fora tomado, de longe, pelo filho de alguém da alta sociedade, que voltara do estrangeiro e não conheciam. Damon fitou o piercing sobre a sua sobrancelha como se tentasse se certificar de que se tratava realmente de Sirius Black.

"J'ai failli ne pas vous reconnaître avec une coupe de cheveux d'homme. Bonsoir, Monsieur Sirius..." ("Quase não te reconheci com um corte de cabelo de homem. Boa noite, Sr. Sirius.") — disse o Doyle com um francês afiado, porém debochado. A sua fala fora acompanhada pela risada anasalada de Davos.

Sirius ergueu os seus olhos cinzentos, respondendo também com fluência.

"La nuit serait meilleure sans toi, idiot." ("A noite seria melhor sem você, idiota")

Regulus mordeu os lábios, escondendo um sorriso fugitivo. Damon franziu o cenho com deboche.

"Pelo visto, Hogwarts te mandou para casa, mas a falta de educação e os maus modos da Grifinória te acompanharam..."

"Isso, eu aprendi em outra casa. Na casa dos Blacks. E os maus modos devem ter sido ensinado a eles na Sonserina, a sua Casa."

Davos sussurrou algo no ouvido do irmão. Damon transmitiu a mensagem.

"Davos está dizendo que faz muito tempo que não nos sentamos juntos, depois que Dumbledore colocou aquele feitiço idiota que nos afastava de você, do Lupin e do Potter. Onde estão os seus amiguinhos, Black?"

"Em melhor companhia certamente."

"Não parece tão valentão sem a presença deles."

Sirius, olhando para o seu prato vazio, murmurou:

"Vichyssoise."

A louça, imediatamente, encheu-se da sopa francesa, feita à base de batata e alho-poró. E, erguendo os olhos novamente, Sirius retorquiu:

"Na verdade, sinto-me tão corajoso quanto no dia em que quebrei a cara de vocês dois porque essa é uma virtude da minha Casa, a Grifinória. Como lembrou bem, é de lá que vim, Damon. Mas de coragem e valentia, sonserinos não entendem muito..."

"Seu insolente, você vai...!"

"Damon, controle-se!" — falou Lucius Malfoy, sentado ao lado de Macnair, que parecia se divertir muito com o confronto.

Damon, ouvindo a voz do veterano de sua Casa, com algum respeito, baixou o olhar. Um tique movia um canto de sua boca. Davos bufou, imitando o gesto do irmão. Emily Davies observava a cena como se estivesse desconectada do que realmente acontecia. Seus olhos se detiveram brevemente em Regulus com um garfo na mão e, depois, voltaram-se para o seu prato. Uma bruxa sentada ao seu lado perguntou-lhe então:

"Não vai comer nada, querida...?"

A garota murmurou o nome da salada Nicoise, materializando-a em seu prato com o feitiço que circundava a mesa e dispensava a necessidade de serviçais. No entanto, após duas garfadas, parecendo enjoada, Davies parou de comer. Seu rosto estava realmente abatido e os seus ombros, curvados.

Sirius já degustava como prato principal, o gigot d'agneau quando Damon voltou a lhe dirigir a palavra, após Davos cochichar algo em seu ouvido.

"O Davos tá perguntando como tá o Lupin."

"Bem e feliz como Merlin manda."

"As coisas vão ficar complicadas para ele com a morte do Ministro e de Jordana Johnson. Talvez o próximo Ministro não seja tão tolerante com pessoas como ele."

"O novo Ministro não será tolerante com pessoas boas e felizes? Creio que ele deva ser, então, alguém doentio e infeliz como você e o seu irmão."

Regulus apertou forte os seus lábios de um modo muito parecido com o que James fazia quando o humor o encontrava em momentos impróprios.

"Muito engraçado, Black. Você tem feito amigos bem... diferentes ultimamente, como se não bastasse o Lupin. Tenho observado. Evans, Fraser, Rivers... Até com aquele garoto veela da Corvinal, o Pride, vi você e os seus amigos falando dia desses no gramado da Escola. Você parece o Ministro estudando em Hogwarts. Quanto mais bizarro for o colega, mais amigo dele você quer ser."

"Bizarro é você, seu animal!"

"Você foi amigo até da Olivia Stone. Mas essa daí não conta mais já que ela está mortaElle mourut. C'est fini!"

Sirius cessou o movimento dos seus talheres. Ele olhou, instintivamente, para Regulus, que também descansara a sua taça com suco de laranja sobre a mesa, fitando o guardanapo em seu colo.

"...Você viu a foto que o Profeta Diário publicou da cabeça espatifada da Stone, Black? Cara, isso que eu chamo de jornalismo! Deu pra se sentir lá. Tudo bem que ela era da Sonserina e é uma perda para a nossa Casa, mas eu a achava bem irritante, andando atrás de você e dos seus amigos grifinórios como se fosse um cachorrinho abandonado, se sentando na mesa de vocês como se não tivesse vergonha na cara. Assim como você, Regulus..."

Regulus ainda tinha a sua cabeça abaixada.

Sirius sentiu o seu coração doer de um modo perigoso. Davos, com a sua risada anasalada, cochichou algo no ouvido do irmão. Damon transmitiu a fala a Sirius.

"...Davos tá perguntando se você quer o jornal com a foto da Oliva morta emprestado. A gente guardou como recordação..." — e, se voltando para o irmão de Sirius, acrescentou — "Talvez queira também uma lembrança da sua amiguinha, Regulus Black!"

Quem agiu foi um dos feitiços que escapam do corpo sem que pudesse se fazer nada a respeito. Contudo, se ele não tivesse escapado, Sirius faria o que se sucedeu de qualquer forma. O seu poder só se antecipou, ansioso por lhe servir.

"Va te faire foutre!" — retorquiu Sirius, fazendo com que a sopeira de porcelana azul sobre a mesa, cheia de caldo fumegante se erguesse no ar e fosse atirada bem na cara de Damon.

Gritando, o rapaz caiu de costas na sua cadeira, levando a mão ao rosto, que fora coberto pela sopa quente de creme de cogumelos. Quando Davos, tomando as dores do irmão, fez menção de bater em Sirius, o rapaz atirou com magia uma garrafa de vinho que se espatifou na cara do Doyle. Os convidados levaram as mãos ao rosto, percebendo o conflito.

Emily Davies tinha a cabeça baixa e o seu rosto era coberto por uma cortina de cabelos negros. Malfoy, olhando a cena com enfado, pediu a um servente que usasse a sua varinha para resfriar o rosto de Damon, explicando que feitiços de cura não eram o forte dos dois. Macnair ria descaradamente como se tivessem lhe contado a piada do ano.

Orion se ergueu em seu lugar distante.

"O que está havendo, Sirius?"

"Estamos somente matando as saudades de Hogwarts. Queiram me desculpar." — respondeu Sirius com cinismo, bebendo a água do seu cálice.

Orion fez menção de ir até onde os Doyles estavam e ajudá-los, mas o momento foi interrompido pela chegada do anfitrião e figura principal da festa. Vincent Praga adentrava a sala de jantar. Com roupas elegantes, o homem abria os seus braços teatralmente, entregando a sua cartola e casaco a um elfo doméstico.

"Queiram desculpar o meu atraso. O Ministério está um caos com todos esses acontecimentos. Não aguentava mais a lamúria dos Aurores e de todos esses preparativos que estão fazendo para o cortejo fúnebre de amanhã. Mas trago ótimas notícias para a nossa comemoração antecipada do Dia das Bruxas. Ao que tudo indica, estão diante do mais novo Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia."

Uma salva de palmas se fez e Sirius fechou os olhos como se sentisse dor. O "grande pentelho" Vincent Praga seria o chefe dos Aurores do Ministério? Quando a notícia fosse publicada no jornal, Sirius tinha certeza de que Remus ia dar um chilique. Ele mesmo queria dar um chilique diante daquelas pessoas aplaudindo o bruxo com caras de satisfação tapada.

Damon e Davos se recompuseram, deixando que o serviçal, com a varinha, sarasse as queimaduras e o rosto cortado de Davos. Na hora de secar as roupas de Damon, o homem foi dispensado com maus modos.

"Deixa que eu faço isso! O idiota do Black fez eu molhar a blusa de dentro. Você acha que pode me humilhar, Sirius Black?" — indagou Damon, retirando o seu casaco, o seu colete e afrouxando a sua gravata.

"Acho. Na verdade, eu tenho certeza."

Damon olhou para os cantos e viu que o irmão mais velho, sentado um pouco afastado, fitava-o de soslaio. O pai, sentado à direita, também o observava. Damon respirou fundo antes de responder:

"Isso não vai ficar assim, Black! Eu juro! Lembre-se de que não estamos em Hogwarts e eu posso fazer você sentir muita dor. Posso te aniquilar feito um inseto. E eu posso falar para todo mundo sobre os seus relacionamentos excêntricos na Escola. Será que os seus pais estão a par de suas aventuras amorosas clandestinas com gente da estirpe de seus amigos?"

Sirius descansou os seus talheres no prato, fitando o rapaz diante de si. Depois, ele levou o cálice de água à boca.

"São acusações graves, Damon. Prove!"

Davos, que exibia um rosto já livre dos ferimentos proporcionados pelo vidro da garrafa, fitava Sirius com declarado ódio. Na gola branca de sua camisa, havia ainda algumas gotas de sangue e vinho.

Damon falou entre dentes:

"Você tá ferrado comigo, Black! Escuta o que tô te dizendo. Você, o Lupin e o Potter vão sentir tanta dor que vão implorar para saírem de Hogwarts."

"Ah, me poupe! James usou a sua cabeça como se fosse uma goles quicando no chão e Remus enfiou a varinha no pescoço do seu irmão tagarela. Boa sorte pra vocês se mexerem de novo com os dois. E, aliás, deviam estudar mais já que estão no sétimo ano e aprenderem a cuidar dos seus ferimentos sozinhos. Pelo visto, são tão inábeis nos feitiços de cura quanto em tudo."

"Seu filho da...!"

"Agora, chega! Será que não temos o direito de jantar em silêncio? É uma comemoração. Resolvam-se lá fora se estão tão ansiosos por brigarem." — falou Malfoy, parecendo realmente impaciente com os Doyles.

"Dacquoise." — disse Sirius e logo após, a sobremesa francesa feita com merengue de avelã surgiu em seu prato — "Concordamos em algo, Malfoy. Quero jantar em paz."

"Temos contas a acertar..."

"Você tá levando uma surra moral, Doyle! Melhor fechar o bico." — riu-se Macnair.

"Vai pro inferno!"

"CHEGA, DAMON!" — retorquiu Malfoy, atraindo a atenção de algumas pessoas — "Chega!"

Na parte direita da mesa, os bruxos faziam um brinde a Vincent Praga com as suas taças erguidas. Emily Davies levantou o rosto finalmente para fitar o político e, quando os seus olhares se cruzaram, a menina baixou novamente o rosto.

Damon começou a secar com a varinha as partes de sua camisa em que caíra sopa. Utilizar magia fora de Hogwarts por bruxos menores de idade não era permitido, mas, como se encontravam cercados por seus responsáveis e bem longe das vistas dos trouxas, não havia problema.

Constatando que ainda havia partes bem encharcadas e manchadas em vários cantos da sua roupa, Damon começou a desabotoar a camisa. Despiu-a para remover melhor as suas marcas.

Sirius evitou olhar para frente, achando que teria uma visão breve do inferno, vendo Damon sem camisa e se concentrou na garrafa de whiskey que havia na mesa. Ele ia dizer o nome da bebida, conjurando-a em seu copo vazio quando o braço direito de Damon, com a varinha em punho, alcançou a visão periférica do grifinório.

Com uma cicatrização tosca por causa de algum feitiço malfeito, havia um corte no pulso de Damon. Um corte vertical, como se um chicote tivesse estalado em seu braço. A linha vermelha podia ainda ser vista claramente e Sirius a reconheceu, como reconhecera, várias vezes, a marca nos valentões contra quem ele e os seus amigos conjuraram o Flagellum nos primeiros anos de Hogwarts.

O mundo de Sirius cristalizou por um segundo e, com os olhos fixos no braço do outro rapaz, ele sabia que aquele feitiço não fora feito pelos Marotos. Mas por alguém que eles ensinaram. Alguém que replicava, com habilidade, os feitiços de defesa nas aulas ministradas pelo professor de Defesa contra a Arte das Trevas. Sirius se lembrou da sua própria pele marcada com cortes verticais no dia em que escalaram juntos o freixo da Escola. Olivia, a sua discípula brilhante que hesitara em usar o Flagellum contra Remus por temê-lo machucar, poderia ter feito aquilo. Suas suspeitas não estavam erradas. Os Doyles estavam envolvidos naquela história e, do além, talvez a sonserina lhe acenasse.

Sirius ergueu o seu olhar para fitar o rosto de Damon. Havia sido aquele desgraçado que fizera mal para aquela garotinha? Talvez a expressão do grifinório estivesse carregada pelo mais profundo ódio quando fitou os Doyles, visto que o rapaz que havia despido a camisa, deteve-se.

"Tá olhando o que? Tá me achando bonito, Black? Tá a fim de mim?"

Sirius não respondeu e Malfoy, que degustava o seu millefeuilles como sobremesa, falou:

"Talvez seja melhor você ir fazer isso na toalete, Damon. Não vou tolerar que comece outra briga com o Black. Estou falando muito sério."

O rapaz, com maus modos, obedientemente, jogou o guardanapo na mesa e se levantou, retirando-se da sala de jantar. Davos, o seu irmão o acompanhou. Emily Davies bicava a sobremesa, mas nem mesmo a cheesecake parecia animá-la muito. Malfoy se direcionou a Sirius, que se mantinha imerso em seus pensamentos.

"E você também, Black, pare de ofender a Sonserina. Vocês grifinórios parecem tão amantes do espírito de tolerância, mas não deixam de ceder ao impulso de nos afrontar."

Black não respondeu ao comentário do sonserino. Ele suspeitava que Lucius Malfoy colocava limites aos Doyles devido ao contrato de casamento estabelecido entre o rapaz e a sua prima, Narcissa. A família Black e Malfoy se uniriam em breve e o rapaz do sétimo ano, talvez, usasse da sua autoridade para evitar desavenças.

Sirius sentia a urgência de sair daquela festa idiota e contar, imediatamente, tudo o que pensava agora para Remus e James. Ele precisava de seus dois amigos para resolver aquele quebra-cabeça. Como os Doyles podiam estar envolvidos na morte de Olivia se não saíram da Escola no dia? Como haviam convencido a garota a deixar Hogwarts? Como puderam driblar os Aurores, que revistaram a varinha de cada aluno que voltou de Hogsmeade no dia do crime?

Permanecendo muito tempo em silêncio, refletindo, o rapaz não percebeu que alguns convidados deixavam a mesa após o jantar para fumar lá fora. Ele não percebeu que Emily Davies ergueu o olhar para fitá-lo e a Regulus demoradamente, piscando os cílios um pouco nervosa. Depois, o senhor Davies se aproximou da filha, dizendo:

"Emily, venha se sentar comigo. O senhor Praga quer conhecê-la melhor."

A garota, tomando um gole de sua água, limpou a garganta, dizendo:

"Posso ficar aqui, pai?"

"Absolutamente, Emily! Por que quer ficar aqui isolada? Venha, sente-se comigo." — determinou o homem, puxando a cadeira da filha e a forçando a se levantar.

Davies se afastou cabisbaixa. Sentou-se ao lado do pai e foi apresentada ao senhor Praga, que lhe sorria efusivo. Meadowes também sorria para a jovem.

Sirius só voltou a permanecer inteiramente presente quando a mesa estava praticamente vazia e Regulus conjurou whiskey de fogo em sua taça. Tomando-a do irmão e, bebendo o líquido, Sirius disse:

"É bebida de adulto, pirralho! Para você é muito suco de abóbora."

Regulus protestou, mas Sirius se manteve irredutível. Os dois irmãos resolveram se levantar então. Quando se ergueu, o menino perdeu um pouco o equilíbrio, pisando em algo.

"Toma cuidado, pirralho. Nem bebeu e tá trocando as pernas..."

"Eu pisei em alguma coisa que rolou pra baixo da mesa. Parecia de vidro."

Os dois irmãos se ajoelharam e olharam por baixo da toalha. Sirius observou um pequeno frasco de vidro firmemente fechado com uma rolha. O líquido no interior era vermelho e no rótulo, escrito com letras muito miúdas, lia-se Sanguis Prædictas.

O rapaz de olhos cinzentos tomou a poção em suas mãos ainda ajoelhado, estranhando o nome.

"Já ouviu falar dessa poção, Sirius?"

"Não, nunca ouvi falar dela em nenhuma aula do Professor Slughorn."

"Nem eu. Deve ter rolado do bolso do paletó do Damon quando ele tirou a roupa na mesa."

Sirius fitou o irmão por um instante, pensativo, e guardou o frasco no bolso das suas vestes.

"Você vai roubar o Damon?"

"Vamos logo embora daqui, pirralho!"

"Maneiro!" — exclamou Regulus, achando o seu irmão mais velho o máximo.

Sirius caminhou pelo salão, sentindo-se já completamente saturado do ambiente esnobe e desagradável em que se encontrava. Ele estava exausto e ansiava poder se deitar em sua cama. Regulus, também um pouco entediado após comer, havia se sentado em uma poltrona com a mão apoiada sob o queixo.

Black viu os seus pais conversando com os Doyles de forma privada. Viu quando a sua mãe o fitou por sobre o ombro com desagrado. Em seguida, Malfoy se juntou à conversa que se estendeu por um bom tempo. Dessa vez, Sirius pode perceber que todos o observaram com alguma discrição. Teria, certamente, que lutar outra batalha quando chegasse em casa.

Quando Orion e Walburga se aproximaram dos filhos, anunciando que já estavam de saída, Regulus, que já cochilava, retorquiu ansioso:

"Graças a Merlin!"

Sirius deixou o seu copo de bebida sobre o aparador, mal conseguindo manter os olhos abertos, mas observou Damon à distância, apalpando os seus bolsos, procurando, nervoso, por algo. Davos exibia um tique no olho esquerdo. Emily estava ao lado do pai, o senhor Davies, que falava efusivamente com Vincent Praga. A garota estava encostada em uma parede como se quisesse se fundir a ela. Sirius pestanejou. Havia uma nuvem muito sombria sobre os Doyles e a Davies. O rapaz havia crescido nas trevas e reconhecia o terror do abismo quando via um.

Os Blacks deixaram a suntuosa casa e já se encontravam próximos à carruagem quando alguém os chamou. Um homem de cabelos muito negros e cavanhaque se aproximou, vestido de modo elegante, porém com um tom mais moderno e despojado. Orion revirou os olhos discretamente e Walburga crispou os lábios.

"Olha, se não são a minha querida irmã Walburga e o meu primo-cunhado Orion deixando a festa quando estou chegando! Como vão os meus sobrinhos queridos Sirius e Regulus?"

"Tio Alphard!" — correram os dois rapazes, genuinamente felizes por encontrarem o parente de quem mais gostavam. Cumprimentaram-no de forma afetuosa.

"Como estava a festa, Sirius?"

"Uma merda, tio..."

O bruxo riu.

"Imaginei que não seria grande coisa, mas não parei de receber corujas o dia inteiro. No fim, vim pela comida. Tomara que esses bruxos esgalamidos tenham deixado pelo menos um sanduíche para mim..."

"Está bem atrasado, Alphard." — falou Orion, consultando o seu relógio de corrente — "Nem parece britânico."

Alphard fez um movimento com as mãos, dizendo:

"Quando chegamos à idade que temos, Orion, essas etiquetas deixam de ter sentido. Preferi tirar uma sesta antes de vir porque sabia que a festa seria um tédio e acordei somente há pouco."

Orion revirou os olhos sem discrição.

"O que houve com o seu cabelo comprido e cheio de personalidade, Sirius?"

O rapaz de olhos cinzentos, instintivamente, tocou a sua cabeça antes de apontar para o pai.

"Ele fez isso..."

Alphard fitou o primo-cunhado com censura.

"Por que fez isso com o rapaz?! Ele parece agora um abestalhado da alta sociedade! Sirius é um grifinório revolucionário e não um almofadinhas da Sonserina!"

"Você foi da Sonserina, Alphard!" — retorquiu Walburga.

"Porque o nosso pai encheu o meu saco e teimei com o Chapéu Seletor. Sabe que Hogwarts queria me mandar para a Lufa-Lufa. Insisti tanto com aquele chapéu desgraçado que, no fim, acho que ele lavou as mãos e deixou eu me lascar na Sonserina. Esse foi o meu maior erro. Eu gostava da Lufa-Lufa. Texugos são destemidos. E a minha primeira namoradinha foi lufana. Lembra-se dela, Walburga? A Isobel com cabelos cor de mel e olhos da cor do céu?"

"Precisamos ir. Até logo, Alphard!" — determinou Walburga, adentrando a carruagem e sendo acompanhada por Orion.

"Até logo, querida irmã." — e, piscando, o tio Alphard disse — "Não esqueci do seu aniversário, sobrinho. Escrevo para você no dia três. E, Regulus, eu mando uma coisinha pra você também!"

Os pais insistiram para que Sirius e Regulus embarcassem logo. Os dois garotos se sentiram mais animados com o encontro casual com o tio do que com qualquer outra pessoa que encontraram naquela festa. Alphard fora o único que, quando Sirius fora para a Grifinória, permanecera ao seu lado durante a reunião familiar no recesso de Natal, perguntando sobre a sua vida em Hogwarts e sobre os seus novos amigos.

Com atenção, o bruxo ouvira as histórias do sobrinho e lhe perguntava sobre os professores, o que aprendera durante o ano letivo, as suas matérias favoritas. Quando os seus pais não quiseram assinar o documento que permitia que ele passeasse por Hogsmeade no terceiro ano, havia sido Alphard que intercedera. Durante a estreia no time de Quadribol, o bruxo não pudera ir a Hogwarts prestigiar Sirius porque estava com o resfriado dos gnomos, mas pediu uma foto do time da Grifinória ao sobrinho e nas férias, Black se deparou com a sua imagem ao lado de James e os outros membros da equipe emoldurada sobre a escrivaninha do escritório do tio.

O tio Alphard lembrava Sirius de dois fatos importantes. O primeiro era aquele repetido por Regulus de que nem todos na Sonserina eram pessoas ruins. Alphard e Olivia saíram da casa de Slytherin e Sirius os consideraria sempre seus amigos. O segundo fato se tratava de uma afirmação feita por Remus naquelas conversas infinitas que tinham no pátio da Escola, quando desde o terceiro ano, Black esperava o amigo para jogar conversa fora depois das eletivas que o rapaz de cabelos castanhos cursava, preenchendo todo o seu horário.

"Gostaria de ter nascido numa família como a sua ou a do Potter, Remus. Na família Black, tem muita escuridão." — desabafou Sirius, certa vez.

"Tem muita luz também entre os Blacks." — retorquiu, laconicamente, Remus, limpando as lentes embaçadas dos óculos em suas vestes.

"Luz...?"

"É, luz... Somente na escuridão que a luz brilha com mais intensidade. No fim das contas, talvez, tudo faça parte de um equilíbrio que vai além da nossa compreensão."

Sirius fitou o rosto do outro rapaz.

"De que luz está falando, Remus?"

"Da sua luz, Sirius."

Sirius sentiu que os seus olhos se derretiam sobre Remus. O rapaz de cabelos castanhos, colocando novamente os óculos no rosto, prosseguiu:

"...Com um nome de estrela, a luz sempre vai te seguir, Sirius. Vai te guiar também. É como magia. Não é por acaso que você, no primeiro dia de Hogwarts, conheceu a gente. Em meio a toda essa escuridão, a gente se achou..."

Black se lembrou de sentir um movimento estranho em seu coração. Ele havia faltado ao encontro com mais uma garota naquela semana por preferir permanecer conversando com Remus na fonte do pátio, mesmo quando o sol se punha e as primeiras estrelas despontavam no céu. Os dois rapazes falavam sobre coisas profundas e riam sobre qualquer bobagem que se lembrassem. Com um lampejo, Sirius, na ocasião, um pouco sem jeito com os seus próprios pensamentos, admitiu para si mesmo: "Esse garoto mexe comigo. Mexe de verdade."

Após a festa tediosa da alta sociedade, Alphard trouxe um pouco de luz para os irmãos Blacks e os garotos, talvez, tenham levado alguma luminosidade para o tio sonserino com aquele coração lufano. O homem se virou para trás, acenando e sorrindo para a carruagem que se erguia sobre o chão. Era um bruxo curioso, o tio Alphard.

A estrela Alphard se encontrava entre as cinquenta estrelas mais brilhantes do céu. Sirius sabia que o seu nome era de origem árabe e significava "a solitária", porque bem próxima a ela não existiam estrelas que rivalizem em brilho. Vista de locais com poluição luminosa, Alphard se destacava em meio a um aparente vazio de estrelas. Feliz, o bruxo encontrara a estrela Sirius e a estrela Regulus naquela noite escura. Na carruagem, Sirius sorriu se sentindo um pouco mais em paz.

 

Chapter 16: 31 de Outubro de 1975

Chapter Text

 

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Sirius acordou no dia seguinte demasiadamente tarde. Demorou para ele se lembrar que estava no seu quarto na casa dos Blacks e não na sua cama em Hogwarts. O rapaz havia bebido muito na noite anterior e sentia uma leve ressaca. Levando a mão às têmporas, Sirius consultou o seu relógio de pulso. Passava das duas da tarde.

O rapaz se apressou em conferir o espelho de dois sentidos deixado na cômoda ao lado de sua cama. Regulus havia surrupiado o artefato dos pais e entregue a Sirius no início do ano letivo.

O espelho emitia uma luz azul. Remus, certamente, havia visto quando acordara de manhã que Sirius havia tentado se comunicar com ele durante a madrugada e os dois haviam se desencontrado. Black chamou o nome de Remus algumas vezes, esperando que o rapaz aparecesse, mas ele não respondeu. A luz azul finalmente se apagou e o rapaz de olhos cinzentos se deparou com um bruxo bonito de piercing na sobrancelha, cabelos na altura dos ombros muito escuros e um ar rebelde.

"Cacete!" — admirou-se o rapaz, constatando que era o seu reflexo que observava — "Eu amo magia!"

Comparado com o cabelo que batia na cintura, os fios ainda estavam curtos. Mas, pelo menos, estavam compridos e resgatavam o seu ar desafiador. Em nada lembravam o corte convencional e sério que o seu pai lhe dera de jovem civilizado da alta sociedade bruxa. O rapaz não queria ser civilizado. Queria ser livre. Sirius sacudiu a sua cabeça e sorriu com a sua aparência. Provavelmente, a sua frustração fizera com que os fios crescessem durante a noite enquanto dormia.

Sirius deixou o espelho no canto quando viu que uma coruja, ao lado de uma outra, dava bicadas na vidraça de sua janela. As aves deveriam estar esperando por ele há um tempo. Pulando da cama de correntes, o rapaz se apressou em abrir a janela. Reconheceu uma das corujas como a Fiona dos Lupins e a outra, de penas brancas, pertencia aos Potters.

Sirius leu os dois bilhetes escritos por Remus e James. Os amigos perguntavam como ele estava e como havia sido a recepção dos Blacks.

"Não sei se você pode sair, mas vou estar hoje à tarde com os meus pais no cortejo fúnebre do Ministro e de Jordana Johnson. Muitos bruxos que os apoiavam vão se despedir deles. Remus também vai com os Lupins. Se você puder dar um jeito de encontrar com a gente, avisa." — havia escrito James.

Remus fora suscinto também e evitava palavras muito amorosas, talvez temendo que a sua carta fosse violada por Orion ou Walburga.

"Espero que esteja tudo bem aí. Estarei na procissão para me despedir do Ministro e da Jordana no Beco Diagonal. James também vai estar lá. Tenta passar lá. Responde a minha carta quando você puder. Abraços."

Sirius sorriu. Ver as cartas de seus amigos o encheu de ânimo.

O rapaz não sabia o que encontraria fora do seu quarto, mas tomou uma ducha rápida, prevendo que o cortejo começaria em breve. A lareira do seu quarto, aparentemente, estava desbloqueada para viagens utilizando o Pó de Flu, mas o jovem, como um treinador de serpentes, intuiu que seria melhor falar com os seus pais antes, sondando os territórios em que estava pisando.

Sirius vestiu os seus jeans e a camisa da banda Avalon que adquirira recentemente pelo correio na loja em que Parker lhe indicara, customizando-a com rasgos em pontos estratégicos e alfinetes. Ele avançou pelo corredor, descendo as escadas e caminhando até a sala de estar onde os pais terminavam o almoço ao lado de Regulus.

"Até que enfim acordou depois de beber o tanto que bebeu..." — falou Orion, erguendo os olhos do seu jornal com desinteresse e arregalando-os ao fitar o filho — "O que que é isso?"

Walburga também olhou o rapaz dos pés à cabeça como se visse um cenário dantesco.

"O que houve com o corte que escolhi pra você? Que rabiscos são esses nos seus braços, Sirius?! E essa camisa rasgada dessa banda de sangue-ruins?! Você parece um vagabundo pobre e arruinado. Eu vou dar um jeito nesse seu cabelo!" — falou Orion, tirando a sua varinha de dentro das vestes e a apontando para o rapaz.

Sirius levou as mãos à cabeça, defendendo as suas madeixas.

"O meu cabelo cresceu durante a noite porque eu não gostei do corte. Se cortar meu cabelo, ele vai crescer de novo..."

Orion, parecendo se dar por vencido, retorquiu:

"Você é um caso perdido."

Sirius se deteve diante da mesa e Regulus lhe sorriu, levantando o polegar em aprovação pelo novo penteado.

"Se não vai se sentar para almoçar conosco, não quero que fique aí parado nos olhando." — disse Walburga de mau-humor enquanto se servia de vinho.

O rapaz respirou fundo e indagou:

"Quero saber quais sãos as regras do recesso. Sou prisioneiro em casa ou posso sair como uma pessoa normal? Eu posso dar um passeio?"

Orion falou por trás do seu jornal.

"Ainda mantém amizade com aqueles garotos da Grifinória? Você esteve com eles durante os últimos meses e no primeiro dia de recesso, já quer correr para eles?"

Sirius tentou falar de uma forma comedida. Não sabia se os Doyles haviam falado algo da sua relação com Remus e James para os Blacks.

"Eu convivo com as pessoas da Grifinória o ano inteiro. É claro que os meus amigos vão ser de lá."

Walburga trocou um olhar com Orion e o bruxo foi mais contundente com as suas palavras, tomando cuidado para não ser tão explícito diante de Regulus.

"Como vão os seus namoros, Sirius?"

O rapaz de olhos cinzentos franziu o cenho:

"Bem como sempre..."

"Ainda se diverte beijando no lago da Escola os tipos que beijava no quarto ano?"

Sirius baixou o seu olhar e Regulus ergueu o seu, tentando acompanhar o conteúdo da conversa.

"Se não falasse, nem me lembraria disso..." — mentiu Sirius, recordando-se da Casa dos Gritos em que havia beijado Remus e James ao mesmo tempo após os três amigos se perdoarem e se reconciliarem há algumas semanas apenas.

"E as suas namoradas?"

"O que que tem elas?"

"Por que não nos apresenta nenhuma garota? Os jovens da sua idade já namoram."

"São muitas namoradas..." — mentiu Sirius se recordando da última vez que fizera amor com Remus antes daqueles dias difíceis, quando entrelaçaram em meio às suas respirações alteradas os dedos em que os seus anéis reluziam.

"Todo mundo diz na Sonserina que o Sirius é mulherengo. Ele e o Potter." — falou Regulus, tentando ajudar o irmão e guardando o segredo sobre a garota nascida trouxa ou mestiça por quem Sirius, supostamente, estaria apaixonado.

Orion ergueu o olhar do seu jornal e Walburga fitou o filho com uma expressão dura.

"Que bom que herdou isso de mim, Sirius. Está tomando as suas poções contraceptivas? Não vou tolerar um neto bastardo deixado em uma cesta na minha porta."

Sirius mentiu novamente, assentindo.

"...Por que continua tendo amizade com esse tal de James? Os Potters apoiam esse governo asqueroso." — começou novamente o seu pai.

Sirius deu de ombros.

"Todos na Grifinória apoiam o governo. Se eu não falar com quem gosta do Ministro, vou ficar sem amigo nenhum. Potter é o meu colega de dormitório. Não há o que fazer..." — respondeu Sirius, se recordando de James descendo a passagem do Salgueiro Lutador ao seu lado, disposto a correr todos os riscos por sua amizade na primeira vez em que se transformaram em Animagus diante de Remus na sua forma de lobisomem.

"E o que foi aquela cena ontem com os filhos dos Doyles? Sabe que os Doyles são nossos amigos há anos e, em agosto, convidamos a família Doyle para ficar aqui em casa enquanto Dedecus comprava uma propriedade em Westminster."

"Não foi nada demais. Os gêmeos e eu sempre nos estranhamos desde que éramos crianças. E jogamos azarações uns contra os outros nos corredores de Hogwarts. Só desavença de garoto..." — falou Sirius, recordando-se da sensação dos nós dos seus dedos esmurrando a cara de Damon e Davos e do prazer que isso lhe proporcionava.

Foi Walburga quem fez a pergunta final:

"E o sangue-ruim filho dos Lupins?"

Sirius sentiu uma fisgada forte em seu coração e o sorriso cínico quase morrer em seu rosto.

"O que que tem ele?"

"Ainda é amigo dele?"

"Dividimos o mesmo dormitório, Walburga. É tão amigo meu quanto qualquer outro colega da Grifinória..." — disse Sirius, sentindo ainda o perfume do pescoço de Remus quando murmurara no Expresso: "Eu amo você, Remus. Amo você como se pudesse morrer de tanto amor. Promete que não vai se esquecer de mim."

"Você esteve hospedado na casa dele no último verão..."

"Vocês fizeram um circo por pouca coisa e foi a casa que me acolheu. Mas isso já tem muito tempo. É passado..." — retorquiu Sirius, lembrando-se de ele e James beijando os arranhões de Remus naquela luz quente e alaranjada do crepúsculo. Recordou-se também das risadas que deram com as cócegas que trouxe o garoto de cabelos castanhos para mais perto deles. Ele não se esqueceria nunca da doçura e da lascívia daqueles beijos.

Orion e Walburga trocaram um olhar e, com alguma civilidade, o pai perguntou:

"Aonde vai?"

"Dar uma volta. Encontrar as pessoas que são da minha Casa e são as que conheço..."

Orion trocou novamente um olhar com a esposa.

"Não vai para o Beco Diagonal participar do cortejo idiota do enterro dos Johnsons, vai?"

Sirius mentiu, sacudindo a cabeça.

"...Quero que fique longe daquele lugar, ouviu bem?" — insistiu Orion.

"Certo..."

Foi um silêncio prolongado que parecia ser estendido para torturar um pouco Sirius. Por fim, Orion disse:

"Tudo bem. Pode ir. A lareira do seu quarto foi desbloqueada. Pode usá-la."

Sirius pestanejou. Estava em um sonho? Havia, de fato, acordado?

"Eu posso... sair?"

"Se me perguntar isso mais uma vez, eu vou te proibir." — falou o pai, tomando uma taça de vinho.

Sirius sacudiu a cabeça e tomou um copo de suco de laranja da mesa do almoço de uma só vez, fazendo, logo em seguida, um carinho desajeitado na franja de Regulus.

"Até mais tarde, pirralho..."

"Até, Sirius..."

Sirius correu de volta para o seu quarto e quase tropeçou em Kreacher, que, no corredor, levava roupas limpas para o quarto de Regulus. Resmungando, o elfo doméstico murmurou: "Amante de sangue-ruins. Vergonha da família Black..."

O rapaz de cabelos compridos desconhecia o milagre que se sucedera ou o motivo pelo qual os Doyles não haviam contado para os seus pais que haviam visto Sirius e Remus juntos. Não importava. O rapaz vestiu a sua jaqueta preta de couro, pôs nas costas a sua mochila e pegou um punhado do Pó de Flu, que se encontrava em uma urna de porcelana sobre a lareira. Ele estava ansioso para encontrar Remus e James. Estava muito feliz.

Atirando o pó no fogo e vendo as chamas verdes se erguerem, Sirius adentrou a passagem, falando claramente: "Beco Diagonal!"

Imediatamente, o rapaz sentiu o mundo ao seu redor girar e tijolos de diferentes lareiras o emparedarem junto com labaredas antes que fosse cuspido para fora de uma passagem de tijolos crus. Sirius equilibrou-se com certa habilidade para não escorregar no chão e se viu cercado por bruxos vestidos de preto que se moviam aos montes pelas ruas cheias. Ele se afastou da lareira quando viu que um bruxo descia da passagem pública atrás de si, não tendo o mesmo cuidado ao escorregar.

Sirius se embrenhou na multidão que usava chapéus solenes, véus e carregava flores. Ele foi puxado para vários lados e arrastado por alguns bruxos. Aparentemente, apesar das notícias de que o Ministro era corrupto e havia matado Jordana Johnson, muitos homens e mulheres não haviam acreditado no Profeta Diário e vieram se despedir do casal pelo qual nutriam uma gratidão profunda.

Parando em um canto em frente a uma loja que vendia flores, Sirius abriu a sua mochila e verificou o espelho de dois lados. Novamente, a luz azul. Remus havia tentado se comunicar com ele, mas não obtivera sucesso. Sirius chamou o nome do rapaz de cabelos castanhos, esperando um tempo pela resposta. Nada.

Onde podiam estar naquela multidão? Remus e James eram os seus melhores amigos. Se pensasse bem, Sirius poderia achá-los em qualquer lugar do mundo. Dando a passagem para uma família de cabelos ruivos, o rapaz se esforçou para pensar. Tinha um palpite e o seguiu, achando que alcançara algo.

Havia uma tabacaria na esquina do fim daquela ruela que vendia cigarros bruxos e chocolates suíços. Os três já haviam ido ali juntos porque era um lugar que comercializava os cigarros favoritos de Potter e chocolates que Remus gostava muito. Os dois precisariam sustentar o seu vício para atravessarem mais aquele dia difícil de perdas e morte. Durante a cerimônia de despedida de Olivia Stone em Hogwarts, os dois garotos haviam se lamentado por não disporem da marca certa de cigarro e de chocolate no dia para ajudá-los a passarem por aquilo. Não era certo que os dois rapazes estariam na tabacaria, mas Sirius seguiu a sua intuição. Queria muito encontrar Lupin e Potter.

Sirius disparou pela rua com as suas pernas compridas, sentindo-se um pouco sufocado pela multidão. "Vamos lá, lobinho. Vamos lá, Potter. Preciso de vocês."

Quando dobrou a esquina andando com pressa, Sirius se aproximou da entrada chamativa da tabacaria e sentiu o seu coração dar um pulo. Havia uma mágica própria o vinculando aos seus amados amigos. Isso era certo.

Diante do estabelecimento, Remus, trajando um casaco escuro, cachecol e uma boina, consultava novamente o espelho de dois lados. A luz azul iluminava o seu rosto. O rapaz olhou ao redor, parecendo desanimado, e guardou o artefato dentro da sua mochila. Depois, ele colocou as mãos nos bolsos, pondo-se a esperar alguém do lado de fora da loja.

Sirius não se conteve em se aproximar por trás do rapaz e tapar o seu rosto com as mãos, querendo lhe fazer uma surpresa. Apalpando os pulsos e os dedos que obstruíam a sua vista, Remus retorquiu com uma voz radiante:

"Sirius!"

Ele descobriu o rosto de Remus, então, e o puxou para um beijo rápido. Nisso, Black percebeu que o semblante de Remus se tornara um pouco mais endurecido quando a sua vista fora descortinada, não respondendo ao beijo que lhe era dado. Sirius sentiu uma mão estalar em uma de suas faces com uma força rude.

"Seu patife!"

Sirius pestanejou.

"Remus, sou eu: Sirius! Por que diabos tá me batendo?"

O rapaz de cabelos castanhos estreitou os olhos e, com surpresa, levou as mãos ao rosto um pouco atordoado.

"Sirius?! O que aconteceu com o seu cabelo?!"

Lupin, acostumado com as madeixas compridas de Sirius e o uniforme de Hogwarts não o reconheceu. Sirius, um pouco sem jeito, apalpando ainda o seu rosto, retorquiu:

"Meu pai me lançou um feitiço para cortar o meu cabelo, mas ele já cresceu um pouco hoje de manhã... Caramba, Remus, que tapa forte..."

"Desculpa! Achei que fosse um aliciador." — respondeu o rapaz, abraçando Sirius e depositando vários beijos onde antes batera.

Sirius se deixou abraçar, sentindo o perfume e o calor do corpo do outro rapaz.

"Eu tive uma intuição maluca de que estariam por aqui. Por Merlin, que bom que te achei!"

"Estou tentando falar com você desde ontem à noite, Sirius! Como estão as coisas na casa dos Blacks?"

"Tenho algo pra contar pra você e pro James. Cadê ele?"

"Dentro da loja. Ele entrou já faz um tempo. O Beco Diagonal está lotado. Muitos bruxos vieram de longe para o cortejo. Leu o Profeta Diário de hoje?"

"Não..."

"Dumbledore desmentiu todas as acusações e não encontraram nenhuma prova contra ele em Hogwarts. Ele vai fazer um pronunciamento na edição vespertina do Profeta Diário. O "grande pentelho" do Vincent Praga está sendo cogitado para o cargo do Departamento de Execução das Leis de Magia, o que é uma afronta já que ele não tem idade e competência pra isso e Bartô Crouch havia sido indicado antes para o cargo. Os Aurores estão ameaçando pedir demissão em massa se Praga for promovido. Harold Minchum está sendo indicado para o cargo de Ministro."

"E Minchum é bom, Remus?"

"É muito rígido e a favor do uso maciço de Dementadores não só em Azkaban, mas em todos os sistemas de segurança do Reino Unido. Meus pais dizem que ele é muito emocionado com estratégias de guerra e um pouco atrapalhado. James acha que ele é um lunático."

"Preciso conversar com vocês em um lugar reservado. Não aqui e com toda essa gente..."

Os rapazes viram James deixar a tabacaria depois de um tempo, espremendo-se para sair pela porta congestionada por pessoas. Ele trazia uma sacola e já tinha um cigarro em sua boca. Vestia preto, assim como Remus, e se deteve um tempo olhando para a figura ao lado do amigo.

"Primeiro, a minha mãe. Agora você. O que houve com o seu cabelo, Black?"

"Orion tentou me tosar. Vem aqui me dar um abraço, seu fumante compulsivo!"

Sirius puxou James pela gola do casaco para lhe dar um forte abraço. James correspondeu ao gesto e, depois, entregou os chocolates que tinha na sacola para Remus e o troco do dinheiro que o amigo lhe havia dado.

"Qual desculpa usou dessa vez pra comprar cigarro, James?" — indagou Lupin, quebrando um pedaço de chocolate branco e o levando à boca.

"Disse que os chocolates eram pra mim e os cigarros eram para o meu pai. Quando o vendedor disse que eu precisava do meu pai junto pra comprar os cigarros, eu disse que não ia sair da loja e enfrentar essa fila toda de novo."

"Não acha que tá fumando demais?"

"Todo dia é uma ladainha, Remus. Os acontecimentos não me ajudam a parar de fumar. É foda ter quinze anos."

Os garotos se dirigiram, então, para uma ruela um pouco mais vazia com cheiro de incenso e asfalto úmido da chuva. Num canto pouco iluminado, Sirius beijou Remus, tomado pela alegria de poder revê-lo mais cedo do que esperava.

James gostaria de se afastar um pouco para fumar, vigiando os transeuntes que, vez ou outra, lhes lançavam um olhar desconfiado, mas Sirius ainda segurava o rapaz pela gola do casaco, mantendo-o junto a si. Depois, quando, finalmente, parou de beijar Remus, Sirius abraçou James mais uma vez, estalando um beijo também em sua bochecha. Era comum Sirius ficar um pouco mais carente durante o período que voltava para casa.

Depois disso, o rapaz se pôs a contar aos amigos o que se sucedera na noite anterior. Ele mencionou a ida à festa na casa de Vincent Praga e o confronto com os Doyles. James ria da discussão narrada entre o amigo e os sonserinos. Remus sustentava uma expressão preocupada.

"Eu dava tudo pra te ver zombando dos Doyles e jogando sopa quente e vinho na cara dos dois diante daquela elite podre. Parece que eles foram à festa só pra se foderem na tua mão. É muita humilhação, Merlin..." — ria James, tirando os óculos para enxugar algumas lágrimas que se formavam em seus olhos— "Eu tô triste pra cacete por causa do enterro. Eu juro. Mas até o Ministro e Jordana devem tá no além sorrindo."

Sirius ria-se também, encontrando o humor ao lado de Potter.

"James, não dá corda pro Black! Isso é muito sério! O que eu falei sobre evitar confronto com essa gente, Sirius? Os seus pais podiam se aborrecer e te trancar em casa até sei lá quando!"

"Mas Remus, o Sirius não podia ficar calado, servindo de saco de pancada... O que eu acho estranho nisso tudo é o que ele contou sobre a Davies. Naquele dia que esbarramos com ela em Hogwarts, ela tava chorando e agora, Sirius disse que ela tava abatida e nem participou da provocação dos Doyles. Sabemos que ela também não é flor que se cheire... Por que essa mudança de comportamento súbita?"

"O pior ainda está por vir..."

Sirius contou aos amigos sobre a cicatriz que havia visto no pulso de Damon, consequência do feitiço que eles mesmos criaram. Os rostos dos dois garotos se tornaram sombrios.

"Calma, temos algo muito sério aqui! Tem certeza de que era uma cicatriz feita pelo Flagellum, Sirius?" — indagou Remus, mexendo por hábito no aro dos óculos que não se encontravam sobre o seu nariz.

"Tenho, lobinho! O risco vertical com uma curvinha na ponta por causa do chicote! Nós três ficamos com os braços todo arranhados naquele dia que treinamos com os alunos do primeiro ano. A cicatrização do Damon tava muito ruim porque aqueles idiotas não são bons em feitiços de cura. Precisaram que um serviçal os ajudasse com as queimaduras e os cortes causados pelo vidro. Eu criei com vocês esse feitiço! Reconheceria ele em qualquer lugar. Vocês também concordariam se o tivessem visto!"

James pestanejou.

"Mas não poderia ter sido um outro aluno do primeiro ano da Sonserina que tenha usado o Flagellum contra o Damon, Sirius? Não temos certeza se foi a Olivia..."

"Qual é, Potter?! Aqueles pirralhos do primeiro ano fogem do caminho dos valentões da Sonserina quando eles passam. No máximo, usariam o feitiço com um colega do terceiro ano. Mas contra um do sétimo ano e da própria Casa, duvido muito..."

James assentiu, concordando com Sirius.

"De qualquer forma, isso não é uma prova de que o Damon esteja envolvido na morte da Olivia..." — interveio Remus.

"É a prova de que ele a atacou e ela reagiu. E eu sei, Remus, que você disse que a Davies e os Doyles passaram o dia que a Olivia morreu na Escola, mas sabemos que há passagens secretas em Hogwarts e tem alguma sujeira nisso tudo que não estamos conseguindo ver... Tem mais uma coisa também... Acho que o Damon deixou cair isso do paletó dele quando o tirou. Conhecem essa poção?"

Os dois garotos leram em um murmúrio o rótulo Sanguis Prædictas, escrito com letras miúdas. Remus girou o frasco, vendo a coloração vermelha do líquido se tornar mais intensa.

"Esse nome não é o de nenhuma poção que se aprenda em Hogwarts. Posso abrir o frasco pra sentir o cheiro, Sirius?"

"Fica à vontade, lobinho! Mas é inodora."

Remus destampou a rolha do frasco e aproximou a poção do seu nariz. Mal sentiu o cheiro amadeirado, ele tampou o elixir novamente com uma expressão enjoada.

"É esse o cheiro que eu sinto na mesa da Sonserina e em alguns alunos desde que o ano letivo começou..."

"Pra mim, essa poção não tem cheiro de nada. Seu olfato é mesmo impressionante..."

"Se tentarem cheirá-la nas suas formas de Animagus, talvez sintam o cheiro. Eu não conheço essa poção de nenhum lugar..."

James tentou sentir algum cheiro específico no líquido vermelho e, também, não constatou nada. Por fim, ele disse:

"Meu pai tem um amigo que trabalha na área de manipulação de poções para o St. Mungus e talvez possa nos ajudar a entender o que ela é. Posso ficar com isso por um tempo, Sirius?"

O rapaz de cabelos compridos deu de ombros.

"Claro! Mas vindo dos Doyles, boa coisa não deve ser..."

Remus consultou o relógio de pulso de Sirius.

"Falando em pais, nossos pais pediram para que os encontrássemos em frente ao Gringotes às quatro e meia porque eles vão vir do trabalho. É melhor nos apressarmos." — o rapaz de cabelos castanhos ergueu um pouco o cachecol à altura do queixo para se proteger do vento gelado — "Podemos seguir pelo cortejo e, depois, podemos ir para a minha casa conversar mais sobre tudo isso. Acho que temos que falar também sobre os Blacks, Sirius. Acho muito estranho eles terem feito somente algumas perguntas e terem deixado que você saísse sem qualquer outra reação. A gente já passou por isso outras vezes e sabemos que não é da natureza dos seus pais facilitarem as coisas..."

Sirius respondeu, colocando as luvas.

"Ah, não... Vamos falar de qualquer outra coisa, menos dos Blacks. Quero me permitir ficar feliz e acreditar que eles desistiram de me infernizar. Eu segui o seu conselho e deu certo, Remus! Não respondi e nem argumentei com eles. Vai ver eles se encheram de cuidar da minha vida e foram tomar conta da vida deles! Temos que ficar felizes!"

A temperatura despencava com a friagem da tarde e uma fina garoa teimava em cair. Os três garotos voltaram a se embrenhar na multidão, sendo empurrados e puxados. James ia na frente e Remus segurava na manga do seu casaco para não se separarem. Sirius, atrás, segurava a mão do rapaz de cabelos castanhos com firmeza.

Os três esbarraram em Raven e Parker na aglomeração. As duas garotas abraçaram os amigos e, após se falarem brevemente, sendo empurradas pelos bruxos que queriam desobstruir a passagem, despediram-se. As duas grifinórias iam encontrar o senhor Fraser no Caldeirão Furado.

Os amigos também acharam terem visto Dayal na multidão ao lado de Winnie, que carregava flores. Mas, num momento seguinte, o casal desapareceu no meio de vários outros bruxos, sendo engolido pelo ajuntamento.

Quando se aproximaram do Gringotes, os Marotos olharam em direção a um bruxo de cabelos escorridos e muito loiros que vendia alguns jornais ao lado de uma bruxa de cabelos ondulados igualmente claros.

"Extra, extra! A verdade que o Profeta Diário não conta! Tudo sobre o assassinato dos Johnsons e da aluna sonserina de Hogwarts! Quem lucra com essas mortes?! Extra!"

Remus se deteve um pouco, fitando o jornal que era exposto em uma bancada de madeira. Tratava-se de uma publicação um pouco caseira com imagens desenhadas a mão e letras de imprensa manchadas. Em seu título, gravado no papel rústico, lia-se O Pasquim.

O jovem que anunciava o jornal, um pouco vesgo, trajava uma túnica bruxa colorida com alguns bordados celtas. A jovem ao seu lado sorriu para Remus:

"Quer um jornal? Descubra a verdade sobre os últimos acontecimentos do mundo bruxo. Temos também uma matéria especial sobre a pomada feita com a saliva de arpéus para se curar espinhas, furúnculos e que ativam as propriedades divinatórias de seus usuários." — falou a bruxa, que usava uma roupa também um pouco chamativa e ostentava um olhar sonhador. Em uma gargantilha com uma pedra turquesa pendurada em seu pescoço, lia-se o nome Pan.

Sirius ergueu uma sobrancelha ao observar o jornal. Remus, por outro lado, tirou de dentro do seu bolso o dinheiro após aceitar um exemplar de O Pasquim.

"Veja o troco para o buscador da verdade, Xeno querido."

O rapaz de olhar vesgo passou os nuques a Remus, dizendo:

"Recebemos cartas dos leitores. Nos escreva para contar se os furúnculos sumiram."

James pestanejou.

"Seu gosto pra leitura tá ficando mais alternativo, Remmy..."

O rapaz de cabelos castanhos retorquiu, guardando o jornal em sua mochila.

"É complicado confiar toda a verdade ao Profeta Diário."

"Entendo." — respondeu James com algum sarcasmo— "Furúnculos são coisas muito sérias."

Os rapazes alcançaram a escadaria do Gringotes conforme o combinado com os Lupins e os Potters. Ainda faltavam quinze minutos para o horário marcado. De pé nos degraus, os três observavam os bruxos transitarem pelo lugar de um lado para o outro.

Aparentemente, muitas bruxas, assim como a senhora Potter, adotavam as madeixas loiras e a faixa colorida na cabeça ao estilo de Jordana Johnson. Bruxos também imitavam o estilo do cabelo com brilhantina do Ministro. Os Johnson haviam sido, durante algum tempo, a inspiração de um mundo bruxo mais plural, mais igualitário e menos cínico. Seus adeptos vestiam as suas memórias e a coragem do casal.

A procissão fúnebre começaria às cinco e, na multidão, bruxos nascidos trouxa; mestiços e simpatizantes das políticas inclusivas do Ministro e de Jordana se aglomeravam cada vez mais. Mesmo os duendes e abortos, que normalmente se mantinham neutros nas decisões políticas do mundo bruxo, haviam comparecido ao cortejo. O governo havia estabelecido tratados que facilitavam o exercício de profissões para essas categorias e outras raças, melhorando as suas qualidades de vida.

A garoa cessou, mas o vento permanecia cortante e frio. Remus apoiava a cabeça no ombro de Sirius e dividia com ele um tablete de chocolate quando viu um rapaz de cabelos loiros cinzentos e olhos azuis, trajando preto, passar pela multidão ao sair de uma loja que vendia pergaminhos e tintas em frente ao banco. Atravessando a rua, ele vinha na direção deles, parecendo seguir para a ruela das galerias. O jovem se movia com alguma graça e Remus o reconheceu na mesma hora que Sirius falou:

"Aquele lá não é o Pride?"

James, que fumava distraidamente um cigarro antes que os seus pais chegassem e o vissem, virou-se para fitar a multidão. Ele observou Pride caminhando e, nesse momento, o corvino também percebeu os colegas apoiados no corrimão da escadaria.

Potter se demorou, fitando o garoto que se aproximava, um pouco hesitante diante do olhar de Remus e de Sirius. James lhe sorriu e lhe acenou. Pride pareceu recuperar, então, a sua confiança.

Meio sem jeito e com uma abordagem muito diferente da forma direta e sedutora que usara em Hogwarts, o rapaz de cabelos muito claros os cumprimentou.

"Oi, Grifinória..."

"Oi, Corvinal..." — respondeu James ao estilo do garoto.

Potter ainda processava o que havia acontecido no banheiro do Expresso. Ele havia ficado com Pride sem que planejasse isso e gostara muito de beijar e tocar o garoto corvino, da mesma forma que gostara de, ao acaso, trocar algumas confidências com ele.

Agora, os dois se encaravam, sabendo que se lembravam ainda do dia anterior com uma nitidez acolhedora. James se questionara durante a noite, antes de se deitar, quando colocara os seus pensamentos sobre os acontecimentos do dia em ordem, se contaria ou não que havia beijado Pride aos seus amigos. Não havia ainda se decidido sobre isso, mas James estava gostando, por ora, daquele prazer escondido que trocara com o corvino.

"Acho que eu estava me sentindo um pouco sozinho. Ele também. Rejeitado, talvez fosse a palavra certa." — ponderou o garoto de cabelos rebeldes para si mesmo.

Havia algum mal em se apoiarem mutuamente um pouco com aquele carinho represado que nutriam em si por pessoas que não os queriam? Fazia muito tempo que James não ficava com alguém daquela forma. Era bom, às vezes, vivenciar histórias que eram só suas, escritas por ele mesmo e sem sentir que estava atrapalhando o processo de outras pessoas com os seus próprios processos. Era bom ter os seus segredos porque sentia que a sua vida se aprofundava, revestia-se de significado.

Pride sorriu com um leve rubor nas suas faces muito pálidas e James percebeu a timidez febril do corvino. O rapaz, talvez, não pudesse usar a máscara de sensualidade que ostentava em Hogwarts mais diante do outro rapaz. Havia falado muito sobre si mesmo para o grifinório no Expresso.

"Veio para o cortejo...?" — indagou James.

"É..." — disse Pride, sorrindo— "A minha mãe trabalha na ruela das galerias e combinei de buscá-la pra irmos juntos."

"Hum... Quer fumar um comigo?" — perguntou, James lhe oferecendo um cigarro.

Pride olhou para Black e Lupin novamente, um pouco hesitante, mas aceitou a oferta de James, acendendo o cigarro com o truque de estalar os dedos.

"Chegou bem em casa, Potter?" — perguntou Pride, tragando o cigarro.

"Uhum. E você?"

"Foi tudo bem. Mas é estranho estar longe de Hogwarts nessa época do ano."

"É. Tá difícil de eu me habituar também..."

Remus trocou um olhar com Sirius visivelmente incomodado. Quando Pride se tornara tão chegadinho de James? Black olhava Potter de soslaio também. Ele conhecia o amigo muito bem. O que estava acontecendo entre os dois?

Percebendo que era encarado pelos grifinórios, Pride disse, apontando para Sirius.

"Ficou legal o seu corte de cabelo, Black. Demorei pra te reconhecer..."

"Valeu..."

"Chegaram em casa bem também?"

"Foi tudo certo." — retorquiu, laconicamente, Sirius.

Remus se mantinha com um rosto sério, fitando a multidão e sem interagir com os outros garotos. Ele ignorava Pride sem tentar disfarçar.

"Sua mãe trabalha onde na ruela das galerias, Pride?" — perguntou James, tentando desfazer o silêncio desconfortável que se instaurava.

"Em uma lojinha de perfumes. O negócio é dela. Depois que o Ministro facilitou a abertura do comércio para outras raças, ela começou a trabalhar aqui..."

"E o seu pai?"

"Somos só eu e a minha mãe. Meu pai é bruxo e mora no estrangeiro com a nova esposa dele. Minha mãe vivia com a família veela dela ao norte, mas quando ela descobriu que eu tinha poderes bruxos e recebi a carta de Hogwarts, viemos começar a vida aqui em Londres. Ela queria que eu ficasse mais perto do mundo bruxo para aprender as coisas, me entrosar, sabe..."

James prestava atenção ao que o rapaz lhe contava. Naquela época, não eram comuns divórcios ainda nas famílias bruxas.

"Comprou pergaminhos?" — indagou James, apontando a sacola de Pride.

"Sim. Pergaminhos e tinta. Gosto de desenhar e vou aproveitar o recesso para fazer alguns trabalhos. De vez em quando, eu os vendo."

"As suas tatuagens que desenhou são muito bem-feitas..."

"Valeu, Potter. Infelizmente, aqui é como Hogsmeade e não se acha tanta variedade de tinta. Nada se compara à Hogwarts..."

James pestanejou.

"Não sabia que Hogwarts oferecia aulas de pintura."

"Não oferece. Mas teve um dia em que precisava muito de tintas com as cores do outono para fazer um trabalho para uma amiga da minha mãe. Rodei Hogsmeade toda em busca dos tubos de tinta e nada... Já tava me dando por vencido e pensava em desistir desse trabalho quando encontrei uma sala em Hogwarts com todos os materiais de que precisava. Havia até coisas que não sabia que precisaria, mas me foram muito úteis. Materiais de um pintor profissional! Foi muito estranho. Depois, quando voltei a procurar essa sala, não a encontrei novamente."

James franziu o cenho.

"Nossa, nunca ouvi falar de uma sala dessas. Mas o próprio Dumbledore diz que o Castelo é um mistério e, certamente, tem ambientes que até os professores desconhecem. Você, como monitor, sabe de alguma coisa assim, Remmy?" — indagou James, tentando inserir os seus amigos encerrados em um silêncio profundo na conversa.

Remus retorquiu sem sequer dirigir um olhar para Potter e Pride.

"Nunca ouvi falar de algo assim. Pode ter sido a sua imaginação, Pride, ou, simplesmente, pode ser mentira..."

O rapaz corvino sorriu, jogando a guimba de cigarro no chão e pisando nela.

"Certo, Lupin. Além de fácil, você me chama também de mentiroso. A gente nunca se topou muito. Isso é fato. Mas quer saber? Nunca fiquei falando mal de você."

Remus se voltou para encarar o rapaz:

"Eu não te avisei pra parar de ficar seduzindo os meus amigos?"

"Não tô seduzindo. A gente tá só conversando. Não tenho nenhuma doença contagiosa, sabia Lupin?"

"Não, é pior do que isso. Você usa o seu poder de veela pra forçar a barra com as pessoas. É por isso que ninguém quer ser seu amigo!"

Sirius segurou o braço do rapaz de cabelos castanhos.

"Calma, Remus!"

James interveio:

"Remmy, não foi legal o que disse! A gente tá só conversando."

Pride assentiu, retorquindo:

"Vocês com sangue mestiço trouxa são muito engraçados. Gostam de usar a palavra tolerância quando pedem por ela, mas aí tá você, senhor Lupin, falando do meu sangue veela como se fosse um expert no assunto, cheio de preconceitos que ouve por aí e puto por eu ousar falar com um amigo seu."

"Não tenho problema com mestiços que não tenham sangue trouxa. Tenho problema com você, Pride. Você é oferecido, arrogante e inconveniente. Ponto. Não fala comigo e nem com os meus amigos!"

"Remus, por que tá sendo tão agressivo? O que que te deu? Eu que chamei o Pride pra fumar comigo!"

O corvino desceu os degraus da escada, após ouvir as palavras rudes do rapaz de cabelos castanhos.

"Certo! Não vou te incomodar mais, Lupin, se a minha presença te aborrece tanto. Potter, obrigado pelo cigarro! Black... Bom recesso pra você."

O rapaz se afastou, mas James foi atrás dele.

Sirius fitou Remus também com alguma censura em seu olhar.

"Remus, pra que tudo isso? Ele e o James estavam só trocando uma ideia."

"Vai ficar contra mim também, Sirius?"

James alcançou Pride na calçada, próxima ao pé da escada, e disse:

"Por favor, não vai..."

"Seus amigos não gostam de mim. Tá tudo bem, Potter. Eu não devia ter me aproximado..."

"Não, não tá. Desculpa pelo que o Remus acabou de dizer."

"Não precisa. Todo mundo pensa mesmo isso de mim. Ele só teve coragem de falar na minha cara e não por trás. Só faltou me chamar de Expresso de Hogwarts também."

"Remus nunca diria isso. E eu não acho essas coisas de você. Pensei a noite toda sobre o que conversamos no trem ontem. Pensei no que fizemos também. Acho que eu gostei muito daquele momento com você. Não só por termos ficado, mas pelo que falamos um ao outro. Eu me senti muito melhor. Fiquei feliz quando te vi aqui, Pride... De verdade..."

Pride fitou James e baixou os olhos.

"Também fiquei pensando no que aconteceu ontem. Eu queria ficar com você há algum tempo. Você sabe disso, Potter. Mas não imaginei que seria daquela forma... Fiquei feliz quando te vi aqui também."

Os dois garotos sorriram um para o outro e, um pouco distante, Remus e Sirius ainda os observavam fixamente.

Foi Pride que, erguendo a cabeça, viu três vultos negros cruzarem os céus antes que uma explosão trovejasse na multidão. Logo em seguida, ele puxou James pela gola do casaco, forçando-o a se abaixar. Um raio verde cruzou as suas cabeças, estourando um pedaço do mármore do degrau e zumbindo os tímpanos.

James se virou e viu muitos bruxos abaixados. Sirius havia abraçado Remus, protegendo a sua cabeça e os dois estavam agachados também no chão. Uma nova explosão se fez e uma onda de gritos pode ser ouvida. James puxou Pride para perto dos seus amigos.

"O que foi isso?" — indagou, Sirius.

As pessoas olhavam ao redor, tentando se situar e, numa fração de segundos, raios e homens encapuzados com máscaras se fizeram perceber entre os transeuntes. Um deles ria e gritava:

"Hora de caçar sangues de bosta! Os Johnsons morreram! Ninguém mais vai defender vocês! Sangue-ruins primeiro! Apoiadores de sangue-ruins, logo depois!"

O encapuzado lançou um raio verde em direção à escada sem que mirasse em alguém especificamente. Um bruxo de idade foi atingido e caiu rolando pelos degraus. As pessoas, correndo, começaram a gritar com desespero. Algumas desaparatavam.

Na calçada, os dois bruxos jovens que vendiam O Pasquim se encolheram abraçados quando um raio atingiu a barraquinha em que estavam expostos os seus periódicos, explodindo-a. De mãos dadas, os dois correram, embrenhando-se numa ruela.

"Precisamos sair daqui!" — falou James, forçando todos a se abaixarem após uma nova explosão.

Pride olhou para cima. Novos vultos negros cruzavam o céu e bruxos encapuzados aparatavam aos montes.

Agachados, os quatro rapazes olharam em direção ao banco, que fora fechado por seu sistema de segurança interno. Eles precisavam se abrigar em uma das lojas. Um raio passou rasante por Remus, arrancando pedaços de mármore do corrimão da escada.

"Vamos para a ruela das galerias! A loja da minha mãe tem segurança contra invasores." — disse Pride, sacando a sua varinha.

Um bruxo encapuzado mirava um duende que fugia pela escadaria, divertindo-se em tentar acertá-lo. O duende deu mais alguns passos e caiu desacordado no chão quando um raio verde o acertou pelas costas. Estava morto.

Os quatro garotos se embrenharam na multidão, correndo e se desviando de feitiços de ataque e de defesa que eram lançados em todas as direções. Barulhos de explosões e o cheiro de fumaça se faziam presentes a todo momento. Havia cacos de vidro das lojas espalhados no asfalto e algumas pessoas escorregavam neles. Os rapazes se detiveram, ajudando alguns bruxos a se levantarem.

"Expelliarmus!" — vociferou Remus para um dos encapuzados que fechara o seu caminho.

"Flagellum!" — conjurou Sirius o feitiço diante de um bruxo que avançava na direção deles. O feitiço ricocheteou no chão e acertou o pulso do homem. A varinha voou de sua mão e foi parar no telhado de um estabelecimento.

"Protego!" — gritou James quando um bruxo que assistia a cena os tentava acertar. Um escudo fino e transparente os protegeu do ataque.

No caminho, Sirius e James socaram dois encapuzados que aparataram diante deles, com a mesma força que usavam quando jogavam a goles nos aros durante as partidas de Quadribol. Black sentiu o impacto na sua mão e a sacudiu com força, constatando que o seu pulso se abrira.

Remus e Pride usaram as suas varinhas para explodirem uma barraca que vendia maçãs e abóboras comemorativas do Dia das Bruxas, empurrando-as em direção aos encapuzados. Alguns dos homens escorregaram nas frutas e abóboras espatifadas no chão e revidaram com um feitiço que, por pouco, não acertou os garotos.

Um encapuzado insistiu e aparatou ao lado de Remus, tentando acertá-lo, mas Black, estalando os dedos atrás do homem, conjurou fogo e o aproximou das vestes do bruxo. Imediatamente, o encapuzado começou a se incendiar e, enquanto ele tentava apagar as chamas, deixou cair a sua máscara. Era um rosto comum, o rosto de um assassino. No entanto, havia um certo abismo, um certo vazio em seu olhar. Como se lhe faltasse algo essencial e invisível. Como se lhe faltasse o que era inominável.

Os quatro rapazes, aos tropeços, aproximaram-se da ruela das galerias e iam entrar no conjunto de lojas quando James viu na esquina uma mulher grudada em uma parede de tijolos, tremendo dos pés à cabeça. Ela estava de costas para os seus agressores e protegia um bebê em seus braços. Diante dela, uma garotinha de seus cinco anos de idade também era abraçada e protegida enquanto chorava. Três encapuzados riam e apontavam para a família.

"Um sangue-ruim pra cada um. Vamos brincar de tiro ao alvo!"

"Covardes filhos da puta!" — falou James entre dentes, correndo em direção à mulher que usava o seu corpo como escudo para proteger os seus filhos.

Sirius, Remus e Pride, vendo também a cena, dispararam atrás de James.

"Flagellum!" — vociferou James antes que se desse conta ao certo do que fazia. Como um grifinório, a sua coragem chegava primeiro.

O raio, ricocheteando no chão, acertou bem em cheio o pulso do homem, desarmando-o. Os outros encapuzados, percebendo que eram confrontados, atacaram os garotos que tentaram se desviar. Um pedaço do tijolo da parede e as vidraças de uma loja de artigos importados estouraram ruidosamente. Pessoas do lado de dentro do lugar gritavam histéricas e um quarto bruxo encapuzado que aparatara entrou no estabelecimento, resoluto. As pessoas gritaram mais alto dentro da loja até que clarões verdes em sequência brilhassem e todos fossem silenciados um a um.

O encapuzado que James havia acertado olhou para o seu pulso cortado, vociferando:

"Ora, ora, seu merdinha, o que acha que tá fazendo? "

Os quatro garotos apontavam as suas varinhas e os encapuzados riam, parecendo se divertir com a audácia deles. O bruxo que Potter havia atingido conjurava um feitiço, atraindo a varinha do chão de volta para a sua mão. Mais três bruxos encapuzados aparatavam se juntando aos seus iguais.

Pride criou uma parede parecida com a que Remus já havia conjurado contra os Doyles quando feitiços foram jogados em sua direção.

"Patético!" — retorquiu um dos bruxos que desaparatou e reapareceu do lado oposto, diante de Pride. Com um punho fechado, ele acertou o rosto do rapaz com muita força, derrubando-o no chão e chutando a sua varinha para longe.

Sirius tentou o ajudar e foi interceptado por um outro encapuzado. Remus foi puxado por alguma força que o ergueu a um metro e meio do chão e o lançou de novo contra o asfalto. A sua varinha também foi tirada. Somente James segurava a sua varinha agora, apontando-a para o vazio. Os bruxos não paravam de aparatar e desaparatar, divertindo-se com o garoto que não conseguia mirar neles.

"Vai pagar caro por ter se intrometido, seu fedelho! Mas vou deixar que decida qual dos seus amigos vai morrer primeiro. Qual deles é sangue-ruim? Responde!"

James viu um dos encapuzados mirar a sua varinha em direção ao corpo desacordado de Pride. Outro, ajoelhado, erguia Remus por seus cabelos, mirando a varinha em seu pescoço. O último, tinha a cabeça de Black como alvo.

"Fala, garoto, senão vou sortear quem vai morrer primeiro. Qual é o sangue-ruim do grupinho. É você por acaso?"

James tremia, sentindo o vazio dos seus pesadelos o engolir.

"Quer que eu sorteie? Unidunitê..." — cantarolou o encapuzado que tinha Sirius como refém. Ele pisava na varinha do rapaz.

James não conseguia respirar. Nos seus pesadelos, o vazio era escuro e invadia o seu corpo, os seus órgãos, os seus pensamentos.

"Unidunitê..."

Era frio e se arrastava.

"O escolhido é..."

Era o vazio da morte. Era a escuridão. Havia uma risada de fundo. Uma voz que dava arrepios. Como se deslizasse por seus ouvidos. Como uma serpente.

"...Você!"

O bruxo encapuzado que segurava Sirius apontou a sua varinha para James.

"Eu escolho você, garoto, defensor de sangues de bosta. Quem acha que é para enfrentar um Comensal da Morte? Manda lembrança para os Johnsons."

Sirius e Remus gritaram. O homem vociferou com uma voz fria:

"AVADA...!"

James fechou os olhos, sentindo os seus joelhos tremerem. Ele não conseguia respirar e pensou, por um segundo, que morrer fosse isso. Ficar para sempre paralisado e não conseguir puxar o ar para os seus pulmões. Com temor, o rapaz voltou a abrir os olhos e viu que a sua irmãzinha, a sua mãe, com as suas madeixas loiras e a faixa colorida na cabeça ao estilo Jordana Johnson estava diante dele. O seu pai, atrás do bruxo encapuzado, havia o desarmado.

"Fica longe do meu filho, seu terrorista de merda!" — gritou Joanne Potter, movendo a sua varinha e lançando, com raiva, um feitiço que atirou o encapuzado longe. Voando, ele quebrou uma vidraça ao se chocar com ela, caindo desacordado dentro da loja.

Um outro encapuzado aparatou perto da senhora Potter. Era o bruxo que havia invadido a loja, realizando uma chacina, que retornava ao lado de fora, percebendo que os seus companheiros haviam sido alvejados.

"SE ABAIXEM!" — gritou o senhor Potter, começando um duelo contra o bruxo que avançava para a sua esposa e para o seu filho.

Remus sentiu quando o bruxo que erguia a sua cabeça, puxando os seus cabelos afrouxou a mão e voou também para longe, sendo acertado por um feitiço. Hope movia a sua varinha de modo implacável como se estivesse dando uma surra no homem. Após desarmá-lo, ela avançava para ele, lançando-o feitiços sucessivos, certamente, com ódio pelo bruxo haver subjugado o seu filho.

Sirius viu o homem que apontava a varinha para a sua cabeça desaparecer. O senhor Lupin o dera uma chave de braço, levando-o até um dos telhados da loja e o empurrara lá de cima, antes de voltar a aparatar perto do homem que ameaçava Pride, estuporando-o. O bruxo encapuzado caíra desacordado antes que se desse conta do que acontecia.

"Filho, entra na loja! Vai com seus amigos! Protejam-se"

"Mas e vocês? Quero ajudar você e a mamãe..." — falou Remus.

"Não! Vai nos ajudar mais ficando em segurança, Remus! Pra dentro da loja! Vai!"

A senhora Potter parecia haver dado o mesmo comando a James, escondendo o garoto atrás dos seus feitiços enquanto o guiava. Um outro encapuzado aparatou atrás deles sem que percebessem e alvejava mãe e filho. James se voltou quando o bruxo erguia a varinha em sua direção.

"Cuidado, mãe..."

O raio voou rasante ao ombro da senhora Potter, mas não a atingiu. A varinha havia sido tirada da mão do bruxo e James constatou que a garotinha que estava colada à parede ainda, junto ao corpo da mãe e do bebê, havia lançado um feitiço inconsciente. Com a magia, ela havia movido o globo da vitrine de uma loja de Astronomia e acertado a mão do bruxo encapuzado. A criança, certamente, quisera tanto proteger o rapaz que defendera a sua família que a sua magia se manifestara espontaneamente.

Quando o encapuzado avançou para a criança, James mirou um caldeirão pesado que estava ainda na vitrine e o atirou contra a cabeça do bruxo. A mãe da menina ainda tremia, tentando proteger os filhos. O bebê chorava.

"Precisamos ajudá-las..."

A senhora Potter, de mãos dadas com James, alcançou a mulher, murmurando:

"Está com a sua varinha, amiga?"

A mulher, uma jovem de cabelos ruivos e olhar aterrorizado, retorquiu:

"Eu sou trouxa! O meu marido e a minha filha que são bruxos."

"Certo. Vamos encontrar um lugar seguro pra vocês!" — respondeu a senhora Potter, baixando a cabeça de James quando um raio passou um pouco perto da sua orelha.

"Não pode aparatar, levando a gente, mãe?"

"Não tenho certeza, Jimmy. O sistema de segurança do Beco Diagonal deve ser ativado daqui a pouco, impedindo que mais encapuzados apareçam e tenho medo de desaparatarmos para muito longe e eu não conseguir voltar para ajudar os outros. Estão lançando feitiços em todas as direções aqui e não quero aparatar na frente de um. Esses encapuzados aparatando e desaparatando no meio desse confronto parecem não ter nada a perder, mas nós temos! Vamos nos movimentar para dentro daquela loja andando! Venham!"

James colocou a garotinha nas costas e avançou na frente da mulher que carregava o bebê atrás dele. A senhora Potter havia criado uma barreira ao redor deles e era ajudada agora pelos Lupins. Chegando à frente da loja que fora anteriormente invadida pelo encapuzado, James ajudou a família a entrar para se proteger. Ele se deparou com Sirius e Remus ajudando Pride a se levantar e o levando para dentro do estabelecimento também. O corvino estava com o olho muito inchado do soco que levara e parecia ainda um pouco atordoado.

Dentro da loja, os garotos viram com algum horror meia dúzia de bruxos caídos no chão, imóveis. Estavam mortos. Alguns tinham ainda os olhos vítreos fitando o teto.

Fora do estabelecimento, explosões e raios eram cada vez mais audíveis. Clarões verdes, vermelhos e brancos lampejavam a todo momento. Agachados perto da vitrine quebrada, os rapazes observaram os Potters e os Lupins lutando contra os terroristas. Lutavam como heróis, desviando-se e se organizando em seus ataques e defesas. De fato, estando os filhos seguros, eles pareciam mais implacáveis com as suas varinhas. Os garotos viram quando homens vestidos de capa preta e com a braçadeira bordada com um M aparataram também na ruela, atacando os encapuzados.

"Aurores!" — anunciou Sirius.

Longe, sobre os telhados de algumas lojas mais ao sul, os garotos viram um clarão de fogo como uma fênix se erguer aos céus e descer com força, produzindo um som de explosão.

"Dumbledore?!" —surpreendeu-se os garotos com o brilho alaranjado ainda refletido em suas faces.

Isso deu uma ideia a Sirius e a James. Revidando à afronta que Snape havia feito a Potter, os grifinórios haviam realizado a junção de dois feitiços que havia acertado o sonserino de surpresa em Hogwarts há algumas semanas. Trocando um olhar, os dois rapazes sabiam o que deviam fazer quando observaram alguns bruxos chegarem demasiadamente perto do senhor e da senhora Potter.

James moveu a sua varinha, murmurando: "Lacarnum Inflamarae", ao mesmo tempo em que Sirius combinava a sua varinha, vociferando: "Obsessio".

Henry e Joanne Potter pestanejaram quando uma chama veio correndo na direção de seus agressores, aumentando de tamanho e de volume a cada galope. Quando os tocou, o cervo de fogo já era grande o suficiente para chifrar e incendiar dois encapuzados. Ao se desfazer o feitiço, pequenas luzes alaranjadas pontilharam o céu e a senhora Potter olhou para trás, murmurando o nome do filho. Um encapuzado também se voltou para a vitrine quebrada.

Remus ergueu o seu braço, lembrando-se também de um feitiço. O rapaz moveu a sua varinha, alvejando um encapuzado que tentava desarmar a sua mãe, que ainda surrava alguns bruxos com seus feitiços encadeados.

"Alarte Ascendare!" — vociferou Remus, acertando um terrorista e fazendo-o voar sobre as cabeças de alguns Aurores, caindo, em seguida, diante de um que o prendeu com algemas bruxas. Remus viu a senhora Lupin se voltar para a loja e ruborizou quando, pela leitura labial, constatou que a sua mãe murmurava: "Muito bem, fofinho!"

Entrementes, sem que os garotos percebessem, um encapuzado surgiu dentro da loja. Era comum os estabelecimentos possuírem encantamentos que impediam, assim como Hogwarts, que bruxos aparatassem e desaparatassem em seu interior. Era a sua trava de segurança. Mas, como o lugar havia sido violado e, possivelmente, o bruxo que fizera o feitiço de proteção se encontrava entre os mortos, a segurança da loja estava aberta.

O encapuzado olhou em direção aos garotos e ao bebê que chorava no colo da mulher trouxa, atrás da bancada da loja. O bruxo fora atraído pelos feitiços que saíam daquele estabelecimento no qual um X macabro havia sido rabiscado na porta após a chacina. Como se os tivesse convocado, outros cinco encapuzados aparataram dentro da loja de artigos importados ao lado do primeiro encapuzado. Foi Pride que os percebeu e vociferou "Protego" quando um raio foi lançado na sua direção, fazendo o feitiço do homem ricochetear de volta no rosto de outro.

Os quatro garotos, com as varinhas em punho, correram para trás do balcão, usando-o como trincheira, mas o encapuzado, o qual Pride bloqueara o feitiço, alcançou o corvino logo após ele se deter estuporando um outro bruxo que atirava contra eles.

A varinha do corvino lhe foi arrancada e o bruxo fechou as mãos sobre o seu pescoço com demasiada força, erguendo-o do chão. O garoto, sentindo a sua garganta ser obstruída, tentava afrouxar a mão do encapuzado. Com pânico, ele começou a tentar chutá-lo com os pés e joelhos.

James jogou um feitiço na direção do bruxo, mas ele foi protegido pelo seu comparsa, que parecia se divertir com a cena.

"SOLTA ELE! VAI MATÁ-LO!" — gritou James, tentando acertar o agressor de Pride e recebendo cobertura de Sirius e Remus — "SOLTA ELE!"

James pulou por sobre o balcão e avançou para o bruxo, pondo-se a duelar com um dos encapuzados. Sirius e Remus o acompanharam, tendo o seu caminho obstruído e vendo coisas explodirem ao seu redor. Remus, de longe, jogou um feitiço no encapuzado que estrangulava Pride, mas o bruxo ao seu lado o bloqueou novamente e, por pouco, o feitiço que voltou não acertou os garotos.

"PRIDE! SOLTA ELE! VAI MATÁ-LO ASSIM!"

O rapaz corvino chutava o bruxo com menos força e tinha rabiscos vermelhos em seus olhos. Seu rosto estava tenso e ele não conseguia puxar o ar para dentro dos pulmões.

"A intenção é essa, garoto! Matar. Vou me dar o prazer de fazer isso com as minhas próprias mãos. Faz algum tempo que não mato assim, mas há coisas de que não esquecemos nunca. E vocês vão todos morrer hoje como esse aqui, sangues de merda!"

Os braços de Pride penderam para o lado do seu corpo e o bruxo apertou o pescoço delgado do rapaz com mais energia. Ele queria finalizar logo aquilo.

Com a mão delicada e suas últimas forças, Pride voltou a tocar o pulso do homem e o seu olhar se deteve nos grifinórios, tentando alcançá-lo ao driblarem bruxos encapuzados adultos que conjuravam feitiços que não eram de desarmamento, mas de morte. Era curioso, sobretudo, Lupin e Black, que se incomodavam com a presença dele, terem praticamente o carregado nos braços para dentro da loja junto com eles quando estava desacordado e, agora, os dois se arriscavam para salvá-lo das mãos daquele assassino encapuzado com uma máscara. Grifinórios eram mesmo curiosos. James Potter era curioso. Pride havia perguntado no dia anterior no trem de Hogwarts se podiam ser amigos e Potter, menos de vinte e quatro horas depois, tentava o proteger, honrando a sua palavra.

Atrás do balcão, havia uma trouxa com duas crianças pequenas abraçadas a si. O choro do bebê parecia agora muito distante para Pride. Estaria a sua mãe bem? A veela que se forçava a viver naquele mundo bruxo, que, nem sempre fora gentil com ela, a começar pelo pai bruxo de Pride.

Garoto veela era como os colegas o chamavam. Pride possuía o poder de encantamento que, comumente, era herdado somente pelas meninas daquela raça. Muitos bruxos observavam as veelas como mulheres belas, sedutoras e traiçoeiras. Figuras femininas que usavam os seus encantos para conseguirem quem e o que desejassem. Que prendiam os homens com os seus olhos na sensação de estarem fazendo amor antes de usá-los ao seu bel prazer.

Contudo, pouco se falava da raiva das veelas e de como, muitas vezes, haviam sido subjugadas no mundo bruxo. De como as suas crias com bruxos eram chamadas também de sangue de merda e de como essas crianças sofriam para se adaptarem ao mundo da magia, que as olhava com um misto de desconfiança e desejo. Havia também aquele olhar dos puristas para todos os mestiços que frequentassem os espaços que consideravam seus.

"Ei, Expresso de Hogwarts, posso entrar em você hoje à noite?" — falavam alguns garotos do sétimo ano, cochichando entre risadas enquanto o rapaz corvino estudava, em silêncio, na biblioteca. Pride já havia ficado com dois deles.

"Sempre quis meter numa veela, mas na falta de uma garota, serve você, Pride..." — mexiam com ele alguns rapazes corvinos no corredor, depois que o garoto havia conquistado inúmeras medalhas nas Olimpíadas das Casas de Hogwarts. Pride não havia ficado com ninguém na ocasião. Tinha só treze anos.

Na loja destruída, Pride sentiu a raiva lhe inflamar. Subitamente, o seu corpo ficou muito febril. Subitamente, ele sentiu o seu rosto tremer como se tivesse corrido uma maratona. O rapaz experimentou as batidas do seu coração aceleradas e havia ira suficiente para destruir cada um daqueles encapuzados que ria da sua morte. Não, não era justo morrer.

O homem gritou quando as mãos de Pride se incendiaram, queimando os seus pulsos. As labaredas alcançaram a manga das vestes do bruxo, alastrando-se rapidamente por seu corpo. Pulando, o homem tentava apagar o fogo.

Pride caiu no chão e não sentiu dor, pois a raiva o anestesiava. Houve um estremecimento, um formigamento em seus ombros e as asas de veela brotaram, rasgando as suas vestes e a carne com um ruído de penas. Seus olhos se tornaram escuros e o corvino percebeu que não somente os encapuzados, mas os colegas o olhavam com assombro.

Pride percebeu que não tinha mais dificuldade de respirar e que pelo seu bico curvo, o ar fluía para os seus pulmões. Havia uma cócega em seu rosto no lugar onde cresceram penas. Suas mãos ainda tinham labaredas e seus pés deixavam as suas botas como garras de harpias muito afiadas. Que se danassem os bruxos que não o respeitavam!

Pride era erguido por suas asas e atirou fogo na cara de um encapuzado, pulando logo em seguida sobre um outro que ameaçava James. Dando-lhe bicadas ferozes, o rapaz usou as suas garras para cortar a garganta do homem, que caiu morto no chão.

Sirius se encolheu quando uma bola de fogo cruzou o recinto, acertando um encapuzado muito próximo a si. Em seguida, um raio o atingiu bem em cheio no peito e o rapaz sentiu o impacto como se uma onda de energia o atravessasse e fosse cuspida novamente. Tateando o seu coração, Sirius constatou que o feitiço acertara a ágata de fogo pendurada no colar que Raven havia lhe dado de presente.

A pedra estava rachada agora, mas, fosse lá os encantamentos que as Morganas haviam colocado no objeto, ele havia o protegido de alguma forma.

Uma outra bola de fogo cruzou o ambiente e uma janela explodiu. Puxando Remus pela mão, Sirius correu para trás do balcão. Ele puxou também James, que, parado, parecia maravilhado com o poder de Pride.

"Joshua Pride tem os dois poderes de veela! Quando ele fica com raiva, vira um monstro. É fantástico!" — murmurou Remus, erguendo-se atrás do balcão para espreitar a briga e se encolhendo quando um abajur incendiado voou em sua direção.

Sirius esfregou a pedra em seu pescoço, como se o gesto lhe conferisse algum agradecimento à sorte.

Os encapuzados gritavam e um deles chegou a correr desesperado pela porta do estabelecimento, sendo acertado por um Auror que brigava com um dos terroristas. Os bruxos pareciam não ter qualquer preparo para enfrentar um rapaz veela, que, transformado, voava rapidamente de um canto para outro, deferindo bicadas, arranhões e fogo.

Rapidamente, as labaredas atingiram as cortinas e o sofá do lugar. Um encapuzado voou por cima do balcão e caiu pesadamente perto da mulher trouxa que estava abraçada aos filhos. O pescoço do encapuzado estava quebrado e com marcas de garras afiadas.

Então, um silêncio se fez após um barulho intenso de vidro, madeira e móveis sendo quebrados. O lugar estava com forte cheiro de fumaça. Os garotos se arriscaram a se erguer com cuidado por trás do balcão para olharem o que se sucedia.

Pride estava de pé entre os corpos dos encapuzados. Seu rosto era o de um garoto novamente, mas os grifinórios conseguiram ver a tempo as suas asas serem encolhidas de novo para dentro de suas espáduas, assim como as mãos e os pés do rapaz virarem membros humanos novamente. Havia sangue e pedaço de pele humana em suas unhas, assim como em sua boca. Ele pisava descalço em uma poça de sangue no chão.

James correu para abraçá-lo.

"Que bom que está bem... Foi incrível o que você fez!"

O rapaz corvino parecia confuso com o seu próprio poder.

"Não pensei que conseguiria lançar esse poder de veela de novo. Fiz só uma vez quando era criança e achei que ele tinha se perdido."

"Foi brilhante, Pride! Salvou a todos nós!" — retorquiu James, segurando o rosto do rapaz em suas mãos e chamando Sirius e Remus para perto.

Os quatro garotos se abraçaram, deixando toda a animosidade do que havia acontecido em frente ao Gringotes de lado. Naquele momento, os rapazes eram apenas quatro adolescentes que haviam lutado contra o pior lado da comunidade bruxa. Eles eram pessoas que acreditavam nos mesmos ideais e combatiam as mesmas coisas. E estavam vivos. Era tudo o que importava.

Quando se afastaram, Remus sentiu a fragrância de um perfume floral. Era alfazema. O mesmo perfume que ele havia farejado em James no dia anterior quando se despedira dele no King's Cross. Mas o perfume não vinha de Potter. Vinha de Pride. Seu pescoço, que ainda tinha as marcas roxas deixadas pelos dedos do encapuzado, exalava o perfume de alfazema. Remus se demorou, olhando de James para Pride.

"Aguamenti!" — murmurou Sirius, conjurando água para apagar o fogo que se alastrava pelo ambiente enquanto James ia verificar se a mulher trouxa e as crianças estavam bem.

Quando os Lupins, os Potters e os Aurores entraram no estabelecimento, surpreenderam-se com o que encontraram. Havia quatro adolescentes, uma mulher, duas crianças e um número de encapuzados mortos no chão.

Todos que haviam duelado estavam com arranhões e marcas do combate, mas, apesar de tudo, encontravam-se bem.

Já era noite quando as pessoas voltaram a ocupar as ruas, pois, segundo um dos Aurores, a situação já estava sob controle. No caminho, havia inúmeras lojas destruídas e pessoas mortas ou feridas. Os bruxos seguravam as suas varinhas com um feixe de luz em sua ponta, clareando o percurso e tentando encontrar os parentes desparecidos. Pride correu para abraçar a sua mãe quando se acharam na multidão. Os garotos repararam que ela também tinha marcas de sangue nas mãos e no rosto.

Um bruxo de cabelos revoltos abraçou a mulher trouxa e as crianças quando se reencontraram. Agradecendo muito a todos, ele chorava de emoção ao descobrir que a sua família estava viva.

Esse dia ficaria conhecido nos livros de História como o "Massacre do Dia das Bruxas". Vários bruxos nascidos trouxa, mestiços, seres de outras raças e apoiadores da diversidade bruxa perderam as suas vidas, sendo atingidos por terroristas puristas encapuzados. Havia sido um ataque planejado porque se sabia que aquelas categorias participariam do cortejo fúnebre de adeus para os Johnsons.

Esse evento seria só superado em impacto pelo Dia das Bruxas mais importante da vida de James, Sirius e Remus anos mais tarde. O Dia das Bruxas em que James e Lily morreriam, dando ao mundo bruxo o seu único filho, Harry Potter.

Mas aos quinze e dezessete anos, os Marotos vivenciaram o atentado mais terrível que viram até então. Bruxos choravam sentados no chão ao lado das vítimas, passando as mãos por seus cabelos em meio ao pranto. Outros, com as varinhas em punho, pareciam procurar entre as pessoas mortas algum rosto conhecido.

Quando chegaram à praça do Beco Diagonal, próxima ao relógio central e ao Gringotes, os Lupins, os Potters e Sirius a viram então. A marca verde conjurada no céu de um crânio com uma serpente saindo de sua boca. Ela era a marca que testemunhava não a morte, mas o assassinato. E ela era horrível.

Repórteres do Profeta Diário tiravam fotos da marca de Você-Sabe-Quem no céu. Sem o Ministro e Jordana Johnson, aquela era a demonstração do que aquela força que combatiam faria com aquela força que defendiam. Esmagariam cada nascido-trouxa, mestiço, raça diferente ou apoiador dessas categorias, fazendo o que consideravam uma higienização.

Hope, talvez sucumbindo ao horror que não havia se permitido sentir até então, começou a chorar e foi abraçada por Lyall e por Remus, que tinha os olhos vermelhos. James fungou também e foi abraçado pela senhora Potter com um gesto maternal. Aurores caminhavam entre os mortos, empilhando os corpos em um canto com as suas varinhas. Medibruxos, que não paravam de aparatar, prestavam socorro aos feridos. Havia flores pisoteadas no chão.

Foi Sirius, que, olhando novamente o terror, a escuridão, o abismo ao seu redor, lembrou-se das palavras de Remus. Lembrou-se de Olivia Stone. Lembrou-se do seu tio Alphard. Lembrou-se da sua varinha que iluminava o chão diante de si, abrindo caminho na noite sombria.

Erguendo-a, o rapaz levantou a varinha acima da cabeça em direção ao céu. Ele permaneceu meio minuto assim até que Remus e James olhassem em sua direção. Com uma compreensão silenciosa, os dois rapazes também ergueram as suas varinhas iluminadas.

A senhora Potter, assentindo com algum orgulho, alguma determinação, ergueu também a sua varinha, sendo seguida pelo marido. Logo depois, os Lupins fizeram o mesmo movimento. E os bruxos que estavam ao seu lado como se o gesto fosse contagioso. Pouco a pouco, a praça se encheu de pontos luminosos em direção ao céu. Os bruxos que se encontravam nas ruelas também ergueram as suas varinhas com as pontas iluminadas acima de suas cabeças. Os que estavam nos estabelecimentos destruídos também saíram para a calçada e imitaram o gesto. Os que choravam os seus mortos, entre lágrimas, murmuravam: "Lumus".

Pride, abraçando a mãe, ergueu a sua varinha no céu quando aquela corrente o alcançou em frente à loja destruída dela. Parker, Raven e o senhor Fraser, que haviam lutado dentro do Caldeirão Furado, também saíram do estabelecimento para erguerem as suas varinhas. Dayal e Winnie, bastante machucados e sendo atendidos pelos medibruxos em uma das ruelas, ergueram as suas luzes ao céu. A bruxa mestiça com duende também tinha a pedra jade em seu pescoço rachada em virtude de um raio que ricocheteara ao acertá-la.

Igualmente, mostraram ao mundo as suas varinhas, os Carlsons e a sobrinha Liljeberg, que, desde que se mudaram da Suécia para a Inglaterra, simpatizavam com os discursos de igualdade e diversidade do Ministro. O ombro de Rebbecca fora atingido novamente com um forte feitiço estuporante e a garota gemeu de dor quando um medibruxo a tocou.

Dumbledore e os diretores das Casas de Hogwarts, que haviam desaparatado da coletiva do Profeta Diário quando foram informados que bruxos encapuzados estavam atirando nos civis no Beco Diagonal, apareceram no lugar para proteger os seus alunos, os seus amigos, os seus iguais. Lutaram, desarmando comensais e defendendo pessoas. Afinal, Hogwarts sempre estaria lá para os seus. Os professores de Hogwarts também levantaram as suas varinhas.

O fotógrafo do Profeta Diário, então, montado em sua vassoura, ergueu a câmera para registrar o momento que estamparia a capa do jornal do dia seguinte. Se Você-Sabe-Quem tinha algo para dizer para aqueles bruxos e bruxas, eles também tinham uma resposta. Haveria Resistência.

31 de outubro foi o dia em que, oficialmente, foi declarada a Guerra contra Você-Sabe-Quem e se entendeu em meio ao Ministério a verdadeira força de Voldemort, que vinha não só de poderes que nunca se ouvira falar até então, mas do ódio purista de apoiadores da sua causa que, apesar de esconderem as suas identidades, foram vistos muitas vezes durante a história bruxa e trouxa.

31 de outubro de 1981 seria a data em que o feitiço de Voldemort, lançado contra o pequeno Harry, ricochetearia e o bruxo perderia os seus poderes. Contudo, essa não é a história de um dos bruxos mais importantes que viria a existir no mundo da magia, nascido de um daqueles garotos que sobreviveram ao atentado. É a narrativa de alguns heróis anônimos e dos Marotos, que, naquele 31 de outubro de 1975, ergueram as suas varinhas iluminando a noite escura, sem saber que escreviam não somente as suas histórias, mas de todo o mundo que conheciam.

Erguer a varinha iluminada no céu... Que gesto bobo! Que gesto nobre! O Amor era a Revolução.

Contudo, é preciso dizer tardiamente que essa narrativa não se trata de uma pretenciosa história de amor. Mas é escrito, principalmente, sobre como o amor faz sentir e é sentido. E de como, na escuridão, esse amor (que se tornava ainda mais amor em meio aos atos de depredação e ódio) era toda a luz da qual os Marotos dispunham.

 

Chapter 17: Virgem

Summary:

Sirius Black alcança a maioridade bruxa, ainda que isso não lhe confira liberdade.
O seu aniversário na Casa dos Blacks parece ir por água abaixo, mas uma surpresa inesperada pode mudar tudo.

Chapter Text

 

https://www.youtube.com/watch?v=TeoL4WtjdqA&list=RDTeoL4WtjdqA&start_radio=1

 

 

Dias se passaram após o Massacre do Dia das Bruxas ocorrido no Beco Diagonal.

Em 3 de novembro, Sirius completou dezessete anos. Orion e Walburga organizaram um jantar na residência dos Blacks, convidando pessoas que não eram, de fato, amigas do grifinório. O tio Alphard permaneceu de fora da lista de convidados e o próprio Sirius se retirou da festa no início da noite, enfastiado o suficiente a ponto de enlouquecer. Quanto tempo duraria aquele maldito recesso escolar?

O rapaz roubou o vinho da adega dos Blacks e se preparava para voltar para o seu quarto quando se deparou com Regulus na cozinha, sentado próximo ao fogão, comendo bolo de caldeirão escondido ao lado de Kreacher.

O garoto havia trazido várias bugigangas de Hogsmeade para o elfo doméstico, que Sirius havia comprado, acreditando que se destinavam ao próprio Regulus. Havia um lembrol; um chapéu de bruxo que cantava as partes de uma canção quando era esquecida; uma xícara que mordia o nariz; minhocas de apito e várias quinquilharias espalhadas no chão.

Kreacher sorria entretido e, de vez em quando, retomava a sua posição com a bandeja para servir os convidados na sala de estar. Ele também ouvia pacientemente sobre as disciplinas de Hogwarts.

"O patrãozinho Regulus é muito inteligente. O velho Kreacher sabe que, em Hogwarts, o patrãozinho vai se tornar o maior bruxo de todos os tempos." — falava o elfo, servindo chá ao garoto enquanto arrastava os seus pés descalços.

"Lancha comigo, Kreacher!"

"Kreacher não pode fazer isso. A patroa Walburga proibiu Kreacher de comer qualquer comida da festa do patrão Sirius."

"Mas eu ordeno, então, que você coma tudo o que tiver vontade. Prova uma tortinha de abóbora, Kreacher! Tá uma delícia!"

O elfo pareceu indeciso sobre qual ordem seguir. Ele bateu em sua cabeça com a bandeja redonda quando aceitou o doce, mas teve a sua mão segura por Regulus.

"Tá tudo bem! Pode comer! Meus pais não vêm nunca aqui na cozinha e não vão saber que você comeu os doces. Toma, prova um pedaço do bolo de caldeirão."

Sirius observou a cena enquanto procurava o abridor de vinho bruxo dentro das gavetas. Ele sabia que o irmão tinha aquela amizade peculiar com Kreacher. Ao contrário de Sirius que tivera uma babá até os sete anos, Regulus fora criado por Kreacher desde os primeiros anos de vida e os dois se davam muito bem. Seus pais olhavam aquela relação com desagrado e o próprio Sirius se mantinha afastado. Ele não gostava de Kreacher. Ele não lhe era simpático e ofendia os seus amigos sem que eles tivessem lhe feito qualquer coisa. Mas o tolerava por causa de Regulus.

O filho mais novo dos Blacks, vendo Sirius se retirar da cozinha, perguntou:

"Pra onde você vai levar essa garrafa?"

"Pro meu quarto. Pra mim já deu." — respondeu o rapaz, tomando um gole do vinho.

"Mas é o seu aniversário, Sirius!" — falou o garoto com a boca cheia da tortinha de abóbora, esfarelando um pouco a massa doce em sua mão.

"E é um dos piores aniversários da minha vida! Mal me dou com esses parentes todos, Regulus!"

O menino respirou fundo.

"Você deve tá sentindo falta do pessoal da Grifinória, né..."

Sirius imaginou como teria sido o seu aniversário em Hogwarts em uma realidade em que a sua amiga Olivia Stone não tivesse sido assassinada e nem os Johnsons, mortos; que não houvesse tido recesso escolar e ele pudesse celebrar o seu dia na mesa do Grande Salão com os Marotos, as Morganas, Regulus, Olivia...

Ele poderia passar pelo constrangimento de James e Pettigrew cantando as músicas de aniversário com as letras alteradas no fim das aulas ou dos logros que eram deixados em sua carteira. Podia passar pelos presentes escondidos no dormitório e pela Professora McGonagall dizendo ao fim da aula: "Parabéns, senhor Black! E por Merlin, juízo!"

Sirius gostaria de ir com Remus para a Casa dos Gritos e receber os seus beijos delicados. Era o primeiro aniversário de Sirius que eles passariam juntos como namorados e ansiaram por isso, mas agora eles estavam separados. Passado o terror do dia 31 de outubro, os garotos se deparavam com um problema com o qual não contavam — os pais de todos estavam histéricos e não deixavam os filhos saírem de casa.

Remus estava proibido de visitar até mesmo a loja de sua mãe e ajudá-la com a bagunça que deixaram no estabelecimento da família. A lareira de sua casa estava bloqueada para pessoas que não fossem os Lupins, a fim de se evitar invasões na residência.

Os Potters haviam resgatado James e partiram com ele para Oxford, sem lhe darem a chance de qualquer argumento. Os Blacks, agora, pediam para Kreacher acompanhar Sirius quando ele queria sair e deixavam que ele ficasse no máximo uma hora fora de casa. Apesar dos Blacks nem desconfiarem que Sirius havia estado no Beco Diagonal no dia do Massacre, eles seguiam a tendência alarmista e voltaram a controlá-lo um pouco mais. Aquele era o pior aniversário que o rapaz de cabelos compridos tinha em anos.

"Você não sente falta de Hogwarts, pirralho?" — indagou Sirius.

"Um pouco, mas aqui com o Kreacher é legal também. Ei, Sirius, posso experimentar vinho com você?"

O rapaz franziu o cenho.

"Não."

"Por favor... Se não deixar, eu vou à adega e vou experimentar escondido!"

Sirius tomou um gole da bebida e retorquiu:

"Não vai beber escondido coisa nenhuma. Se fizer isso, vou contar pra Walburga. Kreacher, se Regulus tentar beber escondido, não deixa. Faz um escândalo!"

O elfo, novamente, olhava confuso de um patrão para outro.

"Mas você bebe, Sirius..." — insistiu Regulus.

"Mas eu sou adulto e sou torto. Você é criança e tem que crescer direito, pirralho..."

Kreacher pareceu decidir o seu lado:

"Kreacher não vai dedurar o patrãozinho Regulus."

"Viu?!" — disse Regulus, sorrindo vitorioso e cruzando os braços.

Sirius respirou fundo e, desfazendo o nó da sua gravata, apontou para Kreacher com a mão que segurava a garrafa.

"Se deixar o Regulus beber, elfo, ele vai ficar igual a mim. Haverá dois Sirius em sua vida. Boa sorte..."

Kreacher arregalou os olhos, atônito, e, batendo em sua própria cabeça com a bandeja de prata, retorquiu antes que Sirius deixasse a cozinha:

"Nenhuma gota de vinho para o patrãozinho Regulus! Senão, ele de menino vai virar um monstro. Vai virar Sirius Black!"

Sirius caminhou até o seu quarto, desviando-se de uma massa de convidados com cálices na mão, parecendo entidades de um culto. Uma de suas tias-avós se abanava com um leque, escandalizando-se ao comentar um assunto sombrio:

"...Ele exibiu na festa aquela criatura pavorosa amarrada numa corrente feito um cachorro para mostrar que conseguiu domesticar os seus instintos selvagens. Mas, por Merlin, o olhar daquela besta brasileira me dá arrepios..."

Respirando aliviado no refúgio de seus aposentos, Sirius encontrou três corujas-das-torres que haviam pousado no parapeito da sua janela, dando bicadas na vidraça enquanto o aguardavam com alguma impaciência.

Black deu a cada ave um petisco de agradecimento, antes que elas partissem, batendo as suas longas asas. Havia um embrulho grande e uma carta assinada pelo tio Alphard.

 

 

'Querido sobrinho,

 

Feliz aniversário! Espero que tenha um dia feliz, apesar da falta de senso de humor da minha irmã e do meu primo-cunhado. Espero que goste do presente que escolhi para você. Depositei também alguns galeões na sua conta no Gringotes para a diversão durante esse recesso escolar fora de hora e para passear com os seus amigos, os Marotos. Enviei também um presentinho para o Regulus.

Com amor,

Alphard'

 

Deixando a garrafa de vinho sobre a cômoda ao lado da cama, Sirius se apressou em desembrulhar o seu presente. Pestanejando, ele se deparou com uma Radium 10000, que era o modelo mais recente de uma das melhores vassouras lançadas no mercado até então.

"Eu mereço tanto?" — murmurou o rapaz com certa incredulidade, tateando o cabo lustroso da vassoura como se tocasse numa relíquia.

Black, Potter e o time inteiro de Quadribol da Grifinória haviam babado sobre o encarte de lançamento da Radium e se desanimaram somente ao constatar que o modelo era caro até para os padrões dos alunos que tinham boas condições econômicas em Hogwarts. Agora, o tio Alphard enviava a Radium 10000 para Sirius e o garoto ainda não acreditava que o irmão de Walburga havia gastado tanto dinheiro com ele. Alphard não tinha filhos e mimava Sirius e Regulus como as crianças que gostaria que fossem suas.

Sirius sorriu, pensando em como seria divertido experimentar a vassoura, sobrevoando o céu noturno londrino. Todavia, como ele estava bebendo e lhe foram impostas restrições de saída que ainda estavam em vigor, ele precisaria esperar para voar em um dia mais propício. James, certamente, ia gostar de testá-la também e Sirius mal podia esperar para jogar Quadribol com a Radium.

"Mal posso esperar para voar com essa belezinha em Hogwarts." — pensou alto Black, sorrindo.

O rapaz de olhos cinzentos admirou um pouco mais o artefato e, com bastante cuidado, deixou a Radium em um canto próximo a poltrona. Depois, ele passou a mão pelos cabelos e olhou novamente em direção à janela. Em seguida, consultou o espelho de dois sentidos, deparando-se somente com o seu reflexo na superfície plana. Remus não havia tentado se comunicar com Sirius desde o dia anterior. Também, era o único que não havia lhe escrito desejando feliz aniversário.

Durante o dia, Sirius havia recebido presentes dos Potters, de Pettigrew, das Morganas e até mesmo do seu fã-clube de Hogwarts. O rapaz ganhou chocolates, espumante de abóbora e bolinhos de maçã de algumas garotas que mal conhecia, deixando os pacotes em um canto, sem ousar experimentar nada, recordando-se da má experiência que havia tido recentemente com poções do amor. Sirius também recebeu dinheiro dos Blacks e um cartão de Regulus.

Depois do dia 31, Black concordava com os Lupins que era melhor Remus ficar em casa, visto que havia terroristas encapuzados atirando contra bruxos mestiços. No entanto, Sirius fora bem específico sobre a necessidade dele e de Remus manterem contato e se falarem diariamente pelo espelho. Ele sentia falta do rapaz de cabelos castanhos e precisava ser tranquilizado também, sabendo que os Lupins estavam bem.

Sirius tomou um gole de vinho e se deitou na cama sustentada por correntes. Puxando a gaveta de sua cômoda, ele tirou a sua carteira de dentro do móvel e fitou a foto de Remus diante do freixo da Escola.

Black completava a maioridade do mundo bruxo, mas ainda não podia celebrá-la, visto que era dependente ainda dos seus pais e aluno do quinto ano na Escola. Graças aos Blacks, Sirius ingressara tardiamente em Hogwarts. Mas, pelo menos, graças a isso também conhecera os seus melhores amigos, dividindo com eles a Casa, o dormitório e toda a sua vida. A saudade lhe pesava.

Sirius tomou outro gole do vinho e fitou novamente a janela entreaberta. Ele puxou sobre si a coberta para se proteger da friagem de outono. Fora daquele ambiente, no andar térreo, ele ouvia ainda a tagarelice de pessoas conversando na festa; o ruído de louça; passos e música que saía do piano por meio de magia, preenchendo o ambiente. As notas produzidas pelas teclas do órgão lhe davam um pouco de sono. Fechando os olhos pesados, o rapaz de cabelos compridos tomou mais um gole de vinho, antes de pousar a garrafa sobre a cômoda. Ele adormeceu, sentindo o seu corpo afundar nas grossas cobertas e pensando ainda em Remus.

Black não sonhou com o Beco Diagonal em ruínas como vinha fazendo nos últimos dias, mas se encontrou no Dia das Bruxas do seu primeiro ano de Hogwarts. Os quatro amigos de doze, onze anos estavam agachados em um canto do pátio, lavando os seus rostos com a água produzida por suas varinhas e retirando a tinta branca e preta que usaram para pintar as faces como se fossem fantasmas.

Os grifinórios haviam acabado de descer do freixo e, divertindo-se ao lado de Pirraça, haviam atirado balões explosivos de água nos valentões que os atormentavam, azarando-os nos corredores.

"Guardem alguns balões para a estátua do desgraçado de Godric Gryffindor!" — bradava o poltergeist, parecendo ensandecido ao sobrevoar a copa da árvore.

Os quatro Marotos riam e, correndo com as suas vestes brancas esvoaçantes, voltavam para dentro do Castelo para comerem o jantar de Dia das Bruxas. Eles eram tão crianças e tão pequenos que não batiam ainda no ombro da Dama Cinzenta, que passou por eles, diáfana, no corredor.

Enquanto corriam pelo claustro, os meninos se desviaram de um colega vestido de morte que tentou lhes azarar com um raio atirado pela varinha. O colega estava encapuzado, com máscara e trazia uma foice nas mãos.

"Flagellum!" — vociferou James, abaixando-se para se desviar do desconhecido.

Sirius se viu, então, correndo agora segurando a mão de Remus. Ele precisava protegê-lo e não podia deixar que o garoto vestido de morte descobrisse que ele era mestiço porque a morte mirava primeiro em quem tivesse sangue trouxa.

"Escolhe qual você quer que morra primeiro, garoto! Unidunitê..." — ouviu Sirius a morte gritando atrás deles enquanto eles corriam com aquelas roupas brancas até o Salão Principal.

Eles eram quatro fantasminhas que sabiam que quando estivessem dentro de Hogwarts estariam seguros. Não queriam ser atingidos pelos raios verdes. Sirius olhou para Pettigrew e viu que ele não estava mais lá. Era Pride adulto, dizendo:

"Não digam pra ele, por favor, que não tenho sangue puro. Não quero ser azarado também..."

"Para de se aproximar dos meus amigos então..." — respondeu Remus, mexendo em seus óculos.

"Mestiços deveriam ser amigos."

"Você tem poderes como eu, Pride. Eu viro lobisomem e você vira uma harpia que atira fogo. Não somos somente mestiços. Somos criaturas que o mundo bruxo teme."

A morte, então, alcançou Pride e Sirius viu quando ela retirou a máscara inexpressiva. A morte era Olivia Stone.

Sirius sentiu um sobressalto em seu peito e murmurou com saudade doída:

"Olivia, disseram que você estava morta! Eles mentiram..."

"Eu morri, Sirius Black. Mas fui com algumas pessoas atrás do véu ajudar vocês na batalha do Beco Diagonal. O colar que as Morganas fizeram nos chamou para perto. Fui também a intuição para os Potters e Lupins que disse: "A ruela das galerias. Vão para a ruela das galerias. Os meninos precisam de vocês."

O Sirius com doze anos de idade sorriu.

"Obrigado, pirralha..."

Olivia, com o seu rosto sardento e cabelos curtos, lhe disse:

"Sabia que a sua mãe abortou a sua irmãzinha em 1963? Ela tomou uma poção e tive que procurar outra família. Os Stones gostavam de mim, mesmo eu sendo menina e me amariam mesmo se eu não tivesse nascido bruxa. Me amariam até se eu fosse pra Grifinória ou para a Lufa-Lufa."

"Eu também te amei, Olivia. Mesmo você sendo da Sonserina."

"Eu sei..."

"Quem fez isso com você, Olivia?"

"Os Blacks."

"Não, isso..."

"Os Blacks..."

"Quem matou você em Hogsmeade, Olivia?" — insistiu Sirius.

"Os Blacks..." — argumentou ela com um olhar triste.

Sirius franziu o cenho enquanto o incômodo daquelas imagens se diluía em um mata borrão confuso, afastando-o de toda a dor. Seus sentidos o distraíram em sensações corpóreas de toques e beijos; o cheiro amadeirado da Casa dos Gritos; o perfume verde da Floresta Proibida; a pele quente de Remus sob a sua e os seus lábios úmidos entreabertos. Ele tinha agora novamente dezessete anos.

Não era incomum para Black sonhar com Lupin naquele distanciamento imposto, clamando por sua presença e carícias como uma memória tátil e profunda de algo que atravessava a carne e se fundia a ele. Os sonhos se aprofundaram até a intimidade da entrega juvenil. O entorpecimento do prazer o ludibriou.

Movendo os quadris sobre a cama de correntes, Sirius prolongou aquele prazer em seu quarto, usando as mãos. Erguendo a cabeça, semiadormecido, e abrindo a boca, ele deixou que um gemido escapasse dos seus lábios, recusando-se a se desprender dos seus sonhos libidinosos.

A sua pele guardava a memória do corpo febril de Remus como um feitiço de repetição. A proximidade não obedecia a recessos.

Foi com o ruído abrupto da porta do seu quarto se escancarando que Sirius abriu os olhos, cessando imediatamente os seus movimentos e sendo arrancado daquilo que não queria deixar. Regulus adentrava o seu quarto sem bater na porta e discutia com alguém aos berros.

"Mas, mãe... Sirius bebe e vocês não falam nada!"

Walburga seguia o filho mais novo, acompanhada do farfalhar do vestido suntuoso.

"Mas seu irmão já é maior de idade! Você só tem onze anos, Regulus!"

Sirius deu graças a Merlin de ter se embrulhado com o cobertor e de seu irmão e mãe não poderem ver o que estava fazendo com as mãos. De bruços ainda, o rapaz arriscou falar. Ele gostaria muito de descobrir que se encontrava em um pesadelo.

"Não podem discutir fora do meu quarto?" — retrucou Sirius com a voz pesada de sono.

Orion entrou no recinto com as suas roupas elegantes de festa.

"O que está havendo aqui?"

"Regulus estava tentando beber o vinho da adega e Kreacher fez um escândalo." — explicou Walburga, lançando um olhar sobre os presentes de Sirius.

Sirius, ainda de bruços, queria morrer.

"Regulus, tente se comportar! Bebida é coisa de adulto. E Sirius, não é hora de se isolar no quarto. Tem uma festa acontecendo. Trate de se levantar e ir interagir com os seus convidados." — falou Orion, estalando os dedos e apontando a porta para o rapaz.

Sirius, ainda deitado, vociferou:

"Não são os meus convidados! São os seus, Orion! E Regulus, seu pirralho, eu já não falei pra nunca entrar no meu quarto?! Nunca! Mesmo se o mundo estiver acabando e você tiver que vir aqui me avisar, tem que bater na porta!"

"Kreacher fez um escândalo por sua culpa!"

Sirius afundou o rosto no travesseiro quando viu que o elfo doméstico também invadiu o seu quarto.

"Patrão Orion, patroa Walburga, os convidados estão perguntando pelos senhores."

Até o elfo doméstico invadia o único lugar naquela casa onde Sirius se sentia à vontade e tinha alguma privacidade.

"Já estamos indo, Kreacher. Sirva o champanhe aos convidados."

Orion insistiu, voltando-se para o filho mais velho.

"Por que está deitado a essa hora? Ainda é cedo!"

"Tomei uma poção calmante porque bebi demais." — mentiu Sirius, sentindo que talvez nunca mais conseguisse ter uma ereção em sua vida ao se lembrar de seus familiares ao redor.

A desgraça parecia completa, mas Sirius sentiu uma genuína vontade de chorar quando a sua amarga tia Antares adentrou também o recinto, movendo-se sobre as suas pernas de alicate.

"Walburga, querida, quando vamos cantar parabéns? E onde está o aniversariante mal-agradecido? O que um jovem de dezessete anos faz enfurnado nesse quarto?"

"Batendo punheta, sua velha fofoqueira!" — pensou Sirius sem nada dizer, prevendo que, de fato, nunca mais sentiria tesão em sua vida. Aquela invasão em seu quarto chegava a ser criminosa. Talvez fosse uma das piores coisas que os Blacks haviam feito contra ele.

"Ele está indisposto e tomou uma poção calmante." — respondeu Walburga com algum enfado.

"Ele é estranho como o Alphard. Vive fugindo da família e parece gostar de se isolar. E olha esse cabelo comprido!"

Sirius respirou fundo.

"Podem sair do meu quarto, por favor?"

Orion consultou o seu relógio de corrente, retorquindo com secura:

"Tem cinco minutos para sair da cama e vir cantar parabéns com os convidados. Não me faça ter que voltar aqui."

"Eu não quero cantar parabéns. Quero ficar sozinho!"

"Não seja mal-agradecido com os seus pais, menino insolente! Eles fizeram uma festa linda para você e é assim que retribui?" — interveio a tia Antares com seu vestido de plumas escuras que a faziam parecer um abutre.

Sirius sentiu uma raiva tão grande que moveu inconscientemente uma das gavetas de sua cômoda, atirando-a longe.

"SAIAM JÁ DAQUI!"

Walburga, descruzando os braços, caminhou até a porta. Ela foi seguida pelo elfo doméstico e por Regulus, que, sem que percebessem, havia escondido a champanhe de abóbora que Sirius havia ganhado de seu fã clube dentro das suas vestes. A tia Antares saiu, equilibrando-se nos seus scarpins, e sacudindo as suas joias. Orion frisou antes de se retirar, mostrando a mão espalmada para o filho:

"Cinco minutos!"

Sirius afundou a cabeça no travesseiro quando o pai bateu a porta atrás de si. Aquele, definitivamente, era o pior aniversário que ele já tivera em sua vida.

O rapaz permaneceu algum tempo ainda deitado, antes de se forçar a levantar. Ele puxou também o espelho de dois sentidos de debaixo da coberta e se deparou com o seu reflexo o encarando com uma expressão mal-humorada.

Sirius, então, guardou a sua carteira dentro da gaveta e foi até o banheiro lavar o rosto. Droga, Remus! Por que ele não lhe havia escrito uma linha sequer? Aquilo o daria força para atravessar aquele dia. Será que os Lupins estavam bem?

Sirius se preparava para sair do quarto quando ouviu batidinhas na vidraça de seu quarto. Girando em seus calcanhares, o rapaz se voltou para a janela, detendo-se. Agora, certamente, devia ser a coruja de Remus! Ele se antecipou até a janela, erguendo a vidraça. No entanto, não havia coruja alguma.

Olhando ao redor, Sirius colocou a cabeça para fora da janela, procurando pela Fiona dos Lupins. Foi com surpresa que o rapaz ouviu a voz de Remus. Black levou um susto tão grande que bateu a cabeça. Ele olhou então para baixo e se deparou com o rapaz de cabelos castanhos voando em sua vassoura.

"Remus!" — surpreendeu-se Sirius, abrindo mais a janela e tirando delicadamente o vaso com uma flor branca do caminho para que o rapaz pudesse entrar.

"Você tá sozinho? Vim ainda há pouco e vi a sua família toda aí. Fiquei esperando no telhado eles irem embora."

"Eu tô sozinho! Você veio! Que bom te ver, lobinho! Vem, deixa eu te ajudar!"

Sirius estendeu a mão e ajudou Remus a se equilibrar no parapeito da janela, pulando para dentro do seu quarto. O rapaz estava com as mãos geladas e as bochechas rosadas. Também soltava uma fina fumaça pela boca enquanto falava, imbuído ainda da friagem noturna.

Remus sorriu e Sirius, mais feliz do que havia se sentido no dia inteiro, tomou o rosto do rapaz entre as mãos, beijando-o. Abraçou-o, levantando-o do chão.

"Estou tão feliz em ver você! Esperei uma coruja sua o dia todo. Os Lupins deixaram você sair de casa?!"

Remus mexeu no aro dos óculos.

"...Então, eles meio que não deixaram. Estava esperando os meus pais irem se deitar pra sair escondido. Por isso, demorei... Vim voando e queria te fazer uma surpresa. Fiquei com medo de usar o Pó de Flu da lareira e surgir na sala de estar ou no quarto dos Blacks por acidente."

Sirius fitou o outro garoto com uma expressão alarmada.

"Você perdeu o juízo?! Seus pais estão preocupados, tentando te proteger e você sai de casa escondido?! Têm encapuzados à solta e você veio de noite, voando pra cá?! Tem noção de como ficaríamos se acontecesse algo com você? Sabe como eu me sentiria?!"

Remus baixou o olhar.

"Eu sei! Tentei ser bem cuidadoso e peguei as vias aéreas vigiadas pelos Aurores. Eu tinha que vir te ver, Sirius! Achei você triste na última vez que conversamos e hoje é o seu aniversário! Parabéns!"

Sirius fitou o rapaz diante de si com aquele sorriso acolhedor que o desarmava completamente. Remus usava casaco e cachecol, mas tinha ainda aquela palidez translúcida da noite gelada. O lupino era como uma miragem no meio daquele deserto que era a vida de Black longe de Hogwarts. Sirius puxou o rapaz para beijá-lo com intensidade e foi recebido por ele com as mãos carinhosas que envolviam os seus pulsos.

"Eu tô puto por você se colocar em risco, mas, ao mesmo tempo, caramba, Remus... Eu tô tão feliz em te ver... Tenho sonhado com você todos os dias..."

"Eu também..."

Lupin acariciou os cabelos de Sirius que já haviam crescido mais alguns centímetros e estavam presos em um rabo de cavalo curto. Ele tirou a franja dos seus olhos e os dois rapazes se fitaram, encostando as suas frontes uma na outra com aquela conexão sublime. Como eles poderiam se manter afastados no dia em que fazia dezessete anos que Sirius Black havia nascido naquele mundo?

Foram batidas na porta que fizeram os dois garotos se afastarem. Sirius se apressou até a maçaneta e fez um gesto com o dedo indicador diante dos lábios, pedindo que o outro rapaz não fizesse barulho. Remus se escondeu atrás da porta, grudado na parede quando Sirius a entreabriu. Era Orion que o chamava.

"Eu vou ter que te levar arrastado até a sala?"

"Só um minuto. Eu tava só lavando o rosto."

"Vamos comigo. Não quero me aborrecer mais do que já estou e ter que explicar a sua ausência aos convidados."

Sirius hesitou.

"Se eu for e cantar esse maldito parabéns, vocês me deixam em paz depois? Posso voltar para o quarto e dormir?"

Orion olhou o seu relógio de corrente com impaciência.

"Precisa se despedir dos seus tios pelo menos e depois, pode fazer o que quiser."

"Certo. Em dez minutos, quero estar de volta..."

"Por que essa pressa toda para dormir?"

"Porque o melhor presente de aniversário do mundo vai estar no meu quarto me esperando enquanto canto parabéns feito um parvo com um monte de parentes puristas que preferia expulsar da minha casa aos pontapés..." — pensou Sirius um tempo em silêncio.

"Porque tô com ressaca, Orion!"

"Você vive bêbado agora. Tem sido um péssimo exemplo para Regulus. Vamos logo!"

"Tá. Vou pegar o meu paletó..."

Sirius voltou a sua cabeça para dentro do quarto e foi beijado por Remus que, assim como ele, parecia se divertir com a ideia de estarem juntos embaixo do nariz dos Blacks. O rapaz de cabelos castanhos lhe passou o paletó enquanto acariciava a língua do rapaz com a sua.

Os dois encerraram o beijo bem a tempo enquanto Orion franzia o cenho, vendo Sirius com o corpo de fora e a cabeça para dentro do quarto. O rapaz de cabelos compridos murmurou ainda no ouvido do outro:

"Tranca a porta."

Remus sorriu o seu sorriso maroto e piscou para o outro rapaz. Sirius retribuiu ao gesto, sentindo-se explodir de felicidade. Ele amava Remus de verdade e o grifinório encontrava sempre uma forma de adentrar mais fundo o seu coração.

Sirius não se importou mais tanto em se ver rodeado por pessoas de quem nem se lembrava direito, mas queria voltar logo para o seu quarto. Ele viu Kreacher se aproximar, empurrando um bolo em que as velas pareciam pequenos fogos de artifício subindo até o céu. A maioria dos bruxos tinha idade avançada e os mais jovens deviam estar na faixa etária de Walburga e Orion. Seus tios, com exceção de Alphard e a parte de Belatrix, estavam lá em peso. Os únicos jovens da festa eram o aniversariante e Regulus.

Sirius viu o irmão e os pais batendo palma para ele ao lado de uma corja de Blacks. O rapaz de cabelos compridos pensou que se a geração dele e de Regulus não tivesse filhos, aquela família já era.

A endogamia repetitiva dos Blacks em busca de sangue puro, de fato, tornara a genética da família problemática. Havia além de uma instabilidade psicológica crítica naquela família, um caso sério de esterilidade que estava acontecendo mais vezes do que gostariam de admitir.

Alphard era estéril, assim como a tia Antares. O tio Vega e a tia Imai também. Walburga, de fato, tivera vários abortos espontâneos antes de conseguir gerar filhos e houve o caso da menina que, como um efeito contrário da pureza sanguínea que buscavam, nasceria sem poderes bruxos. Orion dormia com várias mulheres e nunca se soube de nenhum filho bastardo. A prima Andrômeda perdera um bebê antes da filha nascer. Também, seus avós, com muito custo e após inúmeras frustrações somente, conseguiram ter filhos.

Sirius não sabia quanto a Regulus, mas ele mesmo nunca se animara com a ideia de um dia ser pai. Ele não se sentia impelido a passar aquele sangue conturbado e doentio adiante. Naturalmente, ele nunca havia discutido esse assunto em família e os Blacks apostavam que ele se casaria com uma nobre de sangue puro e que procriariam feito coelhos. Sirius até que gostava de crianças, mas quando olhava para o abismo, a loucura dos Blacks, não sentia vontade de botar no mundo um filho seu.

Sirius se forçou a sorrir entre as palmas e a canção. Ele se lembrou de James e de Pettigrew adaptando a música de aniversário em Hogwarts, falando:

"Parabéns pra você, nessa vida bandida. Muita promiscuidade, muita merda vivida..."

Ou então:

"Parabéns pra você, nessa vida perdida. Muita vulgaridade, caldeirão de bebida ..."

Sirius prendeu o riso, imaginando seus amigos entre aquelas pessoas cantando aquelas besteiras que inventavam, fazendo a tia Antares arregalar aqueles olhos de coruja e os seus pais o jogarem na rua para os encapuzados darem um fim nele.

Sirius soprou aquelas malditas velas, mas antes acendeu um cigarro com o fogo de um dos pavios do seu bolo de aniversário, criando algum constrangimento.

"Faz um pedido, garoto mal-educado, antes de acender essa porcaria." — vociferou a tia Antares.

"Que eu possa estar com o Remus em paz a noite toda e não tenha ficado impotente depois da tia Antares, meus pais, meu irmão e até o elfo doméstico quase me verem batendo uma antes de ter que voltar para esse enterro disfarçado de festa... Se tivéssemos um papagaio, até ele também teria invadido o meu quarto. Vocês são todos um empata-fodas do cacete, mas estou aqui que nem um abestalhado celebrando com vocês todos que inclusive me vaiaram quando ingressei na Grifinória, corja de Blacks fodidos!" — pensou Sirius.

"Que eu goze... de bons momentos!" — falou Sirius, laconicamente, antes de soprar as velas do seu bolo.

Depois, quando servido, Sirius deu uma garfada na massa doce feita com camadas e mais camadas de chocolate belga, cerejas e creme de coco com raspas de abóbora. Estava ótimo. Ele pediu para Kreacher preparar duas fatias generosas da torta em um recipiente. Ele sabia que Remus ia pirar naquele bolo.

Walburga ainda comia a sua fatia quando Sirius envolveu o braço delgado da mãe, sussurrando:

"Vamos para a porta convidar as pessoas para irem embora, senão elas vão querer repetir. Tia Antares!"

Walburga respondeu, forçando-se a engolir um pedaço da torta com pressa.

"Mas os convidados ainda estão comendo..."

"Kreacher, embrulha tudo pra viagem. Estão todos de saída!" — decidiu Sirius sob o olhar austero do seu pai enquanto surrupiava uma garrafa de espumante para levar também para o seu quarto.

Quando ele se despediu dos parentes na porta, Sirius se curvou em uma reverência educada. Tia Antares, que tinha prognatismo mandibular acentuado, falou com os lábios inferiores afastados dos superiores e seus olhos arregalados de coruja. Ela usava a varinha como se fosse uma agulha de tricô e tinha um guarda-chuva encaixado em seu braço.

"Você não se tornou um rapaz bonito como o seu pai, Sirius Black. É alto e atlético, mas é meio desajeitado com as boas maneiras. Tem um rosto meio debochado e ordinário e esse cabelo comprido te faz parecer uma menina agigantada. Esse negócio que tem agora sobre a sobrancelha é horroroso e a sua mãe me contou que rabiscou o corpo feito um prisioneiro de Azkaban. Não sei o que tem aprendido nessa maldita Casa para onde foi, mas é falta de educação ter convidados e correr para o quarto ou expulsá-los. Família é tudo, sangue não é água de gilly e já devia estar pensando em seu casamento quando terminar a Escola. Terá que recorrer a mim para estabelecer contatos porque nenhuma moça de sangue-puro vai tolerar esse seu jeito pouco civilizado e rebelde. Espero que depois de tudo o que os seus pais fizeram por você não me venha a ser seco. Porque se for vai ter sido a maior perda de tempo e investimento da família Black. Você vai precisar de uma esposa de quadris largos para gerar no mínimo umas quatro crianças sadias e gordas. Tenho já anotados alguns nomes apesar de você ser mal-agradecido e empertigado e não merecer que eu mova a minha varinha nem para ajudá-lo a morrer. Trate de tomar suas poções contraceptivas porque ouvi de seu pai que anda fornicando na Escola feito um macaco com algumas vadiazinhas de uniforme e bastardos não são bem-vindos aqui, apesar de eu desconfiar de sua fertilidade. Trate de tirar boas notas também em Hogwarts porque burrice e feiura juntas são degradantes. Passar bem e feliz aniversário."

Sirius pestanejou, vendo a parenta, feito um abutre, abrir o seu guarda-chuva para caminhar até a carruagem puxada por testrálios, que, após o Massacre do dia 31, o rapaz podia enxergar com clareza trotando e bufando fumaça. Se fora humilhado, Sirius não havia tido nem tempo para processar todos os insultos. Ele sacudiu a cabeça e se aprumou para expulsar mais parentes de sua festa.

Quando os pais de Sirius falaram daquele jantar de aniversário, haviam sido categóricos que não queriam que os seus amigos da Grifinória viessem e, mesmo se pudessem vir, Sirius, por amor a eles, nunca os forçaria a participar daquele ambiente tóxico. Como sugestão de jovens, Sirius ouvira os nomes dos Doyles, Malfoy, Mulciber, Macnair, Davies e o rapaz de cabelos compridos achou até que a princípio os pais estivessem de brincadeira, mas protestou veementemente quando percebeu que eles, de fato, consideravam convidá-los.

"Chamem um basilisco, uma manticora também para a festa ficar completa."

Os pais então chamaram só os parentes e Sirius respirou aliviado por, entre aquelas pessoas desagradáveis, Bellatrix não vir. Aparentemente, os pais da prima estavam tentando separá-la mesmo de Walburga. A matriarca Black tomava poções calmantes agora receitados por medibruxos depois da cena que fizera no dia em que Sirius e Regulus voltaram de Hogwarts. Talvez essa fosse uma saída boa de fato para aquela instabilidade psicológica familiar porque Walburga também não estava mais agredindo Sirius verbalmente. Mas permanecia muito tempo dormindo e mesmo, um pouco apática, olhando para o nada, fosse pela medicação ou fosse pela tristeza.

Sirius encerrou a noite, levando o recipiente com as fatias de bolo, alguns doces e a champanhe para o seu quarto.

"Eu vou dormir e não me acordem nem se um dragão aparecer no meio da rua tacando fogo em tudo ou colocar um ovo no telhado. Me deixem dormindo curando a minha ressaca. Boa noite!"

Depois, Sirius bateu de leve com os nós dos dedos na porta do seu quarto e ouviu um barulho suave de trinco se abrindo. Ele deslizou para dentro do recinto e mal chegando, foi beijado novamente por Remus.

"Por que demorou?"

"Eram muitos Blacks para expulsar..."

"Podemos comemorar agora?"

"Podemos, lobinho. Agora somos só você e eu."

Sirius abriu a garrafa de champanhe e compartilhou a bebida com Remus. Também lhe passou o bolo da festa, e, como foi previsto, o rapaz gostou muito de saborear a cobertura de chocolate belga.

"Como estão as coisas na sua casa, Remus?"

"Meus pais continuam preocupados e sem saírem muito de casa." — respondeu Remus enfiando o garfo no glacê da fatia de bolo — "Mas eles mantiveram o plano de logo após o próximo ciclo lunar, irmos para a casa dos Potters em Oxford. James e eu queremos que você venha também."

"Não sei, lobinho. Meus pais não engolem os Potters e não acredito que me deixariam ficar hospedado na casa deles." — ponderou Sirius com um suspiro profundo.

"Acho que vale a pena pelo menos tentar, tomando as precauções necessárias..."

Sirius pareceu refletir sobre a ideia enquanto Remus retirava algo de dentro da sua mochila. Com uma expressão um pouco sem graça, o rapaz lhe passou um embrulho com papel colorido e fita.

"Feliz aniversário! Queria poder ter escolhido algo mais descolado pra você, mas o recesso escolar atrapalhou os meus planos."

Sirius agradeceu, beijando o rapaz. Abrindo o presente, ele se deparou com um cachecol feito de tricô em linha branca e com um grande M bordado nas cores da Grifinória.

Remus, ainda um pouco sem jeito, explicou a letra mexendo em seus óculos.

"É M de Marotos. Fui eu mesmo que fiz. Usei magia porque não consigo tricotar tão bem como a minha avó. É algo bem simples. Quer dizer... não é como as echarpes de grife que você usa."

Sirius enrolou o cachecol em seu pescoço sem demora e, com uma sensação boa, constatou que o acessório feito com linhas grossas tinha um pouco do perfume de Remus, do seu quarto, da sua casa...

"É lindo, lobinho. Obrigado. Eu adorei. Eu prefiro cachecóis de linha mesmo no inverno e, como diz o James, tem algo que você não saiba fazer bem?"

Remus ergueu o seu olhar timidamente.

"Não é muita coisa comparado aos presentes todos que você ganhou." — ele mexeu na armação dos óculos novamente, olhando ao redor — "Desculpa, não pude deixar de reparar nos embrulhos sobre o sofá e sobre a sua escrivaninha... Eu queria comprar algo para você naquela joalheria que fomos... Gostaria de retribuir o anel, mas não pude. Desculpa..."

Sirius reparou que o rapaz diante de si parecia realmente constrangido e que tinha as orelhas e o rosto muito vermelhos. Remus não costumava se envergonhar por sua família dispor de poucos recursos, mas, ocasionalmente, quando ele não conseguia acompanhar os amigos em um passeio mais caro ou não podia retribuir a algum presente, ele parecia realmente abatido.

Sirius, por outro lado, não se importava com isso e estava ciente da situação econômica dos Lupins, não esperando nada em troca quando dava presentes a Remus. Ele mesmo não tinha recursos e o dinheiro que dispunha era dos Blacks, que, mais cedo ou mais tarde, iriam deserdá-lo.

"Estou satisfeito com o cachecol, Remus. Tem o seu perfume. Sempre gosto dos presentes que você me dá desde o primeiro ano e não gosto de usar ouro em Hogwarts. Aliás, não ligo muito pra ouro de forma geral." — Sirius apontou para o seu pulso — "Uso este relógio que foi presente do tio Alphard porque gosto muito dele e fiz questão que nossos anéis fossem de ouro porque você merece."

Remus sorriu quando Sirius beijou o seu rosto e deixou que o rapaz compartilhasse o cachecol consigo, envolvendo-o junto a si.

"Também queria te entregar isso..." — disse Remus, passando um envelope para Black.

Quando Sirius fez menção de abrir a carta, no entanto, Remus o deteve:

"...É para você ler quando estiver sozinho. É um poema açucarado e piegas de amor..."

"Escreveu um dos seus poemas para mim? Sabe que não penso isso do que escreve, não é? Falei essa bobagem no quarto ano porque era um estúpido e porque tava me roendo de ciúmes do seu namoro com Carlson... Vou ler depois se prefere assim, mas, aproveitando que você mencionou a joalheria antes, tem algo que quero te perguntar..."

Sirius aproveitou o ensejo para tocar no assunto sobre a conversa que havia presenciado na casa de Vincent Praga entre o bruxo chamado Meadowes e um outro convidado. Os dois falavam sobre Remus e como o bruxo mais velho havia forçado uma aproximação do rapaz de cabelos castanhos em Hogsmeade.

Sirius não teve a chance de trazer o assunto à tona no Beco Diagonal, mas ele não deixaria a oportunidade passar de novo. Ao fim da narrativa, Remus tinha uma expressão dura.

"Aliciador filho da mãe! Ele tentou me convidar pra sair e me disse coisas nojentas. Espero não o ver nunca mais..." — retorquiu Remus, contando a sua versão da história desconhecida por Sirius.

Ao terminar, Black também tinha uma expressão chateada.

"Fico triste por ter que saber desse tipo de coisa por terceiros. Por que não me contou o que houve, Remus?"

"Porque eu não queria estragar o nosso passeio a Hogsmeade. James disse que eu devia te contar, mas não quis criar problemas."

"Você não cria problemas, Remus! Ele que não devia se aproximar de você. Pelo que ouvi dele, é um tipo de tarado aficionado por adolescentes e tava de olho também na Davies."

Remus se aninhou próximo a Sirius, um pouco constrangido.

"Ele percebeu que eu não era da alta sociedade e achou que eu tava tentando atrair a atenção de alguém na joalheria. Percebeu que aquele não era o meu lugar..."

Aparentemente, visitar a casa dos Blacks reavivava algumas inseguranças do rapaz de cabelos castanhos, abatendo-o. Sirius, que, em sua narrativa, fizera questão de omitir as partes desagradáveis em que Meadowes desqualificava o status social de Remus, franziu o cenho, chateado:

"Seu lugar é onde você quiser estar, lobinho. Você era um cliente da Trojanno como qualquer outro e não fez nada de errado. Ele sim fez! E, da próxima vez, por favor, me conta as coisas! Devia ter me deixado dar uma lição naquele filho da mãe..."

Remus, que havia encostado a cabeça no peito de Sirius, fitou o seu rosto.

"Você me defende dos valentões desde que éramos crianças. Ainda quer me proteger?"

"Claro! Vou te proteger sempre. Ainda que o mundo que conhecemos esteja ficando pior a cada dia..."

Remus moveu os seus olhos um tempo pensativo e falou, lembrando-se de um assunto que também queria tratar com Sirius e lhe incitava uma mesma sensação de perigo:

"O James tava com o cheiro do Pride quando abracei ele no King's Cross. E os dois pareciam muito chegados naquela vez do Beco Diagonal..."

Sirius permaneceu um tempo reflexivo.

"Você reparou?"

"Claro que reparei! E não gostei nem um pouco. James disse que nós éramos os garotos dele e ele gosta da Lily! Não quero o Pride o cercando..."

Sirius levou um cigarro à boca, acendendo-o com o estalar de dedos.

"Você parece um lobo protegendo a sua alcateia, Remus, e, apesar de não me sentir muito confortável vendo o Potter chegadinho de outro rapaz, não sei se cabe a nós interferirmos."

"Não estou interferindo. Só estou contando para você o que senti!"

"Ah, é? E a forma reativa como você tratou o Pride da última vez? Ouvi um pouco do que ele estava contando para o James e a vida dele, como mestiço de veela, não parece nada fácil. Você o tratou mal e, praticamente, disse que ele não era bem-vindo nem mesmo para trocar algumas palavras com o James." — Sirius exalou um anel de fumaça com um odor um tanto amargo —"Você mencionou, inclusive, que o sangue veela dele o fazia não ser confiável. Fiquei me perguntando onde estava o garoto generoso e bondoso por quem me apaixonei e que me fez ver que, muitas vezes, eu agi feito um babaca. Não foi bonito te ver agindo parecido com os Blacks, Remus."

Lupin tinha a cabeça baixa, remoendo o que o outro rapaz lhe falou. Ele parecia um pouco envergonhado.

"Você também se incomoda com o Pride..."

"Não gosto de ver ele te provocando ou tentando te irritar, mas das últimas vezes que esbarramos com ele, ele foi ok. Podemos ter alguma civilidade. Não age mais assim, tá bom? Você é muito melhor do que isso. Pode sentir ciúme sem usar essa baixaria de sangue que é tão importante para os encapuzados e para os puristas."

O rapaz de cabelos castanhos aceitava a dura que o outro lhe dava. Sirius parecia, muitas vezes, displicente e desatento, mas era um dos mais observadores entre os amigos. E era, além de namorado, companheiro de Remus. Sabia lhe apontar quando passava dos limites.

Remus tentou se explicar:

"Eu tava com muito ciúme! Já falei disso com você, Sirius. E acho que tenho um pouco de inveja do Pride também... Ele é bonito, fala o que pensa, deixa você e o James boquiabertos, tem uma pele perfeita sem nenhum arranhão ou cicatriz. Os rapazes olham pra ele desde sempre. Sabe que eu me acho sem graça às vezes... Fico inseguro quando ele se aproxima. James já percebeu que existem garotos que gostam de garotos mais interessantes do que eu. Daqui a pouco, você também vai perceber..."

Sirius sacudiu a cabeça com um sorriso tranquilizador.

"Garoto bobo... Eu respeito as suas inseguranças, mas não age mais feito um babaca, tá bom? Seja o Remus de verdade que admite os seus medos, que sente ciúme, mas que vê além das aparências. E tá tudo bem se você e o Pride não se bicarem, mas ele não é um Doyle, por exemplo. E eu volto a repetir. Eu não vou a lugar nenhum. Eu quero ficar com você. Pride não é mais interessante do que você. E, aliás, vejo até uma semelhança entre vocês dois que não sei explicar..."

Remus ergueu os seus olhos.

"Uma semelhança...?"

"É, mas eu não sei o que é. De qualquer forma, não é o melhor momento para brigas. Havia encapuzados atirando em bruxos no Beco Diagonal. E ele salvou a gente..."

Remus assentiu, aceitando a razão de Sirius. Ele indagou então:

"Tem tido pesadelos com o dia 31?"

"O tempo todo. E você?"

"Eu tenho preferido ficar lendo à noite e dormir de dia... Acho que sonho menos..."

Os dois garotos trocaram um olhar significativo. Havia um trauma real vivenciado pelos dois e isso não podia ser mudado. Eles viram pessoas morrendo e sendo feridas no Beco Diagonal. A morte passeou entre eles com o seu manto.

O rapaz de cabelos castanhos inclinou a sua cabeça um instante antes de perguntar, pensativo:

"...Acha que o James ficou com o Pride?"

Sirius soprou outro anel de fumaça enquanto refletia.

"Eu poderia dizer que sim..., mas James está muito ligado à Lily, principalmente depois do que soubemos do atentado no metrô de Londres. E, além do mais, nós três passamos os últimos dias em Hogwarts quase juntos o tempo todo. Em que momento teria acontecido isso?"

Remus assentiu, acompanhando o pensamento de Black. Depois, tentando suavizar o rumo da conversa, ele mudou o tom do diálogo, servindo-se de mais bolo de chocolate. Entre carinhos e palavras, os dois rapazes deitaram lado a lado na cama e conversaram até a madrugada se adensar, abraçados e com os dedos entrelaçados.

As horas avançaram aconchegantes.

Remus bocejou em um determinado momento e fechou os olhos, relaxando e sentindo um pouco o peso daqueles dias bruscos. Sirius se manteve em silêncio, cochilando também enquanto o outro rapaz deslizava pelo universo ilusório e lídimo dos sonhos.

Remus se viu, então, criança, sentado em sua carteira de Hogwarts, com a mão erguida diante da pergunta feita pelo Professor Flitwick. Severus Snape também tinha a mão levantada.

"Abaffiato é o nome do feitiço usado para fechadura de portas, para que a pessoa que está do lado de fora não ouça nada do que é dito do lado de dentro..." — respondia Remus à questão feita para a turma.

"Excelente, senhor Lupin! Excelente! Como sempre! Dez pontos a mais para a Grifinória! O senhor Snape quer complementar com algo?" — vibrou o pequenino diretor da Corvinal.

O sonserino de rosto pálido e nariz adunco, então, acrescentou:

"Abaffiato pode produzir um zumbido no ouvido da pessoa que está próxima também. É usado quando não se quer que o conteúdo de uma conversa venha a público..."

"Perfeito, senhor Snape! Como sempre também! Vinte pontos para a Sonserina!"

Remus anotava as informações da aula em seu pergaminho e ouviu quando um rapaz corvino, sentado diante de Sirius, murmurou com um colega quase de modo inaudível:

"Esses sangue-ruins enchem a porra do saco na aula. Já não bastassem vir pra Hogwarts, ainda ficam tentando se exibir respondendo a cada pergunta que o professor faz. Queria um feitiço pra calar a boca de todos eles..."

Sirius, que até então, parecia distraído olhando o gramado da Escola pela janela, pegou o seu livro pesado de Feitiços sem pestanejar e bateu com força na cabeça do corvino, fazendo-o gritar de dor e interrompendo a aula.

"O que está acontecendo aqui?" — indagou Flitwick.

"Professor, o Black me bateu sem motivos!" — retorquiu o garoto, apalpando a sua nuca e se virando para trás em sua cadeira.

"Ele falou um palavrão, professor..." — pronunciou-se Sirius, indiferente.

O diretor corvino, que era muito generoso ao dar pontos, mas um pouco inseguro em punir os estudantes, moveu as mãos, dizendo:

"Vamos parar com as picuinhas, meninos, e seguir com a aula. Alguém sabe um pouco sobre o feitiço Anapneo?"

Remus ergueu a mão no ar novamente. Também Snape, Lily, Raven e Winnie. Havia uma tendência natural dos alunos que eram tidos como mestiços ou nascidos-trouxa se esforçarem ao máximo nas aulas de Hogwarts. Inconscientemente, era como se tentassem ratificar o seu direito de estarem lá e isso acontecia, despertando alguns ciúmes, rancores e insegurança. Para alguns, aqueles alunos que participavam ativamente das aulas eram o pior que podiam ser: impuros; barulhentos e inteligentes.

Próximo ao fim da aula, quando um aluno sonserino mandou Remus calar a boca, James atirou um tinteiro na cabeça dele e, mais tarde, uma briga se formou nos corredores com Black e Potter caindo no braço com o corvino e o sonserino que ameaçaram pegá-los do lado de fora.

Remus se viu, então, caminhando por um longo corredor de Hogwarts, que, em seu sonho, parecia infinito com suas paredes pétreas. O rapaz não se lembrava para onde ia e de onde vinha, mas ouvia alguns colegas dando risinhos enquanto ele avançava.

Em um determinado momento, Remus se deparou com um papel pregado nas suas costas escrito "Sangue-ruim" quando o puxou. Ele olhou ao redor, encarando alguns rostos que, com escárnio, murmuravam enquanto tapavam o nariz com a manga das vestes:

"Alguém aí tá sentindo cheiro de merda? Nossa, que fedor! É o cheiro do sangue do Lupin! A avó dele é trouxa e foi ao King's Cross levar ele dirigindo uma daquelas engenhocas barulhentas trouxas."

Remus avançava, sentindo os seus olhos arderem, mas se forçou a manter a cabeça erguida.

"Viram que o Black e o Potter beijaram o Lupin no Lago à força?! Nunca entendi essa amizade e já tinha reparado mesmo o Lupin olhando os garotos no vestiário na aula de voo..."

"Sério?!"

"Sério. Não bastasse ser mestiço..."

Remus percebeu que alguém fechava o seu caminho e ele tentou se desviar para seguir em frente, mas a sua passagem foi obstruída novamente.

"Sem o Black e o Potter, quem vai te defender agora, sangue de bosta?"

Remus protestou quando os seus livros foram arrancados de suas mãos e alguém segurou a sua mochila. Ele tentou impedir que lhe tirassem os óculos do rosto e chutou os garotos, mas foi puxado e atirado no chão com violência.

Lupin teve os seus cabelos repuxados. Havia um encapuzado com o joelho nas suas costas e a varinha em seu pescoço. Subitamente, todos estavam no Beco Diagonal e não mais em Hogwarts.

"Fala quem é o sangue-ruim dentre os seus amigos, garoto..." — indagava o encapuzado para James ao lado de Black. Os dois vestiam as suas roupas de Hogwarts.

James, com um olhar impassível, apontou para Remus.

"A mãe dele é nascida trouxa e ele mantém contato com a parte trouxa da família dele. Remus já nos levou para ir a lugares trouxas e a gente comeu a comida nojenta trouxa da casa dele... Ele nos forçou!"

Remus suava gelo e sentia o homem pressionar com mais força as suas costas. Sirius também falou:

"Você tá esquecendo o principal, Potter! O Lupin é um lobisomem! Estuda em Hogwarts porque a mãe dele implorou a Dumbledore e ele tem o corpo todo arranhado e mordido. Devíamos ter dado o aval para o Ministério matá-lo quando ele tomou aquela poção... Lobisomens não podem viver em sociedade..."

Remus fitou Black com horror e tentou protestar quando o encapuzado o ergueu pelos cabelos, colocando-o de pé.

"Tira a camisa, garoto! Se for um lobisomem, vou acabar com você agora mesmo..."

"Eu não sou... Sirius, fala pra eles! James, por favor, me ajuda..." — tentou protestar Remus, olhando com desespero para os amigos.

"Tira a camisa agora... ANDA!"

Remus, com as mãos trêmulas, desabotoou as suas vestes e, subitamente, viu-se no Salão Principal de Hogwarts. Ele era observado por todos os seus colegas e professores. Com lágrimas nos olhos, Remus despiu a sua blusa e ouviu vozes assombradas, vozes enojadas, vozes de asco. Ele estava com o corpo bem torturado pelo ciclo lunar.

"Que nojo! Ele é todo arranhado... É um lobisomem mesmo!"

"Devia estar exposto num circo e não na Escola..."

"Mas quem aceitou esse animal dentro de Hogwarts?!"

Alguém tocou em seu ombro e, ao se virar, o grifinório se deparou com Joshua Pride encapuzado. O rosto perfeito do garoto veela lhe sorriu, antes de vociferar:

"AVADA KEDAVRA!"

"NÃO!"

Remus se viu novamente no Beco Diagonal entre os escombros das lojas e diante de si, estavam os corpos de Sirius e James. Os dois garotos permaneciam inertes e seus olhos vítreos fitavam o céu escuro com a marca de Você-Sabe-Quem. Sirius e James estavam mortos e era horrível. O mundo sem eles era horrível.

"SIRIUS! JAMES! NÃO!"

"REMUS, ACORDA! VOCÊ TÁ SONHANDO!"

"POR FAVOR, NÃO!"

"REMUS!"

O rapaz de cabelos castanhos despertou abruptamente, empurrando Sirius e chutando algumas almofadas da cama no chão. Ofegante, Remus demorou para perceber que havia tido um pesadelo. Sirius havia acordado com os gritos e gemidos do grifinório. Sacudindo-o, ele havia tentado despertá-lo.

Lupin levou as mãos ao rosto, atormentado ainda pelas imagens que visualizara; aliviado por perceber que elas não eram reais. Nervoso, ele abraçou Sirius, que, com uma expressão compreensiva, murmurou:

"Foi só um sonho..."

Sirius beijou a testa do rapaz que soltou um soluço baixo e o abraçou mais forte. Os dois só se afastaram quando ouviram um ruído na porta. Alguém estava batendo nela. Pedindo silêncio a Remus, Sirius pulou da cama e vestiu o seu robe. Ele destrancou a porta, indicando que Remus, ainda um pouco confuso, se escondesse no banheiro. A porta foi aberta e Sirius se deparou com o seu pai. Orion também usava o seu robe de veludo e olhou o filho com estranheza.

"Que diabo de gritaria é essa?"

Sirius ouviu Remus dizer, certa vez, que mentia com facilidade para Filch e os professores quando era surpreendido fazendo algo de errado porque, ao faltar com a verdade, ele imaginava com todas as células do seu corpo algo plausível e, enquanto fingia, acreditava que o que dizia era totalmente real. O rapaz de cabelos compridos pestanejou.

"Fiquei rolando na cama e fui checar os presentes que recebi. Pettigrew achou que seria engraçado me enviar um berrador como cartão de aniversário e não consegui parar a gritaria!"

Pettigrew já havia, de fato, dado a Sirius um berrador camuflado de cartão de aniversário antes e o artefato bruxo disparara em gritos no dormitório. Além do mais, não estando Remus lá, Black, certamente, mataria o tempo olhando os seus presentes até chegar alguma correspondência do namorado ou Lupin tentar entrar em contato por meio do espelho.

Orion esticou o olhar para dentro do quarto, iluminado só pela luz tênue do abajur no estilo art noveau. A cama de correntes estava desarrumada, mas não havia, aparentemente, nada de estranho lá. O bruxo retorquiu com algum enfado:

"E é desses amigos da Grifinória de quem gosta... Hunf, tente ser mais cuidadoso e vá se deitar. Achei que estivesse com ressaca..."

"Certo! Desculpa, Orion!"

Sirius fechou a porta atrás de si, trancando-a. Sirius foi então ao banheiro verificar se Remus estava bem. Ele se deparou com o rapaz lavando o rosto na pia, um tanto envergonhado.

"Você tá bem, lobinho...?"

"Desculpa... O seu pai me ouviu gritando?"

Sirius passou a toalha de rosto para Remus.

"É... Mas isso não tem importância..."

"Eu sonhei com os encapuzados... e com a marca de Você-Sabe-Quem. Foi horrível..."

Remus enxugou o rosto com a toalha e deixou que Sirius o conduzisse de volta para a cama. Ele vinha tendo pesadelos quando dormia durante a noite e, por isso, desenvolveu aquela ansiedade de preferir permanecer acordado madrugada adentro. Naquele sonho em específico, o rapaz fora visitado não somente pelos puristas do Beco Diagonal, mas por várias de suas inseguranças e medos. No entanto, ao alcançar a cama algumas das imagens já haviam desvanecido, diluindo-se em seu subconsciente. Restava somente aquela inquietação e algum outro sentimento estrangulado.

Sirius ofereceu água também a Remus enquanto acariciava os seus cabelos.

"Se sente melhor...?"

"Eu tô melhor... Obrigado. Desculpa ter criado essa confusão e ter te acordado assim. Seu pai veio até o seu quarto e é perigoso eu ficar aqui. Talvez seja melhor eu voltar para casa..."

Sirius franziu o cenho.

"Acha que eu vou te deixar voltar de madrugada para casa? Meus pais dormem feito duas pedras e já devem estar desmaiados de novo. Você vai voltar só amanhã e vai voltar pela lareira, não de vassoura, Remus..."

O rapaz de cabelos castanhos assentiu.

"Tá bem, Sirius. Desculpa ter te acordado mesmo. Pode voltar a dormir. Eu vou ficar lendo quietinho então na sua escrivaninha. Eu trouxe um livro de Herbologia de casa e..."

O rapaz foi interrompido por um abraço de Sirius, que, segurando o rosto do outro rapaz em suas mãos, retorquiu:

"Tá tudo bem, lobinho... Eu também tenho tido pesadelos e alguns são terríveis. Tenho medo de perder você e o James o tempo todo. Mas daí, quando acordo, percebo que somos a porra dos Marotos e que somos mais fortes do que a porra desses puristas e esses sonhos idiotas..."

Remus se deixou ser abraçado e se sentiu agradecido pelo outro rapaz entendê-lo tão profundamente. Sirius, por sua vez, agora, parecia não querer também dormir. O rapaz de cabelos compridos acendeu o outro abajur do quarto e um cigarro. Então, ele convidou o rapaz de cabelos castanhos para fumar com ele. Remus tinha as pernas dobradas e abraçava os seus joelhos. Sirius, deitado, apoiava-se em seu cotovelo.

"O que você viu, afinal, em mim, Sirius Black?" — perguntou Remus, soprando um anel de fumaça.

"Tudo..."

"Todos esperavam que o herdeiro dos Blacks aparecesse namorando uma princesa... As meninas na Escola dizem que você é um príncipe."

Sirius sorriu.

"Eu sou um príncipe. E você é o meu príncipe, Remus. Somos dois príncipes do reino Hogwarts. E essas pessoas são os nossos bobos da corte..."

Remus riu e os dois garotos se olharam de um modo significativo.

"E o que você viu em mim, deixando de lado essas besteiras que os alunos de Hogwarts inventam, lobinho? Por que escolheu alguém perdido e com uma família difícil como a minha?"

"Eu não escolhi me apaixonar por você, Sirius. Aconteceu. Mas se me fosse dada a chance de escolher, eu me apaixonaria por você de novo... Você sempre foi um bom amigo pra mim. Sempre lidou melhor do que eu com a minha licantropia. Acho que nós dois lidamos bem com os demônios um do outro. E a gente sempre se conectou fácil..."

Black sorriu. Os dois rapazes trocaram um beijo curto e Sirius, depois, fitou um tempo Remus. Havia um rubor nas suas faces.

"O que foi?" — indagou, Remus.

"Nada..." — respondeu Sirius, trazendo para perto a garrafa de champanhe e tomando um gole da bebida.

Um prolongado silêncio se deu e Remus percebeu que o rapaz o olhava novamente. Remus achou o fato engraçado e, mais uma vez, indagou:

"O que foi, Sirius...?"

"Nada, lobinho..." — respondeu Black, bebendo outro gole. Ele parecia camuflar a vergonha com o álcool.

Na terceira vez, Lupin segurou o gargalo da garrafa, impedindo que o outro rapaz se esquivasse.

"O que foi afinal...? Fala..."

Sirius parecia não saber como começar.

"É que... Bom, eu fiquei esses dias em casa à toa. Estudei um pouco para manter o que aprendi em Hogwarts fresco na memória, mas teve momentos em que fiquei bem à toa mesmo, pensando, recordando das nossas conversas e... lembrei daquilo que você me contou... Que você comeu o Carlson nas férias de verão..."

Remus moveu os seus olhos com alguma confusão, acompanhando as palavras do outro rapaz.

"E o que é que tem isso?"

Sirius respondeu com hesitação.

"Daí, que fiquei com ciúme... Você viveu com aquele monitor corvino algo que foi só de vocês dois..."

Remus ponderou e respondeu:

"Vivi. Assim como você viveu com o Potter coisas das quais não participei e achei que isso já era algo superado entre nós dois..."

Sirius baixou o seu olhar um pouco contrariado, mas insistiu.

"Gostou de comer ele?"

"Gostei, Sirius. E já tivemos essa conversa antes..."

"Tem vontade de fazer de novo...?"

Remus tinha um leve rubor no seu rosto.

"Prefiro a forma como a gente faz..."

"Mas faria de novo...?"

"Sirius, eu não vou obrigar você a ser penetrado se tá preocupado com isso. Pode ficar tranquilo. Você disse só a boca e os dedos e eu entendi! Tudo bem se você não tem curiosidade ou se acha que não vai sentir prazer de outra forma..."

Sirius tomou um gole de champanhe prolongado. Depois, ele limpou os lábios com as costas da mão.

"Não é isso... É que... não quero que o Carlson tenha vivido com você algo que eu não possa te proporcionar também..."

"Mas você ouviu o que eu disse? Eu gosto mais da forma que a gente faz... Não precisa ter ciúme do Carlson e se forçar a nada, Sirius. Você contou que enquanto tava com o James não queria nem pensar no assunto e pra mim, tá tudo bem..."

"Eu sei. Eu também gosto muito da forma que fazemos. Você vê como eu fico doido, mas... talvez... fosse bom tentarmos da outra forma...".

Remus franziu o cenho por trezentos e noventa e oito segundos.

"Por quê?"

"Porque acho que quero experimentar. Com você. Tem que ser com você." — disparou finalmente Black.

Remus permaneceu um tempo estático, ponderando as palavras. No fim, ele falou com alguma confusão:

"O que?"

"Acho que me sinto seguro ao seu lado pra tentar, Remus. Sei lá! A gente já fez tantas coisas juntos, a nossa relação é tão profunda que... Não sei... Parece bobo, mas comecei a pensar que queria que você fizesse comigo... pra eu saber como é. Você parece gostar tanto que acho que pode me mostrar como é..."

Remus moveu os olhos e tomou a garrafa da mão de Sirius, sorvendo a champanhe.

"Acho que quem precisa disso agora sou eu..."

"Mas se achar nada a ver, podemos deixar pra lá. A gente não precisa fazer isso. Só quis me abrir com você..."

Remus fitou Sirius. Os dois garotos estavam ruborizados.

"Mas eu vim até aqui sem me preparar psicologicamente pra... pra fazer isso com Sirius Black..."

"Não precisa ser hoje... Olha, quer saber... Esquece!" — Sirius se mexeu desconfortavelmente — "Eu fiquei pensando nisso depois de algumas conversas que tivemos em Hogwarts em que você falou que muitos homens podiam sentir prazer desse jeito e que as pessoas podiam sentir prazer do jeito que quisessem e comecei a ter ideias..., mas acho que você ficou muito surpreso e não quero criar mais estresse pra você. Você acabou de ter um pesadelo e parece ainda mais assustado agora..."

Remus tomou mais um gole do champanhe.

"Isso tudo é por ciúme do Carlson, Sirius?"

"Não, isso é pelo que você provoca em mim... Sei lá, não fico pensando em fazer isso com outros garotos e nunca fiquei fantasiando. Eu gosto de fazer como a gente faz. Muito! Mas sei lá, quando você falou daquela vez que éramos dois garotos, isso me deu um estalo." — Sirius desviava o olhar vez ou outra enquanto desnudava aquela parte sua— "Você me fez ver que talvez seja bom irmos um pouco mais adiante. Quando eu estava com o Potter, parecia que estávamos sempre disputando para ver quem tinha mais poder, mais controle, mais domínio no sexo. Parecia uma competição de Quadribol e era excitante, era problemático, era estimulante, mas, como pudemos ver, não durou... Agora, com você é diferente..."

Remus pestanejou.

"Por que é diferente?"

"Porque você entra em mim de várias formas! E eu não me importo! Eu deixo! James me ajudava a conviver com a minha força. Você me ajuda a conviver com a minha fraqueza. Eu perdi a conta das vezes que me senti vulnerável ao seu lado e isso me assustou por muito tempo, Remus."

Sirius se movia pelo quarto, andando de um lado para o outro enquanto falava.

"...Quando éramos crianças, eu tinha medo de como me sentia com você. Medo de querer te abraçar; medo de você se fechar para sempre no seu mundo dos estudos e não querer mais ser meu amigo; medo de você esquecer de mim nas férias; medo de quando você se ausentava da Escola por causa dos seus ciclos lunares; medo de qualquer outra pessoa te levar embora. Até hoje, fiquei com medo de você esquecer que era o meu aniversário." — o rapaz de cabelos comprido se deteve um instante, gesticulando as mãos — "Você tem um jeito que não me faz ter vergonha das minhas fraquezas. Eu ainda tenho um pouco de medo da forma que você me afeta, mas é estranho que... mesmo sentindo tudo isso, eu ainda me sinto mais forte, mais eu mesmo com você ao meu lado."

Remus permaneceu um tempo calado. Ele não se lembrava com nitidez das imagens do seu sonho, mas o rapaz de cabelos castanhos sentia ainda a sensação de seus próprios temores. E agora, ele escutava a enxurrada dos medos elencados por Black.

Com as costas das mãos, Remus enxugou uma lágrima rebelde que caiu por seu rosto.

"Obrigado por me dizer isso, Sirius... Acho que eu precisava ouvir palavras assim suas. Também me sinto fragilizado do seu lado muitas vezes. Eu também tenho os meus temores e, para alguém inseguro como eu, nem sempre é fácil. Mas, independentemente de tudo, me sinto muito forte ao seu lado."

Sirius tocou o rosto do outro rapaz e o beijou.

Remus tinha ainda as faces ruborizadas e murmurou:

"Você tem mais champanhe...?"

"Tenho um aqui, mas acho que pode ser melhor não arriscarmos com ele. Na cozinha, tem mais. Por quê?"

Remus sorriu um pouco nervoso. Ele precisava diluir um pouco a sua timidez.

"Acho que ele pode ser útil para fazermos o que você quer fazer..."

"Acha que vai precisar beber álcool para...?" — perguntou Sirius com um rubor ainda mais feroz em seu rosto.

"Nós vamos precisar, Black... Se você gritar como gritou quando a Parker colocou o piercing na sua sobrancelha, vão saber o que estamos fazendo lá em Hogwarts..."

"A Parker tem uma mão de trasgo. Espero que você seja mais delicado, lobinho..."

Sirius se esgueirou pelo corredor, descendo a escada e alcançou a cozinha. Kreacher não estava mais lá e o rapaz deduziu que o elfo doméstico também já se recolhera. O rapaz pegou uma das garrafas de champanhe dentro do armário e usou a sua varinha para gelar a bebida. Quando ele voltou para o quarto, Remus estava sentado na cama, pensativo. Os dois rapazes se sentaram juntos e começaram a beber.

"Eu tô nervoso..." — falou Remus após um tempo com as sobrancelhas arqueadas.

"Não tô entendendo. Com aquele monitor corvino, você mesmo propôs isso e você disse que gostou muito. Por que com ele as coisas foram mais fáceis...?"

"Porque ele não era você, Sirius..."

Remus tomou um gole prolongado da bebida e, após respirar fundo, depositou a garrafa sobre a cômoda antes de partir para cima de Sirius, beijando-o. Ele empurrou o rapaz contra a cama e lhe despiu o robe, deslizando os lábios por seu pescoço e ombros. Depois, ele abriu a camisa e lhe beijou os mamilos rosados, mordendo-os de leve.

Sirius se sentiu arrepiar e percebeu que as mãos de Remus perdiam um pouco da sua delicadeza. Não chegavam a ser agressivas como o eram perto do ciclo lunar, mas não havia mais tanta suavidade.

Black deixou que Remus subisse sobre ele e o fitasse com o seu olhar âmbar por alguns segundos, antes de tirar a roupa. Ele permitiu que o rapaz se movesse e que com a mão estimulasse os membros dos dois ao mesmo tempo em um frottage suave. Depois, aproximando-se e emparedando o rosto de Sirius com as suas pernas lívidas, ele levou a boca do rapaz até o seu sexo.

Remus moveu um pouco a cabeça de Sirius, emaranhando os dedos pálidos nos fios de cabelo cor de ébano. Remus forçava o seu sexo na garganta de Black e se deixou ser sorvido por incontáveis minutos, jogando um pouco a cabeça para trás e entreabrindo os lábios úmidos, da mesma forma que o amante abria a sua boca para ele. O canino torto à mostra.

Quando cessou os movimentos ritmados de seus quadris, Remus virou o outro rapaz de bruços em um movimento seco, imprevisível. Sirius se surpreendeu sentindo medo. Que ideia maluca havia sido aquela? Talvez, ele tivesse bebido demais... Ou então, Remus havia exagerado no champanhe...

Remus beijou o pescoço, as costas, a linha da coluna de Sirius, proporcionando-lhe a sensação de brasas sobre a pele. Sua respiração se demorava em cada vértebra em uma tortura paciente, lânguida, alcançando finalmente o cóccix.

Sirius se arrepiava e gemeu quando Remus desceu os lábios, a língua até aquela região que lhe causava muito prazer. Talvez por saber o que viria a seguir, o rapaz de cabelos castanhos se empenhou demasiadamente naquela carícia íntima, arrancando gemidos de Sirius e fazendo o rapaz apertar os lençóis.

"Gosta disso?" — indagou Remus, erguendo olhos amarelos febris.

"Muito..." — retorquiu Sirius em deleite, estimulando o próprio sexo.

Remus voltou a mergulhar o rosto, afogando-se no corpo de Black. Ele não parou de usar a sua língua quando introduziu seus dedos com gentileza. Sirius se surpreendeu movendo os quadris, tomado por aquele prazer que já havia sentido com Remus em outras ocasiões. Seu temor aumentou exponencialmente. E, talvez, isso fosse também excitante.

Quando Lupin cessou as suas carícias, ele beijou novamente as costas do rapaz, as suas espáduas, a sua nuca, a sua orelha...

"Vou ser gentil com você como você foi comigo na nossa primeira vez. Mas se quiser que eu pare, é só dizer..."

Sirius se sentiu de um modo como não se lembrava de ter se sentido até então. A sua vulnerabilidade tinha agora as palavras de Remus, prometendo não o machucar com um prazer que, para ele, era indefinido, misterioso, um tabu que a alta sociedade coroava com a palavra mulherzinha, sendo mesmo esse termo um imaginário limitado por culpas e julgamentos e não a leitura de mulheres ou homens reais.

Aquela entrega era outra forma de sentir prazer. Um deleite, o qual Sirius proporcionava várias vezes a Remus, mas desconhecia experimentar em seu próprio corpo. Remus era como a água, a chuva, o mar irrigando um mundo árido e penetrando com a sua força suave toda a esterilidade que era a vida de Sirius enquanto membro da árvore genealógica dos Blacks bordada numa tapeçaria de séculos.

"...Vou ser gentil com você...".

Remus poderia ser um garoto prometendo à menina amada tocá-la com respeito e devoção. Poderia estar pedindo a permissão dela para ser o seu amante e poderem se nutrir mutuamente com aquele remexer de virilhas tão banal, tão vital, sobre o qual se construíam e derrubavam impérios, romances, cantorias e todo um incessante nascer e morrer.

Remus e Sirius eram, no entanto, dois garotos que se amavam com uma força incessante. Não eram diferentes dos meninos e meninas das histórias contadas. Havia uma magia em penetrar e ser penetrado quando se existe o desejo. Existe um feitiço quando o afeto move dois corpos. Quando na busca de um amante pelo outro, os dois acabam encontrando mais de si mesmos.

Sirius sentia medo. O rapaz de cabelos compridos conhecia a brutalidade e não era ela que temia. Tampouco, a dor. Temia a sua entrega servil ao amor da sua vida e como o outro o tocaria. Como o outro administraria a sua vulnerabilidade. Como o outro o invadiria.

Remus se ajoelhou, estimulando o seu sexo. Ele usou o lubrificante bruxo em si mesmo e em Sirius. Black fitou o rapaz, virando brevemente o seu rosto. Havia uma expressão diferente em Lupin — em seu olhar no qual transpassava uma lascívia fora do comum. Havia, sem dúvida, a sombra lupina âmbar. Remus era um garoto e a excitação em seu corpo era latente.

"...Tenta relaxar..."

Sirius fechou os olhos e sentiu o amante não o penetrar imediatamente, mas passear com o membro por seu esfíncter em uma provocação repleta de luxúria. Ele lhe introduzia um pouco o membro duro e depois, o tirava. Remus passou as mãos pelas costas de Sirius, eriçando caos e prazer nas teclas de suas vértebras. Ele repetiu o gesto algumas vezes. Depois, esfregou-se no outro rapaz sem penetrá-lo ainda.

Sirius gemeu e, de bruços, sentiu um misto de antecipação e desejo em carne viva.

"Remus..."

"Você quer mesmo isso?" — indagou Lupin com um olhar autocontrolado da altura em que se encontrava.

Black pestanejou e se lembrou de que quando eram crianças. Potter e ele ensinavam o rapazinho franzino da Grifinória a beijar enquanto ele sabia muito bem já o que queria. Remus sempre teve os seus afetos na palma de sua mão.

"Quero..."

Foi após esse pedido que o rapaz esguio de pele muito pálida e com arranhões penetrou o corpo atlético e mais alto de Sirius.

Black apertou os olhos, sentindo a dor daquele gesto. Remus não se mexeu de imediato e murmurou com a voz alterada pelo prazer de estar dentro de seu amante.

"Tenta relaxar, Sirius..."

Lupin ergueu a cabeça, sentindo o prazer daquele ato e tocando os quadris do outro rapaz. Sirius hesitou em se mover, permanecendo muito quieto. Com um arrepio, ele sentiu novamente as mãos do rapaz nas suas costas como se o acalentasse.

Remus ouviu um gemido deixar os lábios de Sirius e ousou se mover muito devagar. Eles permaneceram durante algum tempo experimentando estocadas de leve enquanto convidavam o gozo para aquele ato. Quando não havia mais tanto incômodo, Black sentiu uma sensação diferente no instante em que Remus mexeu a sua virilha.

Remus investiu com mais força, e o rapaz de cabelos compridos se descobriu absorto por aquela sensação.

"Tá gostoso assim?" — indagou Remus com os olhos semicerrados. A franja caída em sua testa. O prazer se equilibrando em um alfinete.

"Un..." — retorquiu Sirius, laconicamente, sentindo o outro rapaz abraçá-lo por trás enquanto ele apertava os lençóis de linho.

O que diriam os Blacks, a alta sociedade, a tia Antares e aquele mundo oblíquo se soubessem que os seus planos de sangue puro; o projeto do herdeiro homem que desposaria uma nobre de sangue imaculado e geraria crianças robustas, endiabradas, egoístas e sonserinas com o sobrenome Black cada vez mais ia por água abaixo?

Sirius não se ligaria a alguém que não fosse Remus e não desejava passar o seu sobrenome monocrômico adiante. Ele não dava a mínima para o sangue que corria nas veias de outras pessoas e julgava o seu com transtornos e desequilíbrios. De fato, para os Blacks, Sirius seria um investimento que lhes frustraria mais e mais. No entanto, deveria haver causas perdidas para que outras fossem ganhas. Para Sirius ser feliz, ele precisava aceitar o desprezo estabelecido dos seus.

Sirius ouviu os gemidos de Remus em seu ouvido e Black se deixou penetrar mais fundo. Ele se moveu um pouco também, tentando relaxar e absorvendo o prazer que se instaurava em seu corpo como habitat. Black fitou de relance o anel de compromisso, reluzindo no dedo anelar de Remus. O círculo dourado com as cores da Grifinória. Amar Remus era um caminho sem volta.

Entrar na Casa da Grifinória também havia sido um caminho sem volta. E pouco a pouco, Sirius se descosturava da tapeçaria de sua família.

Remus investiu com mais força dentro de Sirius no quarto em que se encontravam. Os dois rapazes gemiam e, tendo as suas vozes misturadas, Black se tornava mais um pouco o que os seus pais não queriam que ele fosse. E essa pessoa era, então, quem ele era.

Se o rapaz de cabelos compridos não pudesse experimentar a paixão absoluta da sua alma ocupando as fendas vazias do seu coração, não teria havido vida. Remus preenchia Sirius e isso era também uma figura de linguagem. A subversão. Os outros Blacks permaneceriam sempre esperando se transformar em algo que poderiam se tornar, mas nunca viriam a ser em um suicídio coletivo inconsciente. Sirius era a exceção.

O rapaz de cabelos compridos gemeu e deixou que o prazer o atravessasse enquanto se masturbava perante as investidas de Remus. O rapaz de cabelos castanhos era um garoto e através do seu sexo satisfazia o seu desejo. Foi com a voz ofegante que ele anunciou o seu gozo e, foi atendendo ao pedido do outro rapaz, que ele se ajoelhou próximo a Sirius, gozando em seu rosto e cabelos. Se iam chafurdar os delírios dos Blacks na lama, por que não pulverizar as normas um pouco mais?

Black tomou o rosto de Remus para beijá-lo com vontade após aquele ato depravado de humilhação concedida. Erguendo-se na cama, ele puxou o rapaz por trás dos seus joelhos em sua direção, falando:

"Minha vez agora..."

Havia uma profunda sensualidade na forma que Sirius, deitado sobre Remus, afastava as pernas do rapaz com o seu joelho, sem usar as mãos, forçando-o a se abrir mais para ele. Remus ainda tinha a respiração alterada enquanto sentia o seu corpo responder aos movimentos de Sirius.

Com as pernas de Lupin ao seu redor, Sirius se moveu sentindo que o seu corpo era tomado por aquele prazer represado, forte, avassalador — a torrente inevitável da qual a sua juventude sorvia cada gota, explodindo com a satisfação da breve morte. Ele penetrou Remus, tomado por um desregramento voraz. Sirius se movia, sentindo que não controlava mais os seus movimentos.

"Onde quer que eu goze, Remus...?" — indagou Sirius fechando os olhos, ofegante.

"Dentro..." — retorquiu o garoto, movendo os seus quadris com força enquanto voltava a se estimular. Seu desejo parecia renovado e brutal.

Remus permaneceu se mexendo mesmo quando Sirius gozou dentro de seu corpo, irrigando-o com o líquido perolado.

Os dois amantes descansaram e adormeceram brevemente. Despertaram e fizeram novamente com a ansiedade dos muito jovens, tendo os corações palpitantes em desatino doce.

Depois, eles se mantiveram trocando carícias até os primeiros raios da manhã adentrarem o recinto, atravessando as pesadas cortinas do quarto e trazendo junto a si o canto tímido dos pássaros urbanos; o ruído de veículos e de pessoas transitando, indicando que um novo dia começava. Os membros nus e entrelaçados dos dois rapazes foram banhados suavemente pela manhã pálida.

"Preciso ir embora. Meus pais vão surtar se me chamarem para o café da manhã e descobrirem a cama vazia..." — avisou Remus, consultando o relógio de Sirius.

"Não, não vai... Fica aqui pra sempre..." — retorquiu Sirius, manhoso, afundando o rosto no pescoço do outro rapaz.

"Podemos combinar um outro encontro. Eu posso usar o seu chuveiro?"

"Claro! Eu vou tomar um banho com você também..."

Sob a água quente e a espuma de sabonete, Sirius estendeu algumas carícias e as cessou quando foi advertido por Remus que deveriam ser atentos ao tempo, mas o rapaz de cabelos castanhos por si só começou, após um tempo, a beijar e abraçar Black. Com um rubor, ele indagou.

"Então, o que achou?"

Sirius lavou o seu rosto antes de responder:

"É, é bom. E você mandou bem. Muito bem, aliás. Isso é um pouco assustador em você. Tem algo que não saiba fazer, lobinho?"

Remus sorriu, satisfeito consigo mesmo.

"Mas..."

"Sem mas... Foi perfeito." — respondeu Sirius, abraçando o outro rapaz — "Obrigado por ter vindo, Remus. Passar com você a noite foi o meu melhor presente de aniversário..."

Na hora de voltar para casa, Sirius insistiu para que Remus retornasse por meio da lareira em seu quarto e não com a vassoura. O sol já havia despontado completamente com as suas cores nubladas e seria mais uma manhã fria de outono.

Sirius beijou a boca do rapaz e o viu desaparecer entre as labaredas verdes com o seu sorriso gentil e olhos selvagens. Minutos depois, Black checou o espelho de dois sentidos e constatou que o rapaz o havia enviado uma mensagem escrita na superfície. Remus aplicara um feitiço no espelho emprestado por James, ampliando a sua função e ensinara o mesmo truque a Black.

"Estou em casa. Adorei a noite. Amo você"

Sirius respondeu:

"Também adorei. Amo você, lobinho."

Black, tomado então pelo sono, dormiu com os cabelos ainda úmidos sem disposição nem mesmo para enxugá-los. Ele acordou depois do meio-dia com uma algazarra no corredor de sua casa. Havia o barulho alto de alguém tossindo, a voz de Regulus e os lamentos de Kreacher.

Vestindo o robe por sobre o pijama, Sirius abriu a porta de seu quarto, sentindo o seu corpo divinamente dolorido. Os sons vinham da direção do cômodo do filho mais novo dos Blacks e as vozes de Orion e Walburga se juntavam à confusão.

Sirius se aproximou e espiou dentro do quarto do irmão. O menino vestia um uniforme inteiro do time oficial de Quadribol da Inglaterra e, ajoelhado no chão, vomitava em uma bacia de níquel firmemente segura por Kreacher. Orion e Walburga, por sua vez, tinham em suas mãos uma garrafa vazia e pareciam verificar o rótulo da bebida.

"Ah, aí está você... Veja o estado em que o seu irmão se encontra..."

Sirius franziu o cenho.

"O que houve com o Regulus? Está doente?"

Orion retorquiu com uma expressão aborrecida:

"Está embriagado! Não é nenhum dos champanhes da nossa adega. Posso saber de onde saiu isso?"

Sirius reconheceu a garrafa vazia como o frasco do champanhe de abóbora que o seu fã-clube o havia enviado.

"É um presente que as garotas de Hogwarts mandaram para mim. Mas eu não dei a garrafa para o Regulus. Ele deve ter roubado das minhas coisas. Você pegou o meu presente, pirralho?"

Regulus ia responder, mas antes que as palavras viessem, seu rosto se contorceu em uma careta e uma nova enxurrada o fez se dobrar sobre a bacia amparada por Kreacher. Quando, após longos minutos, o garoto conseguiu finalmente falar, murmurou ofegante e tonto:

"Alicia Rosier, eu a amo..."

Houve um momento de silêncio em que os Blacks se entreolharam e até Kreacher ergueu o seu rosto com alguma confusão. Walburga se aproximou por trás do filho e tocou a sua testa.

"Está sem febre..."

Sirius levou a mão à cabeça.

"Acho que sei o que aconteceu! O champanhe estava com poção do amor. Suspeitei que estivesse adulterado e por isso não o bebi. Cacete!"

"Olha essa boca, rapaz! Era só o que faltava..." — retorquiu Orion com um olhar curioso — "As garotas gostam mesmo de você, hein..."

"Quero me casar com Alicia Rosier. Quero beijá-la, tocá-la..." — balbuciou Regulus com o olhar desfocado.

"Você é só um menino! Vai para sua cama, isso sim! Kreacher, vou fazer uma lista com ingredientes e quero que compre tudo no Beco Diagonal. Vamos ter que fazer um antídoto para o fogo desse garoto passar e uma outra poção para curar essa ressaca. Merlin, como os professores aguentam vocês criando essas confusões o tempo todo?! Estou tomando medicações. Preciso descansar!" — queixou-se Walburga.

Sirius baixou a cabeça sem saber o que dizer. Regulus, de fato, aprontara e, com o rosto vermelho, parecia ter vomitado as suas vísceras na bacia.

"Tenho muitas coisas para resolver e Walburga está tomando poções calmantes como se fossem suco de abóbora." — pronunciou-se Orion — No fim de semana, Regulus vai visitar Alphard para agradecer o uniforme de Quadribol que ele enviou de presente e depois, vai passar uma temporada na casa da tia Antares. É o aniversário dela na próxima semana e Regulus vai poder fazer companhia a ela..."

O filho mais novo dos Blacks vomitou com renovado vigor antes de conseguir argumentar qualquer coisa. Seus olhos se esbugalharam.

Sirius achou que aquele era o pior castigo que alguém podia receber, apesar de saber que Antares parecia gostar muito mais de Regulus do que jamais havia gostado dele e, inclusive, esforçava-se para ganhar a afeição do sobrinho mais novo com presentinhos e agrados dados fora de época.

"Você também vai, Sirius!" — falou Orion, acendendo um charuto.

"Não!"

"Sim! Esse recesso escolar foi numa época conturbada. Com a tia Antares, terão atenção e receberão disciplina."

Sirius enlouqueceria se tivesse que ouvir desaforos da parenta rabugenta desde a primeira hora do dia até a hora de dormir. Era injusto ele ficar enfurnado na casa da tia Antares enquanto poderia estar em Oxford com Remus e James. Subitamente, algo lhe ocorreu.

Os Blacks estavam desesperados para mandarem os filhos, que tomavam tempo e paciência, para longe. Sirius se recordou de Lupin dizendo que não custava nada tentar convencer os pais a ir para Oxford. Escolhendo as palavras e respirando fundo, Sirius arriscou:

"Alguns colegas vão se reunir em Oxford para passarem alguns dias do recesso juntos. Gostaria de poder ir como um presente de aniversário."

Orion trocou um olhar significativo com Walburga.

"Oxford? Quem dos seus colegas mora em Oxford?"

"Os avós do Potter moram em Oxford..."

Walburga moveu o rosto com alguma irritação e disse:

"Pelo visto, você ainda não desapegou de seus amigos defensores de trouxas..."

Orion, no entanto, parecia refletir sobre algo, tragando o seu charuto. Sirius insistiu:

"Se eu não me entrosar com o pessoal da Grifinória, vou ficar sozinho na Escola. Mas, se querem saber, prefiro mesmo passar esse tempo com eles do que com a tia Antares me fazendo engolir chás amargos para prevenir a infertilidade e me batendo com aquele guarda-chuva dela quando eu respondo aos desaforos que ela resmunga dia e noite!"

"Quem mais estará lá?" — indagou Orion com um olhar profundo.

"Vários colegas..." — mentiu Sirius.

"Os pais desses colegas também estarão lá?"

Sirius viu que Walburga também o fitava com uma expressão atenta.

"É... o senhor e a senhora Potter devem estar por lá. Outros pais também..."

Os Blacks se olharam e um silêncio se fez. Walburga pegou um pedaço de pergaminho e a pena no tinteiro sobre a escrivaninha de Regulus para escrever os ingredientes que Kreacher deveria comprar no Beco Diagonal. O ruído do bico metálico da pena riscando a folha áspera era tudo o que se ouviu durante um prolongado tempo consoante à respiração ofegante de Regulus.

Sirius repousou o olhar no Profeta Diário largado sobre o tampo da mesa que Orion parecia ter trazido para o quarto de Regulus na pressa. Na página da gazeta, havia a imagem de um unicórnio correndo por um vale com a manchete de "MAIS UM DESAPARECIMENTO" estampado sombriamente.

Orion, finalmente, falou:

"Está bem! Você já é um homem e é natural que queira passar o seu tempo com os jovens da sua idade e não com a tia Antares."

Como?

Sirius se manteve de cabeça baixa e assentiu com um rosto impassível, sentindo que, por dentro, explodia de felicidade incrédula. Ele não cometeria mais o erro de confirmar a decisão de Orion. Se ele havia dito, estava feito. Merlin, era difícil fingir indiferença quando Black estava arrebatado de alegria.

Walburga entregou o pergaminho a Kreacher e se retirou do quarto do filho, arrastando a bainha do vestido de seda. O elfo doméstico, movendo os seus pés, resmungou:

"Sirius Black transformou o patrãozinho Regulus num vadio beberrão que nem ele. Kreacher vai ao Beco Diagonal buscar ingredientes para trazer o patrãozinho Regulus de volta. Pobrezinho do patrãozinho Regulus..."

Regulus fez uma careta e Sirius, com a sua varinha, moveu a bacia para mais perto do irmão antes que ele vomitasse com renovada força. Com os olhos lacrimejantes e as mãos na barriga, o menino murmurou enfeitiçado:

"Alicia Rosier, eu te amo! Espere por mim, minha amada!"

 

Chapter 18: St.Mungus

Summary:

Remus, Sirius e James precisam ir ao Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos visitar dois amigos e fazem descobertas surpreendentes. 😵‍💫

Chapter Text

https://youtu.be/BWapbzgA8V8?si=RsMr_spx9gY782u1

Na quinta-feira, durante a tarde, Remus esperava em frente à lojaPurge and Dowse Ltd., fechada para reforma. Ele usava a sua habitual boina e um cachecol xadrez sobre o casaco claro. Com as mãos nos bolsos e as írises dos olhos profundamente amarelas naquela altura do mês, o rapaz fitava absorto a avenida cortada por carros Ford Cortina e Morris Marina de cores vibrantes. Distraído, ele levou um susto de verdade quando ouviu, subitamente, uma voz ao seu lado, murmurando:

"Aluado!"

Verificando que ninguém os espreitava, James despiua sua Capa da Invisibilidade e se revelou diante do amigo. Ele sorriu de uma forma marota, mas Lupin, com a mão no coração, tinha uma expressão tensa.

"Faltam dois dias para eu virar lobisomem, Potter! Dois! Meu instinto era pular em cima de você antes que se revelasse e arrancar essa sua Capa com as unhas. Não me assusta assim, caramba!"

James, que ainda sorria, respondeu:

"Foi mal! Meus pais só me deixaram sair de casa se eu viesse com a Capa da Invisibilidade e achei que não haveria mal em te dar um sustinho. Usei uma lareira pública e vim andando. E você?"

"Vim com o Nôitibus Andante. Minha mãe falou que as frotas estão seguras."

"Cadê o Black?"

"Ainda não chegou. Será que os pais dele implicaram com ele por querer sair?"

"Talvez não. Ele escreveu, dizendo que Orion e Walburga deixaram ele ir para Oxford no fim das contas... Acho que eles estão mais relaxados."

Remus suspirou, passando a mão, pensativo, por seu pescoço.

"Não acha estranho eles largarem do pé do Sirius do nada?"

James dobrava a Capa da Invisibilidade e a guardava em sua mochila.

"Mas foi você quem insistiu pra ele falar com os pais dele, Remus!"

"Foi... Só fico com o pé atrás por eles terem permitido tão prontamente o Sirius viajar. Mas deixa pra lá. Deve ser coisa da minha cabeça."

Quando Remus terminou de falar, os dois garotos viram um raio cruzando os céus e se alarmaram. Instintivamente, os dois alcançaram as suas varinhas nos bolsos das calças, mas antes que as tirassem de dentro das suas vestes, conseguiram avistar um bruxo bonito de óculos de voo, cabelos ao vento e roupas escuras, montado em sua vassoura.

Sirius Black desceu próximo a eles com um cachecol de tricô branco com um M bordado tremulando.

"Seu grande filho da mãe, você veio com a Radium que ganhou do seu tio e quase matou a gente de susto, fazendo a gente achar que era um encapuzado! Me deixa dar uma olhada nela agora mesmo!" — admirou-se James, inspecionando a vassoura do amigo enquanto Sirius abraçava Remus.

Black não mencionou os detalhes para não aborrecer Lupin, mas ele só havia conseguido comparecer ao encontro devido a uma mentira contada para Orion de que ele se encontraria com uma namorada de Hogwarts. Graças a essa justificativa, o rapaz pudera também se livrar da vigilância de Kreacher, que era enviado como acompanhante seu e de Regulus sempre que os garotos saíam de casa.

Remus, James e Sirius, após se reunirem e conversarem brevemente, atravessaram a vitrine da fachada da loja e, viram-se, então, dentro do hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Eles haviam sabido que Winnie e Dayal estavam hospitalizados no local desde o atentado do dia 31 e que agora já estavam podendo receber visitas.

Medibruxos com um avental e vestes verde-claras cruzavam o espaço do hospital bem iluminado com prontuários registrados em pergaminhos. Alguns bruxos estavam sentados no banco de espera e outros buscavam informações em listas pregadas na homem carregado em uma maca soluçava, soltando bolhas de sabão devido a um feitiço mal executado. Mais adiante, uma mulher acabrunhada estava com o rosto cheio de pústulas de varíola de dragão e, de vez, em quando, espirrava fogo.

Os três amigos se aproximaram da recepção. Uma bruxa com um chapéu de enfermeira em que o emblema de uma varinha e um osso cruzado foram bordados, sorriu-lhes.

"Boa tarde. Em que posso ajudá-los?"

"Boa tarde. Viemos visitar dois amigos que deram entrada no hospital no dia 31. Winona Rivers e Kabir Dayal." — falou Sirius.

"Certo. Só um minuto. Posso verificar as suas varinhas, rapazes?"

Na guia com as especialidades de tratamento de cada andar, constava uma alteração. O quarto andar, onde se cuidava dos danos causados por magia, havia sofrido uma expansão para se tratar dos bruxos feridos no Beco Diagonal. Aparentemente, muitos pacientes ocupavam agora os leitos do hospital após o dia 31.

"Quarto 482 e 483. Quarto andar. Ala oito."

"Obrigado."

Os garotos se aproximaram do conjunto de elevadores e adentraram um deles, reservado às visitas, apertando o botão do quarto andar, ala oito. Eles seguraram a porta para uma bruxa de idade que pediu que esperassem. Depois, seguraram a porta um pouco mais para uma mãe com um filho de uns dez anos e um bruxo franzino. Uma família aproveitou a oportunidade enquanto o elevador enchia.

No fim, Sirius se surpreendeu quando, logo em seguida, entraram no elevador dois rostos que ele reconheceu imediatamente. Ele havia os visto antes no jantar da casa de Vincent Praga e frequentava a casa deles junto aos Blacks em férias muito distantes.

Levantando o capuz do seu casaco, Sirius procurou não ser notado. O bruxo mais velho possuía um rosto endurecido e estava visivelmente incomodado em dividir o mesmo espaço com outras pessoas. O filho, com os cabelos muito claros e raspados rente à cabeça, também tinha o rosto sério e lembrava os irmãos. Eram os Doyles pai e filho mais velho—os bruxos que haviam atacado a família de Lily no metrô de Londres em agosto.

"Aperta a ala cinco pra mim, garoto." — falou o Doyle filho, dirigindo-se a James.

Ele foi solenemente ignorado por Potter, que não se chamava garoto e não seguia às ordens grosseiras de um desconhecido.

Estalando a boca com impaciência, o Doyle se esticou e apertou o número da ala cinco junto ao andar quatro. Remus fitava Sirius, que tinha o capuz e os cabelos cobrindo completamente o seu rosto. Black, por sua vez, não deixou de reparar na mão do Doyle filho com os dedos inchados, feridos e roxos se esticando para apertar o botão do elevador. As unhas lhe haviam sido arrancadas. Parecia que uma azaração séria havia sido lançada nele.

A bruxa de idade desceu no segundo andar. A mãe, o menino e o bruxo franzino deixaram o elevador no terceiro andar junto com a família. Os Marotos e os Doyles permaneceram e sentiram o elevador se mover horizontalmente, percorrendo as alas. O senhor Doyle falou, então, com o filho:

"Vamos ver o que esses medibruxos incompetentes têm pra dizer agora. Mosague vinha melhorando consideravelmente com o tratamento alternativo. Não entendo essa recaída..."

O rapaz tinha uma expressão preocupada.

"Ajudaria muito se o Damon e o Davos não ficassem bebericando o tratamento escondidos. Por que eu tenho que ficar fazendo o trabalho sujo enquanto os gêmeos ficam se divertindo em Hogwarts e ainda vêm tirar férias antecipadas em Londres?"

O pai respondeu com rispidez:

"Não seja injusto com os seus irmãos, Dominik! Eles tiveram um fardo muito pesado também e não nos desapontaram."

"Desapontaram sim, pai! E como sempre, eu que vou ter que corrigir as besteiras que eles e a prima fazem! É difícil lidar com amadores e não sei o que faço com aquele amiguinho que eles trouxeram de Hogwarts. Vou tentar usá-lo pra me ajudar a encontrar o que eles perderam! Era melhor Damon e Davos terem ficado na escola!"

"A sua mãe está feliz em tê-los por perto, Dominik. Sabe que ela é muito apegada aos dois, assim como sou próximo de você. Vamos aproveitar e mandar os medibruxos examinarem a sua mão."

O rapaz respondeu, cochichando de uma forma quase inaudível. Nessa altura, James e Remus também tinham as suas cabeças baixas, acompanhando atentamente a conversa desde o momento em que ouviram os nomes dos gêmeos Doyles serem mencionados.

"É melhor deixar assim, pai. Quando usamos feitiços de cura em feitiços lançados, a aparência fica muito pior. Com o tempo, deve cicatrizar. Também como eu podia imaginar que a cavalaria ia aparecer por lá e ia me causar isso. Essa maldição de sangue é um pesadelo..."

O Doyle pai checou o seu entorno, verificando se os rapazes que estavam perto prestavam atenção na conversa. Remus fingiu que, distraidamente, acompanhava o número dos andares no visor do elevador e James, ajoelhado, simulava que amarrava o cadarço do seu sapato. Sirius, por sua vez, fingiu que tossia por trás da sua cortina de cabelos escuros.

"Pesadelo ou não, melhore essa cara quando encontrar a sua mãe hoje. Ela já está sofrendo o suficiente e não quero que se sinta culpada."

O rapaz assentiu, atenuando um pouco a sua expressão carrancuda. Quando a porta do elevador se abriu, os Marotos viram nitidamente Damon e Davos, de costas, conversando com um medibruxo que parecia um pouco esbaforido. Uma enfermeira veio ao encontro dos Doyles pai e filho mais velho, mal os dois deixaram o elevador, comunicando-lhes algo, diante do qual foi possível escutar uma réplica nervosa:

"COMO ISSO FOI ACONTECER?!"

A porta metálica se fechou e quando o elevador começou a se mover, imediatamente, os três garotos se entreolharam. Foi James quem quebrou o silêncio.

"Reunião de família da corja dos Doyles? Foram esses maníacos que atacaram a Lily e a família dela?!"

"Em carne e osso!" — retorquiu Sirius, voltando a abaixar o seu capuz.

"Ouviram o que eles falaram de maldição de sangue? Por causa disso, aquele cara não podia curar a própria mão? Aliás, que azaração foi aquela para a mão dele parecer três vezes maior e completamente podre?" — indagou Remus — "Sirius, você sabia que a mãe dos Doyles estava doente?"

"Não fazia ideia, Remmy! Mas ela não estava na festa na casa do pentelho do Vicente Praga. Achei estranho porque ela foi até a estação buscar os gêmeos quando voltamos de Hogwarts..."

"Tem alguma sujeira aí..." — falou James enquanto os três amigos pareciam pensativos e a porta do elevador se abria, anunciando a ala oito.

Black, Lupin e Potter ainda tinham a cabeça revirada por seus pensamentos quando se puseram a caminhar pelo corredor de piso encerado até se depararem com a porta onde estava registrado o número 483. Girando as suas mãos com um truque que haviam aprendido há muito tempo por meio de um livro, criaram, cada um, um belo buquê de flores. Batendo com os nós dos dedos na porta, eles ouviram a voz de Winnie pedindo que entrassem.

A menina deu um gritinho quando viu os garotos. Ela estava acomodada em uma cama infantil e tinha travesseiros em suas costas que a ajudavam a se manter sentada. Sua cabeça estava enfaixada ainda, mas o seu rosto parecia iluminado e radiante.

Dayal, usando ainda muletas, estava sentado na poltrona e os dois pareciam conversar. O rapaz sorriu também quando viu os grifinórios e, ao fazer menção de se levantar para cumprimentá-los, James pediu que ele permanecesse sentado, indo até ele.

"É muito bom saber que estão se recuperando bem, Winnie e Dayal. Caíram de verdade no braço com aqueles encapuzados, hein..." — falou Sirius, entregando o seu buquê à amiga.

Os rapazes ficaram sabendo que as Morganas já haviam ido visitar o casal no dia anterior. Na mesa, havia além de flores e balões, mensagens motivacionais para Winnie, caramelos, chocolates e bichinhos de pelúcia.

Black, Lupin e Potter foram informados de que, no Massacre do dia 31, os encapuzados haviam, com alguma insistência, atirado em Winnie e Dayal em uma das vielas. Winnie possuía sangue de duendes e, apesar de ser mais alta do que a média deles, chamava ainda a atenção por sua baixa estatura. Era uma mestiça evidente.

Dayal, nascido trouxa, correra, puxando a garota para a loja de Animais Mágicos a fim de se abrigarem. Quando o estabelecimento foi invadido, os dois jovens; os funcionários do local e alguns clientes que haviam permanecido lá, esperando a confusão passar, armaram-se das suas varinhas ao verem os encapuzados lançando raios nas corujas, sapos, gatos e outros animais que, na confusão, haviam fugido das suas gaiolas e obstruíam a passagem, aflitos. O combate fora direto e violento.

"Não podíamos deixar aqueles covardes atirarem nos animais da loja. Bando de covardes filhos da mãe!" — vociferou Winnie com os olhos ainda vermelhos — "Os encapuzados pareciam ensandecidos, querendo destruir tudo o que era bonito no Beco Diagonal."

"Vocês foram corajosos de verdade, Winnie!" — falou Remus, passando um lenço à garota.

Dayal contou sobre a estratégia dos encapuzados de aparatarem e desaparatarem diante dos feitiços que eram lançados contra eles e de como, junto aos outros bruxos que se encontrava na loja, fizeram um cordão com as suas varinhas, atirando neles logo após aparatarem.

"Quando a situação na loja foi contornada, ouvimos algumas pessoas gritando na rua e tentamos ir ajudar." — o rapaz fez uma careta de dor, se posicionando na sua poltrona — "Fora da loja, as coisas pareciam mais fora de controle ainda. Foi aí que vimos Dumbledore e a Professora McGonagall aparatarem próximos de nós. Dumbledore conjurou uma fênix que varreu os encapuzados como se fossem pó. Vi McGonagall lançar alguns deles no ar como se fossem bolinhas de bexiga. Mas um daqueles desgraçados acertou a Winnie! Graças a Merlin, o feitiço atravessou! A pedra do cordão dela a protegeu!"

Sirius franziu o cenho, puxando a ágata de fogo rachada que tinha pendurada em seu colar. Ele reparou que Dayal também tinha uma pedra branca no cordão em seu pescoço. Aparentemente, Raven e as outras garotas haviam distribuído aquelas pedras entre os amigos que lhes eram caros.

"A minha também foi acertada, Winnie... E me protegeu! O que vocês, Morganas, afinal, colocaram de feitiço nessas pedras?"

Winnie mexeu um pouco na sua trança desfeita sobre o ombro. Parecia haver algum rubor sobre as suas sardas.

"São pedras de duendes revestidas de encantamentos que não dependem de varinha. Lily, depois das últimas férias, passou a gostar de estudar feitiços de proteção inconsciente e nós entramos na onda. As pedras não vão funcionar para sempre, mas podem as considerar, temporariamente, como amuletos. De qualquer forma, é necessário existir um elo entre quem fez os feitiços e quem recebeu o presente. Um afeto. Um vínculo. Um carinho recíproco. Fico feliz que goste de nós também, Sirius Black..."

O rapaz de cabelos compridos apertou a mão da garota, beijando-a.

"É claro que gosto de vocês, Winnie. Considero você e as outras Morganas minhas amigas. Fiquei preocupado de verdade quando soube que estavam no Massacre..."

Dayal prosseguiu com a sua narrativa.

"O encapuzado ficou furioso pelo raio dele não acertar a Winnie e ia tentar de novo, mas Dumbledore interveio. Ele jogou um feitiço forte na mão do encapuzado e a varinha dele parecia que ia se partir. Nunca vi nada parecido. A luva dele rasgou e a mão dele parecia inchada com os dedos roxos. As unhas foram arrancadas e viraram pó. O encapuzado saiu com o rabinho entre as pernas da confusão. Com certeza, ficou fora de combate!"

Remus, Sirius e James se entreolharam instintivamente. A informação e a sincronicidade dos fatos lhes acertaram.

"Conseguiram ver o rosto desse desgraçado?" — quebrou James, o silêncio.

"Não! Ele desaparatou, mas vi ele falando e devia ser um bruxo jovem..."

Sirius refletiu sobre a mão roxa e os dedos apodrecidos do filho mais velho dos Doyles. Aquela família já havia participado de um atentado no metrô de Londres e havia causado um mal terrível à Evans e várias outras pessoas. Não seria surpresa estarem envolvidos no Massacre contra nascidos trouxa, mestiços e apoiadores da causa.

Winnie, com o rosto muito vermelho, falou então:

"Dayal foi muito corajoso porque, na segunda vez que o encapuzado tentou me acertar, ele pulou na minha frente e me abraçou. É uma pena termos começado o nosso namoro com emoções tão fortes..."

O rapaz sorriu de modo gentil.

"Eu estaria totalmente perdido sem você naquele dia, Winnie. Nunca desejaria que nenhum de nós passasse por isso, mas se estava em nosso karma vivenciar tudo aquilo, que bom que sobrevivemos e pudemos ajudar algumas pessoas e animais. Fiquei desesperado quando pensei que aquele maníaco havia acertado você..."

Os Marotos permaneceram no quarto da amiga até quase o horário de encerramento das visitas. Eles narraram também os acontecimentos que presenciaram no Beco Diagonal e se retiraram quando a mãe de Winnie, uma bruxa sorridente e de cabelos muito loiros, chegou.

Após se despedirem dos amigos com um sincero abraço, os Marotos ouviram Dayal lhes dizer, apoiando-se na sua muleta a fim de voltar para o seu quarto:

"O Profeta Diário está chamando esses assassinos de encapuzados, mas eles mesmo se autodenominaram de Comensais da Morte..."

James se recordou do momento em que um dos terroristas se referiu ao seu grupo também daquela forma.

"...Vocês sabem se já há uma previsão para voltarmos para Hogwarts...?" — prosseguiu Dayal.

"Dumbledore quer que voltemos o quanto antes e insiste que a Escola é o lugar mais seguro para todos nós estarmos, mas não sabemos como as investigações do Ministério em relação à morte da Olivia e as acusações contra Hogwarts caminham..." — retorquiu Remus com uma expressão grave.

No corredor, foi James quem praguejou em um sussurro:

"Essa família desgraçada dos Doyles parece que sempre tá voltando! Primeiro, atacaram a Lily e a família dela! Agora, quase acabaram com a Winnie e o Dayal! São puristas, esses safados! E é claro que são Comensais da Morte ou seja lá de que caralho se autodenominam!"

"Acham mesmo que a mão podre do filho mais velho dos Doyles foi enfeitiçada por Dumbledore?"

"Claro, Remus! Você já viu um feitiço daquele antes? É muita coincidência a descrição do Dayal bater com a mão que vimos! Ele disse algo no elevador sobre não imaginar que 'a cavalaria iria aparecer'. Devia estar falando de Dumbledore e os diretores das Casas que podem ser mais assustadores até do que alguns Aurores. Aquele feitiço foi feito por um bruxo experiente."

O rapaz de cabelos castanhos assentiu, analisando as informações das quais dispunham. Nesse momento, alguns medibruxos com as suas vestes verde-claras passaram meio esbaforidos pelo corredor, conversando com um segurança do andar.

"Revistem esta ala. Ela pode ter fugido pra cá. Ei, garotos, o horário de visitas está acabando. Se já terminaram, é melhor irem embora..." — advertiu-os um medibruxo de cabelos grisalhos.

"Aconteceu algo?" — indagou, Sirius.

"Perdemos de vista uma paciente da ala cinco. Mas ela não deve ter ido longe! Com licença, temos assuntos para resolver. Liberem o corredor, sim?"

Quando Remus fitou os dois amigos, viu Sirius e James, com um movimento cúmplice, puxarem-no para dentro do elevador que se abria. Potter, revirando a sua mochila, retirou a Capa da Invisibilidade de dentro. Ele tinha um brilho determinado no olhar.

"O que estão pensando em fazer?"

"Ala cinco é onde a mãe dos Doyles tá, Remmy! A tensão já estava acontecendo quando o Doyle pai e o filho mais velho desceram do elevador. Era esse médico que estava conversando com Damon e Davos e você viu como o Doyle pai ficou nervoso. Quero saber, afinal, qual é dessa família!"

James jogou a Capa sobre os seus ombros, sem demora.

"Não acham que tudo pode ser uma coincidência e o estado de saúda da senhora Doyle não nos dizer respeito?"

"Você sabe que eu ainda desconfio que os gêmeos mataram a Olivia, Remus! O que eu puder arrancar deles, eu arranco e concordo com o Potter." — falou Sirius, andando de um lado para o outro no elevador.

O rapaz de cabelos castanhos tocou na base de seu nariz pelo hábito do uso prolongado dos óculos que não estava usando.

"Tá. Qual é o plano?"

Com a sua boina e o cachecol xadrez puxado quase até a boca, Lupin desceu na ala cinco. Ao seu lado direito, um cachorro preto e grande pateava o chão encerado. À sua esquerda, a respiração de James vinha de um lugar invisível. Com as mãos nos bolsos, Remus se aproximou de uma enfermeira, que, no balcão da ala, exibia um olhar um pouco apreensivo enquanto checava um prontuário.

"Boa tarde. Eu vim visitar a senhora Doyle... Poderia me informar, por favor, o quarto dela?"

A mulher, uma bruxa jovem com os cabelos claros presos em um apertado coque, ergueu os seus olhos para o rapaz, fitando logo em seguida o cachorro preto que a espreitava.

"Não são permitidos animais aqui. Como passou pela recepção?"

"É o cachorro da minha família. A senhora Doyle gosta muito dele..."

"A senhora Doyle não está recebendo visitas. Somente o esposo e os filhos. Vou pedir que se retire, rapazinho..."

Remus viu, atrás da enfermeira, pastas em que pergaminhos eram organizados serem abertas por mãos invisíveis. James as olhava aleatoriamente, mas, finalmente, demorou-se em uma. Deveria ser a pasta referente aos números dos quartos dos pacientes. O rapaz de cabelos castanhos precisaria enrolar um pouco mais.

"Mas eu vim de longe para vê-la. Ela é muito amiga da minha mãe. Sabia que elas estudaram juntas em Hogwarts...?"

Sirius ergueu as suas orelhas, conseguindo captar o ruído dos pergaminhos sendo folheados. A enfermeira, no entanto, parecia alheia e, com um olhar, talvez um pouco austero demais para a sua idade, insistiu com Remus.

"Sem visitas! E vou novamente pedir para levar embora o seu cachorro!"

"Ele é obediente! Faz tudo o que eu mando!"

Black latiu em protesto.

James folheou com dedos ágeis os papeis até, finalmente, descobrir o quarto ocupado por Mosague Doyle. A bruxa estava no 455.

Potter, por trás da enfermeira, levantou o seu polegar para fora da Capa da Invisibilidade. Era o sinal que os seus amigos aguardavam.

"Senhor, o cachorro! Vou mandar que desça, senão chamarei a segurança!"

"Certo, certo..." — retorquiu Remus, girando em seus calcanhares e caminhando em direção ao elevador. Sirius andava ao seu lado.

Os dois sabiam que eram vigiados ainda pela enfermeira e que James já tinha o número do quarto. Eles esperariam no térreo dez minutos e tentariam voltar novamente se James não retornasse dentro do prazo.

Remus entrou no elevador sem olhar para os rostos das duas pessoas que se encontravam ocupando já o recinto. Ele percebeu só que Sirius havia rosnado com força. No fim, Remus assustou-se quando puxaram a sua boina, após eleapertar o botão.

"Ora, ora, o que temos aqui? O que estava fazendo nessa ala, sangue-ruim?"

Damon o fitava com surpresa e Davos, ao seu lado, espreitava-o com o seu olhar incômodo e a boca entreaberta. Sirius latiu, ameaçando avançar nos dois rapazes. Remus arrancou de volta a boina da mão do sonserino.

"Damon e Davos, que desprazer encontrar os dois! Não é da conta de vocês em qual andar vou ou deixo de ir..."

"Sabia que eu senti o cheiro de merda do seu sangue antes de saber que era você?"

Sirius tinha os dentes à mostra enquanto rosnava para Damon como se fosse mordê-lo a qualquer momento. Remus encostou no cachorro, puxando-o gentilmente mais para perto de si.

"...E que cachorro é esse, Lupin? Controla ele, senão enfio o pé na cara dele..."

"Se fizer isso, eu te mato..." — respondeu o rapaz de cabelos castanhos laconicamente.

Davos soltou uma risada anasalada e Damon, cruzando os braços, fitou Remus.

"Cuidado, Lupin! O feitiço de Dumbledore não funciona aqui e a situação para pessoas como você tá muito complicada... Sua monitoria, seu título de aluno brilhante, a sua suposta bravura grifinória não servem de nada no mundo real..."

"Servem em qualquer lugar do mundo! Não tenho medo de ameaças e não preciso estar em Hogwarts para lidar com vocês..."

"Uhhhh... O Black e o Potter também não tão aqui pra te proteger..." — falou Damon, esticando o braço e tocando em uma mecha do cabelo de Remus.

Lupin se afastou, aproximando-se mais da parede do elevador. O cachorro começou a latir e fez menção de morder Damon.

"...Seus olhos são castanhos ou amarelos, Lupin? Você até que é bonitinho pra um sangue-ruim nojento..."

"Vai se danar..."

"Sabe, eu vejo você com livros remendados na Escola..., roupas fora de moda... puídas. Lembro de você no ano passado com um cachecol esfarrapado. Não bastasse a sua família ser pobre, ainda foi misturar o sangue com trouxas?! É muita misériamesmo..."

"Existem pobrezas mais graves..." — retorquiu Remus, tentando não se deixar abater.

"Escuta, Lupin... E o seu lance com o Black, hein? Você não se cansa de chupar o pau dos garotos, não?"

"Não! Devia experimentar também!"

"Chupa também o Potter?"

"Por que quer saber? Tá a fim dele? Ele te odeia!"

"Não, sangue-ruim! Eu devia era enfiar a mão na tua cara pra deixar de ser atrevido. Se você gosta tanto de chupar, que tal mostrar pra mim e para o Davos como você faz com o Black e o Potter, hein? Que tal chupar gostoso nós dois hein, sangue de merda? Que tal a gente calar a sua boca assim?"

Sirius avançou em Damon e foi, novamente, seguro por Remus. O rapaz, ajoelhando-se, entrelaçou o cão com os seus braços. Ele sabia que Black, naquela altura, espumava de ódio.

"Eu chupo!" — falou Remus com os seus olhos amarelos brilhando — "Eu chupo. Mas quando você tiver pra gozar, eu vou morder tão forte, tão forte, mas tão forte que vou arrancar fora. Você vai ficar sangrando e vai sentir tanta dor que vai pedir pra morrer, Damon. Na verdade, vai ser pior. Você vai se arrepender de ter nascido um dia. E, Davos, dizem que um gêmeo sente tudo o que o outro sente. Podemos testar com você. O melhor de tudo é que já estão no St. Mungus e podem pedir ajuda aqui mesmo quando eu arrancar essa porcaria que chamam de pinto fora."

Os dois Doyles se olharam. Havia uma tensão em suas sobrancelhas. Um silêncio se fez e só os rosnados de Sirius podiam ser ouvidos.

"Eu já falei pra fechar a boca do seu cachorro, Lupin!"

"Ele não vai ficar quieto! É melhor vocês calarem a boca..."

"Sabia que você e o Black têm a mesma petulância?! Mas no fim, a gente vai ver quem dá risada. Acham que eu esqueci do desaforo que fizeram pra mim e para o Davos na Escola? Vous regretterez vos paroles, Lupin."

"Je suis morte de peur, Doyles..." — retorquiu Remus com o seu francês afiado e uma expressão de deboche.

"Sabe francês, sangue-ruim? É uma língua falada tradicionalmente pelos bruxos da alta sociedade. Quem te ensinou a falar francês sem a ajuda de poções? Black? Potter? É por isso que anda com eles? Quer ascender socialmente?"

"Aprendi sozinho quando estive na França, seu idiota! Caso não tenha percebido, sei usar o meu cérebro também e não só a minha varinha. E não adianta eu explicar a minha amizade com o Sirius e o James porque vocês dois são limitados demais para entender...!"

"É por isso que você gosta de dar para os dois? É essa a grande e incompreensível amizade que acontece entre vocês três? Quer tanto pertencer ao mundo bruxo com esse sangue de bosta que aceita ser a putinha de seus amigos, Lupin?" — Damos tentou tocar novamente na franja de Remus e, dessa vez, recebeu um tapa na mão — "O que vai fazer quando eles enjoarem de te comer e casarem como uma sangue-puro da alta sociedade, hein? É comum, na alta sociedade alguns se divertem com qualquer coisa antes de fazerem bons casamentos. Até os rebeldes como o Black comem algumas porcarias, mas no fim, voltam para as regalias do círculo de bruxos ilustres do país e vivem uma boa vida. Vai implorar em francês pro Black e pro Potter não te deixarem quando eles te chutarem e esquecerem que você existe, Lupin?"

Remus pareceu um pouco atordoado com as palavras do outro rapaz. O cachorro se soltou do seu controle e avançou para Damon, querendo mordê-lo. O sonserino se encolheu próximo à parede metálica do elevador e viu o animal, babando, arreganhar os seus dentes pontiagudos enquanto latia. Damon puxou a sua varinha e Remus também puxou a sua.

Por último, Davos sacou a varinha também, apontando-a para o focinho do cão raivoso. Os três rapazes não hesitariam em usar as suas armas se a porta do elevador não se abrisse finalmente, após percorrer horizontalmente e verticalmente as alas. Diante deles, o Doyle pai e o Doyle filho, que se preparavam para subir, observaram-nos com desconfiança. Os dois estavam acompanhados de uma medibruxa e um segurança do hospital.

"O que diabos está acontecendo aqui? Damon, Davos...?"

Remus manteve a sua varinha ainda apontada para o rosto do rapaz enquanto o cão rosnava. Damon, por sua vez, vendo o pai, guardou a varinha em suas vestes.

"Nada, pai. Pendências de Hogwarts..."

"Não temos tempo para isso! Parece que alguns medibruxos viram algo no quarto andar... Ela deve ter voltado para lá! Vamos!"

Foi o segurança que se dirigiu a Remus, trazendo-o de volta de seu senso de combate.

"Vai descer, garoto? Guarde a sua varinha! São proibidos ataques no hospital. E são proibidos animais aqui! Como passou pela recepção?"

Remus deixou o elevador e viu os Doyles, a medibruxa e o segurança subirem para o quarto andar. Ao lado de Sirius, o rapaz de cabelos castanhos seguiu para o banheiro do térreo. Black, logo após voltar para a sua forma humana, socou a porta de uma das cabines com raiva.

"Filhos da mãe malditos! A minha vontade era rasgar a cara deles à base de mordidas!"

"Fiquei com medo de você não conseguir se controlar e voltar para a sua forma humana, Sirius! Além de expor para eles que você estava aqui sem os Blacks saberem, eles iam saber que você é um Animagus!"

"Eu odeio o Damon! Quem ele pensa que é para tocar em você e falar os absurdos que fala?!"

Remus tinha a sua cabeça baixa, remoendo algumas das coisas que havia ouvido.

"...Não acreditou naquelas besteiras, não é, Remus?"

O rapaz de cabelos castanhos se forçou a sorrir e retorquiu:

"Não... Claro que não... Vamos nos acalmar e voltar para perto dos elevadores. James tá lá em cima e os Doyles foram para o quarto andar! Se ele não voltar, precisamos ir atrás dele!"

"Ele está com a Capa da Invisibilidade. Vai ficar tudo bem, não vai?"

 

(***)

Ao descobrir que o quarto da mãe dos Doyles era o 455, James havia gesticulado para os seus amigos e disparou pelo longo corredor de chão encerado. Ele passou por alguns seguranças, que, uniformizados e com a varinha em punho, pareciam inspecionar alguns quartos.

O rapaz de cabelos rebeldes alcançou a porta procurada e a abriu com cuidado. Se alguém estivesse dentro, poderia pensar que havia sido o vento pela suavidade com a qual o portal se entreabriu.

O recinto se encontravavazio, mas havia algo grudento na maçaneta. James, espreitando o lugar, deslizou para dentro. Alguns objetos estavamespalhados no chão como se alguém tivesse se movido aos tropeços. As duas alas no quarto eram separadas por um lençol. Do lado oposto, devia ser o local para os parentes do doente repousarem quando pernoitavam no hospital.

A cama tinha travesseiros bagunçados e o lençol, revirado. Próximo à cômoda, alguns fios brancos e de uma textura pegajosa estavam emaranhados. James ousou tateá-los e os sentiu grudarem em sua mão, provocando alguma coceira em sua pele. Sacudindo os dedos, o rapaz limpou a mão no jeans e buscou o prontuário que estava sobre a mesa. Rapidamente, ele começou a folheá-lo. Ajustando os óculos, James se esforçou para entender a letra do medibruxo.

Mosague Doyle. Idade: 43 anos. Diagnóstico: Maledictus com periculosidade. Usuária do tratamento paliativo. Apresenta fraqueza; mudanças de humor; dieta carnívora e alteração de personalidade.Não usar feitiços de cura para feitiços sofridos. Ela mesma se regenera. A poção experimental a deixou calma nos últimos dois anos, mas as transformações voltaram a acontecer sem controle aparente. Não ataca ainda seres humanos, mas pode apresentar comportamentos agressivos, caso se sinta acuada ou irritada.

Maledictus?! James havia estudado sobre essa condição de maldição nas aulas de Defesa contra as Artes das Trevas, em Hogwarts. O rapaz esfregou a mão sobre a mesa, percebendo que a sua pele pinicava um pouco e se propôs a reler o prontuário. A senhora Doyle possuía uma maldição de sangue?

O rapaz de cabelos rebeldes folheou as páginas da pasta novamente e se deparou com a foto de uma mulher com uma expressão abatida, olhando desconfiada para a câmera. A outra imagem parecia a chapa do exoesqueleto de um animal. Potter tentou erguer a negativo da imagem contra a luz, a fim de identificar melhor o raio-X.

James, até então, não percebeu que, atrás dele, do lado oposto do tecido pendurado, algo se movia. A sombra de um conjunto de oito patas gigantescas envergadas e com pelos negros, um andar lânguido e quatro pares de olhos atentos aos movimentos das páginas se agitou. Havia o ruído de pinças e foi Potter que se moveu com algum susto quando escutou uma voz profunda:

"Quem está aí?"

O prontuário que James segurava deslizou de suas mãos, caindo aos seus pés e o rapaz sentiu as suas pernas tremerem. Prendendo a respiração, ele deu um passo para trás diante da sombra gigantesca do animal que ele conhecia somente por meiodos livros da Escola.

"...Consigo ver os pergaminhos se movendo. Consigo ver as suas mãos. Consigo ver até o seu contorno. Posso ouvir a sua respiração. Revele-se..."

A acromântula, que era uma aranha gigante e de extrema periculosidade do mundo bruxo, deslizou por trás do lençol. James estava estático, preso ao seu lugar.

"...Não é um medibruxo. Consigo sentir o seu medo."

O animal avançou para James, derrubando com as suas pernas arqueadas e gigantes alguns outros objetos no chão. Ele parecia deslizar sobre o piso encerado.

James se grudou à mesa com o olhar fixo na aranha gigante, que parecia enxergá-lo, visto que se aproximava do lugar exato em que se encontrava. Com as suas pernas peludas, a acromântula puxou a Capa da Invisibilidade do rapaz, deslizando-a até o chão. Potter se viu, então, descoberto e completamente vulnerável diante dos dois olhos maiores que o espreitava e os outros seis menores que analisavam o ambiente.

"...Nós, bruxos, achamos que somos superiores com a nossa magia e eu nunca havia visto uma Capa da Invisibilidade antes. Não poderia ver você, não é mesmo? Mas com esses olhos consigo enxergar coisas que nem imagina. Talvez agora eu veja da forma correta e, durante todo esse tempo, tenha sido cega..."

James queria gritar, mas a voz não saía de sua garganta. Tampouco, ele conseguia correr enquanto o seu coração palpitava acelerado. Era possível ter uma paralisia do sono acordado? O rapaz observava as pinças se moverem na boca da aranha, produzindo um estalo. Avançando a sua pata novamente, ela retirou os óculos do grifinório, derrubando-os no chão. James ouviu o ruído do objeto se quebrando e um mundo embaçado se estender ao seu redor. Ele sentiu também a pata peluda da aranha encostar em seu rosto.

"...Você é só um garoto. Como os meus meninos." — murmurou a aranha, descendo a pata até tocar na pedra de jaspe pendurada no cordão do pescoço do rapaz.

Potter pestanejou quando viu, subitamente, a aranha encolher diante de si. Encolher significativamente até se tornar uma mulher da sua altura. Seus pelos sumiram e seus braços encolheram se transformando em membros humanos lisos e delgados. Ela era pálida e estava nua. Seus cabelos muito negros com mechas cor de sangue caíam pelos ombros estreitos, cobrindo os seios.

James a reconheceu como a mãe dos Doyles, que havia visto no King's Cross quando voltaram para Londres. Os olhos muito negros lembravam ainda os da acromântula. Finalmente, diante da figura humana, ele conseguiu falar:

"Me perdoe, senhora... Achei que era o quarto de uma amiga minha... É melhor a senhora se cobrir... Posso pegar um lençol."

Mosague sorriu.

"A acromântula em mim já sente fome. Ela o devoraria, rapazinho, mas a minha parte humana ainda resiste. Em breve, não resistirá mais. Você invadiu o meu espaço. Está preso aqui como um inseto. Posso fazer com você o que eu quiser. Já esteve com uma mulher antes...?"

James arregalou os seus olhos. Respondeu, afastando o seu rosto.

"O que...?"

"Eu me casei quando era um pouco mais velha do que você. Não amava o meu noivo, mas aceitei a generosidade dele. Ele me desposou, mesmo eu tendo esse sangue amaldiçoado e fomos felizes em não termos nenhuma menina. Só filhos homens fortes que não passarão essa maldição adiante. Achamos que a poção daria jeito, mas uma maldição de séculos não se destrói com elixir e esperança, não é mesmo? Se não pode me alimentar, talvez possa me servir de outra forma, garoto... A acromântula tem um desejo insaciável. Posso arrancar a sua cabeça depois de me satisfazer..."

James arregalou um pouco mais os seus olhos quando a mulher se inclinou, beijando-o. Estático, ele sentiu os lábios da senhora Doyle febris sobre os seus e experimentou a sensação dos seios intumescidos dela encostarem em seu corpo. Ele sentiu a mulher também aproximar mais a silhueta desnuda e um arrepio lhe percorreu a espinha.

A porta do quarto se escancarou e James, com as mãos no ar, ouviu a voz de Damon.

"MÃE!"

A mulher se afastou e se virou para fitar o marido, os filhos e o medibruxo que se encontravam agora no quarto.

"Damon, Davos, meus meninos... Estava procurando por vocês, mas não os encontrei. Eu não consegui evitar. Dedecus, Dominik... Desculpem-me por causar tantos problemas para vocês. Desculpem-me ser um fardo. Eu não queria..." — respondeu Mosague, caindo logo em seguida desacordada no chão. Seus olhos estavam ainda abertos e vítreos. Negros e abissais como os da acromântula espreitando James.

O medibruxo se apressou em cobrir a paciente com um lençol, levando-a de volta à cama.

"Ela está fraca e muito febril. Vamos precisar fazer uso do tratamento paliativo imediatamente!"

Os Doyles, no entanto, pareciam não prestar atenção às palavras do medibruxo. Os quatro homens fitavam James e o pai desembainhou a sua varinha.

"O que estava fazendo no quarto da minha esposa, garoto?!"

Damon vociferou com os olhos injetados:

"Você tava beijando a minha mãe, Potter? Tava tirando proveito dela por estar doente?!"

"Vocês se conhecem?" — perguntou Dedecus, olhando de soslaio o filho.

"De Hogwarts!"

James, vendo figuras borradas diante de si, moveu as mãos, tentando se explicar.

"Não! Eu entrei aqui por acidente! Tava visitando a Rivers e entrei no quarto errado!"

"Não mente pra gente! Acabei de encontrar com o Lupin no elevador! Vocês tavam xeretando?!"

"Não! Eu entrei nesse lugar por engano! Acho que me informaram o quarto errado na recepção. Fiquei aqui esperando alguém aparecer e levei um susto quando vi a paciente sem roupa. Tentei cobri-la, mas ela me beijou à força!"

Os quatro Doyles se entreolharam. Foi Dominik, o filho mais velho, que voltou a indagar James:

"Espera aí, eu não te vi mais cedo no elevador cheio? Você não desceu nessa ala. Tá passeando pelo hospital, garoto?"

"Não! Eu tinha ido visitar o Dayal, capitão do time de Quadribol da minha Casa. Agora, vim visitar a Rivers. São muitos amigos no hospital depois do dia 31, como devem saber..." — respondeu James.

O medibruxo interveio:

"Por favor, precisamos nos apressar! Abaixem as suas varinhas, senhores..."

Davos sussurrou algo no ouvido de Damon. O rapaz indagou então.

"Você viu algo de estranho aqui, Potter?"

"O que quer dizer com estranho?"

"Algo fora do comum, Potter! Responde logo antes que eu me aborreça e te estupore aqui mesmo!"

"Eu não vi nada! Meus óculos caíram quando estava tentando cobrir a mãe de vocês e não enxergo muito bem sem eles. Olha, eu não tentei tirar proveito da senhora Doyle! Eu juro! Ela que me beijou à força. Parecia estar tendo um delírio!"

O pai dos Doyles se voltou, então, para o medibruxo, acariciando o rosto adormecido da esposa.

"Por que ela tentou beijar esse rapaz?"

"Isso já aconteceu com um dos nossos enfermeiros, senhor! A personalidade alterada e os delírios são etapas da condição de Mosague. Ela está ardendo em febre..."

"A minha esposa sempre foi uma mulher doce, gentil e fiel a mim. Precisa dar um jeito nisso!"

James aproveitou que os Doyles conversavam com o medibruxo e procurou os seus óculos no chão, tateando o piso. O objeto estava com uma das lentes quebradas. O rapaz também escondeu atrás de si a Capa da Invisibilidade, que se confundia com o lençol e os utensílios médicos espalhados pelo chão. Ele se apressou, então, até a porta.

"Bom, vou procurar a minha amiga! Boa tarde para todos!"

Damon se adiantou:

"Ei, Potter! Espera aí! Ainda não acabei com você!"

James disparou pelo corredor e viu que o Doyle corria atrás dele. Alcançando a porta em que estava escrito SAÍDA, o rapaz a adentrou apressadamente, jogando a Capa da Invisibilidade sobre os ombros e se grudando na parede da escada.

Damon, segundos depois, escancarou a porta, procurando pelo grifinório, e, não enxergando nada, desceu as escadas, achando que ele havia seguido naquela direção. Tomando cuidado, James, invisível, atravessou novamente a porta. Ele seguiu, então, pelo corredor e passou pela recepção em que a bruxa de coque e olhar rígido consultava algum documento.

James estava ansioso para sair daquele lugar. Ele precisava contar o que havia descoberto a Sirius e Remus. A senhora Doyle era um Maledictus! Seu sangue havia sido amaldiçoado em alguma geração e ela, futuramente, transformar-se-ia numa assustadora acromântula para sempre. Uma acromântula que não enxergava como os bruxos e conseguira detectar James sob a Capa da Invisibilidade.

O rapaz precisava esperar que alguém descesse naquele andar para subir no elevador e seguir até o térreo, mas estava ansioso e apertou o botão, chamando o veículo. No máximo, se alguém estivesse nele, acharia que algum bruxo desistiu de subir.

Potter esperou o elevador que vinha da ala nove se aproximar horizontalmente. Quando a porta se abriu, James se deparou com um bruxo de cabelos claros e rosto bonito fitar o nada. Um outro bruxo, mais alto, de cabelos escuros e olhar azul porcelana também observou o corredor vazio e não percebeu James entrar.

Os dois corvinos seguiram, então, com o diálogo que parecia ter se iniciado antes.

"... Por que veio, afinal?" — perguntou Carlson.

"Você já me perguntou isso antes! Para visitar a Rebbecca! Ela sempre foi legal comigo e fiquei triste quando soube que ela havia se ferido no Massacre! Uma colega da minha turma também está aqui!" — respondeu Pride.

James, sob a Capa da Invisibilidade, tentou controlar a sua respiração para que os dois rapazes de Hogwarts não percebessem a sua presença. Ele não esperava se deparar com Michael Carlson e Joshua Pride ali no hospital.

"E por que você mandou uma coruja, perguntando pra minha prima se podia visitá-la num horário em que eu não estivesse? Tá me evitando, é? Eu também lutei no Beco Diagonal, sabia?!" — falava Michael Carlson com um tom magoado.

Pride ergueu os seus olhos e os baixou:

"A Rebbecca não devia ter te contado sobre a coruja que enviei. Ela me falou que você teve ferimentos leves e já estava em casa. Achei melhor a gente evitar se esbarrar depois da nossa briga no Expresso!"

Carlson respondeu:

"Você que ficou todo estressadinho quando eu disse que te mandaria uma coruja para vir na minha casa. O que quer, afinal? Um namoro? Eu falei que ainda estava muito triste pelo meu término e que a gente estava só ficando, Pride! Fui honesto desde o início!"

O rapaz de cabelos loiros, assentiu, endireitando o seu casaco.

"Então, não deve se aborrecer quando eu não estiver a fim de olhar para a sua cara. E quando não estiver também a fim de dormir com você. Sabe, eu não sou só alguém que você pode chamar quando quiser passar o tempo! Eu tenho sentimentos, sabia? Sinto tanto quanto você!"

"Você ficou estranho desde aquele dia que vi o Potter saindo do banheiro do Expresso e você estava lá dentro. O que fizeram afinal? Você o beijou?"

"A gente conversou! A gente se apoiou! Somos amigos!"

Carlson sacudiu a cabeça.

"Você dá confiança para vários garotos, Joshua..."

"Vai me chamar também de Expresso de Hogwarts?"

Carlson fitou Pride com indignação.

"Eu nunca te chamei assim! E tirei pontos de todos os alunos da Corvinal que falaram isso de você!"

"Mas não adianta censurar os outros e me tratar da forma que eles me tratam! Nem todos os garotos são virgens e imaculados como o seu precioso, Lupin, Michael! Devia esquecê-lo! Ele já seguiu em frente com o Black. Os dois se gostam de verdade. Dá pra ver!"

Carlson pareceu um pouco desconcertado.

"Eu sei! Já aceitei que o Remus gosta do Black, e o Black parece apaixonado por ele. Mas ainda não tô pronto para namorar, Joshua... Queria que você entendesse..."

Pride assentiu, parecendo um pouco abatido com as palavras do outro rapaz.

"Não quero entender! E eu não vou ficar do seu lado, dormindo com você para tentar te convencer de que valho a pena ou que gosto de você de verdade, Michael. Sabe, quando tomei um toco seu naquela época que te chamei pra sair e não sabia que você estava namorando já o Lupin, achei você, apesar de tudo, um cara legal. Você respeitou a pessoa com quem estava. Depois, vi vocês juntos e você parecia afetuoso. Mas parece que o Lupin levou tudo o que era bom com ele. Você tá vazio! Não precisa fazer com os outros o que fizeram de ruim com você! De qualquer forma, obrigado por deixar claro naquele dia do Expresso e agora também que não sou importante para você!"

Carlson pareceu um pouco sem jeito.

"Também não é assim, Joshua! Eu te mandei uma coruja quando soube que estava no Massacre do dia 31. Fiquei preocupado de verdade. Mas daí, você recusou a minha carta..."

"Achei que era você me chamando pra dar uma rapidinha na sua casa enquanto os seus pais estavam fora, antes que me mandasse de volta pra minha casa que nem um pacote devolvido."

"Sobre o que você e o Potter falaram afinal? Não me diga que foi iludido por ele. Ele dá em cima de todas as garotas. E acho que dava também em cima do Remus!"

Pride sacudiu a cabeça.

"Ele não deu em cima de mim! E é meu amigo! Lutamos juntos no Massacre e não vou deixar você falar mal dele!"

"Pelo visto, ele ganhou um defensor!"

"Grifinórios são leais às amizades. Amo ser da Corvinal e não me vejo em nenhuma outra Casa, mas admiro essa virtude dos alunos de Gryffindor."

"Então, não devo mais te procurar?"

"Enquanto estiver ferindo os outros para tentar se proteger, não..."

"Certo!"

James se espremeu dentro do elevador um pouco mais no canto quando viu que Pride se afastou de Carlson. Ele não achava certo presenciar a DR dos dois corvinos, mas o jovem não previra aquela situação. Próximo ao rapaz de cabelos loiros, James pode observar também os traços bonitos dele e sentiu o seu perfume fresco de lavanda.

Carlson observava de soslaio ainda o outro rapaz, que ajeitava a mochila sobre os ombros. James ficou feliz em ver a força de Pride na maneira em que estabelecia limites para uma situação na qual persistia uma indignidade pontual. Quem havia lhe incutido aquela coragem? Talvez o dia 31 tenha sido importante para algumas pessoas reverem as suas escolhas.

A porta metálica do elevador se abriu lentamente e o trio esbarrou com Sirius e Remus, que se preparavam para subir. O momento foi seguido de algum constrangimento e, deixando o elevador, James se apressou em tocar discretamente a mão de Lupin. Era a sua forma de avisá-lo que estava por perto. Também tocou nas costas de Sirius.

"Black, Lupin..." — cumprimentou-os Pride um tantosem jeito.

Carlson também os cumprimentou. E foi com alguma mágoa que Pride constatou um olhar um pouco sonhador do monitor corvino do sétimo ano em direção a Remus. Sirius também não deixou de perceber tal fato e se apressou em envolver om ombros do rapaz de cabelos castanhos.

"O que está fazendo aqui, Pride? Veio visitar alguém?" — indagou Sirius.

"É... A Rebbecca Liljeberg está aqui. Também Ava Wilson da minha turma. Mas estão se recuperando bem. E vocês?"

"Winona Rivers e Kabir Dayal. Ficaram bem machucados, mas devem receber alta em algumas semanas..."

Remus se mantinha em silêncio, fitando Pride. Ele se lembrou das palavras de Sirius sobre a sua antipatia em relação ao corvino e da sua má conduta. No fim, Pride havia lutadocom eles no Massacre do dia 31 e, com o seu poder de veela, destruíra alguns Comensais da Morte. Não se sobrevive a um fato histórico terrível e se declara guerra ao companheiro que lutou ao seu lado. Além do mais, Remus não era como os puristas. Não queria ser como eles. E isso era uma escolha.

"E você está bem, Pride?"

O corvino, vendo Remus se dirigir a ele, pareceu um pouco surpreso, mas respondeu com um sorriso. Ele se lembrava de quando Black e Lupin o carregaram para dentro da loja e confrontaram alguns encapuzados no instante em que ele era estrangulado.

"Graças a vocês e ao Potter, sim..."

"Graças a você também, estamos bem..." — retorquiu Remus, sentindo Sirius apertar o seu ombro com aprovação.

Carlson franziu o cenho com estranheza.

"Espera aí, vocês estavam todos juntos no dia 31? Por que não me contou isso, Joshua?"

"Porque eu não sou obrigado a te contar tudo o que acontece comigo!"

A resposta atravessada de Pride fez Carlson ruborizar e Sirius e Remus fingiram olhar para o teto. Um clima tenso se instaurou.

"...Eu vou indo nessa. Mas foi bom encontrar vocês. Mandem lembranças para o Potter!"

"Ele está aqui no St. Mungus... em algum lugar..." — falou Sirius.

"Nossa, é mesmo? Puxa, infelizmente, eu não posso esperá-lo. Tenho que buscar a minha mãe no Beco Diagonal. Está quase na hora de ela encerrar o expediente..., mas, por favor, mandem um abraço para ele." — falou Pride com um sorriso sincero em seu rosto bonito.

"Você vai para o Beco Diagonal? Todo mundo da Escola está evitando o Beco Diagonal!" — alertou-lhe, Carlson.

"Vou, Michael! Minha mãe trabalha lá e somos só nós dois. Já te falei isso milhões de vezes e você nunca prestou atenção. Não quero que ela fique andando por aí sozinha."

"Quer uma carona? Eu tô com a minha vassoura!"

"Não... Vou de Nôitibus Andante. Tchau, pessoal..."

O rapaz corvino avançou até a saída e Carlson o seguiu, aparentemente, tentando convencê-lo a aceitar a sua ajuda. Pride, no entanto, parecia determinado a ir para o Beco Diagonal, utilizando o coletivo bruxo. Sirius ergueu as suas sobrancelhas, falando:

"O gênio dele quando tá de mau-humor me faz lembrar o de um certo alguém..."

"Quem?" — indagou Remus, erguendo a sua cabeça para fitar Black com curiosidade.

"Deixa pra lá! Descobriu algo, Potter?"

"Não podem nem imaginar!"

Antes que Black interpelasse James, os amigos observaram um esbaforido Damon descer a escada lateral do andar térreo e procurar por alguém ao redor, entre as pessoas. Sirius, imediatamente, aproveitando-se da breve barreira criada por uma maca com um paciente que era puxada com magia por alguns enfermeiros, transformou-se em cão. O rapaz estava ficando cada vez melhor na arte de Animagus.

Quando Damon viu Remus, parado com o seu cachorro perto de um dos bancos, avançou para ele com impaciência, tendo as faces vermelhas e o cabelo despenteado.

"Cadê o seu amiguinho, Lupin?!"

"Que amiguinho?" — respondeu Remus com um olhar inocente.

"Ora, não se faz de desentendido! O Potter!"

"Ele tá aqui?!"

"Ele disse que veio visitar o Dayal e a Rivers. Vocês devem ter vindo juntos..."

"Comigo ele não tá."

"Tá sim, sangue-ruim!"

"Quer ver se ele está no meu bolso?"

"Ora, seu..."

O cachorro rosnou para Damon e ele deu um passo para trás.

"Potter vai pagar por ter beijado a minha mãe!"

"Que?" — surpreendeu-se Remus com genuína surpresa.

Até o cachorro, por um segundo, baixou a cabeça com confusão e ergueu as suas orelhas com um grunhido.

"Você me paga, sangue ruim! E Potter também!" — ameaçou-lhe Damon com um dedo em riste. Um tique movia o seu olho, fazendo-o parecer ainda mais perturbado.

O Doyle caminhou com alguma confusão até o elevador e, parecendo transtornado e impaciente, socou com o punho várias vezes o botão até o aparelho parar no térreo e levá-lo ao seu destino.

"Espero uma boa explicação para isso, James Potter..." — falou Remus sobre o seu ombro com um sorriso nervoso.

Minutos depois após o incidente, os amigos estavam reunidos no banco de espera, e James compartilhou a sua experiência após consertar as lentes dos óculos, utilizando a sua varinha. Remus e James escutavam com os olhos arregalados a narrativa do amigo sobre a sua visita ao quarto de Mosague Doyle.

Tocando a mão de James, Remus observou a palma dele em que um eczema era agora nítido nos pontos em que ele havia encostado na teia da acromântula.

"Acho melhor pedirmos para um medibruxo avaliar isso."

"Não é nada demais. Minha m... avó deve ter uma poção para isso."

Sirius, ainda pensativo, comentou:

"Não me lembro de nada de diferente em Mosague quando Orion e Walburga frequentavam a propriedade dos Doyles e me arrastavam junto, mas esses assuntos de sangue são um ninho de escorpiões nas famílias de sangue puro. Agora, sabemos por que os gêmeos parecem loucos..."

James observou a lente intacta dos seus óculos na luz, antes de colocá-los na vista.

"Não é só isso. Vocês se lembram que o irmão deles, o tal de Dominik, falou alguma coisa de eles tomarem a medicação da mãe? Será que tem alguma coisa a ver com a poção que o Sirius achou na casa do Vicente Praga?"

"Talvez. Aliás, você descobriu algo sobre a poção com o amigo do seu pai, James?"

"Esse amigo dele está viajando, mas, na semana que vem, volta para Oxford. Vou poder pedir para ele analisar aquele frasco."

Respirando fundo, Sirius falou:

"Parece que tudo o que cerca os Doyles é esquisito pra caramba. Sei que não acham possível, mas...— Sirius pausou um momento, procurando o olhar de seus amigos — "Tenho certeza de que eles estão envolvidos na morte da Olivia. Sabe, quando você estava lá em cima, Potter, eu e o Remus vimos a Emily Davies chegando aqui no hospital."

"Se chamarmos os professores, podemos ter aula no St. Mungus. Perdi a conta já de quantos alunos de Hogwarts encontramos hoje..." — disse Remus.

"É natural. A Daviespode ter algum amigo hospitalizado aqui." —falou James, dando de ombros.

"Não é só isso. Ela estava diferente. Tipo muito magra, abatida, parecendo assustada e nervosa... Lembram de quando a encontramos após a notícia da morte da Olivia em Hogwarts e ela parecia transtornada...? Como se estivesse prestes a surtar... ou explodir. O que será que aconteceu?"

Os rapazes permaneceram em silêncio por alguns minutos, remoendo todo aquele conjunto de informações que os conduziam a um ponto que não conseguiam vislumbrar, feito um destino indefinido, uma ilha distante cercada por brumas.

Eles observaram, mudos, alguns pacientes voltando em cadeiras de roda do passeio no parque vizinho, sendo guiados por enfermeiros. Muitos bruxos que se encontravam internados ali por meses ou mesmo anos, eram levados em um passeio no fim da tarde para tomaremsol e respirarem ar puro.

"É melhor irmos embora. Está ficando tarde... Precisamos pensar sobre tudo o que aconteceu." — determinou Remus, levando a mão à cabeça — "E o meu ciclo está perto. É melhor eu descansar um pouco."

Os três rapazes se aproximaram, então, da porta giratória da saída, mas deram passagem para uma das enfermeiras do hospital entrar com um paciente empurrado nacadeira de rodas.

O rapaz trazido usava roupas de frio pesadas e tinha um cobertor xadrez sobre as suas pernas trêmulas. Os cabelos muito claros haviam sido raspados e o rosto pendia para o lado, apático e macilento com um fio de saliva descendo pela boca.

Se Remus não tivesse falado o nome dele, talvez mesmo Sirius e James não o tivessem reconhecido.

"Carter..." — murmurou o rapaz de cabelos castanhos, estarrecido pelo estado em que o seu colega de classe se encontrava.

A enfermeira que conduzia o jovem, uma moça corpulenta e de olhos muito vivos, indagou, surpresa:

"Conhecem o Rian?"

Rian Carter havia sido hospitalizado desde o sumiço de Darci Tyrone há meses, e o seu estado catatônico não permitiu o seu regresso para Hogwarts. Era sabido que, talvez, ele ficasse nesse estado para sempre.A sua mente parecia devastada por algo.

É bem verdade que o sonserino nunca havia sido amigo dos Marotos e, muitas vezes, ele fez da vida de Remus um inferno ao lado de Tyrone, mas vê-lo naquele estado era chocante para os grifinórios.

"Ele estudou conosco em Hogwarts." — disse Sirius.

Uma brisa mais gelada soprou enquanto os últimos raios de sol se punham na efervescente Londres, esticando os seus dedos de betume sobre as paredes de um branco translúcido.

Remus pestanejou, sentindo após o calafrio, um calor febril em sua nuca e uma aproximação familiar de seu coração como o hálito doce e conhecido de sua alma. Como uma sombra, algo perpassou a consciência dele, fazendo-o sorrir brevemente e piscar um dos olhos para Carter que o fitava de um limbo com a boca entreaberta.

Aquela presença sutil e inconfundível do Lobo não entendia a compaixão. Mas conhecia a ruína. E, no fim, as criaturas das trevas não esqueciam.

A enfermeira responsável por Carter se sobressaltou quando o paciente começou a se agitar na cadeira de rodas, grunhindo. Ele movia a cabeça para frente apara trás, puxando o ar para os seus pulmões enquanto babava.

Os Marotos se afastaram, então, quando alguns medibruxos correram para tentar acalmá-lo. O cobertor de Carter veio ao chão e os joelhos dele se revelaram agitados, batendo nervosamente na cadeira.

"Rian, calma! São os seus amigos. O que está havendo com você?" — falou a enfermeira, tentando contê-lo.

Remus levou a mão à fronte, sentindo-se tonto e tendo a breve lembrança de ele ajoelhado sobre a grama seca e o cheiro de urina e sangue em suas narinas. Hallow, Greyback, Tyrone... Todos como num sonho distante de contornos indefinidos. Ou numa realidade esquecida... Apagada.

Carter sendo atingido...

Tyrone sendo morto...

A cabeça dele se espatifando no brinquedo do parque com um golpe letal...

Crac!

O Lobo sendo atingido em cheio de um modo diferente. Uma dor profunda e pungente. As trevas o golpe letal.

Puxando o ar para si, Carter, finalmente, ergueu um dedo trêmulo em riste para Remus e formulou a frase com dificuldade, como se mesmo verbalizá-la drenasse todas as suas energias.

"ASSAS... SINO!"

Diante de Carter, Remus o observava com os seus olhos amarelos de lobo.

 

Chapter 19: A Casa dos Potters

Summary:

Os Marotos se preparam para uma temporada na mansão dos Potters, mas Remus precisa lidar com as suas inseguranças. E Sirius tem um encontro desagradável no Beco Diagonal e acaba agindo de forma impulsiva.

Chapter Text

 

https://www.youtube.com/watch?v=OCAdHBrVD2E&list=RDOCAdHBrVD2E&start_radio=1

 

Remus acordou em sua cama de dosséis em Londres. Ele dormia abraçado com o cachorro de pelúcia dado por Sirius Black durante o primeiro encontro que tiveram em Hogsmeade. O rapaz havia trocado alguns dos seus curativos durante a noite e, caminhando até o banheiro, lavou o rosto e escovou os dentes. Remus se olhou, então, no espelho, analisando criticamente o seu reflexo.

Transversal em uma de suas faces, desenhava-se um arranhão profundo. Remus havia usado um feitiço de cura, tentando antecipar a cicatrização do ferimento, sem obter o resultado imediato pelo qual ansiava. Cortes feitos por lobisomens não saravam como cortes comuns. Eles dependiam da ação da prata em pó e do ditamno na corrente sanguínea. O processo levava algum tempo.

“Que ótimo... No dia em que eu vou pra Oxford...” — lamentou-se ele.

O ciclo lupino do rapaz de cabelos castanhos havia sido, particularmente, agressivo naquele mês. Remus havia sentido o Lobo esgueirando-se e espreitando o mundo ao redor no St. Mungus quando ele encontrou Rian Carter naquele estado deplorável. Então, pouco antes de Remus se transformar, eles puderam se falar:

“Por que o Carter me chamou de assassino? Eu acessei um pedaço da memória perdida em mim! Não fui eu... nem você que matou o Tyrone! Foi Greyback!”

O Lobo retrucou com a sua voz mal-humorada habitual:

“Para aquele cabeça oca não faz diferença quem matou o amiguinho asqueroso dele! Nós, Fenrir Greyback, Hallow... Qual é a diferença? Para os bruxos, somos todos assassinos!”

“Mas era importante para mim!” — falou Remus entre dentes, trancafiado no porão dos seus pais enquanto ele sentia os efeitos da transformação doerem em seu corpo— “Por que não me contou a verdade?”

“Porque você é irritantemente sentimental e não pode lidar com as coisas que estão por vir. Deixa que eu resolvo tudo!”

“Você vai sumir de novo então? Hibernar depois de me pedir coisas que não posso entender, como me afastar do Sirius e do James?” — retorquiu Remus, afrouxando a gola da camisa e sentindo a respiração curta. A noite caía.

O Lobo uivou. Dessa vez, ele não se incomodava apenas com o barulho dos veículos e o cheiro de diesel e fumaça das ruas londrinas, mas experimentava algo percebido também pelo rapaz de cabelos castanhos. Ele sentia falta do cão e do cervo.

Ansioso por reencontrar os seus novos amigos, o lobisomem se sentia traído quando se descobriu trancafiado em uma sala no subsolo da casa dos Lupins. A fera estava sem a floresta, sem o ar puro da madrugada e sem os sons noturnos. Sem o céu estrelado e sem o lago. A vida era menos vida.

“Eu sei que afastá-los não é mais possível...” — murmurou o Lobo numa voz quase inaudível, rouca e envergonhada. Ao mesmo tempo, o tom fatalista pairava nas bordas da frase como a constatação excruciante de uma doença incurável.

Remus fungou, sentindo um aperto no coração ao falar com aquela parte de si mesmo que era o somatório de todas as suas incongruências.

“Não me deixa de novo...”

A transformação se rompeu então no corpo de Remus com aquela dor fulminante em suas costelas. A criatura das trevas que morava nele declarou então, antes de assumir o corpo do seu hospedeiro completamente, feito o proprietário de uma casa vazia.

“Garoto bobo... Eu acho que esse amor que você tanto cultua deva ser isso... É sermos estúpidos mesmo juntos ou separados...”

Depois disso, veio a escuridão com o longo ciclo e, após uma semana, Remus agora se recuperava em seu quarto. Para variar, o desgraçado do Lobo havia se silenciado de novo. Mas havia em Remus uma excitação genuína toda vez que ele tinha aquele vislumbre da criatura das trevas em si mesmo como um menino apaixonado que tem a visão do amante a uma distância segura. E isso era bem estúpido.

Em seu quarto, o rapaz de cabelos castanhos despiu o pijama e retirou os curativos, entrando sob a água quente do chuveiro. Logo depois, ele vestiu as suas roupas de viagem e desceu as escadas, ajeitando ainda o suéter.

“Mãe, cadê a minha roupa de banho? Vou precisar dela para entrar na piscina do James...”

Hope, que espremia as laranjas com a sua varinha, preparando o suco do café da manhã, estava ao lado de Lyall, que fritava os ovos em uma frigideira, sobre a qual a espátula se movia sozinha, mexendo as gemas.

“Bom dia, fofinho. Está ali. Encontrei no baú do sótão. Foi a que você usou em nossa viagem à Sardenha...”

Remus se aproximou do sofá em que algumas roupas se encontravam dobradas e ajustou os óculos para inspecionar o traje de banho.

O rapaz se deparou com um shortinho infantil vermelho com duas listas amarelas laterais. Havia um golfinho sorridente bordado na parte traseira, levantando um polegar da sua nadadeira. Era a roupa de banho de Lupin quando ele tinha nove anos de idade e, nessa época, o garoto já se sentia idiota o suficiente com aquela sunga. Com quinze anos, o seu sentimento beirava o desespero.

“Mãe... Eu não posso usar isso...” — disse Remus, medindo a roupa de banho em seu quadril.

“Ora, podemos fazer um feitiço para esticar o tecido. Pensei que ficaria feliz. São as cores da Grifinória...”

“É horrível, mamãe... Eu não posso usar isso na frente dos meus amigos...”

O senhor Lupin tentou ponderar.

“Calma aí, rapazinho. O seu pai sempre dá um jeito em tudo. Vou poder fazer uma reforma para você e a sua roupa de banho vai ser a mais descolada que os seus amigos já viram...”

O pai de Remus alcançou a sua varinha e a moveu, fazendo um movimento e a rodopiando. A sunga se ergueu no ar, sendo esticada ao máximo. No fim, ela ficou, de fato, maior, mas o tecido pareceu um pouco mais transparente e a cara do golfinho se tornou deformada. Até Hope levou a mão ao rosto com pavor. Remus tomou a roupa de banho em suas mãos, arregalando os olhos.

“Precisamos ir ao Gringotes sacar o dinheiro que ganhei com as aulas particulares em Hogwarts! É sério, mãe, eu preciso de uma roupa de banho decente...”

O senhor e a senhora Lupin trocaram um olhar.

“A questão não é só dinheiro, fofinho. Estamos em pleno outono. Não sei se encontraremos uma loja de roupas de banho aberta nem no mundo bruxo e nem no mundo trouxa... Procuramos em vários lugares durante a semana.”

“E combinamos de encontrar com os Potters daqui a duas horas. Podemos tentar achar algo para você em Oxford, filho...”

Remus assentiu, percebendo um certo constrangimento por parte de seus pais.

“O que você vai usar, papai?”

“Eu vou voltar na segunda-feira para o trabalho e não sei se preciso de uma roupa de banho, filho... Aliás, vou precisar dar uma passada no Departamento de Jogos e Esportes Mágicos para fazer uma vistoria na organização da exposição ‘Esportes Bruxos pelo Mundo’. O Ministério vai estar uma loucura na semana que vem.”

O senhor Lupin havia trabalhado durante um longo tempo no Ministério, tendo abandonado o seu cargo quando a família Lupin se propôs a viajar pelo mundo, procurando uma cura para a licantropia de Remus. Retornando para o Reino Unido, Lyall foi contratado pelo Banco Gringotes, onde atuou por alguns anos, recendo ótimos elogios dos duendes, mas, desde o Congresso Internacional de Bruxos da Ásia, o senhor Lupin fora novamente convocado para um cargo do Ministério na mesma Seção onde atuara anteriormente, e, desde então, vinha trabalhando lá.

Lyall Lupin exibia sempre um comportamento diligente em relação às suas tarefas, assim como o filho. A senhora Lupin também voltaria com o marido para trabalhar em sua loja de doces no início da semana.

“E você, mamãe?”

“Também não sei se vou precisar de um maiô, Remus. Mas estou levando o meu da nossa viagem à Sardenha.”

O senhor Lupin passou por trás da esposa, apertando a sua cintura de um jeito maroto.

“E ele ainda veste perfeitamente a mulher mais linda do mundo...”

“Querido!” — censurou-lhe a senhora Lupin, enrubescendo diante do filho.

Remus fitou novamente a cara deformada do golfinho em seu short de banho e procurou não deixar aquele fato estragar o seu dia. Ele estava com um corte em seu rosto e o seu corpo tinha as marcas do seu ciclo lunar evidentes. Talvez fosse melhor não cair mesmo na piscina. Ele não se sentia bem consigo mesmo para se expor daquele jeito diante de seus amigos.

A família tomou o café da manhã junto e, conforme o combinado, os Lupins estavam às onze horas prontos diante da lareira da sala. Eles usavam as suas capas de bruxos e a senhora Lupin tinha a urna de porcelana com o Pó de Flu em suas mãos.

“Você primeiro, fofinho...”

Remus pegou um punhado do pó verde e, olhando para os seus pais, murmurou o seu destino.

“Casa dos Potters em Oxford.”

 

Do outro lado da cidade, Sirius também acordou cedo. Ele precisava ir ao Beco Diagonal sacar o seu dinheiro no Gringotes antes de viajar.

As suas malas já estavam prontas desde o dia anterior e o rapaz havia convencido os pais a deixarem-no ir ao banco sem a companhia de Kreacher. Passada mais de duas semanas após o Massacre do dia 31, o Beco Diagonal, vigiado agora por Aurores, não apresentara novas ocorrências e o lugar, pouco a pouco, segundo o que Sirius havia escutado, retomava um pouco do seu ritmo habitual. Alguns pais, gradualmente, também pareciam mais calmos, dada a posição do novo Ministro de agir com rigor.

O rapaz de cabelos compridos vestiu os jeans que havia rasgado com um canivete e colocou a sua jaqueta de couro sobre os ombros. Sirius, recentemente, havia visto alguns jovens trouxas se vestindo assim em uma das avenidas de Londres e ele, automaticamente, identificou-se com o estilo.

Na ocasião, Black, trajando um alinhado terno, caminhava ao lado de um invisível Kreacher quando foi cantado por dois jovens. A trouxa, uma moça de cabelo black power e calças boca de sino e o rapaz, um garoto de cabelos ruivos, chapéu e casaco de franjas, piscaram para ele, dizendo:

“Oi, riquinho...”

Black se voltou para trás, sorrindo para os dois trouxas que o notaram.

“Quer o meu número, gostoso? Nossa, que pão!” — sussurrou a moça.

Sirius mexeu no seu cabelo um pouco sem graça e não sabia muito bem de qual número os trouxas estavam falando, mas ele achou os jovens londrinos descolados e rasgou as suas calças, fascinado por aquele estilo das ruas. Kreacher, ao seu lado, resmungava com azedume:

“Bando de sangue-ruins que parece que caíram da vassoura... Olha a cara daquele ali...”

Na mansão, Sirius desceu as escadas para avisar aos Blacks que sairia. Ele tentava, naquela semana, não aborrecer os pais, visto que não queria perder um centímetro sequer da liberdade da qual estava muito feliz em usufruir. Além do mais, Sirius precisava se despedir de Regulus, que também sairia em viagem.

Orion e Walburga, perto da lareira da sala, ao se depararem com o filho mais velho, olharam-no de cima a baixo com choque.

“Que diabo de calças são essas?! Você as rasgou? Não bastasse usar roupas trouxas, ainda fez isso com elas?”

“Bateu com a cabeça? Você parece um indigente! Nunca vi algo mais deprimente na minha vida.” — determinou Walburga com uma expressão de desgosto.

“É a moda! As pessoas legais de Londres se vestem assim!”

“Trouxas se vestem assim, Sirius! Trouxas! Você é um bruxo! Parece que foi atropelado por uma manada de arpéus! Só falta usar a camisa daquela seita que esses trouxas jovens adoram, a tal de Ramones. Nunca vi algo mais feio!”

“Eu achei legal!” — interveio Regulus com as suas malas prontas, próximo à lareira. O menino usava um terno do seu tamanho e a sua capa de viagem — “Posso ter uma calça assim também, mamãe?”

“Mas nem pensar! Já basta aquela garrafa de champanhe que você esvaziou sozinho e criou tanta confusão! Seu irmão tem sido um péssimo exemplo para você! E eu tenho até medo de que você, Regulus, se comporte mal na casa da tia Antares.”

“Me deixa ficar aqui então, mamãe! Eu prometo não criar mais confusões...”

“Uma temporada na casa da tia Antares o colocará novamente nos eixos, Regulus, e eu preciso de descanso...”

Os dois rapazes da família Black trocaram um olhar. Sirius havia tentado interceder pelo irmão, mas fora voto vencido. Regulus deveria ter ido para a casa da tia Antares no meio da semana, mas a sua partida fora adiada devido a uma viagem rápida da bruxa à França. O garoto se via obrigado, agora, a passar o resto do recesso ao lado da parenta rabugenta.

Kreacher, com um olhar tristonho e visível desapontamento pelo seu patrão favorito ir embora, passou-lhe uma mala menor.

“Preparei um lanche para o patrãozinho Regulus. Tente comer mais verduras e legumes ao invés de doces e guloseimas apenas. O patrãozinho precisa de nutrientes para ser um bruxo forte...”

O garoto olhou a malinha com um olhar desconfiado.

“Você colocou espinafre batido na maionese do meu sanduíche, Kreacher? Fez pão de beterraba...? E o meu suco é de cenoura como preparou no outro dia?”

O elfo baixou as orelhas meio desconcertado, não podendo mentir e não ousando falar a verdade. Kreacher vinha padecendo ao criar estratégias para fazer Regulus se alimentar de forma mais saudável, escondendo muitas vezes as verduras em comidas que ele gostava. Passada a euforia do reencontro em que Kreacher havia preparado todas as comidas favoritas de Regulus, o elfo fora advertido pelos Blacks que o menino precisava comer direito.

O garoto, por sua vez, não querendo desagradar o elfo doméstico, acabava cedendo. De modo que, com uma expressão não muito feliz, Regulus assentiu, fazendo Kreacher sorrir.

“Obrigado, Kreacher! Vou comer tudo. É muito melhor do que as torradas duras da tia Antares e aqueles chás de fertilidade amargos...”

Os Blacks se despediram do filho e Sirius viu o irmão sumir entre as labaredas verdes, murmurando “Casa da tia Antares”. Logo após, Sirius se preparava para subir as escadas, avisando que iria até o Beco Diagonal quando Orion lhe chamou até o escritório.

O rapaz de cabelos compridos viu a porta do ambiente um tanto escuro com livros e mobília reluzente se fechar atrás de si, após seguir o pai com alguma desconfiança. O ambiente era amplo, mas exalava um ar claustrofóbico. O cheiro guardava o resquício dos charutos de Orion e de flores asfixiadas ali dentro.

“Precisa de dinheiro para essa viagem à Oxford?”

“Não. Tenho o suficiente na minha conta. Preciso só ter certeza de que enviou uma coruja ao banco, autorizando o saque...”

Orion, que se acomodava na cadeira de espaldar alto diante da sua mesa de mogno, fitou o filho, indicando-lhe a cadeira.

“Sente-se...”

Sirius espreitou em silêncio o assento por alguns segundos como se ele fosse engoli-lo, antes de aceitar se sentar. Orion perguntou, então, sem meandros:

“O que foram aqueles arranhões e mordidas nos seus braços e pescoço que eu vi no início da semana? Não quis perguntar isso diante de Walburga e de Regulus e venho protelando até então...”

Black havia tentado ocultar ao máximo as marcas deixadas pelos encontros furtivos que tivera com Remus, usando inclusive echarpes e cachecóis dentro de casa, mas, em algum momento que Sirius se distraíra, Orion, certamente, os percebera. O rapaz de cabelos compridos contaria então as mentiras que agradavam ao pai.

“Foi a garota que encontrei na quinta-feira...” — falou Sirius, evocando outra mentira que havia dito a Orion para poder visitar Winnie e Dayal no St. Mungus na semana anterior.

Orion fitou o rapaz com algum entendimento, mas lhe advertiu:

“Não deve deixar as mulheres tratarem o seu corpo daquele jeito... Não dê esse poder a elas. Elas podem achar que mandam em você.”

Sirius se moveu na cadeira com algum desconforto. Definitivamente, ele não queria ter aquela conversa com Orion.

“Gosto do jeito da minha garota. Era só isso?” — indagou o rapaz, fazendo menção de se levantar.

“Ela é sangue puro?”

Sirius respirou fundo com impaciência.

“Olha só, eu não sei como se relaciona com as pessoas, Orion, mas eu não pergunto para cada garota com quem eu saio a procedência do sangue dela. Acho que pega mal e estraga o clima...”

Sirius, de fato, antes de namorar Remus, ao ficar com garotas, nunca fez perguntas idiotas sobre a pureza do sangue das meninas com quem saía. Ele não era purista e, realmente, não se importava com isso. Sendo sincero, o rapaz tinha alguma prevenção justamente contra as garotas de sangue puro, principalmente quando pertenciam à alta sociedade. Sirius temia que os ideais delas pudessem ser semelhantes aos dos seus pais e isso era um fator extremamente desanimador.

Orion fitou o filho antes de redarguir com gravidade:

“Hunf, mas vai precisar levar em consideração a pureza do sangue quando se casar. Não pense que sou um purista extremamente intolerante como Walburga. Eu não me importo que se divirta com algumas namoradas sangue-ruins, desde que tenha em mente que esses arroubos da juventude são passageiros...”

O rapaz de cabelos compridos baixou o seu olhar. Ele já havia ouvido algo semelhante proferido pela boca de Damon Doyle quando caíram no braço em Hogwarts. Sinceramente, Sirius não sabia qual faceta do purismo podia ser pior.

“... Eu mesmo já estive com sangue-ruins, mas, obviamente, não foi nada que pudesse ser levado a sério. Claro que prefiro também que se entretenha com elas do que firme um casamento com a sua prima Bellatrix, por exemplo. Fiquei estarrecido quando Walburga surgiu com essa ideia estapafúrdia... Há uma instabilidade psicológica em Bella e não quero ter netos com aquela personalidade...”

Sirius deu um sorriso enviesado. Havia instabilidade psicológica em toda a família Black! Se chacoalhassem a tapeçaria da família, talvez somente o tio Alphard e Regulus se salvassem da loucura, pensou Sirius. Andrômeda também, mas essa fugira para as montanhas e havia sido apagada da árvore genealógica para sempre.

“Ótimo! Porque eu não tenho a mínima vontade de me casar com ela também. E não quero falar sobre casamento! Tenho dezessete anos e ainda estou no quinto ano da Escola, Orion!” — argumentou Sirius com impaciência.

“Mas já está rodeado de garotas! Tome as suas poções contraceptivas. Não quero um neto bastardo sangue-ruim na minha porta. Eu já tive a sua idade, Sirius... Sei como essas coisas são...”

“Não quero falar sobre isso com você, Orion, e eu sei como me cuidar...” — rosnou Sirius com mau-humor, cruzando os braços.

Orion Black prosseguiu com um meio sorriso, tamborilando os dedos no tampo escuro da mesa.

“Na minha época, sangue-ruins não andavam por todos os espaços como andam no mundo torto em que estamos vivendo hoje. Mas já havia alguns deles em Hogwarts. Eu lembro de Natalie Smith. Uma nascida trouxa da minha época. Ela era linda! Com olhos e cabelos castanhos. Não havia um garoto na Escola que não fosse doido por ela. Mas fui eu quem a chamei para sair...”

Sirius pestanejou, fitando o pai. Ele nunca havia o ouvido falar sobre aquilo antes. O grifinório estudou o olhar nostálgico do homem diante de si.

“E aí? O que aconteceu?”

Orion sorriu, abrindo os seus braços teatralmente.

“E aí que eu ganhei a aposta com os garotos da Sonserina. Após três encontros bem-sucedidos e muito intensos, eu a larguei. Ela acreditava que eu estava apaixonado, mas, obviamente, estava somente me divertindo. Após alguns meses, ela deixou a Escola. Deve ter voltado para a vida trouxa de onde não devia ter saído...”

Sirius assentiu, olhando para os seus sapatos com um desconforto amargo. Claro, não poderia ser uma história diferente, vindo de sua família. Sirius sabia desde a infância como o seu pai podia destruir jovens por meio da sua toxicidade predatória. O rapaz de cabelos compridos manteve o seu olhar cinzento baixo e não pode deixar de perceber sob os seus pés a divisória no chão do alçapão de Orion.

Desde sempre, Regulus e ele foram proibidos de adentrarem o escritório do pai, caso não fossem chamados. Uma vez, Regulus, de pirraça, quando tinha uns seis anos, escondeu-se lá para não tomar uma poção para tosse administrada por Kreacher. O menino, quando foi descoberto, encolhido sob a mesa com uma cara travessa, levou algumas palmadas bem fortes de Orion e o irmão precisou intervir, levando a sua cota de punição também. Black já havia escutado o pai e Walburga falando dos documentos da família, tesouros e artefatos guardados ali e da sala secreta. Certamente, conhecendo a família como conhecia, Sirius sabia que coisas muito escusas deviam ser escondidas nas entranhas daquela sala.

Orion, observando o filho, continuou a falar:

“...Sabe de uma coisa, Sirius? Tem um padrão muito interessante nos sangue-ruins. Eles têm uma certa ansiedade para fazerem parte do mundo bruxo; um desespero em se encaixarem no nosso universo. Daí, eles se esforçam ao máximo para serem aceitos; para ascenderem; para serem engolidos por nós. Principalmente, quando são pobretões como a Natalie Smith era e veem tudo o que temos. Eles abandonam a vida medíocre deles de trouxas e querem muito que tudo dê certo aqui. Mas eles não pertencem a esse meio. São intrusos que não têm o que temos.”

O que a família Black tinha, pensou Sirius, era somente instabilidade emocional; muitos membros infelizes; empáfia e, de fato, muito dinheiro.

“...Espero que tenha juízo nessa viagem à Oxford, Sirius. Não ouse me desapontar, principalmente quando se cerca de colegas apoiadores de sangue-ruins...” — pontuou Orion com um olhar firme, sustentado por Sirius.

O pai fez um gesto, permitindo que o filho se retirasse. Sirius se levantou e caminhava até a saída do escritório aliviado por sair dali, quando se lembrou de algo que queria perguntar a Orion há um tempo. Ele se deteve diante da maçaneta da porta antes que a girasse.

“Você e Walburga abortaram mesmo uma criança?” — disparou o rapaz, sem qualquer preparo.

Um silêncio pesado se fez no ambiente enquanto Sirius se mantinha de costas para o pai. O rapaz trazia à tona o que fora vociferado pela mãe na carruagem de testrálios no dia em que ele e Regulus haviam voltado de Hogwarts.

“Ela não sobreviveria...” — respondeu Orion secamente.

“Walburga disse que vocês a abortaram por ela não ter poderes bruxos.”

“Walburga ficou grávida entre o seu nascimento e o de Regulus. Ela já havia tido um aborto espontâneo antes.” — falou Orion, acendendo um de seus charutos — “Quando fomos à vidente dos Blacks, ela nos apresentou a situação. O bebê não seria uma criança forte e não podíamos passar pelo constrangimento de ter uma filha sem magia. Ela teria que ser encaminhada para tentar se adaptar ao mundo trouxa e isso não acontece com os Blacks. Walburga estava empolgada com a possibilidade de ser mãe de uma menina e ficou arrasada. Sabe como ela é sentimental...”

Sirius pestanejou, sentindo um profundo mal-estar e se perguntou quantos outros Blacks não haviam sido apagados da tapeçaria da família antes mesmo de existirem. O rapaz de cabelos compridos se preparou para fazer outra pergunta.

“Tem outra coisa que gostaria de saber. Por que os Doyles se hospedaram aqui quando compraram uma propriedade em ?”

“Porque tínhamos negócios a resolver e porque nossas famílias são amigas. Não me alegra nada esse seu estranhamento com Damon e Davos.”

Sirius se virou para fitar o pai.

“Mosague Doyle veio junto?”

Orion observou o filho com alguma desconfiança.

“Não, Mosague ficou na casa antiga. Parece que eles queriam uma residência maior, visto que a antiga não estava atendendo mais às necessidades deles. Mas por que essa curiosidade sua sobre os Doyles...?”

Sirius fingiu desinteresse.

“Por nada... Estou tentando me inteirar dos fatos... Teve contato com os Davies recentemente?”

“Poucas vezes. Mas se quer bancar o fofoqueiro, talvez goste de saber que Emily Davies ficará noiva de Vincent Praga em breve.”

Sirius franziu o cenho.

“A Davies e o pente... e o Vincent Praga?”

“Sim. Agora, é melhor ir logo para o Beco Diagonal antes que eu mude de ideia e mande Kreacher acompanhar você. Ah, já ia me esquecendo...” — Orion moveu a sua varinha em direção ao filho, girando-a após dizer algo.

Sirius viu o seu jeans rasgado e a sua jaqueta de couro se transformarem em um alinhado terno escuro com corte de alfaiataria. Havia um relógio de corrente pendurado em seu bolso e os seus sapatos estavam lustrados. Sobre os ombros, a capa de bruxo lhe caía como um sobretudo. Os seus cabelos estavam penteados para trás e presos em um rabo elegante. Aquela era uma das roupas que estavam guardadas no armário de Sirius. Orion havia trocado a roupa do filho, vestindo-o com aquelas vestes sofisticadas e atirando as antigas no closet, sendo a sua verdadeira vontade a de atirá-las no lixo.

“Quando tiver a sua casa e se sustentar, pode vestir a porcaria que quiser, mas até lá, sendo meu filho e morando aqui, não vai andar por aí como um trouxa sem eira nem beira, me envergonhando. Agora, pode se retirar e se ousar mudar de roupa, vestindo aqueles trapos de novo, vou cancelar essa viagem para Oxford...”

Foi a contragosto que Sirius foi para o Beco Diagonal, vestindo as roupas escolhidas pelo pai. Era uma ocasião informal e ele se sentia engessado naquelas vestes caras. Descendo em uma lareira pública, o rapaz seguiu imediatamente para o Banco Gringotes, retirando de sua conta bancária, junto aos duendes, uma suntuosa quantia para as suas despesas.

O rapaz de olhos cinzentos aproveitou para dar uma olhada ao redor no comércio. Graças à magia, boa parte das lojas destruídas já haviam sido reerguidas e Aurores transitavam pelo lugar em grupos de quatro ou cinco. Alguns estabelecimentos haviam implantado uma vistoria das varinhas de seus clientes como medida de segurança. Além disso, alguns cartazes advertiam que os bruxos não deviam circular pelo local portando máscaras ou vestindo capuzes, podendo ser tomados como terroristas.

Sirius aproveitou para esticar a viagem até a loja Instrumentos de Escrita Escribbulus, a fim de comprar pergaminhos e tinta. Seu estoque dera uma boa reduzida com as cartas que escrevia frequentemente para os seus amigos e o rapaz achou melhor aproveitar a oportunidade. Black escolhia o tamanho A4 de pergaminhos, retirando-os de uma gaveta e procurava pela marca de nanquim da qual gostava quando ouviu uma voz fria por trás das prateleiras.

“Você está enfeitiçada por seus novos amigos populares! Achei que achasse o Potter insuportável!”

Uma outra voz conhecida retorquiu:

“Não estou enfeitiçada! E ele não é insuportável! Quer dizer... Reconheço que ele era uma pessoa difícil nos anos anteriores, mas, neste ano, ele está bem legal...”

“Você esqueceu de tudo o que ele fez com as namoradas dele, Lily?! Do jeito que ele me trata? Você mesmo dizia que achava o Potter um grande filho da mãe com as namoradas dele e comigo. Agora, está toda amiguinha dele!”

“As pessoas mudam, Severus. Todo mundo pode querer melhorar. No início do quinto ano, a Raven e a Winnie tiveram muita paciência comigo e relevaram algumas más condutas minhas. Eu não gostaria de ser julgada por quem eu fui, mas quero ser vista por quem eu sou. Potter também é amigo da Julian, da Raven e da Winnie. E eu sou amiga do Sirius, do Remus e do Pettigrew também. Somos todos da Grifinória e é bom que possamos nos dar bem...”

Sirius escutou um silêncio se fazer no ambiente.

“Você podia ter argumentado com o Chapéu Seletor que queria ir para a Sonserina, Lily!”

“Mas eu não quis argumentar. Eu adoro ser da Grifinória, tanto quanto você gosta de ser da Sonserina, Severus...”

Snape fitou a garota por alguns segundos.

“O Potter e o Black jogaram aquele feitiço em mim, queimando o meu uniforme. Acha que o que eles fizeram foi legal?”

“Não, achei péssimo e discutimos por isso se quer saber. Mas, antes disso, você usou um feitiço desconhecido para cortar o rosto do Potter sem motivo nenhum, Severus. Eu vi James com o curativo!”

“Daí, o Potter foi rapidinho se queixar para você pra se fazer de vítima!”

“Não! Ele não tocou no seu nome. O Lupin que me contou depois.”

Um novo silêncio se fez, antes que Snape retorquisse:

“O Lupin é outro que se ilude com o Black e o Potter! Quero ver quando for chutado pelos dois...”

“Isso não vai acontecer, Severus. O Black e o Potter adoram o Lupin. Entendo que você se sinta chateado por nutrir sentimentos pelo Lupin, mas...”

“Eu não sinto mais nada pelo Lupin! Ele é desprezível feito os amigos dele! E, Lily, você se sente no direito de me alertar sobre as pessoas com quem estou andando, mas não admite qualquer crítica ao seu precioso Potter!”

“Eu estou ciente dos defeitos do Potter, Severus! Mas não vou ficar nutrindo esse ódio do qual você quer que eu participe. E eu venho te alertando sobre algumas pessoas da sua Casa porque me preocupo com você! Você estava sentado em Hogwarts com os Doyles, Severus! Com os Doyles!”

“E qual é o problema?! Por que você se incomoda tanto com eles? Antigamente, você me contava as coisas, Lily, mas hoje não me fala nada. Por que não gosta deles? O que eles fizeram com você?”

“Eles são gente ruim, Severus! Gente que não presta! Não são companhia para alguém como você! Sabe o que eles pensam de nascidos trouxa e mestiços como nós dois?”

“As coisas nem sempre são o que parecem, Lily! E acho que se conhecesse os Doyles melhor, gostaria de conversar com eles. Acho que gostaria também do Malfoy. Ele fala coisas muito interessantes sobre uma revolução no mundo bruxo. Eles não são tão ruins assim e, além do mais, as pessoas mudam... Você mesma disse isso!”

“Severus, eu não te reconheço mais às vezes...”

“E eu menos ainda! Você está mais diferente ainda do que naquela época que começou a andar com o pessoal mais velho e popular da Escola. Aquela época que você bebia; fumava e ia às festas...”

“Aquela não era eu! Mas o que eu te digo agora, digo com todo o meu coração.”

“Aposto que o Potter só é seu amigo pra tentar ficar com você...” — disparou Severus.

A menina se manteve um tempo em silêncio.

“Isso é cruel de se dizer, Severus! Ele me chamou para sair e eu disse ‘não’. Daí, ele continuou sendo meu amigo e conversamos sobre várias outras coisas... Ele parece gostar de ser meu amigo.”

“Ele vai ser seu amigo só até te enganar. Depois, vai partir para outra como fez com todas as namoradas. Esse é o efeito Potter e você caiu direitinho...”

“Eu não caí!”

Com alguma chateação, Sirius saiu detrás da prateleira de ferro quando um silêncio se instaurou e Lily e Snape se afastaram. O rapaz de cabelos compridos não se deixaria passar sem ser percebido em uma situação em que o Ranhoso acendia uma fogueira e queimava vivo um dos seus melhores amigos diante da garota de quem ele gostava.

James podia não ter agido da melhor forma com as garotas e Lily tinha o direito de levar isso em consideração na sua decisão de aceitar ou não as investidas do grifinório. Mas Black não gostou do esforço que Snape fazia para envenenar qualquer aproximação de Evans e Potter.

“Olá, Lily.” — cumprimentou-a Sirius.

Evans pareceu surpresa quando Black se revelou. Snape, ao seu lado, congelou. O sonserino usava um suéter gasto e demasiadamente grande para o seu corpo magro. Havia um furo em seu sapato gasto e os seus jeans pareciam desbotados e curtos para as suas pernas compridas. Com desconfiança, ele olhou Sirius de cima a baixo, mirando as suas roupas alinhadas e da alta sociedade. Uma intercessão de rancores se desenhou em sua sobrancelha erguida.

“Sirius, você por aqui...” — saudou-o Lily.

Black fitou diretamente Snape, semicerrando os seus olhos cinzentos. Ele reparou que o sonserino tinha uma pedra ônix pendurada em um cordão no pescoço.

“Vim comprar alguns pergaminhos e tinta. Ouvi quando falavam o nome de Potter e percebi que era você acompanhada de... Snape.”

Evans pareceu desconcertada.

“Conhece o Severus, não é, Sirius?”

“Sim, o suficiente.” — retorquiu Black, fitando o outro rapaz — “Não sabia que ainda eram tão amigos.”

“Somos amigos e nos conhecemos há muito tempo. Moramos perto e combinamos de vir juntos ao Beco Diagonal, agora que as coisas parecem mais tranquilas. Lupin e Potter estão bem? Pettigrew também?”

“Sim! Vamos todos nos encontrar hoje na casa dos Potters, em Oxford. James disse que ia convidar você e as outras Morganas. Quer dizer, com exceção da Winnie, que não está autorizada ainda a viajar... Você vai, não vai?”

Snape, nesse momento, olhou de uma forma agressiva para Lily.

“Na verdade, não sei ainda...” — explicou-se Evans.

“Nossa, que pena... Tenta ir sim.”

Snape voltou a fitar Sirius de cima a baixo e falou com uma voz cortante.

“Não se cansa de viver sob a sombra do Potter, Black?”

Lily arregalou os olhos, parecendo nervosa. Sirius sorriu antes de retorquir:

“Não! É ótimo! Devia experimentar também, Snape! Mas acho que você já tenta viver embaixo da sombra do James, falando mal dele para a Evans e tentando desmerecê-lo a qualquer custo!”

“Falei somente a verdade! Vocês são insuportáveis! Lily disse que estavam no Massacre do dia 31. É uma pena terem saído vivos!”

“Severus!” — tentou contê-lo Lily.

Sirius pestanejou.

“Para desespero seu, estamos melhores do que nunca, Ranhoso!”

“Não me chama de Ranhoso, seu filhinho de papai arrogante! Seria ótimo se você e seus amiguinhos fossem expulsos de Hogwarts e eu não precisasse nunca mais olhar para a cara de vocês!”

“Continua desejando. Quem sabe não acontece...”

Lily se colocou entre os dois garotos enquanto o funcionário do local se esticava por trás do balcão.

“Vocês não vão brigar aqui, não é?”

“Eu já vi você, o Potter e o Lupin saindo de madrugada pelos corredores. Já vi vocês matando aula e já vi os três fumando. Se eu quiser, é só eu contar para o Filch.” — ameaçou-o Snape, falando por sobre a cabeça de Lily enquanto ela tentava contê-lo.

“Você tem que parar de vigiar a nossa vida, Ranhoso! E nós não estamos em Hogwarts...”

“Cansei de ver você, o Lupin e o Potter andando também até o Salgueiro Lutador! O Lupin, quando se ausenta da Escola, vai para aquela direção todas as vezes desde os anos anteriores. Tenho vigiado vocês há algumas semanas e comecei a juntar os pontos. Eu tenho uma teoria! Por que o Lupin sempre aparece com arranhões e os olhos dele ficam amarelos perto da lua cheia? Você também estava com o pescoço arranhado uma vez, Black. O Lupin é um lobisomem!”

Sirius e Lily trocaram um olhar significativo. Snape, em suas ameaças, alcançava um terreno demasiadamente perigoso. Os dois grifinórios se alarmaram. Evans interveio com uma voz firme:

“Essa é a coisa mais sem sentido que já ouvi na vida, Severus! Eu já falei para parar de vigiar as pessoas...”

Na verdade, Snape não somente vigiava os grifinórios por quem sentia uma profunda antipatia. Ele invadiu também, certa vez, os pensamentos de Black na última semana que Remus se ausentara e enxergou através de uma visão hábil em meio a penumbra um animal encostando o focinho próximo ao rosto de Black. O sonserino havia estranhado a presença forte de outros sentidos na memória como o cheiro da resina das árvores e o ruído de passos não humanos. Black sentia uma ansiedade repleta de confiança e sem tantos medos. Seu ego adormecia. Que tipo de memória era aquela, a de Sirius? Severus, sem perceber, mergulhava nas lembranças de um cachorro. E por serem de um animal, a sua leitura não era exata.

Posteriormente, quando Snape tentou invadir novamente os pensamentos de Sirius, foi repelido como se alguém fechasse uma porta em sua cara. Aquele era um segredo que Black guardava firmemente sob outros segredos seus. Ele não queria que ninguém soubesse. Preferiria morrer a falar daquilo.

“Acho que você devia ouvir a Lily e parar de inventar histórias, Snape. Você transformou o James em um predador emocional e o Remus em um lobisomem. Eu não gosto nem um pouco de gente falando mal dos meus amigos!” — determinou Sirius com uma gravidade ameaçadora.

“Então, responde o que tem perto do Salgueiro Lutador! O que vocês fazem lá?”

Sirius e Lily trocaram outro olhar tácito. Os dois grifinórios pareciam perder um pouco da sua paciência com a postura invasiva de Snape.

“Nada que seja da sua conta, Ranhoso.” — encerrou Sirius, a conversa — “Foi ótimo poder te encontrar, Lily.”

Sirius se encaminhou para o balcão do atendente da loja, a fim de efetuar o pagamento dos pergaminhos e da tinta nanquim. O rapaz viu Lily e Severus engatarem em uma discussão acalorada e dentre as palavras, entreouviu:

“Potter não presta! Black também não! Eles devem estar fazendo algo de errado na orla do Salgueiro Lutador! Deixa só os professores saberem! Vou enviar uma coruja para eles!”

“Uma aluna do primeiro ano foi morta, Snape! A Escola está sendo investigada e estamos em recesso. Você não vai escrever para os professores, incomodando-os com essa história...”

“Eu vou sim! E vai ser ótimo se o Potter e o Black não puderem nunca mais pisar em Hogwarts!”

Lily levou a mão ao rosto quando o sonserino deixou o estabelecimento com visível irritação. A garota de cabelos ruivos parecia extenuada um pouco, após uma sucessão de palavras tóxicas ditas por Snape. Sirius acompanhou a cena e acenou para Lily quando ele deixou o lugar.

Black sentiu um pouco daquela negatividade em si mesmo. Incomodava-o o fato de o Ranhoso vigiar os Marotos. Irritava-o. Ele, Remus e James acreditavam terem sido extremamente cuidadosos ao utilizarem a passagem secreta do Salgueiro Lutador para não serem descobertos. Se a Escola toda soubesse que Remus era um lobisomem, o rapaz, fatalmente, precisaria ser afastado de Hogwarts. E isso partiria o coração dele. Partiria o coração dos Lupins. E de seus amigos. Sirius não imaginava uma Escola sem a presença de Remus. Nem a sua vida.

“Então, você desejou que eu, Remus e James morrêssemos no Massacre do dia 31, hein, Ranhoso? Interessante...” — pensou Black, sendo tomado por aquela loucura de gerações.

Sirius caminhou até a saída da loja, atravessando o portal do estabelecimento. Do lado de fora, na calçada, ele se deparou com Snape esperando Evans com uma expressão contrariada.

Severus fitou novamente Sirius dos pés à cabeça. Aquele era o garoto que as meninas de Hogwarts coroavam como o príncipe da Escola. Puro sangue; rico; artilheiro do time de Quadribol da Grifinória; bom nos estudos; popular; confiante; elegante; debochado... O que havia em Black que Snape não odiasse?

Sirius acendeu um de seus cigarros perfumados, estalando os seus dedos. Ele soprou um anel de fumaça, dirigindo-se ao sonserino.

“Escuta aqui, Ranhoso, se quer ver de perto o que fazemos, por que não vai dar uma checada com os seus próprios olhos? Se está tão certo de sua teoria, por que não prova? O Salgueiro Lutador tem uma passagem secreta. Basta apertar um nó na base da árvore que ele fica imobilizado. Remus tem um humor terrível quando se aborrece, mas não é um lobisomem. No entanto, se está tão confiante de que na lua cheia ele se transforma e fica uivando para a lua, prove! Caso contrário, você parece somente um garoto amargurado e invejoso contando mentiras sobre pessoas que não estão nem pensando em você.”

Snape, erguendo a cabeça com os cabelos muito negros emoldurando o seu rosto pálido, tocou na varinha dentro das suas vestes. Sirius imitou o gesto.

“...Mais uma coisa, Ranhoso. Eu não vou chutar o Remus só porque você quer. Ele é importante demais para mim. Mas, se quer saber, fez a coisa certa em tirá-lo da sua cabeça. Acredite, Lupin é poção demais para o seu caldeirãozinho. Passar bem.” 

Severus, espumando de raiva, maneou a cabeça e fitou o grifinório, que, consultando o seu relógio de corrente, dava-lhe as costas, caminhando em direção à lareira pública que havia utilizado anteriormente. O sonserino sentia uma vontade quase incontrolável de usar a sua varinha de moto letal contra Black. Ele sentia quase uma coceira, um ímpeto em seu pulso magro. Sectumsempra, pensou Severus, sem pronunciar o feitiço.

 

Os Lupins chegaram à casa dos Potters em Oxford pouco antes do horário do almoço. Após todos se cumprimentarem, os pais de Remus e James engataram em uma conversa animada na sala de estar. Os garotos, então, seguiram para a varanda, sentindo a brisa gelada da manhã que vinha da direção das faias da floresta.

“Acha que o Black sabe o que estamos tramando?”

“Acho que ele nem sonha...” — respondeu Remus com o seu sorriso gentil enquanto levantava a gola do casaco.

“Melhor assim. Que tal conhecer a casa, Remmy?” — convidou-o James.

O grifinório mostrou a ampla propriedade ao outro rapaz e lhe apresentou às pessoas que trabalhavam na casa. James levou-o também até a piscina no terraço.

Remus pestanejou diante do espaço que recriava a aparência e a temperatura de um hotel de veraneio. Lupin já havia visitado o apartamento dos Potters em Londres, mas vinha à mansão da família pela primeira vez. Com algum constrangimento, o rapaz se lembrou de Pettigrew, certa vez, comentando sobre a fortuna da família de James e de como a amizade entre eles era inusitada. Os Potters eram tão da alta sociedade bruxa quanto os Blacks. A diferença é que não compartilhavam dos mesmos ideais destrutivos.

Remus se recordou, então, das férias passadas em que os dois amigos permaneceram boa parte daqueles meses hospedados na sua casa de móveis gastos, quartos simples e com escadas rangendo. O rapaz se sentiu um pouco acanhado quando se lembrou de James dormindo em uma cama montada no chão.

Lupin entendia que a família de Sirius era tóxica e que a sua casa era um refúgio para ele, mas não compreendia por que James parecia ter gostado tanto de ficar lá, oferecendo-se até para fazer, algumas vezes, a arrumação dos quartos; a limpeza do jardim e o preparo das refeições. James era um rapaz enigmático.

“Como você ficou se sentindo após o que houve no St. Mungus?” — indagou James de modo privado ao amigo.

Remus deu de ombros e ajustou a armação dos óculos.

“Não tão mal, eu acho. Eu escrevi para Madame Pomfrey contando o que houve e perguntei se haviam descoberto alguma coisa do paradeiro de Fenrir Greyback e Hallow...”

“E então?”

“Nada! É como se o chão tivesse se aberto e os dois tivessem sido engolidos! Meus pais também tentaram achar algo sobre eles, sem sucesso!”

James deslizou a mão por sua nuca, pensativo.

“É, eu não tenho sabido muitas das notícias sobre ataques de lobisomens, exceto pelo fato de St. Claire se manter sob o domínio deles. Será que Fenrir e Hallow... morreram?”

Remus respirou fundo, ajustando novamente os óculos sobre o nariz.

“Duvido... De alguma forma, acho eles que estão ainda por aí, planejando algo. Mas eu confesso que... tirei um peso das costas ao descobrir que não matei o Tyrone. Por pior que tenha sido ver Fenrir fazendo aquilo, eu me senti... livre.”

James fitou a água límpida da piscina com cheiro de poções purificadoras e questionou o amigo em meio à calmaria:

“E o que será que você estava fazendo com Fenrir e Hallow naquela praça em que Carter enlouqueceu e Tyrone...?”

“Eu não faço ideia! Toda vez que penso nisso, a minha cabeça dói e sinto um aperto bem aqui...” — respondeu Remus, levando a mão ao peito — “Como se eles tivessem feito algo com o Lobo também...”

“E você falou com o seu Lobo?”

“Sim, mas ele está tentando me manter afastado. Eu sinto falta dele. É estranho se sentir tão atraído por algo e ter que se manter distante...”

James fitava ainda a água plácida da piscina e remoeu os seus próprios demônios quando respondeu, sem ousar fitar Remus:

“Eu imagino...” e, depois de um arrastado minuto em que os dois comungavam do silêncio, James falou— “Os pais do Tyrone têm que saber o que houve com o filho deles. Deve ser horrível ter um filho desaparecido por tanto tempo sem um fechamento...”

Remus assentiu e disse:

“Madame Pomfrey me contou que Dumbledore ia comunicar a família...”

O rapaz de cabelos castanhos manteve os olhos cabisbaixos e James tocou em seu ombro, animando-o.

“Tyrone e Carter estavam no lugar errado e na hora errada de algo que não entendemos e que é e, por ora, não tem como sabermos. Não há o que fazer.” — e, mudando de assunto para diminuir a tensão da conversa, ele perguntou — “Trouxe a sua roupa de banho, Remus?”

Um rubor subiu pelas faces do rapaz de cabelos castanhos, antes que ele respondesse de modo vago:

“Talvez não seja uma boa ideia eu entrar na água. Meu ciclo lunar foi terrível e tô com muitos arranhões...”

James arqueou as suas sobrancelhas.

“Achei que essa era uma questão já superada. Bom, pode ser que quando o Sirius chegar você se anime. Olha esse espaço que meus pais criaram para a gente!”

Remus pareceu um pouco sem graça.

“Tem outra coisa... Promete que não vai rir...?”

“Claro...”

O rapaz, apoiando a sua mochila no chão, tirou de dentro dela o seu short de banho, com uma expressão desalentada. James mexeu nos seus óculos, tentando entender a figura do golfinho com o polegar levantado. Ao fim, o rapaz de cabelos rebeldes não pode evitar uma risada.

“Você falou que não ia rir!”

“Não estou rindo de você, Remmy, mas a cara desse golfinho parece que sofreu uma Maldição Imperdoável. O que fez com o seu short de banho? Ele parece também um pouco transparente...” — falou Potter erguendo a sunga diante da luz solar.

Remus sacudiu a cabeça.

“É a minha roupa de banho de quando eu tinha nove anos! Não achamos nenhuma à venda nesse período de outono e o meu pai usou um feitiço para esticar o tecido. Não quero vestir algo assim. Por isso, acho melhor eu não entrar na piscina. Meus pais disseram que, amanhã, a gente pode procurar em uma loja da região algo para eu vestir...”

James olhou o rapaz de cima a baixo por alguns segundos como se medisse o seu corpo.

“Vem comigo!” — ele, sendo seguido por Remus.

Os dois garotos desceram as escadas e entraram no quarto de James. Remus se surpreendeu também com o tamanho do lugar. A cama do rapaz era imensa e o ambiente, bem iluminado. Da janela e da porta francesa, era possível ver um pedaço da floresta próxima à propriedade. Sobre a escrivaninha, havia um tampo de vidro fosco com alguns retratos e, nas prateleiras, inúmeros livros. Também havia a vassoura de James e algumas bandeirolas dos times de Quadribol, pelos quais o rapaz torcia, pregados na parede.

Lupin se sentiu novamente constrangido como havia se sentido, entrando no quarto suntuoso de Sirius e se deparando com presentes caros empilhados na mesa e sofá de Black. Remus havia deixado os garotos dormirem no chão quando se hospedaram na sua casa. No chão! Remus havia se esforçado para fazer a cama improvisada parecer aconchegante, mas, certamente, estava muito longe do conforto com o qual os amigos estavam acostumados.

James se ajoelhou diante do gaveteiro do seu quarto e pareceu conferir mais uma vez o corpo de Remus. Por fim, ele escolheu uma sunga vermelha e outra branca, passando-a ao rapaz.

“Experimenta. Acho que devem ficar bem em você...”

Remus recusou a oferta imediatamente.

“De forma nenhuma, James! São as suas roupas! Não vim aqui para criar nenhum transtorno...”

“Experimenta!”

“Não!”

“Aceita, porra!”

Durante um minuto aproximadamente, James insistiu e Remus recusou. Por fim, o rapaz de cabelos rebeldes conseguiu que o outro cedesse. James levou então Remus ao quarto em que ele ficaria hospedado e o garoto boquiabriu-se. Era um quarto tão grande quanto o de James e havia um banheiro só seu.

“Do lado, vai ser o quarto do Black. Ele pode vir dormir aqui de noite ou você pode ir dormir com ele se quiserem. Nossos pais vão ficar em outro andar e tem abafador de som em todos os quartos. Podem aproveitar a oportunidade de ficarem juntos. O quarto do senhor Figg fica no fim do corredor, perto do meu, e ele costuma dormir cedo. Só peço para não baterem as portas porque ele se incomoda e perde o sono.”

James se retirou, avisando que procuraria pelos Potters, a fim de saber se o almoço já seria servido. Ele encontrou o senhor Figg no corredor, trazendo toalhas limpas para o quarto de Remus.

“O almoço vai ser servido, patrãozinho James. Vim avisá-los...”

“Pode deixar que eu aviso o Remus e levo isso para o quarto dele, senhor Figg. Vai almoçar com a gente, não vai? Não se preocupe que os meus amigos não são como aqueles parentes chatos. São pessoas legais.”

“Estarei lá, patrãozinho. É uma pena ser o dia de folga da Ruth.”

James carregou as toalhas limpas até o quarto de Remus e, por distração, não bateu antes de entrar. Ele se deparou com o rapaz de cabelos castanhos sem roupa, experimentando as vestes de banho emprestadas pelo amigo. Em uma fração de segundos, James viu os arranhões e os curativos no corpo pálido do outro rapaz, antes que ele cobrisse a sua nudez com o casaco.

A lembrança de uma tarde crepuscular distante em que os seus lábios juntos ao de Sirius tocaram aquela pele lívida veio como um vento suave trazido pela tarde de outono. James desviou o olhar, colocando as toalhas sobre a cômoda próxima à porta.

“Desculpa, Remus, devia ter batido. Aqui estão as toalhas. Quando terminar, pode descer. O senhor Figg disse que o almoço já vai ser servido...”

“Ahn, certo... Me desculpa, James...” — murmurou Remus, que, diante do espelho de corpo inteiro do quarto, pudera dar uma boa olhada em seu corpo cheio de ferimentos e hematomas.

“Não, o erro foi meu...”

“Não, foi meu. Ninguém merece ver, nem que seja por acaso, os vestígios da licantropia no dia seguinte...”

Remus tinha o curativo em seu rosto e um corte fino em seus lábios. Seus olhos estavam rodeados por olheiras profundas. Como acontecia em Hogwarts, o rapaz parecia um pouco abatido após o seu ciclo lunar, mas nada além disso. O piercing reluzente no umbigo de Lupin e a nova tatuagem em sua virilha não passaram desapercebidos por James.

“Esquece isso, Remmy... Você tá bem. Muito bem mesmo.” — James, um pouco sem jeito, antes de fechar a porta atrás de si.

Remus tirou o casaco da frente do seu corpo e se fitou nu novamente diante do espelho. O rapaz se lembrou, então, da última vez em que estivera com Sirius na sexta-feira passada em um dos encontros furtivos. Na ocasião, o namorado o observava se vestir enquanto ele se preparava para partir da casa dos Blacks, utilizando a lareira. Amanhecia.

“Foi bem intenso hoje...” — havia comentado Black com o pescoço profundamente marcado pelos chupões de Remus e o peito, arranhado.

“Desculpa, Sirius. Sabe como fico próximo ao ciclo lunar. Talvez fosse melhor eu ter tomado uma poção calmante...”

“E impedir esse espetáculo?! Além do mais, eu dou conta de você!” — falou Sirius, beijando o ombro nu de Remus antes de ele vestir a camisa de botão.

Remus retirou, após alguns minutos, um potinho com a mistura da prata em pó e ditamno da sua mochila para passar o bálsamo sobre os machucados de Sirius. De bruços, o rapaz de cabelos compridos deixou que o outro espalhasse a pomada refrescante em seus arranhões.

“É impressão minha ou você tá ainda mais atraente, lobinho...?” — voltou a falar Sirius.

“É impressão sua...”

“Não é não. Quando você fizer dezesseis, vou ter que dar umas mordidas nos caras que tentarem chegar em você. Se lembra de quando a senhora Potter disse que você ia crescer e quebrar corações...? Ela profetizou. Você tem o meu coração já.”

Remus moveu os seus olhos cor de âmbar.

“Você tá delirando de sono, isso sim...”

“Pode ser, mas você tem o meu coração, garoto lobo.”

Remus sorriu. Sirius continuou:

“...Quando nós ficamos com o James nas férias, acho que ele ficou com a cabeça virada por você. Na verdade, acho que ele sempre esticou um olho para você. Os Potters são míopes, mas enxergam muito bem... Eu sempre achei você bonito, mas acreditava que era obsceno pensar isso de você, lobinho. Que desejar um menino não era certo. Eu me sentava na aula atrás de você e ficava te olhando por horas. No fundo, eu já tinha uma apaixonite aguda...”

Remus cessou os movimentos das suas mãos, ouvindo as palavras de Sirius.

“E eu me sentava na sua frente em algumas aulas, achando que você nunca ia prestar atenção em mim, Black...”

Sirius se apoiou em seu cotovelo e tocou a nuca do outro rapaz, afundando delicadamente os dedos em seu cabelo castanho, massageando-o.

“Eu te chamei uma vez assim quando estava sentado atrás de você. Não resisti. Você estava de cabeça baixa lendo e eu fiz isso em você. Você pediu para eu não te chamar mais assim e achei estranho, na época, eu ter ficado tão magoado com isso...”

Remus abaixou o seu olhar.

“Eu te parava porque você mexia comigo, Sirius. Muito. Sempre mexeu. E quando você me tocava de um modo mais intenso, eu ficava com medo de transparecer que gostava de você... Quando a gente parou de brincar de beijar, no primeiro ano, e você, no segundo, começou a namorar Samantha Jones, eu travei. Me fechei completamente. Eu estava com o coração partido e tentando lidar com a bagunça em que eu me encontrava.”

Sirius voltou a se deitar de bruços. Ele pegou um cigarro do seu estojo e o acendeu.

“Mas eu vi uma vez o James fazendo carinho na sua cabeça quando você passou mal no seu ciclo lunar e desmaiou. Foi no terceiro ano. Ele conjurou gelo com a varinha porque você bateu com a cabeça quando caiu e, depois, ficou fazendo carinho no seu cabelo. Fiquei olhando para ver se você ia pedir para ele parar também, mas você não pediu. Você deixou. E eu me senti repelido. Afastado por você. Parecia que só o Potter podia ser afetuoso com você. E eu ficava de fora. Ficava puto.”

Remus voltou a deslizar os seus dedos pelos machucados de Sirius.

“Com ele era fácil deixar porque eu não estava apaixonado pelo James, assim como ele não estava apaixonado por mim. É fácil demonstrar afeto para um amigo. É fácil receber também.”

Sirius retorquiu, franzindo o cenho quando as pontas dos dedos de Lupin tocaram em um corte mais fundo.

“Mas ele não é só nosso amigo, Remus. Ele não é como o Pettigrew, as Morganas e o Dayal são para a gente. Eu não faria nunca com os meus outros amigos o que fizemos no último verão com James Potter...”

Remus ponderou.

“Você e o James ficavam, Sirius. Dormiram juntos. Existiu uma conexão forte entre vocês dois, apesar de terem se afastado.”

“Você também ficou com ele, Remus... E gostou da experiência de ficar com dois garotos.”

Remus permaneceu um tempo pensativo.

“O que você acha que nos une, Black?”

“Além do Amor? A loucura e o modo que somos deslocados. Eu não presto, nem o James e nem você. Não somos rapazes bonzinhos e inocentes. Somos três garotos tentando criar um mundo ao nosso redor e despedaçando coisas, às vezes, meio que sem querer, porque a nossa forma de ver o mundo é essa: quebrada.”

Remus pestanejou. Um silêncio se fez no ambiente enquanto o cigarro de Black era consumido pelo fogo e os ruídos da manhã recém-chegada adentravam o quarto.

Lupin cessou os movimentos de seus dedos e se deteve um tempo segurando a mão de Sirius. Ele entrelaçou os seus dedos nos do rapaz de cabelos compridos e, em seguida, levou a sua mão até a nuca.

“Quando eu estava chupando o James, você tocou na minha cabeça e ficou conduzindo os meus movimentos. Assim...” — o rapaz de cabelos castanhos, movendo suavemente o rosto sob os dedos de Black.

Sirius fitou o outro rapaz de cima a baixo.

“E você gostou?”

“Sabe que sim...”

Sirius continuou a segurar a nuca do rapaz, mesmo quando ficaram em silêncio. Por fim, ele determinou enquanto baixava a calça do seu pijama.

“Me mostra então como chupou ele, Remus. Faz comigo o que fez com ele.”

O rapaz de cabelos castanhos se demorou um pouco mais antes de partir por meio da lareira, proporcionando aquele prazer singular a Sirius, que lhe forçava a cabeça com o movimento que ele evocara e reconhecia gostar. Sem anunciar, Black gozou na boca do outro garoto, sendo tomado por aquele prazer que remontava histórias.

Aquelas lembranças, outrora vetadas, de vez em quando, voltavam para aquelas conversas de travesseiro entre Sirius e Remus e permaneciam como segredos que os dois amarravam nas grades do espaldar de suas camas.

Para Lupin, havia sempre um estranho revelar-se quando se dormia com alguém e o rapaz tentava ainda permanecer à vontade com aquela descoberta que fazia aos quinze anos. Mesmo com Michael Carlson, Remus havia visto desvelado por trás daquele sorriso amável e olhos azuis porcelana; do intelecto corvino; da conduta impecável, aquele desejo primário quando o rapaz lhe penetrava e lhe sussurrava no ouvido que ele era “muito apertado” e por isso, “era gostoso meter nele”.

Remus havia visto também James o olhar e dizer coisas, que ainda enrubescia quando se lembrava. Havia deixado que o grifinório explorasse o seu corpo e se satisfizesse com ele. Ele e Potter permaneciam amigos, mantendo fora da luz aquela intimidade sexual e fingindo se esquecer de como era existirem com aquele desejo brutal que fez com que pulassem um sobre o outro no verão. O rapaz de cabelos castanhos se recordava ainda do amigo perguntando se podiam ir até o fim e Lupin se sentir incendiar por aquela possibilidade.

Por último, havia Black que era o mais pervertido dos três e não se satisfazia em apenas dizer obscenidades. Gostava de ouvi-las também serem ditas por Remus. Gostava de ver o monitor certinho e estudioso sendo errado e sujo com ele, para ele e por ele. Black precisava de um companheiro que conhecesse todas as regras para poder desfazê-las uma a uma, debochando das normas. Assim como ele mesmo que sabia de cor todas as etiquetas da alta sociedade para desmerecê-las. A anarquia era a sua régua.

Havia nisso tudo, também, o próprio Remus, que tentava se ajustar ao seu corpo adolescente que mudava em meio à puberdade, ao seu ciclo lupino alterado e à descoberta da sensualidade em si mesmo. No mesmo ano, Lupin havia estado com três rapazes diferentes. Ele lhes pedira também coisas e perdera o controle de si mesmo, expressando o seu próprio desejo com a virulência que aquele prazer exigia. Ele guiara cabeças, mãos e sexos até si. Movera-se sobre corpos masculinos, ansiando ser satisfeito por eles. Movera a sua cabeça, mãos e sexo até eles. Satisfizera-os.

Uma parte do rapaz de cabelos castanhos saia de si, misturara-se com aqueles amantes e talvez residisse ainda lá, constituindo-os como células ou átomos, assim como uma parte deles sempre o envolveria. Talvez fazer amor fosse isso. Tocar a parte animal, a cólera, o desejo arraigado no outro adormecido; a urgência por carinho; o cansaço de ser tão civilizado enquanto persona de olhar sereno e gestos comedidos. Talvez fazer amor fosse acolher as partes caóticas e psíquicas do outro. E de si.

Remus, Sirius e James se sentavam juntos e conversavam como jovens bruxos ingleses muito educados e amigáveis, fingindo de comum acordo que não sabiam o que eram capazes de provocar um no outro. Até quando os três aguentariam não espatifarem um pouco a lógica do universo circundante? Até quando tolerariam a asfixia da ordem até, finalmente, entediados, fazerem, com um sorriso cúmplice, as coisas se quebrarem?

Porque isso também os ligava. O malfeito feito. Não fazer nada de bom sob um juramento solene. Lupin, Black e Potter seriam para sempre aqueles garotos sentados no primeiro dia no Expresso, contemplando, através das vidraças, a extensão de si mesmos diante de outros garotos jovens; garotos distraídos; garotos bobos que, ao olharem pela janela, enxergavam nada mais do que árvores queimadas pelo verão que findava, cidades distantes anônimas e trilhos rangendo.

Remus, diante do seu reflexo no espelho do quarto de hóspedes da casa dos Potters, fitou a sua imagem machucada. Fitou a si mesmo. E tentou ver o que Black e Potter sempre viam quando olhavam em sua direção. 

 

 

Sirius bateu a cabeça, puxando coisas de dentro do seu closet. Com a mão esfregando a sua testa, o rapaz de cabelos compridos escolheu mais algumas botas que levaria para a viagem. Também separou mais quatro roupas de banho e os seus casacos. Ele trocou o terno que o seu pai o obrigara a trajar e vestiu novamente as suas calças rasgadas e a jaqueta de couro. Black também alojou alguns livros da Escola dentro da sua mala porque tinha certeza de que Remus os convidaria para estudar para o N.O.M.s pelo menos durante algum dia da semana.

Ansioso com a sua partida, Black olhou novamente ao redor, verificando se não se esquecera de nada. Ele já havia se despedira de Orion e de Walburga mais cedo de um modo um tanto seco. O rapaz enrolou então em seu pescoço o cachecol de tricô branco com o M bordado.

Ele se deteve antes de entrar na lareira quando se recordou da carteira com a foto de Remus guardada na gaveta de sua cômoda. Sirius se apressou em pegá-la e verificou a foto de Remus se virando para contemplá-lo diante do freixo de Hogwarts.

Por trás da foto, ele puxou o poema que havia descoberto preso no armário de Carlson e, também, outro pergaminho dobrado. Aquele era o poema que Remus havia lhe escrito em seu aniversário. Black leu a caligrafia inclinada do rapaz de cabelos castanhos mais uma vez:

“O que seria de nós sem o mundo?

Nós, sem o mundo, seríamos poeira cósmica soprada

E desse mundo sem nós?

Menos mundo talvez

O que seria de nós sem o Amor?

Menos nós certamente

E de mim sem ti?

Menos Amor eventualmente

Expira o medo diante do Amor

Esse temor escuro que percorre os becos

Que desliza nas calçadas

Atrás de capuzes

Gerido de covis

Dá meia volta no mundo

E cai morto

Dissolve frente ao sentir

Porque o Amor é invisível

E não pode ser acertado

Nem constrangido

Nem subjugado

Ou alvejado

Habita em nós, o Amor

Em mim e em ti

Em nossos beijos trocados

Nas palavras não ditas

Nos espaços vazios

Nos corpos ocupados

No meu estar em ti

Que é tanto quanto o teu respirar em mim

O Amor é a força do híbrido

É os nossos corpos entrelaçados

Corroendo o medo

O poder

Até que o temor se apague

E durma quieto

Feito passageiro pesadelo

Amor é a luz estelar na noite escura

Que ateias”

R.J.L.

Sirius beijou o poema e o guardou dentro da carteira. Ele consultou a seguir o seu relógio de pulso. Seis da noite. O rapaz se aproximou, então, da lareira, arriando as malas ao seu lado. Com um punhado de pó verde, Black falou em alto e bom som as palavras que ansiou dizer desde que havia chegado a Londres.

“Casa dos Potters em Oxford!”

As labaredas se tornaram mais intensas e o cenário mudou por cerca de um minuto mais ou menos por lareiras revestidas de mármore, pedra, tijolos crus ou pintados. O rapaz passou por várias passagens até finalmente chegar ao seu destino.

Com a sua experiência, Sirius se manteve de pé sobre as suas botas quando a lareira o cuspiu, mas escorregou um pouco no carpete. O ambiente estava escuro e o rapaz, com algum desconforto, pode ver alguns vultos se movendo na penumbra. Ele teve a impressão também de ouvir cochichos vindos do breu ao seu redor.

Havia algo errado. Algo falhou em seu pouso.

“Olá...” — avisou Sirius, vendo outro movimento nas sombras.

Black ouviu um som abafado e pulou sobre os seus calcanhares quando alguém, com vestes esvoaçantes, tocou em suas costas. Por um instinto adquirido no Massacre do Beco Diagonal, Sirius fechou o seu punho e acertou a criatura que se esgueirava por trás dele em cheio, levando-a ao chão.

E, com temor, ele viu outros vultos avançarem sobre ele.

Alguma coisa estava muito errada...

 

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